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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Não adianta falar sobre liberdade a um prisioneiro

Amigos, a maior parte das pessoas que são pelo menos ponderadas desejam descobrir se há alguma coisa que seja mais duradoura, na qual a vida seja mais plena, completa, e descrevem essa realidade como Deus, a verdade, ou a própria vida. Ora, para mim, existe uma realidade assim; uma coisa que é duradoura, completa, eterna, mas como tenho estado a dizer nas minhas duas últimas palestras, a própria busca da verdade nega-a, porque essa realidade é para ser uma descoberta, não para ser seguida. Espero que vejam a diferença. Se forem atrás da verdade, dessa realidade, têm que saber o que é, têm que ter uma ideia pré-concebida, mas se a começarem a descobrir, então essa descoberta é real e não a procura da verdade, portanto quero na minha breve palestra desta manhã ajudá-los antes a descobri-la, e não a segui-la.

Em primeiro lugar a verdade, ou essa realidade, não é para ser encontrada correndo atrás dela, porque quando procuramos alguma coisa isso indica que a nossa mente, todo o nosso ser está a tentar evadir-se desse conflito em que mente e o coração estão aprisionados. Ao passo que, se nos tornarmos conscientes, conscientes dos muitos obstáculos que criamos através do medo, e então libertarmos a mente desse medo, desses obstáculos, descobriremos o que é a vida eterna. Isto é, em vez de tentar descobrir o que é a verdade, descubramos quais são os obstáculos que criamos através do medo, e compreendendo a causa do medo e os seus muitos obstáculos descobriremos então o que é essa coisa que é indescritível.

Não adianta falar sobre liberdade a um prisioneiro, a um homem que está preso; ele saberá o que é a liberdade no momento em que sair da prisão. Mas a maior parte de nós está desejosa de descobrir o que é a liberdade antes de estar consciente do que são as prisões; e enquanto estivermos apenas à procura de liberdade, da realidade, da riqueza da vida, não podemos compreender, ela tem que ser imaginativa, irreal, conformada a partir de uma mente limitada e intencional. Ao passo que, se pudermos descobrir quais são as paredes da prisão que encerram a mente e o coração, e depois libertar a mente dos seus obstáculos, com toda a certeza, então, seremos capazes de descobrir aquilo que é.

Portanto quais são os obstáculos que criamos? Não é em primeiro lugar a autoridade nascida do medo? A mente é aprisionada por uma qualquer autoridade; conduzida, conformada, moldada por uma qualquer autoridade externa, seja uma autoridade religiosa ou social, ou então vocês desenvolveram uma autoridade interna. Sabem, em primeiro lugar aceita-se a autoridade externa, a da religião, a de um professor, a de um sistema social; e depois pensamos que rejeitamos essa autoridade externa, e desenvolvemos uma autoridade interna, uma lei interna, que é somente a reação da externa. Isto é, em vez de descobrirmos qual é a autoridade externa que estabelecemos para ser nossa guia, rejeitamo-la e pensamos que temos que descobrir uma lei para nós próprios, individualmente, e assim viver de acordo com essa lei. Isso é o que a maior parte das pessoas faz. Há uma autoridade externa, objetiva, que rejeitam ou compreendem, e desenvolvem uma autoridade interna, uma autoridade subjectiva.

Ora, para mim, a autoridade, seja objectiva ou subjectiva, é a mesma coisa, porque autoridade implica uma conformação, uma imitação, um controlo, um condicionamento, seja imposto externamente ou pelo esforço e exercício internos. Portanto, isso, para mim, é o primeiro obstáculo. Um homem que compreende não precisa de autoridade. Só existe a percepção, e essa percepção não requer a imitação da autoridade. Espero que entendam isto. Em primeiro lugar é-se escravo de uma autoridade social, de uma autoridade religiosa, e gradualmente vocês desenvolvem pelo conflito, pelo dissabor, aquilo a que chamam uma autoridade subjectiva, e dizem, “É a minha compreensão. Tenho que obedecer a essa lei que descobri por mim mesmo.” Enquanto a mente for apenas o instrumento de obediência, por certo que uma mente assim não pode compreender. A compreensão é percepção, não uma imposição, seja externamente ou internamente.

Mais uma vez, repetindo a mesma coisa de forma diferente, nós temos ideais externos que nos são impostos através da educação, através da política, através da influência social, do meio. Depois sentimos que nos confinam, que são limitativos, controladores, dominadores, que usurpam o nosso pensamento individual, portanto desenvolvemos os nossos próprios ideais – pensamos que desenvolvemos os nossos próprios ideais, crenças, aos quais tentamos conformar-nos. Foi isso que fizemos; rejeitamos o externo e estamos a obedecer a um ideal interno que estabelecemos para nós próprios, e pensamos que fizemos um tremendo progresso. O que fizemos foi apenas rejeitar o externo, estabelecer as nossas próprias crenças, e estamos a tentar imitar, a tentar seguir essas crenças. Ora esta ideia de seguimento, de imitação, de ser orientado, controlado, dominado, é, para mim, precisamente o primeiro obstáculo que impede a percepção clara de qualquer experiência, ou aquela realização em perfeita compreensão, porque toda a nossa mente, quando está a obedecer, a ser controlada, é dominada pela ideia de obtenção. Pensamos na sabedoria, na compreensão, na plenitude, em termos de acumulação, não como uma infinita flexibilidade, e por isso, eterna. Aquilo que é flexível é duradouro, mas aquilo que está sobrecarregado, o resultado de muitas, muitas acumulações, e por isso susceptível de resistência, é transitório e não pode compreender.

Receio ver pelas vossas caras que há pouca compreensão do que estou a dizer. Esperem um momento, senhores; receio que ouvindo uma ou duas palestras não vão compreender o que estou a dizer. O que ocasiona a compreensão não é escutar, apenas escutar, mas antes tentar realizar na ação.

Portanto pondo as coisas de forma diferente, a mente e o coração são o resultado do meio, e então o vosso meio controla a maneira como pensam e a maneira como sentem. Não digam: “Isso é tudo – mente? Tem que haver mais qualquer coisa, qualquer coisa que seja mais duradoura.” Eu disse que para descobrir isso, vamos começar pelas coisas que conhecemos, e pelo princípio – não a partir de uma coisa misteriosa que não conhecemos, sobre a qual podemos apenas romancear. Portanto a mente e o coração, pensamento e sentimento, são o resultado do meio, e enquanto forem escravos desse meio, não pode haver compreensão; não podem pois dominar o meio, e dominar o meio é compreendê-lo.

Isto é, o meio é afinal o sistema social e esse sistema a que chamamos religião, feito de muitas doutrinas, crenças, dogmas, inúmeros preconceitos, e a mente é escrava desse meio. Por exemplo, se dependerem da mente para a vossa subsistência, como a maior parte das pessoas depende, como toda a gente tem que depender, vocês são controlados em grande parte pelas crenças que sustentam. Suponham que são Católicos Romanos, e querem encontrar um trabalho num local Protestante, ou se são Protestantes, querem encontrar um trabalho numa instituição ou num escritório Católico Romano; se eles descobrirem as vossas crenças, poderá não ser muito fácil encontrar um trabalho, portanto vocês põem as vossas crenças de lado ou aceitam momentaneamente o que os outros dizem, porque desejam ganhar dinheiro, porque têm que ter dinheiro. Através do meio externo, mentalmente, vocês estão sob controlo, portanto as vossas crenças são apenas o resultado do meio, são condicionadas pelo meio; e enquanto não deitarem abaixo o falso meio da sociedade e da religião, as vossas crenças e os vossos ideais não têm valor, porque são apenas o resultado do meio nascido do medo.

Portanto para compreender isso que é duradouro, eterno, tem que haver conflito entre o indivíduo e o meio, e somente nesse conflito podem trespassar as paredes da limitação. Aceitamos irrefletidamente ou inconscientemente tantas condições impostas pela sociedade ou pela religião, aceitamo-las como sendo verdadeiras. Tradicionalmente a nossa mente é conduzida a um molde, e nós inconscientemente aceitamos essas coisas, e por isso somos escravos delas; e é somente pelo questionamento contínuo, pela consciência constante, que podemos libertar a mente do meio, e por consequência ser senhores do meio.

Pergunta: A virtude não parece ser uma característica proeminente nos seus ensinamentos. Porquê? A vida virtuosa tem um papel tão pequeno assim na realização da verdade?

Krishnamurti: O que quer dizer com virtude? Com virtude quer referir-se a um contraste ao vício? Isto é, chama à coragem, à bravura, uma virtude em contraste com o medo? Em primeiro lugar, tem-se medo, e você acha que tem que desenvolver a ideia de coragem, e portanto procura a coragem; isto é, está fugir do medo, e a este processo de fugir de medo chama-lhe bravura, coragem, que se torna virtude. Para mim, um homem que procura a virtude já não é virtuoso; ao passo que, se começar a descobrir o que causa o medo, não a encobri-lo pela ideia do que você pensa que é a coragem, mas tentar descobrir qual é a causa fundamental do medo, então nessa descoberta da causa você não é nem corajoso nem temeroso, está livre de ambos os opostos.

Afinal, a virtude é apenas o resultado de um falso meio, não é? Para resistir ao meio, vocês têm que ter, hoje em dia, um grande carácter. Pelo menos é a isso que chamam carácter. Isto é, a sociedade criou, ou antes nós ajudamos a criar uma sociedade na qual ser não-possessivo é considerado uma grande virtude. Não é? Estabelecemos uma sociedade onde a possessividade indica uma luta constante com o próximo, consciente ou inconscientemente, uma batalha constante, assertividade, um contínuo eliminar de outros; e chamam a um homem que não quer fazer isso virtuoso, nobre. Para mim isso nada tem a ver com nobreza ou virtude. Se o meio for alterado, se as condições sociais forem alteradas, então ser possessivo ou não-possessivo é a mesma coisa, então não chamam á possessividade nem uma virtude nem uma coisa má. Ao passo que, tal como a sociedade está constituída, afastar-se destes falsos padrões é considerado ou uma virtude ou um pecado. Mas se começarmos a alterar o meio em a mente e o coração estão presos, então toda esta ideia de virtude e pecado têm um significado totalmente diferente; porque, para mim, a virtude não é para ser procurada, para ser obtida, para ser possuída, ou o pecado para ser execrado ou para se fugir dele – seja o que for que signifique pecado.

Portanto para mim, viver naturalmente exige muita inteligência, não uma vida brutal, selvagem, irrefletida, uma vida primitiva – não me refiro a isso quando uso a palavra “naturalmente”. Só podem viver uma vida natural, plena, espontânea, criativa, inteligente quando compreenderem os falsos padrões e os verdadeiros padrões da sociedade e se tiverem separado deles porque compreenderam o seu significado; em consequência, já não estão limitados por esta procura do oposto a que chamamos virtude.

Colocando a questão com brevidade, quando têm medo procuram coragem, e chamamos a essa coragem virtude; mas, realmente, o que estão a fazer? Estão a fugir do medo. Estão a tentar encobrir o medo com uma ideia a que chamam coragem, mas o medo continuará a existir e a mostrar-se em diferentes formas; ao passo que, se tentarem descobrir qual é a causa fundamental do medo, então a mente não é aprisionada no conflito dos opostos.

Pergunta: Acha que o método da psicoanálise, trazer os motivos da mente inconsciente ao conhecimento do consciente, ajudará o indivíduo a libertar a mente dos complexos e das ânsias primitivas e egotistas, e assim permitirá que o seu pensamento o leve a essa felicidade de que fala?

Krishnamurti: Isto é, a mente tem muitos complexos, e a questão é se pode libertar a mente deles pela auto-análise. Não é essa a questão? A mente e o coração têm muitos bloqueios, obstáculos a que chamamos complexos – inconscientes, escondidos. Podemos libertá-los; podemos extirpá-los através de processos de auto-análise, e em consequência libertar a mente da sua opinião egotista e limitada?

Receio que tenham que acompanhar isto um pouco cuidadosamente, porque pode ser a primeira vez que ouvem isto, e podem achá-lo bastante complicado, mas não é. Para mim, a mente só se pode libertar desses obstáculos em plena consciência, quando todo o vosso ser está ativo, consciente. Ora, no processo da auto-análise, o vosso ser total não está a funcionar; somente essa parte de vocês a que chamam mente, pensamento, intelecto. Com essa única parte da mente tentam descobrir os complexos escondidos; enquanto que, digo eu, só podem trazer esses obstáculos escondidos para a ação consciente e plena, quando estiverem plenamente conscientes no presente.

Colocarei a questão de maneira diferente. Ora suponham que têm um complexo de snobismo. Muita gente o tem. Como vão descobrir? Descobrir, para mim, não reside neste processo de auto-análise; isto é, examinar intelectualmente as ações que tiveram lugar, e assim descobrir esta ideia de snobismo. Em primeiro lugar, vocês querem descobrir se são snobes ou não. Não querem alterar isso, mas sim descobrir, não é? Esperem um momento, por favor. Acompanhem isto. Quando o descobrem, então agirão de uma maneira ou de outra. Em primeiro lugar, têm que descobrir se são snobes, portanto, como vamos descobri-lo? Somente quando tiverem plena consciência, quando estiverem completamente conscientes do que estão a dizer e a sentir no momento de o dizer e de o sentir – não depois que o tenham dito ou sentido. Não é assim? Isto é, se estiverem completamente conscientes do que estão a dizer e do que estão a pensar, então nessa total consciência descobrirão por vocês próprios se são snobes ou não; não sentando-se e analisando o acontecimento intelectualmente. Sei que estão a surgir daqui inúmeras questões, mas não posso respondê-las todas. Mas se pensarem nisso, verão que desta maneira, estando continuamente alerta, totalmente conscientes do que estão a fazer, trarão o inconsciente, o escondido à consciência total, e assim criarão a perturbação que é necessária, e por intermédio dessa perturbação libertarão a mente desse complexo, desse obstáculo.

Pergunta: Parece considerar a persecução de ideais como uma evasão da vida. Não há uma essência da verdade nos ideais mais elevados?

Krishnamurti: Porque querem ideais? Não digo que não sejam verdades; mas porque os querem? Dizemos que precisamos deles porque não podemos, sem um padrão, uma medida, um ideal, orientar as nossas vidas através das batalhas e lutas constantes da vida. Não é isso? Portanto queremos um padrão, uma medição contínua pela qual julgar as nossas ações na vida diária. O que é que isso indica? Indica que estamos mais interessados no ideal, na medição, que nos conflitos, nas lutas, nos sofrimentos que nos confrontam. Portanto, como são tão grandes, tão contraditórias, tão imensas, estas lutas, estabelecemos ideais como um meio de nos evadirmos deles. Ao passo que, para mim, para compreender o conflito, os infortúnios, os sofrimentos, a mente tem que estar livre para os compreender como eles são, não com uma medida, não com um padrão. Certamente que, quando estão realmente em grande conflito, em grande sofrimento, nesse momento não estão a pensar no ideal, no que deveriam ou não fazer. Estão tão consumidos pelo sofrimento que querem descobrir. Então não estão à procura de um ideal que os faça sair disso. É somente quando o sofrimento diminui, quando se acalma, que se voltam para um ideal que os ajude a sair desse sofrimento.

Para mim, todos os ideais têm que ser um meio de alívio do sofrimento, e, por isso, não podem explicar-lhes a razão do sofrimento. Imaginem uma pessoa típica, e verão que tem inúmeros ideais, crenças, e tenta viver durante todo o dia de acordo com eles, se é que pensa nisso; portanto ela faz da vida uma batalha contínua entre o que são factos e o que ela quer ser. Agora, se ela perceber, essencialmente, o que são os factos, e reconhecer o seu significado, então descobrirá a própria raiz do consolo, e em consequência liberta-se destes falsos padrões, destas falsas medidas, que estão continuamente a tentar conformar a sua mente a um padrão específico.

Pergunta: Acredita no Comunismo, conforme compreendido pelas massas?

Krishnamurti: Não sei o que as massas compreendem, portanto não o posso explicar. Então o que é isso, afinal? Vamos olhar para isso, não do ponto de vista de qualquer “ismo”, mas do ponto de vista da condição humana comum. Como pode existir verdadeira compreensão dos povos quando se consideram Novo Zelandeses, e eu me considero um Hindu? Como podemos contactar uns com os outros? Como pode haver uma relação vital entre nós, uma compreensão humana entre nós? Ou, se nos dividirmos por rótulos, vocês denominando-se Cristãos e eu Hindu, com determinados preconceitos, dogmas, credos, como poderá haver verdadeira fraternidade? Podemos falar de tolerância, que é uma invenção intelectual para os manter onde estão e para me manter onde estou, e tentarmos ser amistosos. Isto não significa que eu esteja a falar de uniformidade; agora há uniformidade. Vocês são todos de uma crença, de um ideal, de um dogma, embora possam variar nessa prisão, pintando cada barra diferentemente; mas é uma prisão, e vocês querem preservar a vossa prisão com as suas decorações, e os Hindus querem conservar as suas prisões com as suas decorações, e tentam ser fraternos, e a esta fraternidade chama-se tolerância. Ao passo que, para mim, toda esta ideia é a própria negação da verdadeira compreensão, da unidade humana. Portanto através do processo do tempo, podem ser levados, como tantos escravos, a aceitar o Comunismo, conforme aceitam agora o Capitalismo; e nessa força de serem conduzidos, não pode haver ação voluntária, tal como agora não pode haver ação voluntária. Portanto, se aceitarem meramente qualquer um dos dois, e viverem em qualquer um dos dois, certamente que não estão a ser criativamente individuais. São apenas como cordeiros, sejam cordeiros capitalistas ou cordeiros comunistas, conduzidos pelo meio, pela situação, forçados a aceitar. Com certeza que uma coisa assim não é moral; uma coisa assim não é rica ou espiritual, verdadeira. E eu afirmo que a verdadeira condição humana só pode acontecer quando vocês, como indivíduos, fizerem estas coisas voluntariamente, porque vêem nisto a necessidade, a imensa profundidade – não apenas a excitação superficial. Então haverá a possibilidade de os indivíduos viverem criativamente, completamente; não quando são conduzidos.

Pergunta: Qual considera ser a causa do desemprego?

Krishnamurti: Vocês sabem que construímos durante muitos séculos, durante muitas gerações, uma estrutura baseada na competitividade individual, na auto-segurança implacável, onde os mais espertos, os mais astuciosos, chegam ao topo, e têm todos os meios diretivos nas mãos. É óbvio. Vemos isto em todo o lado, e naturalmente, estando o mundo dividido em nacionalidades, que são a culminação dessa possessividade e da ganância dos indivíduos, naturalmente tem que haver uma distribuição desigual, e por isso, naturalmente, desemprego. Sabem, para mim, é muito simples ver isto. Talvez para vocês seja muito complicado, embora possam ser mais instruídos que eu, embora possam ter lido muito. A causa, para mim, é muito simples. Portanto o que vamos fazer? Isto é, vocês dir-me-ão: “Porque não fala das condições comuns de trabalho, porque não trabalha para a mudança das condições econômicas, então tudo estaria bem; portanto porque não concentrar toda a sua mente neste assunto específico, e depois alterá-lo?” Como posso alterar a totalidade da sociedade da qual vocês e eu fazemos parte? Como podemos alterá-la? Em primeiro lugar tendo uma atitude inteligente, e em consequência uma ação, para com a totalidade da vida. Isto é, não podem pegar no problema econômico em si e dizer, “Resolva isso, e todo o resto estará resolvido.” O problema econômico é apenas um sintoma de todo o problema humano, portanto se pudermos criar uma opinião inteligente e por isso uma ação inteligente como um todo, relativamente a todos os seres humanos, então agiremos definitivamente com respeito às condições econômicas.

Portanto sinto que o que tenho que fazer é criar uma opinião, não apenas uma opinião intelectual, mas uma opinião nascida da ação; e então, quando houver tal opinião, então, sendo inteligentes, usarão qualquer sistema, qualquer sistema inteligente para provocar uma mudança completa no sistema econômico.

Pergunta: Não acredita nem na posse nem na exploração; mas sem uma ou sem outra como poderia viajar e dar conferência ao mundo?

Krishnamurti: Dir-lhes-ei muito simplesmente. Para viver no mundo sem exploração, têm que se retirar para uma ilha deserta. Tal como é o sistema – como é agora – para viver, se viverem nesse sistema, têm que o explorar.

Compreendamos o que quero dizer com exploração. Ora, para mim, se não descobrirem por vocês próprios inteligentemente quais são as vossas necessidades, então tornam-se exploradores. Se descobrirem por vocês próprios, inteligentemente, quais são as vossas necessidades, então não são exploradores; mas isso requer muita inteligência. Em primeiro lugar, nós temos muitas coisas porque pensamos que pela posse de muitas coisas, seremos felizes. Portanto para possuir essas muitas coisas temos que explorar; ao passo que, se tiverem realmente considerado quais são as vossas necessidades essenciais, nisso não há exploração, de facto, se chegarem a pensar nisso. E eu descobri por mim quais são as minhas necessidades. No que respeita às minhas viagens, os amigos pedem-me para ir a diferentes lugares, e eu vou. Se não mo pedirem, não viajo; e mesmo que não fale ou ensine, posso perfeitamente fazer qualquer outra coisa. Agora, se eu quisesse convertê-los a todos a uma forma específica de pensamento, e se os forçasse, e recebesse fundos para o alterar – a isso chamar-se-ia exploração. Aquilo de que falo é o inevitável, quer gostem ou não, e o homem inteligente aceita inteligentemente o inevitável. Portanto não sinto que estou a explorar, e sei que não estou, nem sou possessivo.

Mais uma vez esse sentido de possessividade – para se estar realmente livre de tudo isso, tem que se estar tão alerta, tão consciente, para não se enganar a si próprio, porque no pensamento de que se está livre da possessividade pode residir muita auto-ilusão. Pensa-se tantas vezes que se é livre, mas vive-se realmente no manto da auto-ilusão. No momento em que a vossa necessidade está satisfeita, não se apegam a ela; não sentem direitos de propriedade sobre ela.

Pergunta: Ficaria surpreendido se o Cristo dos Evangelhos aparecesse de repente, para que todos o vissem?

Krishnamurti: Sabem, a mente quer milagres, ideias românticas, fenômenos sobrenaturais extraordinários. Não que não haja milagres, não que não haja fenômenos sobrenaturais; mas nós procuramo-los porque as nossas mentes e corações são tão pobres, tão vazios, tão miseráveis, tão feios, que pensamos que podemos dominar essa pobreza de espírito e de coração procurando esses milagres, correndo atrás de fenômenos, perseguindo-os. E quanto mais procurarem fenômenos e milagres, menos ricos serão, menos plenitude de mente terão, menos afeto. Quando existe plenitude de mente e coração, então haja ou não milagres ou fenômenos suprafísicos, isso terá muito pouca importância. Ora nós criamos tais divisões, tais distinções entre o físico e o suprafísico, porque o físico é tão intolerável, tão feio. Queremos fugir, e vocês seguem qualquer pessoa que os possa conduzir ao suprafísico, e chamam a isso espiritual; mas nada mais é que outra forma de autêntico materialismo grosseiro. Ao passo que a verdadeira espiritualidade consiste em viver harmoniosamente, com perfeita harmonia no vosso coração e na vossa mente, porque há compreensão, e nessa compreensão há o prazer de viver.

A Arte de Escutar - Jiddu Krishnamurti - 
2ª palestra nos jardins da Escola de Vasanta 31 de março, 1934.

O que é a ação correta?

Amigos, esta manhã tentarei primeiro responder a algumas das perguntas, e depois tentarei fazer um resumo do que tenho estado a dizer, no final das minhas respostas.

Pergunta: Para se descobrirem valores duradouros, é necessária a meditação, e, se assim for, qual é o método correto de meditação?

Krishnamurti: Pergunto-me o que é que as pessoas querem normalmente dizer com meditação. Tanto quanto posso perceber, a assim chamada meditação que é apenas concentração, não é meditação nenhuma. Estamos habituados a esta ideia de que concentrando-nos, fazendo um tremendo esforço para controlar a mente e fixá-la numa determinada ideia ou conceito, em determinada figura ou imagem, focando a mente num ponto específico, estamos a meditar.

Ora, o que acontece quando estão a tentar fazer isso? Estão a tentar concentrar a vossa mente numa determinada ideia e a banir todas as outras ideias, todos os outros conceitos; estão a tentar fixar a mente nessa ideia, a forçar a mente a limitar-se a isso, seja a um grande pensamento, a uma imagem, ou a um conceito que recolheram num livro. O que acontece quando estão a fazer isso? Outras ideias se aproximam e vocês tentam bani-las, e assim se mantém este conflito contínuo. As ideias deslizam para o que vocês não querem, na tentativa de fixar a vossa mente numa determinada ideia. Estão apenas a criar conflito; a fazer com que a mente se torne mais pequena, a contrair a mente, a forçar a mente a fixar-se numa determinada ideia; ao passo que, para mim, o regozijo da meditação consiste, não em forçar a mente, mas em tentar descobrir o significado total de cada pensamento à medida que surge. Como podem dizer qual é uma ideia melhor ou uma ideia pior, qual é nobre, e qual é ignóbil? Só o podem dizer quando a mente tiver descoberto os verdadeiros valores das ideias. Portanto, para mim, o regozijo da meditação consiste neste processo de descobrir o valor correto de cada pensamento. Descobrem assim por um processo natural o significado de cada pensamento, e em consequência libertam a mente deste conflito contínuo.

Suponham que estão a tentar concentrar-se numa ideia – pensam no que vão vestir, essa ideia chega à vossa mente, ou em quem vão ver, ou no que vão almoçar. Completem cada pensamento, não tentem bani-lo; verão então que a mente já não é um campo de batalha de ideias concorrentes. Assim a vossa meditação não se limita a algumas horas, ou a alguns momentos durante o dia, mas é uma contínua vigilância da mente e do coração durante todo o dia; e isso, para mim, é a verdadeira meditação. Há nisso paz. Há nisso uma alegria. Mas a chamada meditação que vocês praticam como disciplina para obter algo em troca, é, para mim, uma coisa perniciosa, destrói realmente o pensamento. Porque é que somos forçados a fazer isso? Porque é que nos forçamos a pensar concentradamente durante alguns momentos durante o dia em coisas que pensamos que gostamos? Porque no resto do dia fazemos algo que não gostamos, que não é agradável. Por isso dizemos, “Para encontrar, para pensar sobre algo que eu goste, tenho que meditar.” Estão portanto a dar uma resposta falsa a uma causa falsa. Isto é, o meio – econômico, social, religioso – impede-os de fazer, de realizar aquilo que querem fazer; e como os impede, têm que encontrar momentos, uma hora ou duas, na qual viver. Portanto, disciplinar a mente, forçá-la a um determinado padrão é, então, necessário, e daí toda a ideia de disciplina. Ao passo que, se realmente compreendessem a limitação do meio, e irrompessem por ele com ação, então este processo de disciplinar a mente para agir de uma certa maneira tornar-se-ia completamente desnecessário.

Por favor, têm que refletir sobre isto muito cuidadosamente se quiserem ver o significado de tudo isto; porque uma mente disciplinada – não uma mente que é disciplinada para levar a cabo uma técnica – é uma mente que foi treinada ao longo de um certo e determinado padrão, e esse padrão é o resultado de uma falsa sociedade, de falsas ideias, de falsos conceitos. Ao passo que, se forem capazes de penetrar e ver quais são as coisas que são falsas, então a mente deixará de ser um campo de batalha de ideias contraditórias; e nisso descobrirão que há verdadeira contemplação. A alegria do pensamento está então desperta.

Pergunta: Qual é o estado de consciência de que fala? Poderia tratar disso um pouco mais a fundo?

Krishnamurti: Senhores, estamos habituados ao esforço contínuo para fazer qualquer coisa; pensar é fazer um esforço tremendo. Estamos habituados a este esforço incessante. Agora, quero expor o que, para mim, não é um esforço mas uma maneira de viver. Quando sabem que algo é um obstáculo, que algo é um veneno, quando todo o vosso ser se torna consciente de algo que é venenoso, não há esforço para o rejeitar: já se afastaram dele. Quando sabem que algo é perigoso, venenoso, e quando se tornam totalmente conscientes disso na vossa mente e no vosso coração, já se libertaram disso. É somente quando não sabem que é veneno, ou quando esse veneno dá prazer e ao mesmo tempo dor, que então brincamos com ele.

Ora, nós criamos muitos obstáculos, tais como o nacionalismo, o patriotismo, o seguimento imitativo da autoridade, o submetimento às tradições, a procura contínua de conforto. Tudo isto nós criamos através do medo. Mas, se soubermos com todo o nosso ser que o patriotismo é realmente uma coisa falsa, uma coisa venenosa, então não terão que batalhar contra ele. Não têm que se livrar dele. No momento em que sabem que é uma coisa venenosa, ele já desapareceu. Como vamos descobrir que é uma coisa venenosa? Não nos identificando nem com o patriotismo nem com o anti-patriotismo. Isto é, vocês querem descobrir se o patriotismo é um veneno; mas se se identificarem seja com o patriotismo seja com o sentimento de anti-patriotismo, então não podem descobrir o que é verdadeiro. Não é assim? Querem descobrir se o patriotismo é um veneno. Por isso a primeira coisa é darem-se conta, tornarem-se conscientes do facto de não-identificação com qualquer um deles. Assim, quando não estão a tentar identificar-se seja com o patriotismo, seja com o sentimento contra o patriotismo, então começam a ver o verdadeiro significado de patriotismo. Dão-se então conta do seu verdadeiro valor.

Afinal, o que é o patriotismo? Estou a tentar ajudá-los a darem-se conta agora deste veneno. Não significa que tenham que aceitar ou rejeitar o que estou a dizer. Consideremos juntos, e vejamos se não é um veneno; e no momento em que virem que é veneno, não precisam de lutar contra ele. Ele desapareceu. Se virem uma cobra venenosa, afastam-se dela. Não lutam contra ela. Ao passo que, se não tiverem a certeza que é uma cobra venenosa, então vão e brincam com ela. Do mesmo modo, tentemos descobrir sem aceitação ou oposição se o patriotismo é ou não um veneno.

Em primeiro lugar, quando é que são patriotas? Não são patriotas todos os dias. Não mantêm o sentimento patriota. Vocês estão a ser cuidadosamente treinados para o patriotismo nas escolas, através dos livros de história que dizem que o vosso país derrotou um outro país, que o vosso país é melhor que qualquer um outro país. Porque é que tem havido este treino da mente para o patriotismo, que, para mim, é uma coisa anti-natural? Não que não se aprecie a beleza de um país talvez mais que a dos outros; mas essa apreciação nada tem a ver com patriotismo, é uma apreciação de beleza. Por exemplo, há algumas partes do mundo onde não existe uma única árvore, onde o sol é abrasadoramente quente; mas isso tem a sua própria beleza. Certamente que um homem que goste da sombra, da dança das folhas, não é sem dúvida patriótico. O patriotismo tem sido cultivado, ensinado, como um meio de exploração. Não é uma coisa instintiva no homem. Aquilo que é instintivo no homem é a apreciação da beleza, e não dizer “o meu país”. Mas isso foi cultivado por aqueles que desejam procurar mercados estrangeiros para as suas mercadorias. Isto é, se eu tenho os meios de produção nas minhas mãos, e saturei este país com os meus produtos, e depois quero expandir-me, tenho que ir a outros países, tenho que conquistar os mercados em outros países. Por isso tenho que ter meios de conquista. Portanto, digo “o nosso país”, e estimulo toda esta coisa através da imprensa, da propaganda, da educação, dos livros de história, etc., este sentido de patriotismo, para que num momento de crise todos saltemos para combater outro país. E é sobre este sentimento de patriotismo que os exploradores jogam até que vocês sejam tão enganados que estejam prontos para combater pelo país, chamando bárbaros aos outros, e tudo o mais.

Isto é uma coisa óbvia, não é invenção minha. Podem estudá-lo. É tão óbvio se o virem com uma mente imparcial, com uma mente que não se quer identificar com um ou com outro, mas que tenta descobrir. O que acontece quando descobrem que o patriotismo é realmente um obstáculo para a vida completa, plena, real? Não têm que batalhar contra ele. Ele desapareceu completamente.

Comentário: Estaria contra a lei da nação.

Krishnamurti: A lei da nação! Porque não? Sem dúvida que se vocês estiverem livres do patriotismo e a lei da nação interferir convosco, e os levar para a guerra e vocês não se sentirem patriotas, então podem tornar-se objetores de consciência, ou ir para a prisão, e depois têm que combater a lei. A lei é feita pelos seres humanos, e pode certamente ser infringida pelos seres humanos. (Aplauso) Por favor não se incomodem em bater palmas, é uma perda de tempo.

Portanto o que é que está a acontecer? O patriotismo, seja do tipo ocidental, seja do tipo oriental, é o mesmo, um veneno nos seres humanos que está realmente a distorcer o pensamento. Portanto o patriotismo é uma doença, e quando se começarem a aperceber, a dar-se conta de que é uma doença, então verão como a vossa mente reage a essa doença. Quando, em tempo de guerra, todo o mundo falar de patriotismo, vocês saberão a falsidade disso, e por esse motivo agirão como um verdadeiro ser humano.

Da mesma maneira, por exemplo, que a crença é um obstáculo. Isto é, a mente não pode pensar completamente, totalmente, se estiver amarrada a uma crença. É como um animal que está amarrado a um poste com uma corda. Não importa que essa corda seja comprida ou curta; está amarrado, por isso não pode deambular plenamente, livremente, extensivamente, completamente; só o pode fazer dentro do comprimento dessa corda. Por certo que essa deambulação não é pensar: só se move dentro do círculo limitado de uma crença. Ora, a mente dos homens está amarrada a uma crença, e por isso são incapazes de pensar. A maior parte das mentes identificaram-se com uma crença, e por isso o seu pensamento está sempre circunscrito, limitado por essa crença ou ideal; daí a incompletude do pensamento. As crenças separam as pessoas. Portanto se entenderem isso, se realmente reconhecerem com a totalidade do vosso ser que a crença está a condicionar o pensamento, então o que acontece? Dão-se conta de que o vosso pensamento está condicionado, dão-se conta que o vosso pensamento está aprisionado, amarrado a uma crença. Na chama da consciência reconhecerão o disparate, e em consequência começam a libertar a mente do condicionamento, e começam por isso a pensar completamente, integralmente.

Por favor experimentem isto, e verão que a vida não é um processo de batalha contínua, batalha contra os padrões em oposição ao que querem fazer. Não haverá então nem o que querem fazer, nem o padrão, mas sim ação correta, sem identificação pessoal.

Peguem noutro exemplo. Têm medo do que o vosso vizinho possa dizer – um medo muito simples. Ora, não adianta desenvolver o oposto, que é dizer, “Não me importo com o que o vizinho diz”, e fazer algo em reação a essa oposição. Mas se realmente se derem conta de porque é que têm medo do vizinho, então o medo cessa totalmente. Para descobrir esse “porquê”, a sua causa, têm que estar plenamente conscientes nesse momento de medo, e então verão o que é: têm medo de perder o emprego, podem não casar o vosso filho ou a vossa filha, querem ajustar-se à sociedade, e todo o resto. Começam assim a descobrir através deste processo de vigilância da mente, desta consciência contínua; e nessa chama se queima a escória dos falsos padrões. Então a vida não é uma batalha. Então nada há para ser conquistado.

Podem não aceitar isto. Podem não aceitar o que estou a dizer, mas podem experimentar. Experimentam com estes três exemplos que lhes dei, o medo, a crença, o patriotismo, e verão como a vossa mente está amarrada, condicionada, e por isso a vida se torna um conflito. Onde a mente estiver escravizada, condicionada, tem que haver conflito, tem que haver sofrimento. Porque, afinal, o pensamento é como as águas de um rio. Tem que estar em contínuo movimento. A eternidade é esse movimento. Se vocês condicionarem esse fluxo livre do pensamento, da mente e do coração, então têm que ter conflito, e esse conflito então tem que ter um remédio e começa então o processo: a procura de remédios, os substitutos, e o nunca tentar descobrir a causa desse conflito. Portanto através do processo de plena vigilância, vocês libertam a mente e o coração dos obstáculos que foram estabelecidos em seu redor através do meio; e enquanto o meio estiver a condicionar a mente, enquanto a mente não tiver descoberto o verdadeiro significado do meio, tem que haver conflito, e por isso a falsa resposta que é a auto-disciplina.

Pergunta: Quando se descobriu que cada método de evasão do presente resultou em superficialidade, que mais há para se fazer?

Krishnamurti: Quando vocês descobrem que estão a evadir-se do conflito, que a vossa mente está a fugir através dos remédios superficiais, querem saber o que fica. O que permanece? Inteligência, compreensão. Não é assim? Suponham que têm um sofrimento qualquer, seja o sofrimento da morte, ou um sofrimento momentâneo de qualquer tipo. Vocês fogem, quando há o sofrimento da morte, através desta crença na reencarnação, ou de que a vida existe e continua do outro lado. Entrei em pormenores na noite passada, portanto não o farei aqui. Mas quando reconhecem que é um escape, o que acontece? Então olham para o remédio para descobrir o seu significado, para descobrir se tem algum valor; e no processo de descoberta, nasce a inteligência, a compreensão; e essa inteligência suprema é a própria vida. Não querem nada mais. Ou suponham que tem um tipo qualquer de sofrimento momentâneo, e querem fugir-lhe e tentam divertir-se, tentam esquecê-lo. Tentando esquecer, nunca compreenderão a causa desse sofrimento. Então aumentam e multiplicam os meios de esquecimento, pode ser um cinema, uma igreja, ou qualquer coisa. Portanto não se trata do que permanece após terem tentado fugir; mas na tentativa de descobrir o valor dos escapes que criaram para vocês próprios, há verdadeira inteligência, e essa inteligência é felicidade criativa, é realização.

Pergunta: Qual é a causa fundamental do medo?

Krishnamurti: Não é a auto-preservação a causa fundamental? A auto-preservação, com todas as suas subtilezas? Por exemplo, vocês podem ter dinheiro, e por isso não se incomodam com a competição em arranjar um trabalho; mas têm medo de qualquer outra coisa, medo que a vossa vida possa repentinamente chegar ao fim e de que possa haver extinção, ou medo da perda de dinheiro. Portanto, se considerarem isso, verão que o medo existirá enquanto a ideia de auto-preservação continuar, enquanto a mente se mantiver fiel a esta ideia de auto-consciência, ideia essa que expliquei na noite passada. Enquanto essa consciência do ego permanecer, tem que haver medo; e essa é a causa fundamental do medo. E também tentei explicar ontem à noite como esta consciência limitada a que chamamos o “eu” é originada, como é criada através do meio falso, e a luta que é provocada por esse meio. Isto é, tal como o sistema existe agora, têm que lutar por vocês próprios até para viver, portanto isso gera medo; e depois tentamos encontrar remédios para nos livrarmos deste medo. Ao passo que, se realmente alterassem a situação que gera este medo, então não haveria necessidade de remédios; então estariam a atacar a própria fonte, o próprio criador do medo. Não conseguiremos conceber um estado em que não tenham que lutar pela vossa existência? Não que não haja outros tipos de medo que trataremos pormenorizadamente mais tarde; mas é esta ideia da nacionalidade, esta ideia da consciência racial, da consciência de classes, os meios de produção nas mãos de uma minoria, e portanto o processo de exploração: é isto que os impede de viver naturalmente sem esta luta contínua pela auto-preservação e segurança, que, afirmo, num estado inteligente é absurdo. Somos na realidade como animais, embora nos intitulemos de civilizados, cada um lutando por si e pela sua família; e essa é uma das causas fundamentais do medo. Se realmente compreenderem o meio e a batalha contra ele, então não se importam, e o medo perde o seu controlo.

Mas há um medo de outro tipo, o medo da pobreza interior. Há o medo da pobreza exterior, e depois há o medo de ser néscio, de estar vazio, de estar só. Assim, tendo medo, recorremos aos vários remédios na esperança de nos enriquecermos. Entretanto, o que acontece realmente? Estão apenas a encobrir essa falsidade, essa superficialidade, com inúmeros remédios. Pode ser o remédio da literatura, lendo muito – não que eu seja contra a leitura. Pode ser este exagero do desporto, esta pressa contínua de não se separarem a todo o custo, de desenvolverem grande atividade, de pertencerem a determinados grupos, a determinadas classes, a determinadas sociedades, de estarem de conluio, entre o grupo dos espertalhões. Vocês sabem, todos nós passamos por isso. Tudo isto apenas mostra o medo daquela solidão que inevitavelmente têm que enfrentar um dia ou outro. E enquanto esse vazio existir, essa superficialidade, essa falsidade, esse vácuo, tem que haver medo.

Estar realmente livre desse medo, que é estar livre desse vazio, dessa superficialidade, não é encobri-lo com remédios; mas antes reconhecer essa superficialidade, darem-se conta dela, o que lhes confere então a vivacidade de mente para descobrir os valores e os significados de cada experiência, de cada padrão, de cada meio. Através disso descobrirão a verdadeira inteligência; e a inteligência é intensa, profunda, ilimitada, e em consequência a superficialidade desaparece. É quando tentam encobri-la, tentando ganhar algo para preencher esse vazio, que esse vazio cresce cada vez mais. Mas, se souberem que estão vazios, não tentem fugir, porque nessa consciência a vossa mente torna-se muito perspicaz, porque estão a sofrer. No momento em que estão conscientes de que estão vazios, ocos, há um tremendo conflito que acontece. Nesse momento de conflito descobrem, à medida que prosseguem, o significado da experiência – os padrões, os valores da sociedade, da religião, das condições que lhes são postas. Em vez de encobrir o vazio, há uma profundidade de inteligência. Então nunca estarão sós mesmo que que estejam sozinhos ou com uma grande multidão, então não haverá coisas dessas como vazio, superficialidade.

Pergunta: As pessoas agirão por instinto, ou alguém terá sempre que lhes apontar o caminho?

Krishnamurti: Ora bem, o instinto não é uma coisa em que se confie. É? Porque o instinto tem sido tão pervertido, tão limitado pela tradição, pela autoridade, pelo meio, que já não podem confiar nele. Isto é, o instinto de possessividade é uma coisa falsa, uma coisa anti-natural. Explicar-lhes-ei porquê. Foi criado por uma sociedade que se baseia na segurança individual; e por isso o instinto de possessividade tem sido cuidadosamente cultivado através das gerações. Dizemos, “Instintivamente sou possessivo. É da natureza humana ser possessivo”, mas se realmente o examinarem, verão que ele tem sido cultivado por falsas situações, e por isso o instinto de possessividade não é um instinto verdadeiro. Temos assim muitos instintos que têm sido falsamente encorajados, e se dependerem de alguém para os fazer sair destes padrões instintivos falsos, irão então para uma outra jaula; criarão um outro conjunto de padrões que novamente os perverterão. Ao passo que, se realmente examinarem cada instinto e não tentarem identificar-se com esse instinto, mas tentarem descobrir o seu significado, então daí advém uma ação natural espontânea, a verdadeira intuição.

Sabem, têm estado aqui nas minhas palestras, feliz ou infelizmente, durante os últimos quatro ou cinco dias, e apenas ouvir as minhas palestras não lhes vai fazer nada, não lhes vai dar sabedoria. O que dá sabedoria é a ação. A sabedoria não é uma coisa que se compre, ou que se obtenha das enciclopédias, ou da leitura de filosofias. Eu nunca li quaisquer filosofias. É somente no processo da ação que começam a discernir o que é falso e o que é verdadeiro; e muito poucas pessoas estão alerta, ansiosas por ação. Preferem sentar-se e discutir, ou ir a igrejas, criar mistérios do nada, porque as suas mentes são indolentes, preguiçosas, e por trás disso existe o medo de ir contra a sociedade, contra a ordem estabelecida. Portanto escutar as minhas palestras, ou ler o que eu disse, não vai despertar a inteligência nem conduzi-los à verdade, a esse êxtase da vida que está em contínuo movimento. O que traz sabedoria é dar-se conta de um destes obstáculos, e agir. Peguem, conforme eu disse, no obstáculo do patriotismo ou da crença, e comecem a agir, e verão até que profundidade de pensamento os levará. Vão muito mais além do que qualquer teólogo teórico, do que qualquer filósofo; e nessa ação descobrirão que chega uma altura em que não procuram um resultado da vossa ação, um fruto da vossa ação, mas a própria ação tem um significado. Tal como um cientista experimenta, e no processo de experimentação há resultados mas ele continua a experimentar, assim, da mesma maneira, no processo de experimentação, no processo de libertação da mente e do coração dos obstáculos, acontecerá a ação, o resultado. Mas o essencial é que exista este movimento contínuo da mente e do coração. Se toda a ação for realmente a expressão desse movimento, então a ação torna-se a nova sociedade, o novo meio e em consequência a sociedade não se aproxima de um ideal, mas nessa ação, a sociedade também se move, nunca fica estática, nunca fica quieta, e a moralidade é então a percepção voluntária, não forçada pelo medo ou imposta externamente pela sociedade ou pela religião.

Assim, gradualmente, neste processo de libertar a mente do falso, não há substituição do falso pelo verdadeiro, mas apenas o verdadeiro. Então vocês já não procuram uma substituição, mas no processo de descoberta do falso libertam a mente para se mover, para viver eternamente, e então a ação torna-se uma coisa espontânea, natural, e por isso a vida torna-se, não uma escola em que se aprende a competir, a lutar, mas uma coisa a ser vivida inteligentemente, superiormente, com felicidade. E uma vida assim é a vida de um ser humano consumado.

Krishnamurti Auckland, 3ª Palestra nos jardins da escola de Vasanta, 2 de abril, 1934

terça-feira, 10 de maio de 2016

O sentido da existência e o apego parental

sábado, 7 de maio de 2016

Não adultere a expressão do vazio

domingo, 1 de maio de 2016

Por que olhar a adulteração psíquica?

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Diálogo sobre Codependência via WhatsApp

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Um mergulho na disfunção familiar

sábado, 2 de abril de 2016

Infância perdida crescendo em um lar com alcoolistas

Documentário premiado aborda a problemática dos filhos de dependentes de álcool e drogas acompanhando algumas crianças durante alguns anos para avaliar o impacto dos grupos educativos para filhos de dependentes em seu desenvolvimento.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Adultos Adulterados e o processo de desadulteração

quinta-feira, 31 de março de 2016

O que deve ser feito - Jiddu Krishnamurti

Excerto legendado da sessão #1 de P&R de Jiddu Krishnamurti em Madras, 1981

Nando Reis e o processo de abstinência

sexta-feira, 18 de março de 2016

Inventariando os padrões de adulteração psíquica

quinta-feira, 17 de março de 2016

No princípio era a educação

segunda-feira, 14 de março de 2016

Na negação está a perpetuação da adulteração psíquica

domingo, 13 de março de 2016

Lembra quem era você antes da adulteração psíquica?

sexta-feira, 11 de março de 2016

Incesto Emocional

“Se quiser realmente conhecer um homem, dê-lhe autoridade.” — Provérbio

Algumas famílias escolhem – aleatoriamente – um filho, apenas um, para ser o “tutor” da família. A partir desse recrutamento os esfor­ços desse filho não mais serão dirigidos para suas necessidades de crian­ça, mas sim para ações adultas destinadas a unir, proteger e estabilizar a família desajustada. Os meninos educados desse modo receberam, de alguns psicólogos, o nome “Personalidade Atlas” – deus grego condena­do a suportar o céu nos ombros para impedi-lo de amassar a Terra.

Os estudos mostram que muitas dessas famílias são dominadas por uma mãe poderosa, egocêntrica, emocionalmente instável e pron­ta para xingar e explodir sob qualquer pretexto. Estas mães têm sido diagnosticadas pelos psiquiatras como possuidoras de um transtorno de personalidade ”limítrofe” (borderline), onde se inclui a irritação, impulsividade, tentativas de suicídio, autolesão, sentimento crônico de vazio, pavor de ser abandonada, além de terem um sentido da realidade diferente do das outras pessoas. Essas mães esperam, e exigem, que o resto da família aceite e apoie seu ponto de vista acerca de tudo o que ocorre à sua volta. Só ela tem razão, os outros estão sempre errados. Responde com explosões de ira às frustrações e decepções e, quase sempre, acusa os familiares ou parentes de fazerem “pouco caso” dela.

É nesse ninho disfuncional que desenvolve o filho, ou filha, des­tinado a suportar, apaziguar e resolver as misérias e “loucuras” ali exibidas a todo momento. Sua resposta precisa ser rápida e capaz de pôr fim às exigências extravagantes da mãe egocêntrica e possessa. A culpa da vida desestruturada e sem objetivo dos pais é colocada no infeliz e tolerante filho escolhido. Ele é forçado a participar e tomar partido nas brigas tolas dos pais: em qual programa a TV deve estar ligada, ou quanto tempo cada um deve ficar no banheiro.

O filho altruísta, nessas ocasiões, é acusado por ambos de es­tar tomando o lado de um ou de outro deles. Este sofredor deverá ouvir as histórias chatas dos pais, consolá-los com palavras vazias e adocicadas, franzir a testa e mudar o tom de voz para demonstrar preocupação com as queixas acerca da saúde, da estabilidade e da sobrevivência deles. Como guardião da imagem da família falida, o escolhido, ainda muito cedo, deve se engajar em atividades designa­das para eliminar, camuflar ou, no mínimo, diminuir os danos exibi­dos pela família. Muitos desses pais exigem sua ajuda em situações delicadas como tomar a responsabilidade em falcatruas e obrigar um dos irmãos a tomar decisões cruciais.

Geralmente a escolha é feita cedo. Pouco a pouco esse filho passa a exercer o papel de “pai e mãe” da família, participando dos diversos problemas que seriam próprios dos progenitores. Ele opina acerca do que a mãe terá de fazer ao descobrir que o pai tem uma amante, a cuidar do alcoolismo da mãe. Esse papel é exercido com frequência pelas crianças cujas mães são alcoólatras. É esse filho que vai buscar soluções para pagar as dívidas da família, opinar e decidir se os pais devem ou não se separar, ou, ainda, se devem voltar a mo­rar juntos. Alguns pais consultam o filho acerca de terem ou não mais um filho, ou se seria melhor praticar um aborto. Também esse infeliz poderá dizer ao pai, inventando uma mentira, que sua mãe foi fazer compras, quando esta, de fato, estava com o namorado.

Muito cedo aprendem a cozinhar, limpar, comprar e cuidar dos irmãos mais novos, inclusive impedindo-os de ver a mãe cambalear ou desmaiar. Fazendo o papel de “mãe” da mãe, elas ajudam-na a comer, fazer sua higiene ou a ir-se deitar. Com o tempo, essa tarefa passa a ser realizada rotineiramente. Além de cuidar dos pais, essa criança mantém em segredo as informações negativas da família. Estas “escolhidas”, olhadas externamente, são elogiadas pelos pais, parentes e amigos, percebidas como perfeitas, cooperativas e “devo­tadas” aos pais. Isso as anima a continuar nesse caminho ingrato.

A criança escolhida para ser o “provedor”, pode exercer tam­bém a função de “esposo substituto” para o cônjuge desesperançado, solitário e infeliz. Caberá a ela fornecer ao cônjuge o apoio emocional e companhia que deveria vir do outro esposo. Para alguns autores essas crianças são vítimas de “incesto emocional”, uma forma séria de abuso por ser a criança seduzida a fazer um papel familiar que não compete a ela e nem é esperado culturalmente.

Altamente treinados para esse trabalho de ajuda, mais tarde es­ses “pacientes” preocupados e sensíveis aos problemas dos outros, não de si mesmo, provavelmente encontrarão outros exploradores e, explorados por esses, irão ocupar posições de responsabilidade, continuando a fazer o que aprenderam precocemente: ajudar as pes­soas a qualquer preço. Casam-se, muitas vezes, com mulheres tendo o mesmo perfil de sua mãe e cuidam delas para sempre. Estes santos ou altruístas fanáticos, que viveram orientados pelos problemas alheios e não pelos próprios, morrerão, possivelmente infelizes e arrependi­dos, por não terem escolhido, há muito, um caminho diferente do trilhado.

Galeno Alvarenga

quinta-feira, 10 de março de 2016

Como se recuperar da adulteração psíquica?

quarta-feira, 9 de março de 2016

Adultos adulterados adulterantes

A importância do resgate do poder de empatia


Poderia um grande milagre acontecer para que nós olhássemos através dos olhos dos outros, por um instante.” Henry David Thoreau
E se um milagre acontecesse e pudéssemos sentir o que as outras pessoas sentem, como seria?

Dentro das pessoas passam coisas que você não vê, sentimentos que você não sente. Cada um é formado por histórias, que podem conter lutas, partidas, desencontros, amores não vividos, doenças, mortes, perdas. Histórias nem sempre são bonitas, a vida nem sempre é alegria.

Colocar-se no lugar do outro é nos livrarmos de todas as verdades, princípios e valores que temos. É colocar-se no lugar do outro com a mente nua. Por um instante sentir tudo que ele sente, suas dores, seus valores, sua vida. É um processo doloroso, pois se o outro sente dor, sentirei dor. Se sente tristeza, sentirei tristeza. Sentiremos os sentimentos bons e ruins.

Assim saímos da inercia, apatia e frieza, passamos a um estágio de mais sensibilidade. Este estágio nem sempre é prazeroso, pois começamos a perceber que as pessoas sofrem mais do que imaginávamos. Mas, através disso, chegamos a uma compreensão mais profunda da humanidade.

Empatia” surgiu da palavra grega empátheia, que significa “entrar no sentimento”. Para alcançarmos este estágio é necessário deixar de lado nossos próprios pontos de vista e valores para podermos entrar no mundo do outro sem julgamentos. A empatia é essencial nos relacionamentos, pois você começará a ouvir com a intenção de entender e não de argumentar.

A essência de escutar com empatia não é concordar, mas entender profundamente o que o outro quer dizer e principalmente, o que está sentindo. Em todo relacionamento, seja amoroso, de trabalho, familiar ou entre amigos a empatia é uma forma de minimizar conflitos e expandir a compreensão.
“Se, por um instante, você pudesse estar no lugar dos outros, ouvir o que eles ouvem, ver o que eles veem, sentir o que eles sentem, você os trataria diferente?”
Pense nisso, a empatia é um ato de amor!

sexta-feira, 4 de março de 2016

Não é fácil nadar contra a maré

Aquele que desperta para o fato de que o desafio contemporâneo é um primeiro lugar individual e somente em segundo lugar um desafio social, talvez não, a princípio, capaz de encontrar um meio de afeiçoar a sua vida exterior mais de acordo com o ideal da sua vida. Mas se quiser pesar o que deseja com o que precisa sacrificar para obtê-lo, descobrirá frequentemente que incidiu no erro comum de tomar o ambiente habitual pelo ambiente indispensável. O homem comum não dá tento do quanto é presunçosa a sua concepção, assim como não sabe que a sua presunção oferece resistência à intuição mística do interior e aos ensinamentos da verdade do exterior. 

Até há pouco tempo era costumeiro relegar os partidários do misticismo ao asilo da credulidade, da fraude e até da loucura. Num certo número de casos individuais, os críticos estavam perfeitamente justificados em fazê-lo, pois quando o pretenso místico perde o seu curso reto, desvia-se facilmente para uma dessas aberrações. Mas condenar por atacado todo misticismo somente por causa da lamentável situação de uma parte dele, é injusto e constitui, por si mesmo, um método desequilibrado. As pessoas que se intitulam sensatas, normais e práticas em todo o mundo, são na verdade, menos capazes de enfrentar a crise do que algumas das chamadas sonhadoras tolas, anormais e destituídas de espírito prático, e apelidadas de maníacas, fanáticas e excêntricas. E, todavia, isso não é tão estranho, afinal de contas. Quando homens como Jesus, Buda e Sócrates apareceram pela primeira vez, eles e os seus adeptos foram cognominados de maneira semelhante. Eles também foram os hereges do seu tempo, simplesmente porque se recusavam a congelar-se no materialismo autodestrutivo da sociedade convencional.

As pressões sociais podem impedir um homem de viver em conformidade com ideias que as contrariam. Se ele não quiser abandonar a comunidade, terá de abrir mão das suas ideias, modificá-las ou escondê-las. Um ajustamento compulsório dessa natureza não é bom para os seus nervos nem para o seu caráter. É um comentário irônico sobre a natureza da nossa civilização que tanta coisa que é de perene veracidade nas ideias místicas e tão conhecida dos antigos asiáticos, impressione muitos modernos como sendo tão nova, ou porque nunca tenham ouvido falar nela, ou porque, tendo ouvido falar nela, eles a ignoraram completamente. 

Ideias estranhas e desconhecidas desse gênero, que colidem com as ideias há muito tempo esposadas pela sociedade ou perturbam as que foram recebidas por convenção, surgem contra a natureza humana, cuja primeira resposta instintiva é contradizê-las. Isto ainda se verifica até quando houve fatos, provas e indícios solidamente estabelecidos. Tal é o poder de um hábito de uma vida inteira e a força de uma opinião preconcebida! O reformador que procura sobrepujá-los escala uma íngreme ladeira. Só os chamados fanáticos e excêntricos se dispõem a ouvi-lo. Os demais que também o ouvem fazem-no malgrado seu, quando têm a mente desesperada ou o corpo quebrado. 

Não é agradável nadar contra a corrente da sociedade em nome de um individualismo místico; na verdade, é algo heroico, algumas vezes. A ideia de modificar os hábitos rotineiros e de livrar-se de tendências adquiridas durante toda uma vida, apavora e enfada a maioria das pessoas. Estas se tornaram vítimas dos hábitos que prevaleceram à sua volta e as próprias tendências assumiram existência assim psicológica como física, convertidas em fixações profundamente arraigadas no interior da mente subconsciente. Entretanto, o sofrimento estará à espera dessas vítimas se elas insistirem em permanecer prisioneiras do seu próprio passado cediço e não se acomodarem à concepção diferente agora exigida. Por que haveriam elas de obstinar-se em conservar as condições passadas de pensamento ou os padrões ancestrais de resposta sempre que estes se revelassem incapazes de satisfazer às exigências presentes? 

Todo homem se acha, até certo ponto, sob a tutela das massas. A todo momento influem nele sugestões recebidas da multidão. Ele é mais ou menos um escravo — escravo das formalidades sociais, escravo das instituições estabelecidas, escravo de códigos convencionais e escravo da opinião pública. Se bem essa escravidão fosse muito pior em outros tempos, mesmo em nossa época pouca gente pensa, sente e age plena e livremente de acordo apenas com a sua vontade individual. É mais provável que o homem pense, sinta e aja, em grande parte, de acordo com o que tiver sido sugerido por outras pessoas. Daí que ele dificilmente viva a sua própria vida independente ou obedeça ao seu próprio eu interior mas, como toda a gente, vive a vida da multidão. Ainda que alguma parte da sua atitude para com a vida seja inata, a maior parte não o é. É-lhe imposta pela instrução e pelos ensinamentos que recebeu, pelos ambientes cujas influências ele aceita e pelos padrões convencionais a que ele se conforma. Quando uma concepção de mundo é tão amplamente afeiçoada pela sugestão externa, a necessidade de pensar por si mesmo torna-se, ao mesmo tempo, uma virtude primária e um fator necessário da saúde mental.

A multidão humana está emergindo da adolescência e, aqui e ali, semiconscientemente, está-se preparando para a sua maioridade. Novas esferas de experiências estão-se abrindo para ela. Urge que ela aceite parte da responsabilidade de pensar por si mesma, que lhe advém com a aproximação da maturidade. Ela se encontra hoje numa posição intelectual que é muito diferente daquela em que se encontraram todos os seus antepassados. Já não é o simples agarrar-se da criança aos vestidos da autoridade e o acatar cegamente as determinações do seu líder. Ela, hoje, precisa começar a descobrir o seu caminho por si mesma e a compreender por que segue essa determinada direção. A História ingressou numa época em que as massas precisam começar a descobrir por si mesmas e em si mesmas a verdade que, antigamente, lhes era transmitida e, muito adequadamente, era aceita por elas, em cega confiança, de outros homens. Agora é mister que elas se preparem para abandonar esse adolescente depender de outros. O destino já não lhes permitirá que dependam indevidsamente e apenas do amparo da autoridade externa; — elas precisam aprender também a depender da sua própria e crescente inteligência. Uma criança que for sempre carregada pela mãe, desde a infância até a maturidade, nunca aprenderá a caminhar e se tornará, na realidade, fraca demais até para ficar em pé. É forçoso que ela tente e tropece, e até caia, às vezes, antes que os seus membros possam ser usados com eficiência.

Se a vida se tornar exclusivamente autoritária, se o homem da massa se sujeitar a ter todo o seu pensar, todo o seu responder e todo o seu viver levado a cabo por outros, acabará ficando demasiadamente enfraquecido ou debilitado para pensar, responder e agir por conta própria. Pois quando é incapaz de ter ter um pensamento que não tenha recebido de fora, quando não toma uma única decisão sua, mas vive recorrendo aos outros para que a tomem por ele, como poderá crescer? Todos precisam agora começar a libertar-se das sugestões raciais que lhes foram impostas, precisam começar a assumir, por esforço próprio, as suas atitudes individuais para com a vida. Já não é sem tempo que o homem revele, ainda que vagamente, alguns dos atributos da maturidade que aurorece. Precisa começar a colocar de parte a passiva aquiescência irrefletida e tornar-se mais responsável pelas suas próprias crenças e pela sua própria vida.

Uma das primeiras coisas que o estudante de Filosofia descobre como consequência dos seus estudos semânticos é a tremenda influência que a sugestão exerce na vida humana, e um dos primeiros problemas que ele enfrenta é separar os hábitos, os pensamentos e as emoções de outras pessoas dos seus hábitos, pensamentos e emoções. Isso, todavia, é difícil, porque são quase indistinguíveis dos seus — ambos funcionam juntos dentro do seu coração e sobre ele. Ideias e impulsos nascidos dentro dele têm de misturar-se com os de origem externa e até de ser submergidos por eles.

Nenhum professor é realmente indispensável, muito embora todos eles sejam sempre úteis. A Vida e as suas experiências, a Natureza e os seus silêncios, a Reflexão e as suas conclusões, a Meditação e as suas intuições, proverão ao que busca o de que ele necessita. Cumpre-lhe encontrar nas lutas e nas dificuldades da vida um ginásio em que possa exercitar a sua razão e acrescentar a sua capacidade, e não uma desculpa para buscar o conforto de segunda mão de uma sociedade sobre cujos ombros são colocados todos os fardos. Pois ele está aqui essencialmente para revelar as suas próprias faculdades de intuição e inteligência; ele está aqui essencialmente para obter uma compreensão da existência para si e por si mesmo. Além disso, ele deve compreender que as dores e os sofrimentos da vida ajudam a purgá-lo dos seus apegos e a suscitar o seu conhecimento latente de que este mundo do vir-a-ser será sempre imperfeito, de modo que ele possa voltar o o rosto para o mundo do ser que é sempre perfeito.

A evolução, ao mesmo tempo, é um fato tremendo e uma força sempre premente. Impele toda vida para a frente e para cima. Mas esse duplo movimento não pode realizar-se sem ultrapassar e negar os seus estádios anteriores. Por isso mesmo, o homem precisa libertar-se das suas antigas servidões. Precisa começar a procurar em si mesmo, em seus próprios recursos, latentes e maravilhosos, a ajuda de que precisa. Pois tudo isso é o primeiro passo para o passo final, encontrar a divindade dentro de si mesmo, o que, afinal de contas, é o supremo e grandioso objetivo das suas encarnações terrestres.

É necessário, contudo, não incidir em erro aqui. O que se quer dizer é que, enquanto o egoísmo do ego deve agora ser atenuado, a capacidade do ego de julgamento individual, ao mesmo tempo, tem de ser aumentada.

Paul Bunton

quinta-feira, 3 de março de 2016

Sem base emocional, não há real maturidade

[...]As pessoas não sabem, mas deveriam ser instruídas nesse sentido, que tudo o que acontece em todo o mundo é um quadro, em tons exagerados, do que está acontecendo no interior delas mesmas, em grau variável. Alguns mais, outros muito menos, entregaram suas vidas interiores ao domínio da animalidade e do materialismo conjugado e, todavia, não o sabem. Dessa forma, a mesma regra, porém de modo mais espetaculoso e mais cruel, está tentando desapiedadamente tomar conta de suas vidas exteriores. Trouxeram consigo os remanescentes de vigorosas propensões do estado animal da sua existência, e aduziram a isto um intelecto astuto, mal dirigido e egoísta, derivado do estado humano presente. Os animais matam porque têm fome, mas os homens são piores, na medida em que a posse da qualidade da astúcia os leva a matar ou torturar por outros motivos também. Violentas energias e paixões explosivas fazem muito barulho em seus corações. Desejos que arrastam para baixo prendem-nos entre presas aguçadas. Instintos agressivos perambulam como tigres e suspeitas tenebrosas rojam como víboras no interior das suas mentes conscientes ou subconscientes. Cobiças egoístas têm um firme habitat em suas atitudes. Ódios, acrimônias e lascívias agitam-se por dentro e são fomentados por fora. 

Inevitável e inescapavelmente esses pensamentos bestiais assumem a forma exterior e surgem as lutas históricas. Como poderá a verdadeira paz entrar no mundo enquanto a mentalidade da luta feroz não o tiver deixado? Nenhuma lei, nenhum governo, poderão colocar freio, até certo ponto, às suas expressões em ação. O estadista poderá regulá-los dentro de certos limites, mas não passará disto. Sempre que essa mentalidade puder dominar, não somente envenenará o ser interior, mas também contribuirá para a experiência exterior. A cólera sentida hoje poderá manifestar-se amanhã no plano físico como um acidente em que o seu portador, caindo, se machucará — este é apenas um incidentezinho que ilustra a importância do autocontrole e o valor do pensamento correto. 

Onde quer que as pessoas tenham de viver juntas num lar, ou trabalhar juntas num campo, numa fábrica, num escritório ou numa firma, a presença de uma única personalidade agressiva e indisciplinada entre elas bastará a criar dificuldades ou a provocar brigas. Por aí podemos perceber os benefícios que a insistência de todos os guias espirituais no autotreinamento e no auto-aperfeiçoamento pode acarretar ao viver social. Isto ensina os homens a alçar-se à sua natureza superior e a manter sujeita a sua natureza inferior. Na medida em que eles forem capazes de fazer uma coisa dessas, a sociedade se beneficiará com eles. Mas na medida em que as advertências dos profetas são menosprezadas e a sabedoria dos filósofos é posta de lado, manifestam-se a discórdia, as lutas e as guerras. 

Quando a emoção descontrolada se precipita na direção errada, seja na cólera, na lascívia, no ódio ou no orgulho, ela tende também a fugir com a paz e a felicidade. Torna-se um perigo para a pessoa e para a propriedade. Os que mais preponderam entre os complexos maus, que, sob a lei da recompensa, acarretam o sofrimento quando ativados, são os agressivos, os violentos, os explosivos e os egoisticamente passionais. As pessoas que querem conservar essas causas das suas dificuldades simplesmente porque são naturais ou familiares, mas não querem experimentar as próprias dificuldades, que a elas se seguem, inexoráveis, adotam uma atitude ilógica. Enquanto as iras e as concupiscências, os ódios e as lubricidades não morrerem no coração dos homens, os conflitos e as contenções persistirão em suas vidas. E essa morte das paixões primitivas só se verificará com a entrega total do ego ao Eu Supremo. Os que o procuram não são muitos: os que o conseguem, pouquíssimos. A paz na terra é um nobre sonho; a sua plena realização está muito distante (se bem a sua realização limitada não esteja) enquanto um número maior de pessoas não vier a procurá-lo neste, que é o único caminho verdadeiro e duradouro. Cada indivíduo precisa lidar com a sua natureza inferior por si mesmo e em si mesmo, precisa opor-lhe o intelecto, em lugar de fazer que o intelecto se sujeite a ela. Isto feito, não somente ele aproveitará, mas também todo o seu povo. 

A humanidade precisa aprender a governar as suas violentas paixões negativas, as suas emoções agressivas e os seus hostis pensamentos destruidores, precisa começar a lutar contra si mesma se quiser, um dia, abster-se de lutar contra os outros, precisa crescer, perder a sua maturidade emocional adolescente e elevar-se, deixando de lado as suas atitudes infantis, totalmente egocêntricas. A busca da paz dentro de si mesma deve preceder e, assim, inevitavelmente, criar a paz no mundo sem paz. O desequilíbrio universal, em parte, é o resultado da incapacidade de reconhecer que não basta ser fisicamente maduro, que ainda é necessário ser emocional, intelectual e espiritualmente maduro.

É um fato de que a vida espiritual está fora da visão e além do poder de muita gente hoje em dia. Se perquirirmos as causas disso, chegaremos à conclusão de que essa gente se escravizou por tanta maneira à sua natureza inferior, tornou-se tão suscetível às sugestões e aos ambientes externos materialistas, que só as coisas que ela pode tocar, sentir e ver com os seus corpos têm para ela alguma realidade ou algum significado. Só essas coisas atraem essa gente, e não as coisas mais belas da mente e da intuição, nem os ideais mais sublimes da intuição. 

O que a sabedoria dita e a experiência endossa é que, para a humanidade poder conhecer um mundo melhor será preciso que melhores pensamentos e melhores sentimentos da humanidade sejam o prelúdio dessa desejável condição. A noção de que ela poderá ter uma ordem melhor de sociedade sem se preocupar em melhorar-se primeiro, é uma noção ociosa. E para que o começo seja real e não um começo simulado, a reforma há de começar com o caráter humano. Pois do seu longo passado, ela trouxe um resíduo de qualidades e sentimentos que pertencem naturalmente ao reino sub-humano, às feras selvagens e vorazes do jângal. Foi a sua combinação com o intelecto frio e impiedoso que deu em resultado os homens megalomaníacos, desordenadamente ambiciosos, os quais, por seu turno, conduziram tantos outros pelas estradas da discórdia, do egoísmo e do ateísmo para o que, afinal, só pode ser o desastre e a condenação.[...]

Paul Brunton

quarta-feira, 2 de março de 2016

Qualquer coisa é melhor do que a verdade

A experiência nos ensina que temos apenas uma única arma duradoura na luta contra as doenças mentais: a descoberta e a aceitação da história, única e específica, de nossa infância. É possível nos libertarmos totalmente das ilusões? Toda e qualquer vida é cheia de ilusões, talvez porque a verdade nos pareça insuportável. Mesmo assim, a verdade nos é tão essencial, que o preço por sua perda é adoecer gravemente. Dessa forma, procuramos descobrir, por meio de um longo processo, nossa verdade pessoal, aquela que, antes de nos brindar com um novo nível de liberdade, dói continuamente — a menos que nos contentemos com um reconhecimento intelectual. O que nos faz permanecer na esfera da ilusão. 

Não podemos mudar em nada nosso passado, não podemos desfazer os males que foram imputados na infância. Mas podemos nos mudar, "consertar", reconquistar nossa integridade perdida. Isso é possível à medida que decidimos observar mais de perto o conhecimento sobre o passado arquivado em nosso corpo, e colocá-lo mais perto de nossa consciência. Certamente, é um caminho desconfortável, mas é o único que nos oferece a possibilidade de, finalmente, deixar a invisível (e ao mesmo tempo cruel) prisão da infância, nos transformando de vítimas inconscientes do passado em pessoas responsáveis, que são cientes de sua história e, com isso, capazes de conviver com ela. 

A maior parte das pessoas faz exatamente o contrário. Não quer saber nada de sua história e, dessa forma, não sabe que, no fundo, é continuamente determinada por essa história, pois vive situações não-resolvidas, reprimidas na infância. Não sabe o que teme e evita perigos que um dia foram reais, mas que hoje não existem mais. Essas pessoas são impulsionadas por lembranças e necessidades inconscientes que, frequentemente, determinam de maneira mais perversa quase tudo o que fazem ou falhem no seu fazer — enquanto permanecerem inconscientes e não-resolvidas.

A repressão aos maus-tratos sofridos no passado leva algumas pessoas, por exemplo, a destruir a própria vida e a vida de outros, incendiar casas de estrangeiros, promover vinganças, tudo em nome de um "patriotismo", a fim de ocultar a verdade de si mesmas e sentimentos de desespero de uma criança torturada. Outras reproduzem ativamente o sofrimento a que foram submetidas, em clubes de flageladores, em cultos a sacrifícios de todos os tipos, no mundo sadomasoquista, chamando a tudo de libertação. As mulheres furam seus mamilos para pendurar brincos, posam para jornais e contam, orgulhosas, que não sentiram dor e que se divertiram com isso. Não há do que duvidar nessas informações, pois essas mulheres tiveram de aprender muito cedo a perder a sensibilidade. E o que não fariam hoje em dia para não sentir a dor da garotinha que sofreu abuso sexual pelo seu próprio pai, e precisou imaginar que o atentado fora prazeroso? Uma mulher que sofreu abuso sexual quando criança, que negou a realidade de sua infância, está constantemente fugindo dos acontecimentos passados — com a ajuda de amantes, álcool, drogas ou ações excepcionais. Ela precisa estar continuamente "ligada", a fim de não sucumbir ao "tédio", não pode se permitir um segundo de tranquilidade, quando seria possível sentir a ardente solidão da realidade de sua infância, pois teme esse sentimento mais do que a morte — a menos que tivesse a sorte de aprender que o reavivamento  e a consciência dos sentimentos da infância, não matam, libertam. O que não raro mata é reprimir os sentimentos, cuja experimentação consciente poderia nos revelar a verdade.

Durante a infância, Michael sofreu  constante abuso
de seu pai, que o batia frequentemente e o aterrorizava
psicologicamente. Os ensaios eram supervisionados
pelo pai com um cinto na mão.  
A repressão dos sofrimentos da infância determina não só a vida do indivíduo como também os tabus da sociedade. Conhecidas biografias ilustram isso de maneira muito clara. Ao ler a biografia de artistas famosos, por exemplo, notamos que suas vidas começam em algum ponto da puberdade. Antes disso, o artista teve uma infância "feliz" ou "sem preocupações", ou ainda, "cheia de privações" ou "muito estimulante", mas o modo como a infância de cada um transcorreu parece ser de absoluto desinteresse.  Como se na infância não estivessem escondidas as raízes da vida toda. Gostaria de ilustrar o fato com um exemplo simples.

Em suas memórias, Henry Moore escreveu que, quando menino, podia massagear as costas de sua mãe com óleo para reumatismo. Ao encontrar essa passagem no livro, subitamente, fiz uma leitura muito pessoal das obras de Morre: mulheres grandes, reclinadas, de cabeças pequenas — nelas vi a mãe pelos olhos do garoto, cuja perspectiva diminuía a cabeça e percebia como imensas as costas próximas. Isso pode ser irrelevante para os críticos de arte. Mas, para mim, é um indício de quão fortemente as experiências de uma criança podem se conservar no inconsciente, e que possibilidades de expressão podem despertar quando o adulto está livre para admiti-las.

Nesse caso, a lembrança de Moore não era nociva e pôde sobreviver intacta. Mas todas as experiências traumáticas da infância permanecem no escuro. Nesse escuro ficam também escondidas as chaves para a compreensão da vida posterior.

Alice Miller em, O drama da criança bem dotada: como os pais podem formar (e deformar) a vida emocional dos filhos 

domingo, 28 de fevereiro de 2016

O sofrimento e a falta de conexão com um mestre

Cena do filme: "A Travessia"
O sofrimento, por is só, não instrui o homem nem o conduz à reforma do caráter. O seu trabalho precisa ser complementado e completado, tanto pelo esclarecimento vindo de dentro, quanto pela esclarecimento vindo de fora. No primeiro caso, a qualidade do pensamento e da intuição que ele traz para o sofrimento contribui para os seus efeitos educativos. No segundo, a qualidade do ensinamento espiritual a que se entrega têm o mesmo resultado. A sua própria reflexão sobre isso, ou sobre as lições de outros homens a esse respeito coloca em relevo as suas lições. Profetas inspirados, mestres, sábios, santos, filósofos e místicos surgiram entre nós em todos os séculos e uma parte da sua missão é precisamente tornar claras essas lições. Os homens não se interessam por prestar-lhes atenção simplesmente porque não estabelecem conexão entre o pronunciamento impessoal delas e as suas próprias vidas pessoais. É, porém, dever e responsabilidade deles, e não do mestre, estabelecer a conexão. As falhas da sua interpretação inconsciente do significado da vida terão de ser-lhes indicadas por novos sucessos dolorosos, quando não se mostram inclinados a permitir que elas lhes sejam indicadas por mestres humanos.

Cena do filme: "Matrix"

[...] Compele ao sofredor formular a si mesmo a seguinte pergunta: "Por que me aconteceu isto?" Ao procurar a resposta satisfatória, ele desvelará, pouco a pouco, a intuição e desenvolverá a inteligência. O sofrimento passa, mas as faculdades permanecem. Toda a situação torna-se, assim, um estratagema para arrancá-las ao estado latente e desempenha uma parte importante na sua evolução geral. O sofrimento só será o seu mestre enquanto ele não se dispuser a aceitar o ensino externo dos profetas, dos videntes, dos sábios, assim como o ensino interno da reflexão correta e da intuição. Se não quiser atentar para nenhum desses divinos mestres, terá de atentar para as desagradáveis consequências das suas más ações ou das suas deficiências pessoais. Se não quiser emendar em si mesmo as faltas que produzem os desacertos intelectuais e as iniquidades éticas, se se recusar a aprender com a História e a Religião, com os dotados de visão interior ou inspirados por revelações, ou a lição de que a prática do mal não aproveita, ou a necessidade de desenvolver o que lhe falta e, se não for capaz de aprender de nenhum outro modo, a vida não terá outro recurso senão ensiná-lo por meio da angústia pessoal ou da vergonhosa humilhação.   

Cena do filme: "Poder Além da Vida"
[...] A busca humana da felicidade, com muita frequência, é frustrada por alguma hedionda circunstância, condição, falha ou defeitos físicos. A entidade humana é levada, afinal, para o não físico, isto é, para a Religião, o Misticismo e a Filosofia. E assim chegamos ao imensurável valor delas para o homem (em grau ascendente) e às importantes consequências da sua concepção pessoal do mundo. Pois nós ganhamos do sofrer, como do viajar, em parte o que levamos a ele. A nossa falha conduta na vida é o resultado natural da nossa falha concepção da vida. Sem a direção do ensino espiritual, confundimos as nossas poucas oportunidades, desperdiçamos os nossos preciosos anos e malbaratamos as nossas limitadas energias. Mas quando principiamos a pautar a nossa conduta pelos seus princípios, começamos a dissolver as desarmonias pessoais. Uma compreensão espiritual da vida, que alcança a sua melhor forma na Filosofia, mitiga a dor e aligeira a luta da vida. Em horas de dificuldade ou de perigo, na agonia das emoções ou da carne, encontramos pequeno ou grande alívio deixando que a mente se apodere das grandes verdades e medite nelas com ardor. Mas em todos os momentos elas podem ser cogitadas com muito proveiro. O seu estudo empresta uma forma significativa ao fluxo das mudanças da vida que, de outro modo, não teriam sentido nem teriam propósito.    

Paul Brunton
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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O medo e a dependência psicológica

Conferência Presencial no Centro Cultural São Paulo em 21-02-2016

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Há outros olhos para além dos olhos da carne

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Prontificando se para a ação do não manifesto

A questão do sono e do ritmo

Despertando para a energia vital que somos

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A questão da flexibilidade e da mente aberta

Descobrindo a substância espiritual dos símbolos

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Um olhar sobre a questão do tempo e dinheiro

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Não se pode brincar com o autoconhecimento

domingo, 31 de janeiro de 2016

A questão da influência do tempo psicológico

Olhando tudo como se fosse a primeira vez

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O que temos de melhor para compartilhar?

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Criando bases para o olho que tudo vê

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Um novo olhar para os símbolos

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Em busca da explosão criativa do Ser

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A sugestão das escolas iniciática de anônimos

Somos viciados em drama

A vivência religiosa nos Campos Elísios do Ser

sábado, 23 de janeiro de 2016

No devido tempo quebre seu ídolo de preferência

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Não há palavras para a Vivência Religiosa

A vida é uma Divina Comédia Cósmica

Não confunda o despertar com a Iluminação

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Abrindo mão da resistência, a Essência se manifesta

As escolas iniciáticas e a iluminação

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill