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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O primeiro passo é o último passo

(...)K: Qual é então a diferença entre uma mente religiosa e uma mente filosófica? Entende o que estou tentando transmitir? Podemos investigar a base a partir de uma mente que esteja disciplinada pelo conhecimento?

DB: Fundamentalmente, inerentemente, dizemos que a base é desconhecida. Conseqüentemente não podemos começar com o conhecimento, e sugerimos que começássemos com o desconhecido.

K: Sim. Digamos, por exemplo, que "X" afirma que existe tal base, e que todos nós, "Y" e "Z", perguntamos o que é essa base, e solicitamos que ele prove que ela existe, que a mostre, que permita que ela se manifeste. Quando fazemos essas perguntas, nós as fazemos com uma mente que busca, ou melhor, que possui essa paixão, esse amor pela verdade? Ou estamos apenas querendo falar a respeito do assunto?

DB: Acho que nessa mente existe a necessidade da certeza; queremos ter certeza. Não há então qualquer investigação.

K: Suponhamos que você declare que existe tal coisa, que existe a base; que ela é inabalável, etc.; e que eu diga que quero descobrir. Peço que me mostre, que prove isso para mim. Como poderá minha mente, que evoluiu através do conhecimento, que foi altamente disciplinada no conhecimento, tocar nisso nem que seja de leve? Porque isso não é conhecimento, não é composto pelo pensamento.

DB: Sim, no momento em que pedimos que isso seja demonstrado, queremos transformá-lo em conhecimento.

K: Exatamente!

DB: Queremos ter certeza absoluta, para que não possa haver qualquer dúvida. Ainda assim, do outro lado da moeda, existe também o perigo da auto-decepção e da desilusão.

K: Naturalmente. A base não pode ser encontrada enquanto existir qualquer forma de ilusão, que é a projeção do desejo, do prazer ou do medo. Como percebemos, então, essa coisa? A base é uma ideia a ser investigada? Ou ela é uma coisa que não pode ser investigada?

DB: Correto.

K: Como minha mente está treinada, disciplinada, pela experiência e pelo conhecimento, ela só pode funcionar nessa área. Então uma pessoa se aproxima e me diz que essa base não é uma ideia, não é um conceito filosófico; não é algo que possa ser composto ou percebido pelo pensamento.

DB: Não pode ser vivenciado, não pode ser percebido ou compreendido através do pensamento.

K: Então o que eu tenho? O que devo fazer? Tenho apenas essa mente que foi condicionada pelo conhecimento. Como posso me afastar disso tudo? Como posso eu, uma pessoa comum, educada, instruída, experimentada, sentir essa coisa, tocá-la, e compreendê-la?

Você me diz que palavras não poderão transmitir isso. Você me diz que temos de ter uma mente livre de todo conhecimento, exceto do conhecimento tecnológico; e está me pedindo uma coisa impossível, não está? E se disser que farei um esforço, isso também terá nascido do desejo egoísta. Então o que farei? Acho que isso é uma pergunta muito séria. Isso é o que todas as pessoas sérias perguntam.

DB: Pelo menos implicitamente. Elas poderão não externar isso.

K: Sim, implicitamente. Então, do outro lado do rio, por assim dizer, me diz que não existe nenhum barco para realizar a travessia. Não podemos nadar. Na verdade, não podemos fazer nada. Fundamentalmente, a coisa se resume nisso. O que farei então? Você está me pedindo, está pedindo à mente, não à mente geral, mas...

DB: ... à mente particular.

K: Está pedindo a essa mente particular que se abstenha de todo conhecimento. Isso já foi dito alguma vez no mundo cristão ou judaico?

DB: Não estou a par do que ocorre no mundo judaico, mas em certo sentido os cristãos dizem para termos fé em Deus, para nos entregarmos a Jesus, como o mediador entre nós e Deus.

K: Sim. Contudo, Vedanta significa o fim do conhecimento; e sendo um ocidental, digo que isso não representa nada para mim, porque a cultura em que tenho vivido enfatizara o conhecimento, desde os gregos e tudo o mais. Quando nos dirigimos, porém, a algumas mentes orientais, elas reconhecem na sua vida religiosa que deve haver uma ocasião em que o conhecimento deve terminar; a mente deve ficar livre do conhecimento. Vedanta é a única maneira de olhar. Contudo, ela representa apenas um entendimento conceitual, teórico, e para um ocidental, ela não significa absolutamente nada.

DB: Creio que houve uma tradição ocidental semelhante, mas não tão comum. Por exemplo, na Idade Média, houve um livro chamado A Nuvem do Desconhecimento, que segue essa linha de pensamento, embora não seja a principal linha do pensamento ocidental.

K: Então o que farei? Como abordarei a questão? Quero descobrir isso. Isso dá significado à vida. Não quer dizer que o meu intelecto dê significado à vida inventando alguma ilusão, alguma esperança, alguma crença, mas percebo vagamente que esse entendimento, recaindo sobre essa base, fornece um enorme significado à vida.

DB: Bem, as pessoas empregaram essa noção de Deus para dar significado à vida.

K: Não, não. Deus é apenas uma ideia.

DB: Sim, mas a ideia contém alguma coisa semelhante à ideia oriental de que Deus transcende o conhecimento. A maior parte das pessoas aceita a coisa dessa maneira, embora algumas possam não fazê-lo. Então existe uma espécie de noção semelhante.

K: Mas você me disse que a base não é criada pelo pensamento. Então não podemos encontrá-la, sob quaisquer circunstâncias, através de qualquer forma de manipulação do pensamento.

DB: Sim, eu entendo. Mas estou tentando dizer que existe esse problema, esse perigo, essa ilusão, no sentido de que as pessoas dizem: "sim, isso é bem verdadeiro, é através de uma experiência direta com Jesus que nós a encontramos, e não através do pensamento de Deus!" Não consigo expressar precisamente o ponto de vista delas. Talvez seja melhor dizer a graça de Deus.

K: Sim, a graça de Deus.

DB: Algo que transcende o pensamento, entende?

K: Como um homem razoavelmente educado, ponderado, rejeito tudo isso.

DB: Por que o rejeita?

K: Porque isso se tornou comum, em primeiro lugar; comum no sentido de que todo mundo diz isso! E também porque pode haver nisso um grande sentido de ilusão criado pelo desejo, pela esperança e pelo medo.

DB: Sim, algumas pessoas parecem achar isso significativo, embora possa ser uma ilusão.

K: Mas se elas nunca tivessem ouvido falar de Jesus, elas nunca vivenciariam Jesus.

DB: Isso parece razoável.

K: Elas vivenciariam alguma coisa diferente que lhes tivesse sido ensinada. Quero dizer, na Índia...

INTERROGANTE: Mas as pessoas mais sérias nas religiões não afirmam que Deus, ou seja lá o que for, o Absoluto, a base, é uma coisa que não pode ser vivenciada através do pensamento? Elas podem ir até o ponto de dizer que isso não pode ser em absoluto vivenciado.

K: Oh, sim, eu disse que isso não pode ser vivenciado. "X" afirma que isso não pode ser vivenciado. Digamos que eu não saiba. Há aqui uma pessoa que diz que existe tal coisa; e eu a escuto. Ela não apenas transmite isso devido à sua presença como também através da palavra. Contudo, ela me diz para ter cuidado; a palavra não é o essencial, mas ela usa a palavra para transmitir que existe algo tão imenso que meu pensamento não consegue captar. Eu digo então: está bem, você explicou o assunto com muito cuidado; contudo, como o meu cérebro, que está condicionado e disciplinado pelo conhecimento, conseguirá se livrar disso tudo?

I: Será que ele conseguiria se libertar através da compreensão da sua própria limitação?

K: Está me dizendo, então, que o pensamento é limitado. Prove isso para mim! Não através da fala, da lembrança da experiência ou do conhecimento; e entendo isso, mas não consigo captar o sentimento de que ele é limitado, porque vejo a beleza da terra, vejo a beleza de um prédio, de uma pessoa, da natureza. Vejo tudo isso, mas quando você afirma que o pensamento é limitado, não consigo senti-lo; vejo apenas um punhado de palavras. Consigo entender intelectualmente o processo, mas não possuo qualquer sentimento com relação a ele. Ele não tem perfume. Como pretende me mostrar — mostrar não — como pretende me ajudar — ajudar não — cooperar comigo, para que eu consiga ter esse sentimento de que o pensamento em si é frágil, é um elemento de pouca importância, de modo que sinta isso no meu sangue? Você entende? Uma vez que esteja no meu sangue, eu o terei comigo; você não terá que explicá-lo.

I: A abordagem possível, contudo, não será não falar a respeito da base, que no momento está extremamente afastada, e sim observar diretamente o que a mente pode fazer?

K: O que significa pensar.

I: A mente está pensando.

K: Isso é tudo que tenho. Pensamento, sentimento, ódio, amor — conhecemos tudo isso; a atividade da mente.

I. Bem, eu diria que nós não a conhecemos, que apenas achamos que a conhecemos.

K: Sei quando estou zangado. Sei quando estou magoado. Não é uma ideia, eu tenho o sentimento, estou levando a ferida dentro de mim. Estou farto da investigação porque eu a realizei em toda minha vida. Procuro o Hinduísmo, o Budismo, o Cristianismo, o Islamismo — e digo que as investiguei, estudei, observei. Afirmo que tudo são meras palavras. Como é que eu, como ser humano, posso ter esse sentimento extraordinário a respeito disso? Se eu não tiver paixão, não estarei investigando. Quero possuir a paixão que fará com que eu arrebente esse pequeno envoltório. Construí um muro à minha volta, um muro que sou eu mesmo; e o homem viveu com isso por milhões de anos. Venho tentando me libertar desse invólucro através do estudo, da leitura, indo a gurus, através de todos os tipos de coisas, mas ainda estou preso ali. E você fala a respeito da base, porque vê algo que é emocionante, que parece tão vivo, tão extraordinário. Contudo, estou aqui, preso aqui. Você, que "viu" a base, deve fazer alguma coisa que exploda, que rompa completamente esse centro.

I: Eu tenho que fazer alguma coisa, ou é você que tem que fazê-la?

K: Ajude-me! Não através da oração e de todas essas bobagens. Entende o que estou tentando dizer? Jejuei, meditei, renunciei, fiz votos disso e daquilo. Fiz todas essas coisas porque vivi um milhão de anos; e no final desse milhão de anos ainda estou onde estava, no começo. Isso é uma grande descoberta para mim. Pensava que havia avançado com relação ao início, por ter passado por tudo isso, mas repentinamente descobri que estou de volta ao mesmo ponto onde comecei. Tive mais experiências, vi o mundo, pintei, toquei música, dancei — entende? Mas voltei ao ponto de partida original.

I: Que é o eu e o não eu.

K: Eu. Pergunto a mim mesmo: o que devo fazer? E qual é a relação da mente humana com a base? Talvez eu possa estabelecer um relacionamento que possa romper totalmente esse centro. Isso não é um motivo, um desejo, ou uma recompensa. Percebo que se a mente puder estabelecer uma relação com aquilo, minha mente se tornará aquilo — certo?

I. Mas nesse caso minha mente já não terá se transformado naquilo?

K: Oh, não.

I: Mas penso que você acabou de eliminar a maior dificuldade ao afirmar que não existe desejo.

K: Não, não. Disse que vivi um milhão de anos ...

I: Mas isso é uma visão intuitiva.

K: Não. Não aceitarei a visão intuitiva tão facilmente assim.

I: Bem, deixe-me colocá-lo dessa maneira: é algo muito mais do que o conhecimento.

K: Não, não está entendendo o que quero dizer. Meu cérebro viveu por um milhão de anos. Ele vivenciou tudo. Foi budista, hinduísta, cristão, maometano; ele já foi todos os tipos de coisas, mas tudo tem a mesma essência. Alguém então se aproxima e diz: olhe, existe uma base que é ... alguma coisa! Estaria voltando para o que já conhecia — as religiões, etc.? Rejeito todas essas coisas, porque digo que já passei por todas elas e, no final, são como cinzas para mim.

DB: Bem, todas essas coisas representaram uma tentativa de criar uma base evidente pelo pensamento. Parecia que por meio do conhecimento e do pensamento as pessoas criavam o que elas encaravam como sendo a base. Mas não era.

K: Não era. Porque o homem gastou um milhão de anos nisso.

DB: Enquanto o conhecimento participar da base, ela será falsa?

K: Naturalmente. Existe, pois, uma relação entre a base e a mente humana? Ao fazer essa pergunta, também estou ciente do seu perigo.

DB: Bem, podemos criar uma ilusão do mesmo tipo daquela pela qual já passamos.

K: Sim. "Já toquei essa música antes."

I: Você está declarando que a relação não pode ser feita por nós, mas que ela deve aparecer?

K: Estou perguntando isso. Não, pode ser que eu tenha de formar um relacionamento. Minha mente está agora num estado tal que não aceitarei nada. Minha mente diz que já passei por tudo isso antes. Eu sofri, busquei, observei, investiguei, morei com pessoas que eram extremamente hábeis nesse tipo de coisa. Estou, então, fazendo a pergunta, e estou completamente consciente do perigo da mesma, como quando os hindus dizem: Deus está em vós, Brahma está em vós — o que é uma ideia maravilhosa! Mas já passei por tudo isso.

Assim, estou perguntando se a mente humana não tem qualquer relação com a base, e se há apenas a comunicação num só sentido, dela para mim...

DB: Certamente isso é então, como a graça de Deus, que você inventou.

K: Não aceitarei isso.

DB: Você não está afirmando que a relação é num só sentido, e nem está dizendo que ela não é.

K: Talvez; eu não sei.

DB: Você não está dizendo nada.

K: Não estou dizendo nada. Tudo que eu "quero" é que esse centro seja destruído. Você entende? Pois o centro não existe. Porque percebo que o centro é a causa de todo mal, de todas as conclusões neuróticas, de todas as ilusões, de toda diligência, de todo esforço, de toda miséria — tudo emana desse núcleo. Depois de um milhão de anos, não consegui me libertar dele; ele não foi embora. Existe afinal alguma relação? Qual é a relação entre o bem e o mal? Pense nisso. Não há relação.

DB: Depende do que você entende por relação.

K: Contato, toque, comunicação, estar na mesma sala...

DB: ... vir da mesma origem.

K. Sim.

I: Estamos dizendo então que existe o bem, e que existe o mal?

K: Não, não. Vamos usar outra palavra; o todo, e o que não é o todo. Isso não é uma ideia. Existe uma relação entre esses dois? Evidentemente que não.

DB: Não, se você estiver dizendo que num certo sentido o centro é uma ilusão. Uma ilusão não pode ser relacionada com o que é verdadeiro, porque o conteúdo de uma ilusão não tem qualquer relação com o que é verdadeiro.

K: Exatamente. Veja, isso é uma grande descoberta. Quero estabelecer uma relação com aquilo. "Quero"; estou usando palavras curtas para transmitir algo. Essa pequena coisa insignificante quer estabelecer um relacionamento com aquela imensidão. Ela não pode.

DB: Sim, não apenas por causa da sua imensidão, mas porque na verdade essa coisa não é - real?

K: Sim.

I: Mas eu não vejo isso. Ele diz que o centro não é real, mas eu não percebo que o centro não é real.

DB: Não real, no sentido de não ser genuíno e sim uma ilusão. Quero dizer, alguma coisa está atuando, mas não é o conteúdo que conhecemos.

K: Você consegue ver isso?

I: Você diz que o centro tem que explodir. Ele não explode porque não vejo sua falsidade.

K: Não. Você não entendeu o que eu quis dizer. Vivi um milhão de anos, fiz tudo isso; e no final ainda estou de volta ao começo.

I: Então você diz que o centro deve explodir.

K: Não, não, não. A mente diz que isso é excessivamente pequeno, e que ela não pode fazer nada a respeito... Ela rezou, fez tudo. O centro, porém, ainda está ali; e alguém me diz que existe essa base. Quero estabelecer uma relação com ela.

I: Ele me diz que essa coisa existe, e diz também que o centro é uma ilusão.

DB: Espere, isso é rápido demais.

K: Não. Espere. Eu sei que ela está ali. Chame-a do que quiser, de ilusão, de realidade, de ficção — de qualquer coisa que queira. Ela está ali. A mente, porém, acha que isso não é suficiente; ela quer captar aquilo. Quer manter um relacionamento com ele. E aquilo diz: "sinto muito, você não pode ter um relacionamento comigo". Isso é tudo!

I: Essa mente que quer ter ligação com aquilo, que quer manter uma relação com ele, é a mesma mente que é o "mim"?

K: Não separe as coisas por favor. Você está deixando escapar algo. Eu passei por tudo isso. Eu sei. Posso discutir com você de trás para frente. Tenho uma experiência de um milhão de anos, e isso me concedeu uma certa capacidade. No fim de tudo, porém, percebo que não existe qualquer relação entre mim e a verdade. Isso é um tremendo choque para mim. É como se você tivesse me golpeado, porque o meu milhão de anos de experiência diz, vá atrás daquilo, busque-o, reze por ele, lute por ele, chore, sacrifique-se por ele. Eu fiz tudo isso. E de repente me diz que não posso ter um relacionamento com aquilo. Eu derramei lágrimas, abandonei minha família, tudo, por aquilo. E aquilo diz: "Não há relacionamento". Então o que aconteceu comigo? É aí que quero chegar. Entende o que estou dizendo — o que aconteceu comigo? À mente que viveu dessa maneira, que fez tudo em busca daquilo, quando aquilo diz: "você não tem qualquer relação comigo". Essa é a maior coisa...

I: Se você disser isso será um tremendo choque para o "mim".

K: É para você?

I: Creio que sim, e então...

K: Não! Estou lhe perguntando, é um choque descobrir que o seu cérebro, a sua mente, e o seu conhecimento não têm valor? Que todas as suas investigações, todos os seus esforços, todas as coisas que você reuniu por anos e anos, por séculos, são absolutamente inúteis? Você enlouquece, ao concluir que fez tudo isso por nada? Virtude, abstinência, controle, tudo — e, no final, você reconhece que eles não têm valor! Entende o que isso faz com você?

DB: Bem, se a coisa toda vai embora, então isso não tem importância.

K: Certamente: não existe qualquer relacionamento. O que fizemos ou deixamos de fazer não tem absolutamente qualquer valor.

DB: Não num sentido fundamental. Tem um valor relativo, um valor relativo apenas dentro de uma certa estrutura, que não tem valor em si mesma.

K: Sim, embora tenha um valor relativo.

DB: Mas a estrutura em geral não tem valor.

K: Exatamente. A base diz que seja o que for que tenhamos feito "sobre a terra", isso não tem qualquer significado. É aquilo uma ideia? Ou uma realidade? Ideia no sentido de que já me disseram, mas eu continuo lutando, desejando, tateando. Ou é uma realidade, no sentido de que de repente percebo a futilidade de tudo que já fiz. Temos então de tomar muito cuidado para compreender que aquilo não é um conceito; ou melhor, que não o transformamos num conceito ou numa ideia, e sim que recebemos o seu impacto total!

I: Veja, Krishnaji, o homem buscou por centenas de anos, provavelmente desde que existe, o que ele chama de Deus, ou a base.

K: Como uma ideia.

I: Mas então a mente científica se aproximou, e também disse que ela é apenas uma ideia, que é apenas tolice.

K: Oh, não! A mente científica diz que através da investigação da matéria talvez nos deparemos com a base.

DB: Sim, muitas pessoas acham isso. Algumas até acrescentariam a investigação do cérebro.

K: Sim. Esse é o objetivo da investigação da mente, e não nos exterminarmos mutuamente da terra através das armas. Não estamos nos referindo a cientistas do governo, e sim aos "bons" cientistas, àqueles que dizem que estão examinando a matéria, o cérebro e todo o resto, para descobrirem se existe algo além disso tudo.

I: E muitas pessoas, muitos cientistas, diriam que encontraram a base; a base é vazia, ela é o vazio; é uma energia que é diferente do homem.

K: Isso então é uma ideia ou uma realidade para eles, que afeta suas vidas, seu sangue, suas mentes, seu relacionamento com o mundo?

I: Penso que é apenas uma ideia.

K: Então sinto muito, já passei por tudo isso. Fui um cientista há dez mil anos atrás! Entende? Já passei por tudo isso. Se é apenas uma ideia, nós dois podemos participar desse jogo. Posso enviar a bola para você, ela estará na sua quadra, e você pode mandá-la de volta para mim. Podemos jogar esse jogo; mas já não participo mais desse tipo de jogo.

DB: Porque, em geral, o que as pessoas descobrem sobre a matéria não parece afetá-las profundamente, psicologicamente.

K: Não, naturalmente que não.

DB: Poderíamos pensar que se elas percebessem toda a unidade do universo, elas agiriam de modo diferente, mas isso não ocorre.

I: Poderíamos dizer que isso afetou um pouco as suas vidas. Veja, toda a doutrina comunista está baseada na ideia (que seus seguidores consideram um fato) de que tudo que existe é apenas um processo material, que é essencialmente vazio. O homem então tem de organizar sua vida e a sociedade de acordo com esses princípios dialéticos.

K: Não, não, os princípios dialéticos representam uma opinião que se opõe a outra opinião; o homem espera encontrar a verdade a partir das opiniões.

DB: Acho que deveríamos deixar isso de lado. Há maneiras de observarmos diferentes significados da palavra dialético — mas precisamos compreender a realidade como um movimento que flui; ver as coisas não como sendo fixas e sim em movimento e interligadas. Acho que poderíamos dizer que não importa o modo como as pessoas conseguiam ver as coisas, depois que percebiam essa unidade; isso não mudava fundamentalmente suas vidas. Na Rússia, as estruturas mentais são as mesmas de todos os lugares, se é que não são piores. Além disso, sempre que as pessoas tentaram, isso não afetou realmente, fundamentalmente, a maneira como elas sentem e pensam, e o modo como vivem.

I: Entenda, o que eu quis dizer é que o fato das pessoas abandonarem a busca da base não teve qualquer efeito chocante sobre elas.

K: Não! Não estou interessado. Foi um tremendo choque para mim descobrir a verdade, ou seja, que todas as igrejas, orações, livros, não possuem absolutamente qualquer significado — a não ser como podemos construir uma sociedade melhor, e assim por diante.

DB: Se conseguíssemos organizar esse ponto, haveria então um grande significado — construir uma boa sociedade; mas enquanto essa desordem estiver no centro, não podemos usá-lo do modo correto. Acho que seria mais preciso dizer que há um grande significado potencial em tudo isso, mas que não afeta o centro, e não há qualquer indício de que jamais o tenha feito.

I: Veja, o que não entendo é como podem existir tantas pessoas que nunca buscaram nas suas vidas aquilo que você chama de base.

K: Elas não estão interessadas.

I: Bem, não estou tão certo. Como você se aproximaria de uma pessoa assim?

K: Não estou interessado em me aproximar de qualquer pessoa. Todos os trabalhos que já realizei — tudo que fiz — a base afirma que não tem valor. E se eu puder abandonar tudo isso, minha mente será a base. Avanço então a partir daí. A partir dai eu crio a sociedade.

DB: Penso que poderíamos dizer que enquanto estivermos procurando a base em algum lugar por meio do conhecimento, estaremos bloqueando o caminho.

K: Voltando então à terra: por que o homem fez isso?

DB: Fez o quê?

K: Acumulou conhecimento. Sem contar com a necessidade de o conhecimento existir com relação a algumas áreas, por que essa carga de conhecimento continuou por tanto tempo?

DB: Porque num determinado sentido o homem vem tentando criar uma base sólida através do conhecimento. O conhecimento tentou criar uma base. Essa é uma das coisas que aconteceram.

K: E o que quer dizer isso?

DB: Significa novamente ilusão.

K: O que significa que os santos e os filósofos me educaram — no conhecimento e através do conhecimento — para que eu encontrasse a base.

I: Para criar uma base. Veja, de certo modo, houve todos esses períodos em que a humanidade foi envolvida pela superstição; e o conhecimento foi capaz de destruir isso.

K: Oh, não.

I: Até certo ponto, sim.

K: O conhecimento apenas me impediu de perceber a verdade. Eu me mantenho fiel a isso. Ele não me desembaraçou das minhas ilusões. O próprio conhecimento pode ser ilusório.

I: Isso é possível, mas ele dissipou algumas ilusões.

K: Eu quero dissipar todas as ilusões que conservo — não algumas. Eu me livrei da minha ilusão com relação ao nacionalismo; libertei-me da ilusão sobre a crença, sobre isso, sobre aquilo. No final, percebo que minha mente é ilusão. Veja bem: para mim, que vivi mil anos, descobrir que tudo isso não tem qualquer valor, é algo imenso.

DB: Quando diz que viveu mil anos, ou um milhão de anos, isso quer dizer, em certo sentido, que toda a experiência da humanidade é...?

K: ... sou eu.

DB: ... sou eu. Você sente isso?

K: Sim.

DB: E como sente isso?

K: Como sentimos qualquer coisa? Espere um minuto. Eu lhe direi. Não é simpatia, ou empatia, não é uma coisa que eu desejei, é um fato, um fato absoluto, definitivo.

DB: Será que poderíamos compartilhar esse sentimento? Veja bem, essa parece ser uma das etapas que estão faltando, porque você repetiu isso freqüentemente como sendo uma parte importante da coisa toda.

K: O que significa que quando amamos alguém não existe um "mim" — é amor. Do mesmo modo, quando digo que sou a humanidade, isso é um fato - não é uma ideia, não é uma conclusão, é parte de mim.

DB: Digamos que é um sentimento de que eu já passei por tudo isso, tudo que você descreve.

K: Os seres humanos já passaram por tudo isso.

DB: Se os outros passaram por isso, então eu também já passei.

K: Naturalmente. Não estamos conscientes disso.

DB: Não, nós nos isolamos.

K: Se admitirmos que os nossos cérebros não são o meu cérebro particular, e sim o cérebro que evoluiu através dos milênios...

DB: Deixe-me falar porque não é fácil transmitir isso: todo mundo sente que o conteúdo do seu cérebro é de alguma forma individual, que ele não passou por tudo isso. Digamos que alguém, há milhares de anos, esteve envolvido com a ciência ou a filosofia. Em que isso me afeta? É isso que não está claro.

K: Porque estou preso nesta pequena cela estreita e egoísta, que se recusa a olhar mais além. Porém você, como cientista, como homem religioso, aproxima-se e me diz que o seu cérebro é o cérebro da humanidade.

DB: Sim, e todo o conhecimento é o conhecimento da humanidade. De modo que de certa maneira possuímos todo o conhecimento.

K: Naturalmente.

DB: Embora não em detalhes.

K: Então você me diz isso, e eu compreendo o que você quer dizer, não de forma verbal ou intelectual; é assim. Só chego aí, porém, quando abandono as coisas comuns como a nacionalidade, etc.

DB: Sim, nós renunciamos às separações, e podemos perceber que a experiência é de toda a espécie humana.

K: É tão óbvio. Se formos ao lugarejo mais primitivo da índia, o camponês nos contará todos os seus problemas, da sua esposa, dos seus filhos, da sua pobreza. É exatamente a mesma coisa, apenas ele usa roupas diferentes ou seja lá o que for! Para "X" isso é um fato indiscutível; é assim. Ele diz: está bem, no final disso tudo, de todos esses anos, descobri de repente que a coisa é vazia. Veja bem, nós não aceitamos isso, somos espertos demais. Estamos saturados por debates, discussões e pelo conhecimento. Não percebemos um simples fato. Nós nos recusamos a vê-lo. "X" então se aproxima e diz: veja, está ali; o mecanismo imediato do pensamento logo se põe em ação — e diz, fique em silêncio. Praticamos então o silêncio! Nós o fizemos durante mil anos e isso nos levou a lugar algum.

Existe então apenas uma coisa, que é descobrir que tudo que fiz é inútil — cinzas! Isso não me deprime, é a beleza da coisa. Acho que ela é como a Fênix.

DB: Elevando-se das cinzas.

K: Nascida das cinzas.

DB: De certa maneira é a liberdade, é estar livre disso tudo.

K: Nasce algo totalmente novo.

DB: Entretanto o que você disse anteriormente é que a mente é a base, que ela é o desconhecido.

K: A mente? Sim. Mas não esta mente.

DB: Nesse caso não é a mesma mente.

K: Se eu passei por tudo isso, e cheguei num ponto em que tenho que acabar com tudo isso, é uma nova mente.

DB: Está claro, a mente é o seu conteúdo, e o conteúdo é o conhecimento, e sem esse conhecimento ela é uma nova mente.

12 de abril de 1980, Ojai, Califórnia

Krishnamurti em, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Como transcender a mente e experimentar a comunhão direta com a verdade?

Pergunta: Como pode um homem que nunca alcançou os limites da sua mente, transcender a sua mente para experimentar a comunhão direta com a verdade?

Krishnamurti: Senhor, quando você conhece os limites de sua mente, já não ultrapassou estes limites? Perceber os limites é, sem dúvida, o primeiro passo, o primeiro processo — o qual é dificílimo, uma vez que os limites da mente são extraordinariamente sutis. No saber que sou limitado, no estar cônscio disso sem condenação, já estou libertado desta limitação, não acha? Sem dúvida, se sei que sou mentiroso, se estou cônscio desse fato sem condenação, isso já é estar livre do mentir. Conhecer os limites da mente já é uma prodigiosa libertação, não acha? O perceber que estou amarrado a uma crença, já me faz livre dessa limitação; uma mente que justifica essa crença, essa prisão, defendendo-a e dizendo: “Ela me convém, necessito dela” — essa mente nunca conhecerá a sua limitação. Quando sei que estou atado, limitado por uma crença, e estou cônscio dessa limitação, sem condená-la, nem justifica-la, isso já é uma libertação da crença. Senhor, experimente isso, e verá como é extraordinariamente verdadeiro o que estou dizendo. Ter conhecimento de um problema, estar cônscio dele, significa estar livre dele; e uma mente não pode experimentar a verdade se não conhece a sua limitação. Eis a razão por que tanto importa termos o autoconhecimento. O autoconhecimento não é um alvo derradeiro, não é um fim último. Autoconhecimento significa conhecer a nossa limitação de momento a momento. A verdade que é contínua não é verdade, porque o que é contínuo nunca pode renovar-se; mas no findar há renovação. Assim, uma mente que não percebe a sua própria limitação, nunca pode experimentar a verdade; mas se a mente está cônscia de sua limitação, sem condenação, sem justificação, se está completamente cônscia de sua limitação, você verá como vem uma libertação da limitação, e nessa liberdade revela-se a verdade. “Vocês” devem cessar, para que a verdade se manifeste, porque “vocês” são a limitação. Devem, pois, compreender onde está a limitação de vocês, a extensão da limitação de vocês; devem ficar passivamente cônscios dela, e nessa passividade a verdade se manifesta. A luz não pode unificar-se com a treva. O que é ignorância não pode unir-se com a sabedoria. Cessem a ignorância que a sabedoria surgirá. A sabedoria não é um fim último, mas surge na existência quando a ignorância é dissolvida momento por momento. A sabedoria não é acumulação, que dá continuidade; a sabedoria é compreensão do problema, compreensão completa, em cada minuto, em cada segundo. Assim, a sabedoria, a realidade, não pode ser colhida na rede do tempo. Só no autoconhecimento podem ter um fim as limitações criadas pelo “eu”; e estas limitações só podem ser compreendidas de momento em momento, à medida que surgem. E cada limitação, quando a observam, traz a verdade; a cada instante percebemos o falso e percebemos o verdadeiro. Mas perceber o falso como falso, e o verdadeiro como verdadeiro, é dificílimo; requer muita clareza de percebimento. Uma mente distraída nunca pode perceber o falso como falso e o verdadeiro como verdadeiro; e para ver o verdadeiro no falso é necessário agilidade da mente, uma mente que não esteja presa por vínculo algum, por limitação alguma.

Jiddu Krishnamurti — Da insatisfação à felicidade 

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill