Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

quinta-feira, 12 de maio de 2016

A crença é uma coisa artificial

Amigos, direi apenas algumas palavras antes de tentar responder a algumas destas questões.

Em primeiro lugar, gostaria de salientar que o que vou dizer não deveria ser compreendido com um espírito partidário. A maior parte de vocês é provavelmente Teosofista, com determinados ideais e ideias definidas, com determinados ensinamentos definidos, e pensam que eu detenho opiniões contrárias e assumem que pertenço a um outro campo com outros ideais e crenças. Vamos antes abordar todo o assunto a partir do ponto de vista da descoberta antes de tentar dizer, “Acreditamos nisto, e você não; por isso, somos detentores de determinadas ideias que está a tentar destruir.” Ora esse espírito, esse tipo de atitude, indica mais oposição que compreensão; indica que têm algo que desejam proteger, e se alguém questiona o que têm, imediatamente dirão que está a atacar ou que eu estou a atacar. Não é de todo a minha intenção atacar alguma coisa, mas antes ajudá-los a descobrir se aquilo que detêm é verdadeiro. Se for verdadeiro, então ninguém poderá atacá-lo, e não importa que alguém o ataque se aquilo que detêm é verdadeiro; e só podem descobrir o que é verdadeiro considerando-o, não protegendo-o, não estando na defensiva.

Sabem, onde quer que eu vá os Teosofistas pedem-me, tal como o fazem outras organizações, para falar para eles; e os Teosofistas com os quais vivi durante tanto tempo tomaram esta atitude infeliz de que estou a atacá-los, a destruir as suas crenças prediletas que devem proteger a todo o custo, e todos esses disparates. Ao passo que eu sinto que se pudermos realmente considerar em conjunto, raciocinar em conjunto, e ver o que temos em mãos que queremos proteger, então em vez de pertencer a um qualquer campo específico, ou a uma secção específica de pensamento, compreenderemos naturalmente o que é verdade; e aquilo que é verdade não tem partido. Não é nem vosso nem meu. Portanto é essa a minha atitude ao dirigir-me a vocês, e ao falar em qualquer lado; ajudá-los a descobrir – e digo-o honestamente – se o que detêm é realmente duradouro, ou uma coisa que edificaram a partir de uma opinião, a partir da auto-proteção, da auto-preservação, a partir da procura de segurança. Coisas assim não têm valor embora possam usar as roupagens da certeza e da sabedoria.

Agora, senhores, gostaria de dizer que, para mim, a verdade não tem aspectos. Temos o hábito, especialmente os Teosofistas, penso eu, para além de outros, de dizer que a verdade tem muitos aspectos: a Cristandade é um aspecto, o Budismo outro, o Hinduísmo outro, etc. Isto apenas indica que queremos manter-nos fiéis ao nosso próprio temperamento específico e aos nossos próprios preconceitos, e ser tolerantes para com os preconceitos dos outros. Ao passo que, para mim, a verdade não tem aspectos; é uma, e aquilo que é completo, integral, não tem aspectos. Não é como uma luz com muitas lâmpadas coloridas. Isto é, colocam lâmpadas coloridas por baixo dessa luz, e depois tentam ser tolerantes com uma luz vermelha se vocês forem uma luz verde, e inventam essa infeliz palavra tolerância, que é tão artificial, uma coisa seca que não tem valor. Certamente que não são tolerantes com o vosso irmão, com os vossos filhos. Quando existe verdadeiro afeto não há tolerância, portanto, é somente quando o coração murchou que falamos sobre tolerância. Eu, pessoalmente, não me importo com o que acreditam ou não acreditam, uma vez que o meu afeto não se baseia na crença. A crença é uma coisa artificial; ao passo que o afeto é o carácter inato das coisas, e quando esse afeto definha, então tentamos espalhar a fraternidade através do mundo e falamos de tolerância, da unidade das religiões. Mas onde há verdadeira compreensão não há conversa sobre tolerância.

A compreensão não reside nos livros. Podem ser estudiosos de livros durante muitos anos, e se não souberem como viver, então todo o vosso conhecimento definha; não tem substância, não tem valor. Ao passo que, um momento de plena consciência, de total compreensão consciente, origina uma paz verdadeira, duradoura; não uma coisa que é estática, mas sim essa paz que está continuamente em movimento, que é ilimitada.
Agora pergunto-me como vou responder a todas estas questões.
Pergunta: Pode uma cerimónia ser útil, e ainda não ser limitativa?
Krishnamurti: Quer realmente aprofundar a questão, ou quer apenas tratá-la superficialmente? Quantos de vocês efectuam realmente cerimónias? Tornou-se, infelizmente, um assunto sobre o qual vocês discutem na S.T.
Ora o que é uma cerimónia? Não é pôr uma gravata, lavarem-se, comer, ou a apreciação da beleza – porque eu discuti com pessoas, e elas exibiram todos estes argumentos. Elas dizem, “Vamos à igreja porque há nela tanta beleza. É a nossa própria expressão. Não é vestir um fato e lavar os dentes, uma cerimónia?” Certamente que isto não é uma cerimónia. A apreciação da beleza não é uma cerimónia. Vocês não vão à igreja ou assistem a uma cerimônia para se expressarem. Portanto a cerimônia tal como vocês a usam tem um significado muito preciso. Uma cerimônia, tanto quanto posso perceber, de acordo com a vossa própria utilização da palavra, é onde vocês, ou esperam avançar espiritualmente através da sua eficácia, ou assistem a ela para difundir pelo mundo forças espirituais. Vamos limitar-nos a isto, e não trazer argumentos alheios? Não é assim? A cerimônia só se aplica onde vocês difundem força espiritual, e na qual esperam obter avanço espiritual. Examinemos estas duas coisas.

Em primeiro lugar, quando dizem que estão a difundir força espiritual no mundo, como sabem que o estão a fazer? Ou tem que estar baseada na autoridade, na aceitação de decretos ou ordens de algum outro, ou sentem que a estão a difundir. Coloquemos portanto de parte a autoridade de outro, porque isso é infantil. Se alguém diz apenas, “Faça isto”, e vocês o fazem, então não tem qualquer valor; não importa quem seja. Então apenas nos reduzimos a crianças, e tornamo-nos os instrumentos da autoridade. Por esse motivo não há vitalidade nas vossas ações. Somos apenas máquinas imitativas.

Ora nós podemos pensar que indo à igreja nos sentimos exultantes, nos sentimos cheios de vitalidade e de uma sensação de bem-estar. Não estou a ofender quando digo que passando a gostar de beber sentem o mesmo, ou assistindo a uma conferência estimulante; mas porque é que colocam a cerimônia como sendo muito mais importante, mais vital, mais essencial, que a apreciação de algo que realmente os estimule? Se realmente examinarem a questão, aquilo que estimula é muito mais que a apreciação da beleza. Ao assistir a uma cerimônia, vocês esperam que, por qualquer processo milagroso, todo o vosso ser seja limpo. Ora para mim, uma tal ideia é, se me permitem dizê-lo, realmente absurda. Tais ideias são os instrumentos da verdadeira exploração. Ao passo que, sendo realmente integrantes, completos em vocês próprios, não podem contar com alguém para purificar a vossa mente e o vosso coração. Têm que se descobrir por si mesmos. Portanto, para mim, toda esta ideia de que as cerimônia lhes vão dar compreensão espiritual e consecução, é na verdade justamente aquilo que cada pessoa chamada materialista pensa. Ela quer ser alguém neste mundo, ela quer ter dinheiro, portanto começa a acumular, a possuir, a explorar, a ser implacável; e o homem que quer ser alguém no mundo espiritual faz exatamente a mesma coisa, só que lhe chama espiritual. Isto é, por trás de tudo isso, há esta ideia de obtenção; e para mim uma tal ideia, o desejo de obter, é em si uma limitação. E se realizam cerimônia como um meio de obtenção, então todas as cerimônia não são senão limitação. Ou, se vão e realizam cerimônia como sendo o essencial, o necessário, então estão apenas a aceitá-las por autoridade ou tradição. Certamente que uma mente assim não pode compreender o que é a vida, o que é todo o processo de viver.

Surpreendo-me que esta questão surja onde quer que eu vá, especialmente entre aqueles que se supõe serem um pouco mais avançados, seja o que for que isso signifique, aqueles que foram estudantes de filosofia durante anos, que se supõe serem ponderados. Isso apenas indica que na verdade procuraram substitutos. Estão fartos das vossas velhas igrejas e instituições, e querem algum brinquedo novo para brincar, e aceitam esse novo brinquedo sem descobrir se tem algum valor; não podem descobrir se algo tem valor enquanto estiverem apenas à procura de substitutos.
Tratei da questão completamente, exaustivamente? Gostaria realmente de discutir isto com as pessoas, esta ideia das cerimónias. Discuti-a com aqueles que recentemente se tornaram sacerdotes, e deram-me, não uma qualquer razão válida, mas algumas razões baseadas na autoridade, tais como “Disseram-nos”, ou qualquer outro tipo de desculpa para a sua acção.
Agora, há um outro aspecto que é completamente diferente. É a ideia de que na cerimónia reside a magia – não a magia branca ou negra, não estou a falar disso – de que o mistério da vida é revelado através da cerimónia. Sabem, falei com alguns Católicos Romanos, e eles dir-lhes-ão que essa é a razão pela qual vão à igreja. Essa não é a razão dada por nenhum dos cerimonialistas de tendência Teosófica, por isso não usem essa moca contra mim outra vez. Ora a vida é mistério. Há algo imenso, mágico, na vida; mas penetrar o seu véu para descobrir o verdadeiro mistério não é criar coisas falsas, antinaturais – e, para mim, estas cerimônia sacerdotais são antinaturais. São na realidade um meio de exploração.

Pergunta: Foi sugerido que o poder que fala através de si pertence aos planos superiores, e não pode ser transmitido abaixo do intuitivo, por conseguinte temos que escutar mais com a nossa intuição se quisermos compreender a sua mensagem. Isso é correto?

Krishnamurti: O que quer dizer com intuição? O que significa para vocês todos a intuição? Dizem que é algo que sentimos instintivamente sem passar pelo processo da razão lógica; um “pressentimento” como diriam os Americanos. Ora na realidade eu questiono se a vossa intuição é real ou apenas as esperanças inconscientes glorificadas; anseios subtis, enganadores. Sabem, quando ouvem falar da reencarnação, ou quando ouvem um conferencista falar da reencarnação, ou leem um livro sobre ela, e tiram conclusões e dizem, “Sinto que é verdade, tem que ser”, chamam a isso intuição. É realmente intuição, ou é a esperança de que terão uma outra oportunidade para viver a próxima vida; por isso se ligam a ela, e lhe chamam intuição? Esperem um momento. Não estou a negar que existe intuição, mas ao que a pessoa comum chama intuição, e isso não é verdade, isso é algo sem razão, sem validade, sem compreensão por trás disso.
Ora o interlocutor diz que foi sugerido que o poder que fala através de mim pertence aos planos superiores, e não pode ser transmitido abaixo do intuitivo. Certamente compreendem aquilo de que falo, não compreendem? É bastante óbvio. Agora esperem um momento. É fácil compreender aquilo de que falo, mas se não o procurarem, se não o puserem em acção, não há compreensão; e porque não o põem em acção, transferem-no antes para o mundo intuitivo, e por esse motivo dizem que se sugere que falo de um plano superior, e por isso têm que ir ao vosso superior e tentar compreender o que isso significa. Por outras palavras, embora compreendam razoavelmente bem o que estou a tentar dizer, é difícil pô-lo em acção; por isso, vocês dizem “Vamos antes removê-lo para um plano superior, e a partir daí podemos discuti-lo”. Não é assim? Se disserem, “Não compreendo do que fala”, então há a possibilidade de mais discussão. Tentarei então explicá-lo de maneira diferente, para que o possamos discutir, aprofundar, considerar em conjunto; mas começar com a suposição de que para me compreenderem têm que ir ao plano superior – sem dúvida que há algo radicalmente errado nessa atitude. Qual é o plano mais elevado, excepto esse que é o pensamento? Porquê ir mais além? Mas não vêem que o que quero dizer é que estamos a começar com algo misterioso, algo distante, e a partir daí tentamos descobrir o óbvio, as realidades, e portanto, elas forçosamente são enormes desilusões, enormes ações hipócritas, limitadas à falsidade? Ao passo que, se começarmos com as coisas que conhecemos, que são simples de descobrir se pensarem nelas, então podem realmente ir longe, infinitamente. Mas é absurdo começar do misterioso, e depois tentar relegar a vida a esse mistério, que pode ser romanticismo, pode ser falso, imaginativo. Uma tal atitude da mente que diz, “Para compreender temos que escutar com a nossa intuição”, pode ser falsa, portanto eis porque eu disse que as vossas intuições podem ser completamente falsas. Como podem escutar com algo que pode ser falso, que pode ser as vossas esperanças, predileções, anseios ou sonhos? Porque não escutar com os vossos ouvidos, com a vossa razão? Daí, quando conhecem a limitação da razão, então podem prosseguir – isto é, para subirem alto têm que começar por baixo; mas já subiram alto, e não têm mais para onde ir. É esse o problema com todos vocês. Subiram às alturas intelectualmente; naturalmente os vossos seres estão vazios, são arrogantes. Ao passo que, se começarem de perto, então saberão como subir, como mover-se infinitamente.
Sabem, todos estes são meios e maneiras de exploração. É a maneira dos sacerdotes – complicar os assuntos, quando as coisas são infinitamente simples. Não aprofundarei o que tenho que dizer, já o expliquei vezes sem conta; mas complicá-lo, revesti-lo de todo o tipo de tradições ou preconceitos e não reconhecer os vossos preconceitos, eis onde reside a hediondez.
Pergunta: Se uma pessoa considera a Sociedade Teosófica um canal através do qual se pode expressar e ser útil, porque deveria deixar a Sociedade?
Krishnamurti: Em primeiro lugar, vamos descobrir se assim é. Não diga porque é que deveria ou não deveria sair; investiguemos o assunto.
O que quer dizer com um canal através do qual se pode expressar? Não se expressa através do negócio, do casamento? Expressa-se ou não todos os dias quando está a trabalhar para a subsistência, quando está a criar os filhos? E como se vê que aí não se expressa, quer uma Sociedade na qual se possa expressar. Não é isso? Por favor, espero não estar a dar nenhum significado subtil a tudo isto. Portanto você diz, “Como não me estou a expressar no mundo da ação, no mundo quotidiano, onde é impossível expressar-me, por esse motivo utilizo a Sociedade para o fazer.” É assim, ou não? Quero dizer, até onde compreendo a questão.

Como é que se expressa? Tal como é, expressa-se à custa de outros. Quando fala de auto-expressão, tem que ser à custa de outros. Por favor, existe a verdadeira expressão, com a qual todos lidamos presentemente, mas esta ideia de auto-expressão indica que você tem algo para dar, e por esse motivo, a Sociedade tem de ser criada para seu uso. Em primeiro lugar, tem algo para dar? Um pintor, ou um músico, ou um engenheiro, ou qualquer destes indivíduos, se for realmente criativo, não fala sobre auto-expressão; expressa-a durante todo o tempo; fá-lo no mundo exterior, em casa, ou num clube. Não quer uma sociedade específica que possa usar para a sua auto-expressão. Portanto quando diz “auto-expressão”, não quer dizer que está a usar a Sociedade para irradiar para o mundo um conhecimento específico ou algo que você tenha. Se tem algo, você dá-o. Não tem consciência disso. Uma flor não é consciente da sua beleza. O seu encanto está sempre presente.

“Ser útil ao mundo”. Você é realmente útil ao mundo? Por favor, sabem, gostaria que pudessem realmente pensar, honestamente, francamente; então se realmente pensarem, honestamente, francamente, serão utéis ao mundo – não desta forma extraordinária. Vamos decobrir que somos úteis ao mundo. De que precisa o mundo actualmente – ou em qualquer altura, no passado ou no futuro? De gente que tenha a capacidade de ser completamente humana; isto é, gente que não esteja limitada pelos seus círculos tacanhos de pensamentos e preconceitos e pelas limitações do emocionismo da sua auto-consciência. Sem dúvida que, se realmente quiserem ajudar o mundo, não podem pertencer a nenhuma seita ou sociedade específica, não mais que a uma qualquer religião específica. Se dizem que todas as religiões são uma, porquê ter então alguma religião? As religiões e as nacionalidades na realidade enjaulam as pessoas, impedem-nas. Isto é demonstrado em todo o mundo, em toda a história; e agora aparecem no mundo cada vez mais seitas, cada vez mais pessoas limitadas pelos muros da crença, com os seus guias especiais; e no entanto vocês falam de fraternidade! Como pode haver verdadeira fraternidade quando este instinto possessivo é tão profundo, e portanto tem que conduzir a guerras porque está baseado no nacionalismo, no patriotismo. A vossa conversa sobre fraternidade mostra sem dúvida que não são realmente fraternos. Um homem que é realmente fraterno, afetuoso, não fala de fraternidade; vocês não falam de fraternidade à vossa irmã, à vossa mulher, aí há afeto natural. E como pode haver fraternidade, verdadeira unidade do homem, quando existe exploração? Portanto para ajudar realmente o mundo – uma vez que falam em ajudar o mundo – se realmente o quisessem ajudar a ser livre de todos os seus compromissos, dos seus interesses próprios, dos seus ambientes, então veriam que nunca falariam sobre ajudar o mundo; então não se poriam mum pedestal para ajudar alguém à distância, mais abaixo.

Pergunta: Aprova a nossa invocação de ajuda aos anjos do reino angélico, tais como o Anjo Rafael na doença, o Anjo de Fogo na cerimônia de cremação? Eles são apoios e muletas? (Riso)

Krishnamurti: Por favor, alguns de vocês riem-se, mas têm as vossas próprias ideias preconcebidas, as vossas próprias superstições. Podem não ter esta superstição “angélica”. Têm outras.

Ora não olhemos para isso do ponto de vista de invocar ajuda. Em primeiro lugar, se forem normais, então há um milagre normal a acontecer no mundo; mas somos tão anormais que queremos que aconteçam ações anormais. Respondi a esta questão tantas vezes. Bom. Em primeiro lugar, suponham que estão a sofrer e são curados, pode ser por um médico, pode ser por um anjo; se não conhecerem a causa do sofrimento, ficarão doentes outra vez. Pessoalmente, interessei-me um pouco pela cura, mas quero fazer outra coisa na vida, curar realmente a mente e o coração; isto é, deixá-los descobrir por si mesmos a causa do sofrimento; e asseguro-lhes, nenhum convite aos anjos, nenhuma assistência médica contínua, alguma vez lhes mostrará a causa do sofrimento. Podem ser curados sintomaticamente de momento, mas a menos que realmente descubram por si mesmos – mais ninguém pode descobrir por vocês – qual é a causa do sofrimento, ficarão de novo doentes. Na descoberta da causa tornar-se-ão saudáveis.

Pergunta: Tem simpatia por aqueles que admiram a sua beleza, mas ignoram a sua sabedoria?

Krishnamurti: É a mesma coisa que a outra pergunta. Vamos ouvi-lo intuitivamente, e ignoremos as suas palavras. Só que esta pergunta é colocada de forma diferente. Sabem, a sabedoria não é para ser adquirida. Não a podem adquirir dos livros. Não a podem obter escutando, Podem escutar-me durante centenas de anos, mas não vão ser sábios. O que traz a sabedoria é a ação. A ação é sabedoria; não pode ser separada. E porque dividimos a ação do nosso pensamento, das nossas emoções, da nossa capacidade intelectual de raciocinar, somos arrebatados pelas coisas superficiais, e por isso somos explorados.

Pergunta: Considera que a Sociedade Teosófica terminou o seu trabalho no mundo, e deveria retirar-se?

Krishnamurti: O que é que vocês pensam, vocês que são os seus membros? Não é essa uma pergunta muito mais apropriada, do que a vossa a mim? Senhores, posso colocar as coisas desta maneira? Porque pertencem a alguma Sociedade? Porque são Cristãos, Teosofistas, Cientistas Cristãos, e sabe Deus o quê? Porque se excluem e se apartam? “Porque”, dizem vocês, “esta forma específica de crença, esta forma específica de expressão, de ideias, me atrai; por isso vou subscrevê-la.” Ou pertencem-lhe porque esperam obter algo dela: felicidade, sabedoria, posto, posição. Portanto em vez de me perguntarem se a Sociedade deveria retirar-se, perguntem-se porque pertencem a ela. Porque pertencem a alguma coisa? Existe esta ideia terrível de que querem ser exclusivos – o Western Club, o Eastern Golf Course, e todo o resto. Hotéis exclusivos – sabem. Portanto, da mesma forma, dizemos que temos algo especial, e também os Hindus, e também os Católicos Romanos. Todas as pessoas do mundo falam sobre ter qualquer especial, e portanto excluem-se, e tornam-se proprietários dessa coisa especial, e criam assim mais divisões, mais conflitos, mais desgostos. Além disso, quem sou eu para lhes dizer se a Sociedade deve retirar-se? Pergunto-me quantos de vocês se perguntaram realmente porque pertencem à Sociedade. Se são realmente uma associação social, não uma associação religiosa, não uma associação ética, então há alguma esperança para ela no mundo. Se são realmente uma associação de pessoas que está a descobrir, não que encontrou, se são uma associação de pessoas que está a dar informação, não a conferir distinções espirituais, se são uma associação de pessoas que tem uma plataforma realmente aberta, não para mim ou para alguém especial, se são uma associação de pessoas entre as quais não há nem lideres nem seguidores, então há alguma esperança. Mas receio que sejam seguidores, e por isso todos vocês têm líderes. E uma sociedade assim, seja esta ou outra, é inútil. Vocês são apenas seguidores ou apenas líderes. Na verdadeira espiritualidade não há distinção do aluno e do professor, do homem que tem conhecimento e do que não o tem. São vocês que a criam, porque é disto que estão à procura – ser continuamente distintivos. Vocês não podem ser todos Sir Richard Qualquer Coisa, e portanto querem ser alguém nesta Sociedade, ou noutra sociedade, ou no céu. Não vêem que se realmente pensassem sobre estas coisas e fossem honestos, poderiam ser uma associação extraordinariamente útil no mundo. Poderiam então trabalhar realmente para o mérito intrínseco das suas ideais – não para uma qualquer fantasia e para o emocionalismo dos vossos líderes. Então examinariam qualquer ideia e descobririam o seu verdadeiro significado e trabalhá-la-iam, e não dependeriam das honras conferidas pelos vossos serviços, não dependeriam de um engodo para trabalhar. Esse caminho leva à estreiteza, ao fanatismo, a mais divisões e crueldades, e em última análise ao absoluto caos do pensamento.

Pergunta: Qual é a sua atitude em relação aos primeiros ensinamentos de Teosofia, do tipo Blavatsky? Considera que nos deterioramos ou que avançamos?

Krishnamurti: Receio não saber, porque não sei quais são os ensinamentos de Madame Blavatsky. Porque deveria eu saber? Porque devem saber dos ensinamentos de outro? Sabem, só há uma verdade, e portanto só há um caminho, que não está distante dessa verdade; só há um método para essa verdade, porque o meio não é distinto do fim.

Agora vocês que estudaram Madame Blavatsky e a Teosofia mais recente, ou seja lá o que for, porque querem ser estudantes de livros em vez de estudantes da vida? Porque implantam líderes e perguntam que ensinamentos são melhores? Não vêem? Por favor, não estou a ser desagradável, nem nada no gênero. Não vêem? Vocês são Cristãos; descubram o que é verdadeiro e o que é falso no vosso meio com todas as suas opressões e crueldades, e então descobrirão o que é verdadeiro. Porque querem filosofias? Porque a vida é uma coisa feia, e vocês esperam fugir-lhe através da filosofia. A vida é tão vazia, aborrecida, estúpida, ignominiosa, e vocês querem algo que traga romanticismo ao mundo, alguma esperança, algum sentimento persistente e impressionante; ao passo que, se realmente enfrentassem o mundo como ele é e o procurassem enfrentar, achá-lo-iam algo muito melhor, infinitamente melhor que qualquer filosofia, melhor que qualquer livro no mundo, melhor que qualquer ensinamento ou melhor que qualquer professor.

Na realidade perdemos todo o sentido de sentimento, sentimento pelos oprimidos, e sentimento pelo opressor. Vocês só sentem quando são oprimidos. Portanto gradualmente explicamos intelectualmente todos os nossos sentimentos, a nossa sensibilidade, as nossas delicadas percepções, até sermos absolutamente superficiais; e para preencher essa superficialidade, para nos enriquecermos, estudamos livros. Li todos os tipos de livros, mas nunca filosofias, graças a Deus. Sabem, sinto uma espécie de contração – por favor, para falar com certa moderação – quando dizem, “Sou um estudante de filosofia”, um estudante disto, ou daquilo; nunca são estudantes da ação do dia-a-dia, nunca compreendendo realmente as coisas como elas são. Asseguro-lhes que, para vossa felicidade, para vossa própria compreensão, para a descoberta dessa coisa eterna, têm realmente que viver; então encontrarão algo que nenhuma palavra, nenhuma imagem, nenhuma filosofia, nenhum professor pode dar.

Pergunta: Os ensinamentos que a Teosofia dá relativos à evolução têm alguma consequência para o objectivo de crescimento da alma?

Krishnamurti: O que querem dizer com evolução, senhores? Tanto quanto posso perceber, crescer do não essencial para o essencial. É isso? Crescer da ignorância para a sabedoria. Não é assim? Ninguém abana a cabeça. Muito bem. O que querem dizer com evolução? Ganhar cada vez mais experiência, cada vez mais sabedoria, cada vez mais conhecimento, cada vez mais e cada vez mais; infinitamente cada vez mais. Isto é, vão do não essencial para o essencial; e esse essencial torna-se o não essencial no momento em que o conseguiram, que o alcançaram. Não é assim?

Também estão cansados? É muito tarde? Por favor, têm que pensar comigo. Esta é a minha segunda palestra do dia; mas se não pensarem comigo, será muito difícil para mim. Tenho que empurrar uma parede.

Vocês consideram algo como essencial hoje, e vão atrás disso, e obtêm-no; e amanhã essa coisa torna-se não essencial, e vocês dizem, “Aprendi isso.” Aquilo que consideravam essencial tornou-se não essencial, e assim vocês prosseguem, e prosseguem e prosseguem. E chamam a isso crescimento, evolução; obter cada vez mais, discernir cada vez mais entre o essencial e o não essencial – e contudo não existe tal coisa como o essencial e o não essencial. Existe? Porque aquilo que pensam que é essencial hoje torna-se não essencial amanhã, porque vocês querem outra coisa.

Deixem-me colocar as coisas de maneira diferente. Vocês vêem um qualquer objecto deleitante que pensam que querem possuir, e possuem-no: satisfeitos então, avançam para outra coisa. Pode ser alguma ânsia emocional, um desejo, e obtêm-no. Querem uma ideia, e procuram-na, e obtêm-na. E em última instância querem alcançar Deus, a verdade, a felicidade; e vocês consideram espiritual o homem que quer a felicidade, Deus, a verdade, e chamam mundano e materialista ao homem que quer um chapéu ou uma gravata, o seja lá o que for. O não essencial é o chapéu, e o essencial é Deus ou a verdade. O que é que fizemos? Apenas mudamos o objecto dos nossos desejos. Dissemos, “Bem, tenho chapéus suficientes, carros suficientes, casas suficientes, e quero algo mais”, e vão atrás disso e obtêm isso, e depois acabam com isso e querem uma outra coisa; assim prosseguem gradualmente até que em última análise querem algo a que chamam Deus, e depois pensam que alcançaram o fundamental. Tudo o que fizeram foi brincar com os vossos desejos, e a este processo de escolha contínua vocês chamam evolução. É assim ou não?

Comentário da audiência: Num momento um indivíduo está satisfeito com uma coisa e outro indivíduo com outra.

Krishnamurti: Mas certamente que o desejo é a mesma coisa. O desejo é o mesmo seja o desejo de um chapéu ou de Deus. Existe o desejo por trás disso; querer, até termos passado a amplitude do nosso desejo; ao passo que, se realmente compreendessem o significado de cada objecto que o desejo persegue, que não é nem essencial nem não essencial, compreenderiam então o verdadeiro significado desse objecto; e a evolução tem então um significado diferente – não esta consecução, esta obtenção perpétua, sempre sucessiva.

Comentário: Pararemos o desejo?

Krishnamurti: Sem dúvida que não. Se pararem o desejo, então – adeus! É a morte. Como podem parar o desejo? Não é uma coisa que se ligue e desligue. Porque querem parar o desejo? Porque lhes confere dor. Se lhes der prazer vocês continuam, não me perguntam; mas no momento em que lhes confere dor vocês dizem, “Será melhor que o pare.” Porque têm dor? Porque não há compreensão. Se compreenderem uma coisa, então não há dor.

Comentário: Pode ilustrar-nos esse ponto? Que a dor pára quando a compreendemos.

Krishnamurti: Não o conseguem considerar cuidadosamente? Talvez o possa fazer mais tarde. Deixem-me colocar tudo de outra maneira. Estamos habituados a esta ideia de matar o desejo, de disciplinar o desejo, de o controlar, de o subjugar. Para mim, esta maneira de pensar é doentia, antinatural. Vocês desejam um chapéu ou uma coisa ou qualquer coisa – não sei o quê – e multiplicam desejos porque o objecto que o desejo está à procura não os satisfaz. Não é assim? Portanto vocês procuram-no, mas mudam para outro objecto. Agora, porque é que o vosso desejo procura uma coisa após a outra? Porque vocês não compreendem o próprio objecto que o desejo procura; não vêem o significado completo do desejo de um objecto. Estão mais interessados com a obtenção e com a perda, do que com o significado da procura, Estou a explicar-me? Por favor, tem que se pensar nisto.

Pergunta: O que escreveu em “Aos Pés do Mestre” ainda se mantém?

Krishnamurti: Muito bem, senhores. O que implica essa pergunta? Quais são as implicações dessa pergunta? Continuo a acreditar em Mestres, hem? Não é isso? E naturalmente, se acreditar neles, tenho que continuar a acreditar nos ensinamentos, etc. Descubramos. Olhemos para a questão muito abertamente, não como se eu estivesse a atacar os vossos Mestres, a quem têm que proteger.

Ora, porque é que querem um Mestre? Vocês dizem que precisamos dele para uma orientação – a mesma coisa que dizem os espiritualistas – a mesma coisa que os Católicos Romanos dizem – a mesma coisa que toda a gente no mundo diz. Isto aplica-se a todos, não a vocês em particular. Para nos guiar a quê? Essa é a questão seguinte, obviamente, não é? Vocês dizem, “Tenho que ter um guia para a felicidade, para a verdade, para a libertação, para o nirvana, para o céu” – têm que ter alguém que os conduza a isso. (Por favor, não sou um advogado esperto a tentar intimidá-los; estou a tentar ajudá-los a descobrir por si próprios. Não estou a tentar convertê-los a alguma coisa). Ora, se estiverem interessados na descoberta da verdade, então os guias não têm importância, pois não? Não interessa – escolheriam qualquer pessoa. Como sabem que ele os vai ajudar com a verdade? Pode ser que o homem que varre a rua os ajude – a vossa irmã, o vosso vizinho, irmão, qualquer pessoa; assim sendo porque dão uma atenção particular aos vossos guias? Oh, não abanem as cabeças. Eu sei disso. Vocês dizem, “Oh sim, muito bem, é assim”; e contudo todos vocês estão à procura de um estágio de discipulado, à procura de distinções, de iniciações. Portanto para vocês o que importa é, não a verdade, mas quem os irá conduzir. Não é isso? Não? Então digam-me o que é.

Comentário: O senhor em “Aos Pés do Mestre” disse que tínhamos que não ter desejos, e agora diz que temos…

Krishnamurti: Um momento senhor. Sim, é uma contradição. Espero que haja muitas contradições. Há uma senhora que disse “Não.” Abanou a cabeça. Gostaria de descobrir.

Comentário: Esqueci-me de como era exatamente a sua pergunta no que respeita ao Mestre. Sinto que não é a maneira como eu pessoalmente olho para o Mestre. Creio que tal como conto consigo para me ajudar a compreender e descobrir, assim o Mestre nos ajudará a compreender e a descobrir.

Krishnamurti: Isto é, para a maior parte de vocês o Mestre é um guia. Não podem negar isso, pois não? Não podem dizer, “Não, não me importo com quem é que nos conduzirá à verdade.”

Comentário: Não creio que o importante seja o guia; não o guia especial.

Krishnamurti: Não têm guias especiais?

Comentário: É por isso que viemos ouvi-lo a si.

Krishnamurti: Por favor, tentem descobrir de que é que estou a falar. Não digam. “Não queremos Mestres, guias”, e tudo isso; vamos descobrir. Portanto não digam, “Isto não se aplica a mim.” Se realmente pensarem sobre o que estou a dizer, isso aplicar-se-á a vocês, porque estamos todos no mesmo círculo.

Portanto, se quiserem descobrir o que é a verdade, conforme eu disse esta manhã, se perguntarem a um guia, então têm que saber, e ele tem que saber, ambos têm que saber o que é a verdade. Mas se vocês sabem o que é a verdade, e se têm uma percepção ténue dela, então não perguntarão a ninguém, Então não estarão preocupados se são alunos estagiários, ou iniciados com honras especiais, e todo o resto. Vocês querem a verdade, não distinções. O que dizem a isto?

Comentário: Eu diria que muitos têm o desejo de compreensão e não o desejo de distinção.

Krishnamurti: Vocês não estão a tentar proteger. Eu não estou a tentar abater. Por favor, vamos discutir juntos com esta atitude. Como podem ter compreensão quando são alunos, uma pessoa distinguida, uma entidade distinta com mais privilégios especiais que qualquer outra pessoa?
Comentário: Eu não sinto que tenha quaisquer privilégios especiais; só o que eu próprio faço. Não sinto que alguém me confira privilégios.

Krishnamurti: Lamento não me estar a explicar completamente. Muito bem. O que é senão distinção, auto-engrandecimento, quando são o aluno especial de alguém? Vocês dirão, “Não. Isso ajudar-me-á com a verdade. Esse passo é necessário para a verdade.” Não é assim? Portanto esse passo é apenas a acentuação e o exagero da auto-consciência. Para compreender, tem que haver cada vez menos consciência do “eu”, não cada vez mais. Não é assim? Para compreender qualquer coisa não pode haver preconceito; não pode haver consciência do “meu caminho” e do “teu caminho”, “meu” este e “teu” aquele. Qualquer coisa que acentue a ideia de “meu” tem que ser um obstáculo. Não tem?

Comentário: Ensinaram-nos que há Mestres.

Krishnamurti: Bem, não me posso meter nisso. Se dizem, “É a autoridade, disseram-nos”, então nada há a dizer; mas isso satisfaz-los a todos?

Comentário: Não.

Krishnamurti: De momento, esqueçam tudo o que aprenderam aqui sobre os Mestres, os discípulos, a iniciação. Se fossem realmente francos, veriam. Trata-se apenas de que toda a gente quer ser algo, e este processo de querer ser alguém é usado e explorado.

O que é esta consciência a que chamamos “eu”? Quando estamos conscientes dela? (Por favor, tenho que ser breve, porque tenho que parar). O que é esta consciência? Quando estão conscientes de si próprios? Quando há conflito, quando há um obstáculo, uma frustração. Eliminem todas as frustrações, eliminem todos os obstáculos, e então não dirão “eu”. Então estarão a viver. É somente quando estão conscientes da dor que estão conscientes do corpo. Portanto quando há dor, emocionalmente ou intelectualmente, então estão conscientes como algo separado. Agora acentuamo-la, originamos uma situação na mente a que chamamos o “eu”, e tomamos isso como um facto e desejamos prosseguir com a expansão dessa consciência para a verdade – alargar essa consciência cada vez mais, através de estágios e iniciações e todo o resto, o que indica que têm uma falsa causa. Isto é, o “eu” não é a realidade. Têm uma causa falsa e têm as respostas falsas, como as iniciações, como a expansão da consciência do “eu”; e por isso dizem que é necessário alguém para os ajudar a compreender a verdade, a expandir a vossa consciência; ou dizem, “O mundo precisa de um plano, e há pessoas mais sábias que eu; por isso tenho que me tornar no seu instrumento para ajudar o mundo.”. Em consequência estabelecem um mediador entre eles e vocês – alguém que sabe e alguém que não sabe. E por isso, tornam-se apenas num instrumento de exploração. Sei que todos sorriem e discordam de mim; mas por favor, isso não tem importância. Não estou aqui para os convencer, ou para que me convençam. Se olharem para a questão com a razão, verão.

Assim estabelecem um plano conhecido por uma minoria, e tornam-se apenas um instrumento de ação, para cumprir ordens. Por exemplo, se os Mestres dissessem, “A guerra é correta”. Não estou a dizer que o tenham dito. Sabem como na última guerra toda a gente disse, “Deus está do nosso lado”, e lançamo-nos todos a ela. Agora, se vocês, como indivíduos, começarem realmente a pensar, verão que a guerra é uma coisa perniciosa, e se realmente pensaram nisso, não poderiam entrar na guerra. Mas vocês dizem, “Não sei. O plano diz que tem que haver uma guerra e que o bem virá do mal, portanto deixa-me entrar na guerra.” Por outras palavras, realmente param de pensar. São apenas instrumentos a ser conduzidos, carne para canhão. Sem dúvida que isso não é espiritual, todas essas coisas. Portanto por favor, no que respeita a se eu acredito em Mestres ou não, para mim é de muito pouca importância. Se acreditam num Mestre ou não nada tem a ver com espiritualidade. Qual é a diferença entre um médium que recebe mensagens, e vocês que recebem mensagens dos Mestres?

Comemtário: Não devemos acreditar em nada?

Krishnamurti: Por favor, um momento. Por favor, eu tenho estado a falar disto. Porque querem a crença? (Riso) Por favor não se riam, porque toda a gente está nessa posição. Todos queremos crenças como apoios, como algo que nos sustente. Sem dúvida que quanto mais crenças tenham, menos força têm, menos riqueza interior têm. Lamento não poder entrar em pormenores em tudo isto. São oito e meia, mas gostaria de dizer isto. Não se chega à sabedoria, ou a compreensão, agarrando-nos às coisas; agarrando-se às vossas crenças ou ideias. A sabedoria nasce quando estão realmente em movimento, não ancorados a uma forma particular de crença; e então descobrirão que não importa se os mestres existem ou não, se a vossa Sociedade é essencial para o mundo ou não. Estas coisas são de muito pouca importância. Estarão então a originar uma nova civilização, uma nova cultura no mundo.

Sabem, é extraordinário! A Dra. Besant disse a todos os membros, e eu costumava ouvir isto muitas vezes, “Estamos a preparar-nos para um Professor do Mundo. Mantenham uma mente aberta. Ele pode contradizer tudo o que pensam, e dizê-lo de outra maneira.” E vocês tem estado a preparar-se, alguns de vocês, durante vinte anos ou mais; e não importa se eu sou o Professor ou não. Ninguém lhes pode dizer, naturalmente, porque mais ninguém sabe excepto eu; e mesmo então eu digo que não importa. Nunca o contradisse. Eu digo, “Deixem isso. Não se trata disso.” Tem-se preparado durante vinte anos ou mais, e muito poucos de vocês têm uma mente realmente aberta. Muito poucos disseram, “Vamos descobrir do que está a falar. Vamos entrar em pormenores. Vamos descobrir se o que diz é verdadeiro ou falso, independentemente do seu rótulo.” E após vinte anos estão exatamente na mesma posição em que estavam antes. Têm inúmeras crenças, têm certezas e o vosso conhecimento, e não estão realmente dispostos a examinar o que digo. E parece uma perda de tempo, é uma pena que estes vinte anos e até mais se tenham perdido, e que vocês se encontrem exatamente onde estavam, só que com um novo conjunto de crenças, um novo conjunto de dogmas, um novos conjunto de condições. Garanto-lhes, não podem encontrar a verdade, ou a libertação, ou o nirvana, ou o céu, ou o que quiserem chamar-lhe, por este processo de apego. Isso não significa que todos vocês tenham que se tornar desapegados, o que só quer dizer que se tornam secos, mas tentem descobrir, francamente, honestamente, simplesmente, se aquilo a que se agarram com tal implacável possessividade tem algum significado, se tem algum valor; e para descobrir se tem algum valor não pode haver o desejo de se lhe manterem fiéis. E depois quando tiverem realmente olhado para isso dessa maneira, descobrirão algo que é indescritível. Então descobrirão algo verdadeiro, duradouro, eterno. Então não haverá necessidade de um professor e de um aluno. Será um mundo feliz onde não há nem alunos nem professores.

Auckland, Nova Zelândia - palestra com teosofistas 31 de março, 1934.

Para além de todas as limitações das crenças

Amigos, provavelmente a maior parte de vocês veio porque estão à procura de algo. Pelo menos a maior parte de vocês está aqui porque esperam encontrar algo assistindo a esta reunião, porque estão à procura de algo que não conhecem, mas esperam descobrir. Estão aqui porque há um desejo de encontrar felicidade, porque toda a gente, de uma maneira ou de outra, está a sofrer; há uma tortura constante que prossegue nas nossas mentes e corações, estamos insatisfeitos, incompletos, interrogantes. São dadas explicações contínuas para os nossos inumeráveis sofrimentos, e portanto vimos aqui para descobrir se podemos obter algo em troca da nossa busca. Assistindo a esta palestra, esperam encontrar uma resposta para os vossos problemas, a causa do vosso sofrimento.

Ora, geralmente, o que acontece quando sofrem? Querem um remédio. Quando há um problema, querem uma solução. Quando há uma dor, querem um remédio. Vão portanto de um remédio para outro. Sofremos e queremos descobrir qual é o remédio para esse sofrimento, portanto vamos de uma lição, de uma experiência, para outra, de um remédio para outro ou de uma explicação para outra, de um sistema para outro ou de uma crença para outra, mudando constantemente as facções – isto é, indo de uma jaula para outra jaula, repetidamente batendo em vão nas grades para descobrir porque há sofrimento; e durante todo o tempo a mente e o coração apenas procuram um remédio, uma explicação. Assim, nunca encontrarão a explicação, porque, o que acontece quando estão a sofrer? A vossa solicitação imediata é que o sofrimento seja aliviado, que a dor seja aliviada, portanto aceitam um remédio que lhes é dado, sem o examinarem devidamente, sem descobrirem devidamente o seu verdadeiro significado. Aceitam-no porque, psicologicamente, estabeleceram uma esperança e essa esperança cega, e por isso não há uma compreensão clara desse remédio. Se refletirem sobre isto, verão que é um fato. Vocês vão a um médico; ele dá-lhes um remédio. Nunca lhe perguntam o que é. Tudo o que lhes interessa é que a dor desapareça.

Agora estão aqui nesta reunião com essa mesma atitude de espírito, se estiverem a procurar. Se estão aqui por curiosidade, bem, receio não ter muito a dizer. Mas se estão aqui para descobrir, se estão à procura de um remédio, então ficarão despontados, porque eu não dou um remédio, uma explicação; mas considerando as coisas em conjunto, raciocinando em conjunto, descobriremos qual é a causa do sofrimento.

Portanto, para descobrir qual é a causa para o sofrimento, não procurem um remédio; mas tentem antes descobrir qual é a causa do sofrimento, Pode-se tratar superficialmente, sintomaticamente, mas dessa maneira não descobrirão a causa real, básica, fundamental; e só podem descobrir a causa do sofrimento se não estiverem a criar uma barreira pela ânsia imediata de se libertarem dessa dor. Por exemplo, se perderem alguém a quem amam muito, há sofrimento intenso. Então é-lhes oferecido um remédio – de que esse alguém vive no lado de lá, a ideia da reencarnação, etc. Vocês aceitam esse remédio para o vosso sofrimento, mas essa mágoa permanece. Essa solidão, esse vazio continua lá, só que o encobriram com uma explicação, um remédio, uma droga superficial. Ao passo que, se estivessem realmente a tentar descobrir qual é a causa desse sofrimento, então examinariam, tentariam descobrir o significado total do remédio que lhes foi oferecido, seja a ideia de que esse alguém vive no lado de lá, ou a crença na reencarnação. Nesse estado de espírito, quando há sofrimento, há agudeza de pensamento, há um intenso questionamento; e este intenso questionamento é o que realmente causa sofrimento. Não é? Se vivessem com a vossa mulher, com o vosso irmão, ou com alguém, e esse irmão, ou mulher, ou amigo tivesse morrido, então estariam cara a cara com a vossa própria solidão, o que cria na vossa mente a atitude de questionamento – a plena consciência dessa solidão. Esse momento de consciência intensa, de consciência plena, é o momento de descobrir qual é a causa do sofrimento.

Ora, para mim, para descobrir a causa do sofrimento, tem que haver esse estado intenso de mente e coração que está à procura, que está a tentar descobrir. Nesse estado, verão que a mente e o coração se tornaram escravos do meio. A mente, na grande maioria das pessoas, nada mais é que o meio. A mente e o coração são o meio, dependendo do seu estado; e enquanto a mente for escrava do meio, tem que haver sofrimento, tem que haver conflito contínuo do indivíduo contra a sociedade; e o indivíduo só se libertará do meio quando, questionando o meio, conquistar a limitação que lhe foi colocada pelo meio. Isto é, só quando compreendem o verdadeiro significado de cada meio, o verdadeiro valor do meio que foi colocado em vosso redor pela sociedade, pelas religiões, é que penetram através da limitação imposta, e em consequência nasce a verdadeira inteligência.

Afinal, é-se infeliz porque não há inteligência, que é compreensão. Quando compreendem uma coisa deixam de estar em conflito, deixam de estar limitados por aquilo que lhes foi imposto pela autoridade, pela tradição, por preconceitos profundamente enraizados. Portanto a inteligência é necessária para se ser extremamente feliz e para despertar essa inteligência a mente tem que estar livre do meio. As inumeráveis encrustações criadas pelas religiões e pela sociedade, através dos tempos, tornaram-se o nosso meio. Só se podem libertar do meio, que os indivíduos criaram, quando compreenderem os seus padrões, os seus valores, os seus preconceitos, as suas autoridades. E então começam a descobrir qual é a causa fundamental do sofrimento, que é a falta de verdadeira inteligência, e essa inteligência não se descobre por nenhum processo milagroso mas sim estando continuamente conscientes, e portanto questionando continuamente, tentando descobrir o falso e o verdadeiro no meio colocado em nosso redor.

Deram-me algumas perguntas, e vou tentar respondê-las esta tarde.

Pergunta: Acredita em Deus? É ateu?

Krishnamurti: Suponham que todos vocês acreditam em Deus. Deve ser assim, porque são todos Cristãos, pelo menos afirmam sê-lo, portanto devem acreditar em Deus.

Ora, porque é que acreditam em Deus? Por favor, vou responder dentro em pouco, portanto não me chamem ateu, ou teísta. Porque é que acreditam em Deus? O que é uma crença? Vocês não acreditam em algo que é óbvio, como a luz do sol, como a pessoa que está sentado ao vosso lado; não têm que acreditar. Ao passo que a vossa crença em Deus não é real. É uma esperança, uma ideia, uma ânsia preconcebida que pode nada ter a ver com a realidade. Se não acreditarem, mas se se tornarem realmente conscientes dessa realidade na vossa vida, tal como têm consciência da luz do sol, então toda a vossa conduta de vida seria diferente. Presentemente, a vossa crença nada tem a ver com a vossa vida diária; portanto, para mim, quer acreditem em Deus quer não é irrelevante, (Aplausos) Por favor não se incomodem em bater palmas. Há muitas perguntas para responder.

Portanto a vossa crença em Deus, ou a vossa descrença em Deus, para mim é a mesma coisa, porque não tem realidade. Se estivessem realmente conscientes da verdade, como estão conscientes daquela flor, se estivessem realmente conscientes dessa verdade como estão conscientes do ar fresco ou da falta desse ar fresco, então toda a vossa vida, toda a vossa conduta, todo o vosso comportamento, os vossas próprios afetos, os vossos próprios pensamentos, seriam diferentes. Quer se denominem crentes ou descrentes, pela vossa conduta não o estão a mostrar; portanto quer acreditem em Deus quer não acreditem é de muito pouca importância. É apenas uma ideia superficial imposta pelas situações e pelo meio, através do medo, através da autoridade, através da imitação. Por isso, quando dizem, “Acredita? É ateu?” eu não posso responder-lhes categoricamente; porque, para vocês, a crença é muito mais importante que a realidade. Afirmo que há algo imenso, incomensurável, imperscrutável; há uma inteligência suprema, mas não a podem descrever. Como podem descrever o sabor do sal se nunca o provaram? E são as pessoas que nunca provaram sal, que nunca estão conscientes desta imensidade nas suas vidas, que começam a perguntar se eu acredito ou se não acredito, porque a crença para elas é muito mais importante que essa realidade que podem descobrir se viverem corretamente, se viverem verdadeiramente; e como não querem viver verdadeiramente pensam que a crença em Deus é algo essencial para se ser verdadeiramente humano.

Portanto, ser um teísta ou um ateu, para mim, ambas as coisas são absurdas. Se soubessem o que é a verdade, o que é Deus, não seriam nem teístas nem ateus, porque nessa consciência a crença é desnecessária. O homem que não está consciente, que somente espera e supõe, é que conta com a crença ou com a descrença para o apoiar e para o levar a agir de uma maneira específica.

Agora, se abordarem o assunto de maneira bastante diferente, descobrirão por vocês próprios, como indivíduos, algo real que está para além de todas as limitações das crenças, para além da ilusão das palavras. Mas isso – a descoberta da verdade, ou Deus – requer grande inteligência, que não é a afirmação da crença ou da descrença, mas o reconhecimento dos obstáculos criados pela falta de inteligência. Portanto para descobrir Deus ou a verdade – e eu digo que tal coisa existe, eu tive consciência dela – para reconhecer isso, para ter consciência disso, a mente tem que estar livre de todos os obstáculos que foram criados através dos tempos, baseados na auto-proteção e na segurança. Não podem libertar-se da segurança dizendo apenas que estão livres. Para penetrarem os muros desses obstáculos, precisam de muita inteligência, não apenas de intelecto. A inteligência, para mim, é mente e coração em plena harmonia; e então descobrirão por vocês próprios, sem perguntar a ninguém, o que é essa realidade.

Agora, o que está a acontecer no mundo? Têm um Deus Cristão, Deuses Hindus, Maometanos com o seu conceito particular de Deus – cada pequena seita com a sua verdade particular; e todas estas verdades estão a tornar-se como as muitas doenças no mundo, separando as pessoas. Estas verdades, nas mãos de minorias, estão a tornar-se meios de exploração. Vocês vão a cada uma delas, uma após a outra, provando-as todas, porque começam a perder o sentido de discriminação, porque estão a sofrer e querem um remédio, e aceitam qualquer remédio que seja oferecido por qualquer seita, seja Cristã, Hindu, ou qualquer outra. Portanto, o que está a acontecer? Os vossos deuses estão a dividi-los, as vossas crenças em Deus estão a dividi-los e contudo falam sobre a fraternidade do homem, da unidade em Deus, e ao mesmo tempo negam precisamente aquilo que querem descobrir, porque se mantêm fiéis a estas crenças como o meio mais potente de destruir a limitação, que apenas a intensificam.

Estas coisas são tão óbvias. Se forem Protestantes, têm horror aos Católicos Romanos; e se forem Católicos Romanos, têm horror de todos os outros. Isto acontece em todo o lado, não só aqui. Na Índia, entre os Maometanos, entre todas as seitas religiosas acontece isto; porque para todos, a crença – essa coisa cruel – é mais vital, mais importante, que a descoberta da verdade, que é a verdadeira humanidade. Por isso, as pessoas que acreditam tanto em Deus não estão realmente apaixonadas pela vida. Estão apaixonadas por uma crença, mas não pela vida, e por isso os seus corações e mentes murcham e se tornam em nada, são vazios, superficiais.

Pergunta: Acredita na reencarnação?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, não sei quantos de vocês são versados nesta ideia da reencarnação, explicar-lhes-ei brevemente o que significa. Significa que para atingir a perfeição, têm que passar por uma série de vidas, recolhendo cada vez mais experiência, cada vez mais conhecimento, até chegarem a essa realidade, a essa perfeição. Sucinta e grosseiramente, sem entrar nas suas subtilezas, é isso a reencarnação: que vocês como o “eu”, a entidade, o ego, tomem uma série de formas, vida após vida, até que sejam perfeitos.

Agora não vou responder se acredito nela ou não, uma vez que quero demonstrar que a reencarnação é irrelevante. Não rejeitem imediatamente o que digo. O que é o ego? O que é esta consciência a que chamamos o “eu”? Dir-lhes-ei o que é, e por favor considerem-no; não o rejeitem. Vocês estão aqui para compreender o que estou a dizer, não para criar barreiras entre vocês e eu pela vossa crença. O que é o “eu”, esse ponto focal a que chamamos o “eu”, essa consciência da qual a mente se torna continuamente consciente? Isto é, quando é que estão conscientes do “eu”? Quando estão conscientes de vocês próprios? Só quando estão frustrados, quando estão impedidos, quando há uma resistência; caso contrário, são extremamente inconscientes do vosso pequeno ego como “eu”. Não é assim? Estão realmente conscientes de vocês próprios quando há um conflito. Portanto, como nós não vivemos senão em conflito, estamos conscientes dele a maior parte do tempo; e, por isso, existe essa consciência, essa ideia, que nasce do “eu”. O “eu” nesse conflito não é nada mais que a consciência de si como uma forma com um nome, com determinados preconceitos, com determinadas idiossincrasias, tendências, faculdades, ânsias, frustrações; e isto, pensam vocês, deve continuar e crescer e atingir a perfeição. Como pode o conflito atingir a perfeição? Como pode essa consciência limitada atingir a perfeição? Pode expandir-se, pode crescer, mas não será a perfeição, por maior que seja, com tudo incluído, porque os seus alicerces são o conflito, os desentendimentos, os obstáculos. Portanto dizem para vocês próprios, “Tenho que viver como uma entidade para além da morte, por isso tenho que voltar a esta vida até que atinja a perfeição.”

Ora então, dirão, “Se eliminarmos esta ideia do “eu”, qual é o ponto focal na vida?” Espero que estejam a acompanhar isto. Vocês dizem, “Eliminem, libertem a mente desta consciência de mim como um “eu”, e depois o que resta?” O que permanece quando são extremamente felizes, criativos? Permanece a felicidade. Quando estão realmente felizes, ou quando estão muito apaixonados, não há nenhum”eu”. Há esse tremendo sentimento de amor, ou aquele êxtase. Afirmo que isto é o real. Todo o resto é falso.

Portanto vamos descobrir o que cria estes conflitos, estes obstáculos, este atrito contínuo, descubramos se é artificial ou real. Se for real, se este atrito estiver destinado a ser o próprio processo da vida, então a consciência do “eu” tem que ser real. Ora, eu afirmo que este atrito é uma coisa falsa, que não pode existir numa humanidade onde há um planeamento bem organizado para as necessidades dos seres humanos, onde há verdadeiro afeto. Portanto descubramos se o “eu” é a criação falsa de um meio falso, uma sociedade falsa, ou se o “eu” é algo permanente, eterno. Para mim, esta consciência limitada não é eterna. É o resultado de um meio falso de crenças falsas. Se estivessem a fazer o que realmente quisessem fazer na vida, não sendo forçados a fazer um determinado trabalho que detestam, se estivessem a seguir a vossa verdadeira vocação, realizando-se na vossa verdadeira vocação, então o trabalho deixaria de ser atrito. Para um pintor, um poeta, um escritor, um engenheiro, que realmente gosta do seu trabalho, a vida não é um fardo.

Mas o vosso trabalho não é a vossa vocação. O meio e as condições sociais estão a forçá-los a fazer um certo trabalho quer gostem dele quer não, portanto vocês criaram já um atrito. Depois, certos padrões morais, certas autoridades estabeleceram vários ideais como sendo verdadeiros, como sendo falsos, como sendo virtuosos, etc., e vocês aceitam-nos. Aceitaram esta máscara sem compreender, sem descobrir o seu correto valor, e por isso criaram atrito. Assim, gradualmente, toda a vossa mente é deformada e pervertida e está em conflito até que se tenham tornado conscientes desse “eu” e de nada mais. Portanto, começam com uma causa errada, produzida por um meio errado, e têm uma resposta errada.

Portanto quer a reencarnação exista ou não, para mim, é irrelevante. O que importa é realizar, que é perfeição. Não podem realizar num futuro. A realização não é do tempo. A realização está no presente. Portanto o que é que está a acontecer? Através do atrito, através do conflito contínuo, está a criar-se a memória, memória como o “eu” e o “meu”, que se torna possessiva. Essa memória tem muitas camadas e constitui essa consciência a que chamamos o “eu”. E eu afirmo que este “eu” é o resultado falso de um meio falso, e por isso os seus problemas, as suas soluções, têm que ser inteiramente falsos, ilusórios. Ao passo que se vocês, como indivíduos, começarem a despertar para as limitações do meio que lhes foram impostas pela sociedade, pelas religiões, pelas condições econômicas, e começarem a questionar, e por isso a criar conflito, então dissiparão essa pequena consciência a que chamam o “eu”; então saberão o que é essa realização, esse viver criativo no presente.

Colocando as coisas de maneira diferente, muitos cientistas dizem que essa individualidade, essa consciência limitada, existe depois da morte. Descobriram o ectoplasma e todo o resto, e dizem que a vida existe após a morte. Terão que acompanhar isto com algum cuidado, como espero tenham acompanhado a outra parte; senão, não a compreenderão. A individualidade, esta consciência, esta auto-consciência limitada, é um fato na vida. É um fato na vossa vida, não é? É um fato, mas não tem realidade. Estão constantemente auto-conscientes, e isso é um fato, mas conforme lhes demonstrei, não tem realidade. É apenas o hábito de séculos de um meio falso que fez um fato de algo que não é real. E embora esse fato possa existir, e existe, enquanto isso continuar não pode haver realização. E afirmo que a realização da perfeição não está na acumulação de virtudes, não está na postergação, mas sim na completa harmonia de viver no presente. Senhores, suponham que agora têm fome e que eu lhes prometo comida na próxima semana, que valor tem isto? Ou se perderam alguém que amam muito, mesmo embora lhes possam dizer ou possam saber como sendo um fato que ele vive no outro lado, e daí? O que importa, e o que na realidade acontece, é que há esse vazio, essa solidão no vosso coração e na vossa mente, esse imenso vácuo; e pensam que podem afastar-se disso, fugir disso, com o conhecimento de que o vosso irmão, ou a vossa mulher, ou o vosso marido, continua a viver. Continua a haver morte nessa consciência; continua a haver limitação nessa consciência; continua a haver um vazio nessa consciência, uma contínua dor de sofrimento. Ao passo que se libertarem a mente dessa consciência do “eu” descobrindo os valores corretos do meio que ninguém lhes pode dizer, então conhecerão por vocês próprios essa realização que é a verdade, que é Deus, ou qualquer outro nome que gostem de lhe dar. Mas através do desenvolvimento dessa auto-consciência limitada, que é o resultado falso de uma causa falsa, não descobrirão o que é a verdade, ou o que é Deus, o que é a felicidade, o que é a perfeição; porque nessa auto-consciência tem que haver conflito contínuo, esforço contínuo, sofrimento contínuo.

Pergunta: O senhor é o Messias?

Krishnamurti: Isso importa muito? Sabem, esta é uma das perguntas que me colocam onde quer que eu vá: por jornalistas para um artigo; pela audiência porque querem saber, uma vez que pensam que essa autoridade os convencerá. Ora eu nunca neguei nem reivindiquei que sou o Messias, que sou o Cristo que voltou; isso não importa. Ninguém lhes pode dizer isso. Mesmo que eu lhes dissesse, isso não teria absolutamente nenhum valor, e portanto não lhes vou dizer, porque, para mim, isso é tão irrelevante, tão pouco importante, tão inútil. Afinal, quando vêem uma maravilhosa peça de escultura, ou um quadro maravilhoso, há júbilo; mas receio que a maior parte de vocês esteja interessada em quem pintou o quadro, que a maior parte de vocês esteja interessada em quem é o escultor. Não estão realmente interessados na pureza da ação, seja num quadro ou numa estátua, ou no pensamento; estão interessados em saber quem está a falar. Portanto isso indica que não têm a capacidade de descobrir o mérito intrínseco de uma ideia, mas estão bastante preocupados com quem fala. E receio que esteja a cultivar-se cada vez mais um esnobismo, um esnobismo espiritual, tal como há um esnobismo mundano, mas todo o esnobismo é a mesma coisa.

Portanto, amigos, não se aborreçam, mas tentem descobrir se o que digo é verdade; e tentando descobrir se o que digo é verdade, estarão livres de toda a autoridade, uma coisa perniciosa. Para os seres humanos realmente criativos e inteligentes não pode haver autoridade. Para descobrir se o que digo é verdade, não o podem abordar pela mera oposição, ou dizendo, “Disseram-nos isso”, “Foi dito”, “Certos livros dizem isto ou aquilo”, “Os nossos guias espirituais disseram”. Sabem que isso é a coisa mais recente, “Os nossos guias espirituais disseram isto.” Não sei porque dão mais importância a esses espíritos que estão mortos que aos vivos. Sabem que os vivos podem sempre contradizê-los, por isso não lhes prestam atenção, ao passo que os espíritos podem sempre iludir.

Treinamos as nossas mentes, não para apreciar a coisa em si, mas antes para apreciar quem a criou, quem pintou, quem falou. Assim as nossas mentes e corações tornam-se cada vez mais superficiais, vazios, e nisso não há nem afeto nem pensamento real, razoável, mas apenas grande quantidade de preconceitos.

Pergunta: O que é a espiritualidade?

Krishnamurti: Eu digo que é o viver harmonioso. Agora esperem um momento. Explicarei o que quero dizer. Não podem viver harmoniosamente se forem nacionalistas. Como podem fazê-lo? Se têm consciência de raças, ou consciência de classes, como podem viver inteligentemente, supremamente, livres dessa consciência de classes? Ou como podem viver harmoniosamente quando são possessivos, quando existe essa ideia de meu e teu? Ou como podem viver inteligentemente, e por isso harmoniosamente, se estão limitados pelas crenças? Afinal, a crença á apenas uma evasão do conflito presente. Um homem que está num imenso conflito com a vida, querendo compreender, não tem crenças, está no processo de experimentação; ele não acredita categoricamente e depois continua com a sua experiência. Um cientista não começa as suas experiências com uma crença, ele começa a experimentar. E um homem que estiver limitado pela autoridade, social ou religiosa, certamente não pode viver harmoniosamente, e por isso espiritualmente, inteligentemente. A autoridade, então, é apenas o processo de imitação, de falsidade. Um homem que está cheio de pensamento está livre da autoridade, porque a autoridade apenas o transforma numa máquina imitativa, numa peça de engrenagem – seja numa máquina social ou religiosa. Por isso um homem assim pode viver harmoniosamente, e nessa harmonia a sua mente e o seu coração são normais, sãos, plenos, completos, não sobrecarregados com medo.

Pergunta: O estudo da música, da arte em geral, é de valor para aquele que está desejoso de alcançar a realização de que fala?

Krishnamurti: Quer dizer que vai ouvir música como se fosse obter algo em troca? A música não é de fato mercadoria para ser vendida. Você vai lá para se divertir, não para ter algo em troca. Não é uma loja. Seguramente que toda a nossa ideia da realização da verdade ou de viver extaticamente não é a acumulação de coisas, a acumulação de ideias, a acumulação de sensações. Vocês vão ver um quadro, arquitetura – qualquer uma destas coisas – porque sentem prazer nelas, não porque vão obter algo em troca. Essa é a verdadeira atitude materialista, a atitude de troca, de comércio. Essa é a vossa abordagem da realidade, essa é a vossa abordagem de Deus. Dirigem-se a Deus com orações, flores, confissões, sacrifícios, porque em troca vão obter qualquer coisa. Portanto os vossos sacrifícios, orações, implorações, súplicas, não têm valor, porque estão à procura de algo em troca. É como o homem que é amável porque lhe vão dar alguma coisa, e todo o processo da civilização está baseado nisso. O amor é uma mercadoria a ser trocada. A espiritualidade, ou a realização da verdade, é algo que vocês procuram em troca de fazer uma boa ação. Senhor, não é uma ação correta quando procura algo em troca desse ato bondoso.

Pergunta: Se os sacerdotes e as igrejas, e organizações similares, estão a atuar com o homem no sentido de uma primeira ajuda para aliviar os sintomas até que o Grande Médico chegue para tratar da causa, isso é errado?

Krishnamurti: Fazem portanto dos sacerdotes e das igrejas o ponto de passagem. É isso? Estão à espera que alguém venha e lhes revele a causa? Estão a dizer, tanto quanto pude perceber, “Como há tantos sintomas, como estamos a sofrer superficialmente, isto é, como estamos a lidar com os sintomas, é necessário ter sacerdotes e igrejas.” É isso o que dizem? Reconhecem isso? Reconhecem e afirmam que as igrejas e os sacerdotes tratam apenas dos sintomas? Se realmente admitem isso, então descobrirão a causa. Mas não o farão. Vocês não dizem que os sacerdotes e as igrejas tratam superficialmente, sintomaticamente. Se realmente o dissessem e o sentissem, então descobririam a causa por vocês próprios imediatamente; mas não o dizem. Dizem que os sacerdotes e as igrejas os conduzirão para descobrir a causa, portanto a questão não está fielmente colocada. Para a grande maioria das pessoas, praticamente para toda a gente, as igrejas e os sacerdotes ajudá-los-ão a dirigir-se à realidade da verdade. Vocês não dizem que eles tratam dos sintomas. Se o fizessem, pô-los-iam de parte imediatamente, já amanhã. Quem me dera que o fizessem! Então descobririam. Então ninguém precisaria de lhes dizer qual é a causa, porque estariam a funcionar inteligentemente, porque estariam a começar a questionar, não a aceitar. Então tornar-se-iam verdadeiros indivíduos, não máquinas conduzidas pelo meio e pelo medo. Então haveria mais consideração, mais afeto, mais humanidade no mundo, não estas terríveis divisões.

Pergunta: Visto que a sociedade humana tem que ser cooperante e colectiva, que valor pode ter o indivíduo para o seu sucesso? A liderança suprime a liberdade do indivíduo, e torna a sua singularidade sem valor.

Krishnamurti: “Visto que a sociedade humana tem que ser cooperante e colectiva, que valor pode ter o indivíduo para o seu sucesso?” Ora descubramos se o indivíduo, ao tornar-se verdadeiramente individual, não cooperará. Isto é, em vez de ser levado à cooperação tal como vocês o são pelas circunstâncias – não devia dizer levado à cooperação, vocês não são cooperantes – em vez de serem levados pelas situações a agir por vocês próprios, o que aliás não é verdade, à cooperação inteligente, é possível cooperar ao tornarem-se verdadeiros indivíduos? Eu digo que é possível ao tornarem-se verdadeiramente indivíduos, que haverá cooperação verdadeira e natural, sem serem levados pelas circunstâncias; vamos portanto investigar.

Afinal, vocês são indivíduos, funcionando com a vossa plena volição? Isso é, afinal, o verdadeiro indivíduo, não é? – o homem que funciona com plena liberdade; caso contrário não são indivíduos, são apenas peças de engrenagem que estão a ser conduzidas. Portanto posso dizer que só quando forem verdadeiramente indivíduos é que haverá verdadeira cooperação. Agora, o que é um indivíduo? Não o ser humano que é conduzido à ação pelo meio, pelas circunstâncias. Eu afirmo que a verdadeira individualidade consiste em libertar a mente do ambiente do falso, e tornando-se portanto um verdadeiro indivíduo, e portanto tem que haver cooperação.

Por favor, já é tarde, e não posso entrar em detalhes, mas se estiverem interessados reflectirão sobre isto, e verão que neste mundo, tal como está constituído, cada indivíduo luta com o seu próximo, procurando a sua própria segurança, protecção, preservação. Não pode haver cooperação. É uma impossibilidade. Só pode haver uma cooperação que é inteligente, humana, criativa, não egoísta, quando vocês como indivíduos, se tornarem indivíduos completos. Isto é, quando virem que para ter verdadeira cooperação no mundo, não pode haver procura competitiva de auto-segurança. Isso significa alterar toda a estrutura da nossa civilização, com os seus interesses próprios, com a sua possessividade de classes, com as suas nacionalidades, consciência racial, divisão das pessoas pelas religiões. Quando vocês, como indivíduos, forem realmente livres, quando virem o significado destas coisas e a sua falsidade, então tornar-se-ão verdadeiramente indivíduos, e serão então capazes de cooperar inteligentemente; isso é inevitável. O que nos separa é o nosso preconceito, a nossa falta de percepção dos valores correctos, de todos estes obstáculos que nós, como indivíduos, criámos; e é somente como indivíduos que poderemos deitar abaixo este sistema. Significa que não podem ter qualquer nacionalidade, que não podem ter o sentido de possessividade, embora possam ter roupas, casas. Esse sentido de possessividade desaparece quando tiverem descoberto as vossas necessidades reais, quando toda a vossa atitude não for a de uma consciência de classes possessiva. Quando cada indivíduo se interessar no bem-estar da comunidade, então pode haver verdadeira cooperação. Agora não há cooperação porque vocês estão apenas a ser conduzidos como carneiros, numa direção ou noutra, pelas circunstâncias, e os vossos líderes subjugam-nos porque vocês não são senão o meio de exploração, e são explorados porque todo o vosso pensamento, toda a vossa estrutura é de auto-preservação à custa de todos os outros. E eu afirmo que há verdadeira auto-preservação, verdadeira segurança, no plano do mundo como um todo, quando vocês, como indivíduos, destruírem essas coisas que mantêm as pessoas separadas, lutando umas com as outras em guerras contínuas que são o resultado das nacionalidades e dos governos soberanos. E asseguro-lhes que não terão paz, não terão felicidade, enquanto essas coisas existirem. Elas apenas provocam cada vez mais contendas, cada vez mais guerras, cada vez mais calamidades, dores e sofrimentos. Foram criadas por indivíduos, e como indivíduos têm que começar a destruí-las e a libertarem-se delas, e só então compreenderão o êxtase da vida.

Auckland, Nova Zelândia - 2ª palestra nos Paços do Concelho 1 de abril, 1934.

Sobre a questão da ação correta

Amigos, penso que a maior parte de nós acha que o mundo seria maravilhoso se não houvesse verdadeira exploração, e que seria um mundo esplêndido se cada ser humano tivesse a capacidade de viver naturalmente, plenamente e humanamente. Mas há muito poucos que querem fazer alguma coisa por isso. Como ideais, como uma Utopia, como uma coisa de sonho, todos os acarinham, mas muito poucos desejam ação. Não podem provocar uma Utopia nem pode haver a cessação da exploração sem ação.

Ora, só pode haver ação, ação colectiva, se houver em primeiro lugar cuidadosa consideração individual desse problema. Cada ser humano, em momentos sensatos, sente o horror da verdadeira exploração, seja pelo sacerdote, pelo homem de negócios, pelo médico, pelo político, ou por qualquer pessoa. Todos nós sentimos realmente, nos nossos corações, a crueldade aterradora da exploração, se já tivermos pensado nisso um só instante. E contudo cada um de nós é apanhado nesta roda, neste sistema de exploração, e esperamos e temos esperança que por algum milagre nasça um novo sistema. E assim, individualmente, sentimos que apenas temos que esperar, deixar que as coisas tomem o seu rumo natural, e que por algum meio extraordinário nasça um novo mundo. Sem dúvida que, para criar uma coisa nova, um novo mundo, uma nova concepção de organização, os indivíduos têm que começar. Isto é, os homens de negócios, ou alguém em particular, tem que começar a descobrir se a sua ação está realmente baseada na exploração.

Agora, conforme disse, há a exploração do sacerdote baseada no medo, há a exploração do homem de negócios baseada no seu próprio engrandecimento, acumulação de riqueza, avidez, formas subtis de egoísmo e segurança; e como se supõe que todos vocês aqui sejam homens de negócios, certamente que não podem deixar de lado cada problema humano e preocuparem-se integralmente com os negócios. Afinal, os homens de negócios são seres humanos, e os seres humanos, enquanto forem explorados, têm que ter em si, continuamente, este espírito rebelde. É somente quando atingem um determinado nível em que estão razoavelmente seguros que esquecem tudo sobre esta situação, sobre mudar o mundo, ou ocasionar uma determinada atitude de ação espontânea perante a vida. Porque atingimos um determinado estádio de segurança, esquecemos, e sentimos que tudo está bem; mas por trás de tudo isso pode sentir-se que não pode haver felicidade, felicidade humana, enquanto existir realmente exploração.

Ora, para mim, a exploração nasce quando os indivíduos procuram mais que as suas necessidades essenciais; e descobrir as vossas necessidades essenciais requer muita inteligência, e não podem ser inteligentes enquanto as vossas necessidades forem o resultado da procura de segurança, de conforto. Naturalmente, tem que se ter comida, tecto, roupa, e tudo isso; mas para que isto seja possível para todos, os indivíduos têm que começar a compreender as suas próprias necessidades, as necessidades que são humanas, e organizar todo o sistema de pensamento e ação em consequência disso, e só então poderá haver verdadeira felicidade criativa no mundo.

Mas atualmente o que está a acontecer? Lutamos uns contra os outros durante todo o tempo, excluímo-nos uns aos outros, há competição contínua em que cada um se sente inseguro, e todavia continuamos à deriva, sem tomar providências definidas. Isto é, em vez de esperarmos que aconteça um milagre para alterar este sistema, é necessária uma mudança completa e revolucionária, que cada um reconheça.

Embora possamos ter um ligeiro medo da palavra revolução, todos reconhecemos a imensa necessidade de uma mudança. E contudo, individualmente, somos incapazes de a provocar porque, individualmente, não tomamos em consideração, individualmente não tentamos descobrir porque deveria haver este contínuo processo de exploração. Quando os indivíduos forem realmente inteligentes, criarão então uma organização que providenciará as necessidades essenciais da humanidade, não baseada na exploração. Individualmente não podemos viver separados da sociedade. A sociedade é o indivíduo e enquanto os indivíduos estiverem apenas a procurar continuamente a sua própria auto-segurança, para eles próprios ou para a sua família, tem que existir um sistema de exploração.

E não pode haver felicidade no mundo se os indivíduos, como vocês, tratarem dos assuntos do mundo, dos assuntos humanos, separados do negócio. Isto é, vocês não podem, se me permitem dizê-lo, estar nacionalisticamente inclinados, e contudo falar da liberdade do comércio. Não podem considerar a Nova Zelândia como o país mais importante, e rejeitar depois todos os outros países, porque sentem, individualmente, a necessidade essencial da vossa própria segurança. Isto é, senhores, se é que posso pôr as coisas desta maneira, só pode haver verdadeira liberdade de comércio, desenvolvimento das indústrias, etc., quando não houver nacionalidades no mundo. Penso que isso é óbvio. Enquanto houver barreiras alfandegárias protegendo cada país tem que haver guerras, confusão e caos; mas se formos capazes de tratar todo o mundo, não como dividido em nacionalidades, em classes, mas como uma entidade humana, não dividido por seitas religiosas, pela classe capitalista e pela classe trabalhadora, só nessa altura haverá a possibilidade de verdadeira liberdade no comércio, na cooperação. Para originar isto não podem apenas pregar ou assistir a reuniões. Não pode haver apenas o prazer intelectual destas ideias, tem que haver ação; e para originar a ação temos que começar individualmente, muito embora possamos sofrer por isso. Temos que começar a criar uma opinião inteligente e desse modo teremos um mundo onde a individualidade não é esmagada, derrotada por um determinado padrão, mas que se torna um meio de expressão da vida; não a forma duramente tratada e condicionada a que chamamos seres humanos. A maior parte das pessoas quer e compreende que tem que haver uma mudança completa. Não vejo qualquer outra maneira que não seja começando como indivíduos, e então essa opinião individual tornar-se-á a realização da humanidade.

Pergunta: Que significado inteligível, se é que posso perguntar, atribui à ideia de um Deus masculino como postulado por praticamente todo o clero Cristão, e arbitrariamente imposto às massas durante a Idade Média e até ao momento presente? Um Deus imaginado em termos de gênero masculino tem, por todos os cânones sãos e razoáveis da lógica, que ser pensado, rezado, importunado e adorado em termos de personalidade. E um Deus pessoal – pessoal como nós seres humanos necessariamente somos – tem que estar limitado no tempo, no espaço, no poder e na finalidade, e um Deus tão limitado não pode ser um Deus. Precisamente em face desta colossal imposição, arbitrariamente imposta às massas, é para admirar que encontremos o mundo na sua presente situação catastrófica? Deus para ser Deus tem, numa realidade soberana e sensata, que ser a totalidade absoluta e infinita de toda a existência, tanto negativa como positiva. Não é assim?

Krishnamurti: Senhor, porque quer saber se Deus é masculino ou feminino? Porque questionamos? Porque tentamos descobrir se há um Deus, se é pessoal, se é masculino? Não será porque sentimos a insuficiência de viver? Sentimos que se pudéssemos descobrir o que é esta imensa realidade, então poderíamos moldar as nossas vidas de acordo com essa realidade; começamos assim a preconceber o que essa realidade tem que ser ou deve ser, e moldamos essa realidade de acordo com as nossas fantasias e caprichos, de acordo com os nossos preconceitos e temperamentos. Então começamos a edificar uma série de contradições e oposições, uma ideia do que pensamos que Deus deveria ser; e, para mim, um Deus assim não é Deus nenhum. É um meio humano de evasão das constantes batalhas da vida, desta coisa a que chamamos exploração, das inanidades da vida, da solidão, dos sofrimentos. O nosso Deus é apenas um meio de escape destas coisas; ao passo que, para mim, há algo muito mais fundamental, real. Eu afirmo que há algo como Deus; não nos interroguemos sobre o que é. Vocês descobrirão se começarem realmente a compreender o próprio conflito que está a estropiar a mente e o coração: esta luta contínua pela auto-segurança, este horror da exploração, as guerras e as nacionalidades, e os absurdos da religião organizada. Se os enfrentarmos e os compreendermos, então descobriremos o verdadeiro significado em vez de especular; o verdadeiro significado da vida, o verdadeiro significado de Deus.

Pergunta: Segue Maomé, ou Cristo?

Krishnamurti: Posso perguntar porque é que alguém deve seguir outro? Afinal, a verdade ou Deus não se encontra imitando outro: nessa altura tornar-nos-emos apenas máquinas. Precisamos de facto, nós, como seres humanos, de pertencer a qualquer seita, seja o Maometismo, o Cristianismo, o Hinduísmo ou o Budismo? Se instituírem uma pessoa como vosso Salvador, como vosso guia, então tem que haver exploração; tem que haver uma modelação do mundo a uma determinada seita tacanha. Ao passo que, se realmente não instituirmos ninguém como autoridade, mas descobrirmos o que eles dizem, o que qualquer ser humano diz, então compreenderemos algo que é duradouro; mas apenas seguir outro não nos levará a lado nenhum. Presumo que sejam todos Cristãos, e que dizem que seguem Cristo. Seguem-no? Os seres humanos, quer pertençam ao Cristianismo ou ao Maometismo ou ao Budismo, seguem realmente os seus líderes? É impossível. Não o fazem. Portanto porquê chamarem a si próprios nomes diferentes e separarem-se? Ao passo que, se tivéssemos realmente alterado o meio em que nos tornamos assim escravos, nessa altura seríamos realmente Deuses em nós mesmos, não seguiríamos ninguém. Pessoalmente, não pertenço a nenhuma seita, grande ou pequena. Encontrei a verdade, Deus, ou que lhe quiserem chamar, mas não a posso transmitir a outro. Apenas se pode descobrir através da inteligência consumada, e não através da imitação de certos princípios, crenças ou personagens.

Pergunta: Existe uma força ou influência exterior conhecida como o mal organizado?

Krishnamurti: Existe? O homem de negócios moderno, o nacionalista, o seguidor da religião – eu chamo males a estas pessoas, males organizados; porque, senhores, criamos individualmente estes horrores no mundo. Como nasceram as religiões com o seu poder de explorar implacavelmente as pessoas através do medo? Como se tornaram nestas formidáveis máquinas? Nós criamo-las individualmente através do nosso medo da outra vida. Não que não haja outra vida: isso é uma coisa totalmente diferente. Nós criamos essa máquina e estamos aprisionados nela; e são apenas muito poucos aqueles que se afastam, e a essas pessoas vocês chamam Cristo, Buda, Lenin, ou X, Y, Z.

Depois há o mal da sociedade como ela é. É uma máquina organizada e opressiva para controlar os seres humanos. Vocês pensam que se os seres humanos forem libertados tornar-se-ão perigosos, que farão toda a espécie de horrores; portanto dizem, “Vamos controlá-los socialmente, pela tradição, pela opinião, pela limitação da moralidade”; e é a mesma coisa economicamente. Assim gradualmente estes males tornam-se aceites como coisas normais e saudáveis. De facto, é óbvio como através da educação somos compelidos a integrar-nos num sistema em que nunca se pensa na vocação individual. Vocês são forçados a integrar-se nalgum trabalho; e assim criamos uma vida dupla, durante todas as nossas vidas, essa do negócio das 10 às 5, ou lá o que é, que nada tem a ver com a outra, a nossa vida privada, social, caseira. Portanto estamos continuamente a viver em contradição, indo ocasionalmente, se estiverem interessados, à igreja, para manter a moda, o espetáculo. Investigamos a realidade, Deus, quando há momentos de conflito, momentos de opressão, momentos em que há uma catástrofe. Dizemos, “Tem que haver uma realidade. Porque vivemos?” Criamos assim gradualmente nas nossas vidas uma dualidade, e por isso nos tornamos tão hipócritas.

Portanto, para mim, existe um mal. É o mal da exploração engendrado pelos indivíduos através da sua ânsia de segurança, de auto-preservação a qualquer custo, independentemente de todos os seres humanos; e não há nisso afeto, não há verdadeiro amor, mas apenas esta possessividade que classificamos como amor.

Pergunta: Pode dizer-nos como chegou a este grau de compreensão?

Krishnamurti: Receio que fosse demorar muito tempo, e pode ser muito pessoal. Em primeiro lugar, Senhores, eu não sou um filósofo, não sou um estudante de filosofia. Penso que aquele que seja apenas estudante de filosofia está já morto. Mas vivi com toda o gênero de pessoas, e fui criado, como talvez saibam, para levar a cabo uma certa função, um certo cargo. Mais uma vez, isso significa “explorador”. E era também o dirigente de uma enorme organização em todo o mundo, para fins espirituais; e vi a falácia disso, porque não se pode conduzir os homens à verdade. Só se pode torná-los inteligentes através da educação, o que nada tem a ver com sacerdotes e os seus meios de exploração – as cerimonias. Portanto dissolvi essa organização; e, vivendo com as pessoas, e não tendo uma ideia fixa sobre a vida, ou uma mente limitada por um determinado contexto tradicional, comecei a descobrir o que, para mim, é a verdade: verdade para toda a gente – uma vida que se pode viver saudavelmente, sensatamente, humanamente, não baseada na exploração, mas nas necessidades. Sei o que preciso, e que não é muito, portanto quer trabalhe para elas escavando um jardim, ou falando, ou escrevendo, isso não é de muita importância.

Em primeiro lugar, para descobrir qualquer coisa, tem que haver um grande descontentamento, um grande questionamento, infelicidade; e muito poucas pessoas no mundo, quando estão descontentes, desejam acentuar esse descontentamento, desejam passar por ele para descobrir. Geralmente as pessoas querem o oposto. Se estão descontentes, querem felicidade, ao passo que, por mim – se me permitem ser pessoal – eu não queria o oposto, eu queria descobrir; e assim gradualmente através de vários questionamentos e através de um atrito contínuo, cheguei a compreender isso a que se chama a verdade ou Deus. Espero ter respondido à pergunta.

Pergunta: Diga-nos algo sobre a sua ideia sobre a outra vida.

Krishnamurti: É extraordinário! Supõe-se que isto seja uma reunião para pessoas de negócios, e estamos a falar sobre a outra vida, Deus, e tudo o mais. Isso indica que não estamos nada interessados nos nossos negócios; estamos interessados neles apenas como um meio de obter dinheiro para existir; e os nossos interesses humanos estão separados da nossa vida quotidiana.

Ora bem, com respeito ao que reside na outra vida, talvez tenham lido o que alguns dos maiores cientistas na Europa dizem: que há uma continuação após a morte. Alguns deles sustentam que há uma continuação individual, outros com igual ênfase negam-no. É bastante óbvio que existe uma espécie qualquer de continuação, seja a forma de pensamento da entidade que morre, seja a expressão do pensamento do mundo, etc.

Agora, vamos descobrir, investigar sobre o que chamamos individualidade. Quando fazemos a pergunta, “Existe uma outra vida?” porque a fazemos? Porque querem saber se continuam como o Sr. X quando morrem; ou querem saber porque amam muito alguém, e essa pessoa morreu. Portanto vamos descobrir o que é esta coisa a que chamamos individualidade – isto é, o meu irmão, a minha mulher, o meu filho, ou eu: o que é? Quando falam do Sr. X, o que é esse Sr. X? Não é uma forma, um nome, determinados preconceitos, uma determinada conta bancária, determinadas distinções de classe? Isto é, o Sr. X tornou-se o ponto focal deste estado da sociedade.

Espero estar a explicar isto. Colocarei a questão desta maneira. Um indivíduo comum presentemente, tal como é, nada mais é que o ponto focal do meio, da sociedade, da religião, dos editos morais e das condições econômicas – como indivíduo comum, é isso que ele é. Não é assim? Esse ponto focal, com as suas contradições, preconceitos, esperanças, ânsias, medos, gostos e antipatias, constitui esse fardo a que chamamos indivíduo, tal como o Sr. X. Agora, queremos saber se esse Sr. X viverá na outra vida. Há a possibilidade que ele possa viver, e que viva agora. Esperem um momento. Isso não tem importância, pois não? Porque o que chamamos indivíduos nada mais são que o resultado de um meio falso. Este ponto focal do presente estado de individualidade é na realidade falso, não é? Um homem comum tem que lutar neste mundo para poder viver. Tem que ser competitivo, implacável, e tem que pertencer a certas classes sociais, Burguesia, Proletariado, Capitalismo; ou pertence a determinadas seitas religiosas chamadas por vários nomes, Cristianismo, Hinduísmo, Budismo, etc. De facto estes meios são falsos quando tenho que lutar implacavelmente com o meu próximo para poder viver. Não há qualquer coisa podre num tal estado? Não há qualquer coisa anormal ao dividirmo-nos em classes? Não há qualquer coisa de rude quando nos auto-denominamos Cristão, Hindus, Maometanos ou Budistas? Assim estes meios falsos criam atrito na mente, e a mente identifica-se como o Sr. X. E então surge a questão, “O que acontece? Viverei, ou não viverei?” Conformo digo, há uma possibilidade que eles possam viver; mas nesse viver não há felicidade, inteligência criativa, alegria na vida; é uma batalha contínua. Ao passo que, se compreendermos o verdadeiro significado de todos estes meios colocados na mente – religioso, social, econômico – libertando por isso a mente do conflito, descobriremos que há uma unidade focal diferente, uma individualidade totalmente diferente; e eu afirmo que essa individualidade é contínua; não é vossa e minha. Essa individualidade é a expressão eterna da vida em si, e nela não há morte, não há princípio nem fim; há nela uma mais ampla concepção de vida. Ao passo que, nesta falsa individualidade tem que haver morte, tem que haver a contínua interrogação de se viverei ou não viverei. Este medo é contínuo, obsessivo, perseguidor.

Pergunta: Acha que os sistemas sociais do mundo evolucionarão para um estado de fraternidade internacional, ou ela será ocasionada através de instituições parlamentares, ou pela educação?

Krishnamurti: Tal como a sociedade está organizada, não conseguem ter fraternidade internacional. Não podem continuam a ser Novo Zelandeses, e eu um Hindu, e falar sobre fraternidade. Como pode haver realmente fraternidade, se estão restringidos por situações econômicas, por este patriotismo que é uma coisa tão falsa? Isto é, como pode haver fraternidade se vocês continuam a ser Novo Zelandeses, agarrando-se aos vossos preconceitos específicos, às vossas barreiras alfandegárias, patriotismo, e todo o resto; e eu um Hindu a viver na Índia, com os meus preconceitos? Podemos falar de tolerância, deixar-nos em paz uns aos outros, ou eu mandar-lhes missionários e vocês mandarem-me missionários, mas não pode haver fraternidade. Como pode haver fraternidade quando vocês são Cristãos e eu sou Hindu, quando vocês são dominados pelos sacerdotes e eu sou também dominado pelos sacerdotes de um modo diferente, quando vocês têm uma forma de adoração e eu tenho outra? – o que não significa que vocês tenham que chegar à minha forma de adoração ou que eu tenha que chegar à vossa.

Portanto, tal como estão as coisas, elas não resultarão em fraternidade. Pelo contrário, há o nacionalismo, mais governos soberanos, que não são senão os instrumentos da guerra. Portanto, tal como existem, as instituições sociais não podem evolucionar para uma coisa magnífica, porque as suas próprias bases, a sua fundação está errada; e os vossos parlamentos, a vossa educação baseada nestas ideias, não ocasionará a fraternidade. Olhem para todas as nossas nações. O que são elas? Nada senão instrumentos de guerra. Cada país é melhor que o outro, cada país a bater o outro, inflamando esta falsa coisa chamada patriotismo. Por favor, vocês gostam de determinados países, determinados países são mais bonitos que outros, e vocês apreciam-nos. Desfrutam da beleza tal como desfrutam de um pôr-do-sol, seja aqui, na Europa ou na América. Nada há de nacionalista, nem de sentimento patriótico por trás disso – vocês desfrutam-na. O patriotismo só chega quando as pessoas começam a usar o vosso prazer para um objectivo. E como pode haver verdadeira fraternidade, através do patriotismo, quando todas as formas de governo se baseiam na distinção de classes, quando uma classe que tem tudo governa a outra que nada tem, ou envia representantes que nada têm para o parlamento? Sem dúvida que esta abordagem ao estado humano, à unidade humana é impossível. É tão óbvio, que nem necessita de discussão.

Enquanto houver distinções de classe desenvolvendo-se em nacionalidades, baseadas na exploração pela classe possessiva, ou pela classe que tem os meios de produção nas mãos, tem que haver guerras; e através das guerras não vão obter fraternidade. Isso é óbvio. Podem ver isso na Europa desde a Guerra: maior sentimento nacional, mais patriotismo fanático, barreiras alfandegárias mais fortes. Isso, por certo, não vai gerar fraternidade. Pode gerar fraternidade no sentido de que haverá uma grande catástrofe e as pessoas despertarão e dirão, “Por amor de Deus, despertemos e sejamos sensatos.” Isso eventualmente poderá gerar fraternidade; mas as nacionalidades não gerarão fraternidade, não mais que as distinções religiosas, que estão realmente, se chegarem a refletir sobre isso, baseadas em refinado egoísmo. Todos queremos estar seguros no céu – seja lá o que for esse lugar – protegidos, seguros, certos, e portanto criamos instituições, organizações, para produzir a certeza, e chamamos-lhes religiões, aumentando assim a exploração. Ao passo que, se realmente virmos a falsidade de todas estas coisas, não só percebendo-as intelectualmente mas realmente sentindo-as completamente com a nossa mente e coração, então há uma possibilidade de fraternidade. Se o percebermos, então há um ato voluntário, verdadeiro, moral. Quando percebemos uma coisa completamente e agimos, chamo a isso um verdadeiro ato moral, e não quando somos forçados pela circunstâncias, ou quando se provoca uma fraternidade forçada pela completa e brutal necessidade da vida. Isto é, quando as pessoas de negócios, o capitalista, os financeiros, começarem a ver que esta distinção não compensa, que não podem fazer mais dinheiro, que não podem estar na mesma posição, então produzirão um meio forçando o indivíduo a tornar-se fraterno; tal como agora somos forçados pelo meio a não ser fraternos, a explorar, assim serão também forçados a cooperar. Por certo que isso não é fraternidade; é apenas uma ação provocada pela conveniência, sem inteligência e compreensão humanas.

Assim, para realmente trazer a inteligência humana à ação, os indivíduos têm que agir moralmente e voluntariamente e então criarão uma organização na qual serão verdadeiros lutadores contra a exploração. Mas isso requer muita percepção, muita ação inteligente, e só podem começar por vocês mesmos; só podem cuidar do vosso próprio jardim, não podem olhar pelo do vosso vizinho.

Pergunta: Por favor seja franco. Podemos conhecer a verdade tal como a conhece, parar de explorar, e ainda continuar com o negócio, ou sugere que o vendamos? Poderia entrar para o comércio e permanecer tal como é?

Krishnamurti: Senhor, por favor, não estou a esquivar-me do problema. Serei perfeitamente franco. Tal como o sistema está organizado, a menos que se retirem para uma ilha deserta onde cozinhem e façam tudo sozinhos, tem que haver exploração. Não é assim? É óbvio. Enquanto o sistema estiver baseado na competição individual, na segurança, na possessividade, como seus alicerces, tem que haver exploração. Mas não se podem libertar desses alicerces porque não têm medo, porque descobriram quais são as vossas necessidades essenciais, porque são ricos em vocês mesmos? Assim, embora permaneçam no negócio, descobrem que as vossas necessidades são muito poucas; ao passo que, se houver pobreza de mente e coração, as vossas necessidades tornam-se colossais. Mas de novo, a menos que se seja realmente honesto, absolutamente franco, e não se engane subtilmente a si próprio, o que eu disse pode ser usado para explorar mais. Não me importaria pessoalmente de entrar para o negócio, mas para mim não teria valor, porque não tenho necessidade de entrar para o negócio. Por isso, de que adiantaria falar teoricamente? Não que tenha dinheiro; mas faria qualquer coisa razoável, sensata, porque as minhas necessidades são muito poucas, e não tenho medo de ser destruído. É quando há o medo de perder – o medo da perda de segurança, preservação – que lutamos. Mas se estiverem preparados para perder tudo porque nada têm – bem, não há exploração. Isto soa ridículo, absurdo, selvagem, primitivo, mas se realmente pensarem nisso sensatamente, se lhe concederem alguns minutos do vosso pensamento criativo, verão que não é tão absurdo quanto isso. É o selvagem quem está continuamente às ordens das suas necessidades, não o homem de inteligência. Ele não se apega às coisas, porque interiormente ele é extremamente rico; por isso as suas necessidades externas são muito poucas. Sem dúvida que podemos organizar uma sociedade que se baseie em necessidades, não nesta exploração através da publicidade. Espero ter respondido à sua pergunta, senhor.

Pergunta: Sem desejar explorar o orador, eu considero-o como um dos maiores de todos os exemplificadores do altruísmo filosófico, mas gostaria muito que ele dissesse aqui à sua audiência esta tarde que crença tem ele no derradeiro milênio, que sem dúvida ele e toda a raça humana procuram.

Krishnamurti: Senhor, ter um milênio perfeito significa que o selvagem tem de ser tão inteligente como qualquer outra pessoa, tem que ter condições tão perfeitas como outra pessoa qualquer. Isto é, todos os seres humanos a viver no mundo num preciso momento, ao mesmo tempo, têm que ser todos felizes. Certamente que esse é o derradeiro milênio, não é? Isso é o que queremos dizer quando falamos sobre ele. Muito bem, senhor. Espere um momento. É possível tal coisa? Por certo que não é possível. Nós pensamos que o milênio é um momento em o ideal nasceu, quando a civilização atingiu o seu mais alto pináculo. É como um ser humano que molda a sua vida a um determinado ideal, e atinge o auge. O que acontece a um ser humano assim? Ele quer uma outra coisa, há um ideal posterior. Por isso, ele nunca alcança a culminação. Mas quando um ser humano vive, não tentando alcançar, não tentando ser bem sucedido, não tentando atingir o auge, mas vive plenamente, humanamente, durante todo o tempo, então a sua ação, que tem que se refletir na sociedade, não atingirá um pináculo. Estará constantemente em movimento, e por isso continuamente a crescer, e não a procurar arduamente uma culminação.

A Arte de Escutar - Jiddu Krishnamurti - Auckland - palestra a homens de negócios 6 de abril, 1934
Auckland, Nova Zelândia - palestra a homens de negócios6 de abril, 1934
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill