Quem houver praticado este método
de auto-indagação durante um espaço de tempo suficiente e feito um progresso
apreciável na arte, precisa então
aprender a manejar os pensamentos durante seu exercício diário de meditação de
uma forma diferente. Nos estágios mais elementares a pessoa esteve formulando
uma análise da sua estrutura íntima. Esteve empenhada numa dissecação de si mesma por meio de um pensamento concentrado
adestrado. Porém, com o passar do tempo, deverá desenvolver uma atitude que ao
menos intelectualmente compreenda que a alma ou o eu não se limita ao corpo.
Conseguida essa atitude, não será preciso prosseguir numa repetição estéril e
detalhada da análise e, na verdade, a pessoa não se sentirá inclinada a
fazê-lo. Pelo contrário, suas meditações poderão sofrer uma guinada e, com
rápidas generalizações, ela poderá superar em pouco tempo as fases que antes
eram assaz demoradas.
Que se deve fazer a seguir? O Eu
Superior, conquanto perceptível pela cognição intelectual, continua impossível
de ser descoberto através da experiência, embora a pessoa compreenda agora onde
ele não se encontra, ou melhor, onde não deve procura-lo.
Agora pode a pessoa entrar numa
nova e adiantada fase do seu trabalho, em que, com auxílio do controle da
respiração, da fixação visual e do adestramento da imaginação, ficará
capacitada a fazer progressos nesse reino mais profundo. Trata-se de fato de
uma fase crítica que precede a grande e gloriosa chegada do Eu Superior.
É chegada a época em que a
própria função do raciocínio que tão bem serviu ao homem durante detalhadas autoanálises
feitas tem de ser inteiramente suspensa porque aprisiona o homem ao tempo!
Não devemos tomar tal
providência, porém, antes que surja finalmente um sentimento interior
dizendo-nos que estamos deveras preparados; se cedermos à impaciência,
esperando resultados rápidos, nada conseguiremos e acabaremos desapontados. A busca intelectual
precisa agora ser sucedida por uma busca intuitiva, mas o ponto em
que devemos passar de uma para outra deve ser determinado com grande cuidado.
Se a tentativa for feita demasiado cedo, nossos esforços serão inúteis e se for
tardia, teremos perdido muito tempo valioso e um sentimento de medo terá tomado
conta de nós. Enquanto nada deve ser forçado, nada deve, por outro lado, ser
esquecido.
Tentar suspender o pensamento
cedo demais no caminho é roubar a nossa personalidade humana do enriquecimento
a que tem direito. Determinar quanto tal ponto foi realmente atingido não é fácil.
Precisamos ser orientados por uma espécie de sentido íntimo; tal sexto sentido
começa na verdade a despertar e fazer-se progressivamente sentido dentro do
homem, depois que este persistiu algum tempo nestes exercícios mentais. O homem
não pode cria-lo por si próprio; pode apenas dizer que o sentido está lhe
vindo. Uma vez porém manifestado, deve o homem entregar-lhe toda a sua
confiança e permitir-se guia para onde for.
A maior dificuldade neste
processo é agora libertar a atenção do fluxo constante dos pensamentos
indesejáveis. Somente quando tentamos fazê-lo é que descobrimos até que ponto
nos encontramos escravizados, até que ponto somos incapazes de manter à
distância essas ondas de pensamento que de contínuo batem às praias do nosso
ser. Fazê-las cessar, parecerá a princípio a coisa mais difícil do mundo,
contudo pode ser conseguido por um esforço lento e firme.
Colocar-se de lado e observar os
nossos pensamentos durante algum tempo todos os dias é constatar que tão logo
um dos nossos pensamentos se vai, outro se apressa em tomar-lhe o lugar no
nosso cérebro. Isto se repete sem cessar. As rodas do cérebro não param de
girar até que o sono sobrevenha afinal e lhes proporcione uma trégua
temporária.
Para os orientais a dificuldade
de deter os pensamentos não é tão formidável como para os ocidentais e aqueles
nem sempre compreendem que estes últimos precisam desenvolver um esforço muito
maior para alcançarem à região da calma abstração. A ajuda que o europeu e o
americano médio precisam nesse sentido tem de ser ao menos em parte física;
eles precisam de algum método indireto envolvendo um ato físico para fortalece-los na
tarefa da autodisciplina. Ademais, os orientais estão acostumados a recorrer à
presença e assistência de guias espirituais cuja atmosfera ajuda espontaneamente
os outros a subjugar os pensamentos, ao passo que os ocidentais raramente
encontram tais guias em seus países.
A ajuda está bem próxima; fica na regulagem
da respiração. Principalmente para as pessoas que estão sempre
ocupadas com assuntos prementes ou que estão fortemente vinculadas ao mundo
material pelos desejos e ambições, este exercício presta-se admiravelmente para
lhes proporcionar o controle da mente.
Nossos sábios ocidentais
acumularam um acervo de conhecimentos que deve impressionar todas as mentes em
virtude das suas proporções colossais, contudo existem algumas coisas que
estancam aos seus olhos perspicazes — coisas, porém, da máxima importância para
a humanidade. Por exemplo, a respiração ocupa uma posição algo peculiar. Seus
efeitos mais imediatos são claramente visíveis e fisicamente registráveis, mas,
declaram os videntes do Oriente, existem efeitos remotos não facilmente
identificáveis. Assim é que fazemos nossos maiores esforços com a respiração
contida e os de pouca monta com a respiração curta. Existe também uma
inter-relação especial entre a respiração e o pensamento. Ambos possuem uma
ascendência comum, uma origem familiar.
[...] Podemos agora provar a
ligação que existe entre a respiração e o pensamento de maneira bem simples.
Tome-se o caso de um homem que se tenha deixado enfurecer — observe-se a sua
respiração pesada e se constatará que ela se tornou tão agitada como os seus pensamentos
e paixões. A respiração vai bem, arquejos curtos e apressados, e quanto mais
violenta for a conduta do homem tanto mais violenta será a sua respiração.
Tome-se agora o caso de um poeta cismando, sonhador, em algum poema ainda em
embrião e percebemos que, muito ao contrário, sua respiração é plácida, leve,
calma e lenta. Tome-se a seguir um homem refletindo sobre algum intrincado
problema matemático. Automaticamente, ele respira mais devagar e mais
suavemente. A corrente da vida do homem, tal qual uma árvore, desenvolveu dois
ramos: um é a mente e outro é a respiração.
[...] A força vital imanente na
respiração e a força mental que ativa o cérebro provém de uma fonte comum. Tal
fonte é a Única Corrente de Vida que impregna o universo e, em cada ser humano,
transforma-se no seu Eu Divino, seu Eu Superior. “A respiração é a marca da
vida” é uma frase cuja significação é bem mais profunda do que imaginam os
muitos que a empregam.
Como resultado dessa íntima
correlação, as modificações na respiração trazem modificações na mente, e
vice-versa.
Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior