Como surgiu essa doutrina? Vimos que o pensamento chinês efetua uma guinada gradual em direção ao sujeito, passando a se preocupar com o eu e a perfeição do eu. Vimos de que modo, a partir da preparação ritual do oficiante com vista à recepção do espírito que desce, surgiu a ideia de uma purificação do coração que faria dele um lar adequado à alma. Essa purificação consistia, acima de tudo, numa "aquietação" das atividades voltadas para o exterior, dos apetites e das emoções; mas também num "retorno"; pois considerava-se que a alma se tornara, por assim dizer, cheia de lama devido aos sucessivos sedimentos da labuta e da agitação diárias, e a tarefa do "aperfeiçoamento de si mesmo" consistia em retornar através dessas camadas até que "o homem que ele tinha em mira" fosse alcançado. Por intermédio dessa "quietude", dessa completa suspensão das impressões exteriores, e mediante a convergência dos sentidos para um foco totalmente interior, surgiu uma espécie de auto-hipnose que, na China, é denominado Tso-Wang, "sentar-se com a mente vazia"; na Índia, Ioga, Dhyâna e outras denominações; no Japão, Zen. Uma técnica precisa foi criada [ou tomada de empréstimo da Ioga] para provocar esse estado de transe. A principal característica desta técnica era, tal como na Índia, a manipulação da respiração — a respiração deve ser suave e leve como a de um bebê ou, como se expressaram mais tarde os quietistas, a de uma criança no útero. Havia também estranhos exercícios para as pernas e os braços, alongamentos e posturas muito semelhantes aos âsanas associados ao ioga indiano; alguns quietistas, contudo, viam nisso um método muito físico e concreto para a realização de um fim espiritual.
O processo do Quietismo, portanto, consistia numa viagem de retorno, através das sucessivas camadas da consciência, ao ponto em que a Consciência Pura era alcançada, onde as "coisas percebidas" não eram mais vistas, mas "aquilo por meio do qual percebemos". Pois nunca ter conhecido "Aquilo por meio do qual conhecemos" significa jogar fora um tesouro que nos pertence. No "caminho de volta", chega-se logo a um ponto onde a linguagem, criada para atender às exigências da consciência superior comum, não mais se aplica. O inciado que alcançou esse ponto aprendeu, como se expressavam os quietistas em sua linguagem secreta, "a entrar na gaiola sem provocar o canto dos pássaros".
Aqui surge uma questão, a qual, na verdade, os quietistas foram intimados a responder em diversas partes do mundo e em diferentes períodos da história. Admitindo-se que a consciência possa realmente ser modificada através da ioga, do auto-hipnotismo, do zen, da quietude ou de qualquer outra denominação que se escolha dar a isso, que evidências existem de que a nova consciência possua alguma vantagem em relação a velha? O quietista, seja chinês, indiano, alemão ou espanhol, sempre veio com a mesma resposta: através dessas práticas, obtêm-se três coisas — verdade, felicidade e poder.
Do ponto de vista teórico, sem dúvida não há razões que nos levem a acreditar que as afirmações do Tao sejam mais verdadeiras do que as do conhecimento comum; na verdade, seria como ter motivos para acreditar que a música que ouvimos quando o rádio está sintonizado em 360 é de algum modo "mais verdadeira" do que a música que ouvimos quando o mesmo rádio está sintonizado em 1600. Na prática efetiva, contudo, as visões dos quietistas não se mostram, para o quietista, meramente como alternativas mais ou menos agradáveis à existência cotidiana. Elas se fazem acompanhar por uma sensação de finalidade, por um sentimento de que "todos os problemas que todas as escolas de filósofos sob o Céu não podem resolver deste modo ou daquele têm sido resolvidos deste modo ou daquele". Além disso, o estado alcançado pelo quietista não é meramente agradável e indolor. Ele é "alegria absoluta", que transcende completamente qualquer forma de prazer mundano. E, por fim, ele fornece Siddhi, como dizem os indianos, Tê, como dizem os chineses, um poder sobre o mundo exterior jamais imaginado por aqueles que se opõem à matéria ao mesmo tempo que continuam escravizados a ela. Este aspecto do Quietismo tampouco se restringe, como se supõem às vezes, às suas ramificações orientais. "Sem trabalho sujeitarás as pessoas e as coisas estarão sujeitas a ti, se esqueceres delas e de ti mesmo", diz São João da Cruz em Aforismos. É esta última alegação do Quietismo — a crença de que o praticante torna-se dotado não só de um poder sobre as coisas vivas (que chamaríamos de hipnotismo), mas também de um poder de mover e transformar a matéria — que o mundo esteve menos disposto a aceitar. "Tente e descubra por si mesmo", é a resposta habitual do quietista ao desafio "mostre-nos e acreditaremos".
Sabemos que muitas e diferentes escolas do Quietismo existiram na China nos séculos IV e III a.C. De sua literatura, resta apenas uma pequena parte. A mais antiga é a que chamarei de a Escola de Ch'i. Sua doutrina chamava-se hsin shu, "A arte da Mente". Por "mente" não se compreende o cérebro ou o coração, mas "uma mente dentro da mente" que tem com a política humana a mesma relação que o sol tem com o céu. Ela é o governante do corpo, cujas partes componentes são os seus ministros. Ela deve permanecer serena e impassível como um monarca em seu trono. Ela é uma divindade, que somente se alojará onde tido estiver adornado e limpo. O local que o homem prepara para ela é chamado de seu templo (kung). "Escancare os portões, ponha o eu de lado, aguarde em silêncio e o brilho do espírito entrará e fará seu lar". E um pouco mais adiante: "Somente onde tudo estiver limpo o espírito habitará. Todos os homens desejam conhecer, mas não investigam aquilo pelo qual se conhece". E de novo: "O que o homem deseja conhecer é aquilo (isto é, o mundo exterior). Mas seu modo de conhecer é isto (ou seja, ele próprio). Como pode conhecer aquilo? Somente através da perfeição disto."
Intimamente associada à "arte da mente" está a arte de nutrir o Ch'i, (respiração) o espírito da vida. O medo, a mesquinhez, a maldade — todas essas qualidades que poluem o "templo da mente" — devem-se a uma redução do espírito da vida. Os corajosos, os magnânimos, os que têm força de vontade são aqueles cujo ch'i difunde-se por todo o corpo, até pelos próprios dedos dos pés e pela ponta dos dedos. Deve-se armazenar no interior uma grande fonte de energia, "uma nascente que nunca seca", fornecendo força e firmeza a cada tendão e junta. "Armazene-a dentro; faça dela uma fonte, semelhante a um rio, constante e plano. Transforme-a num verdadeiro tanque do ch'i.
Enquanto a lagoa não secar. os Quatro membros nunca enfraquecerão;
E enquanto o poço não esvaziar, o tráfego das Nove Aberturas nunca cessará.
Desse modo serás capaz de explorar o Céu e a Terra,
Alcançar os Quatro Oceanos que limitam o mundo;
Dento não terás pensamentos confusos,
Fora, não sofrerás nenhum mal ou flagelo.
No interior, a mente estará sã;
E sadio estará também o corpo físico.
Tudo isso é obra da respiração vital que está dentro da "mente". Pois ela pode "ir e vir onde quiser. Ser tão pequena que nada pode penetrá-la; tão ampla que nada existe além dela. Somente a perde aquele que, mediante a perturbação, lhe cause dano."
Qual a natureza das perturbações que causam a perda dessa "mente dentro da mente"? Elas são definidas como "mágoa e alegria, deleite e raiva, desejo e avidez de lucro. Repudie tudo isso e sua mente (neste contexto particular, 'coração' seria mais apropriado) retornará à sua pureza. Pois de tal modo é a mente que apenas a paz e a quietude podem lhe fazer o bem. Não se irrite, não se deixe perturbar e o Acordo (harmonia entre a mente e o universo, que fornece o poder sobre as coisas exteriores) virá sem ser procurado. Ele está ao nosso alcance, na verdade está bem ao nosso lado; todavia, é intangível, algo que, para ser alcançado, não pode ser pego. Parece tão distante quanto os mais longínquos limites do Infinito. Contudo, ele não está distante; usamos diariamente seu poder. Pois o Tao (isto é, o Caminho do Espírito Vital) preenche toda a nossa constituição, embora o homem não possa acompanhar o seu curso. Ele vai e, contudo, não se afasta. Ele vem e, contudo, não está aqui. Ele é silencioso, não emite nenhum som que possa ouvir e, no entanto, descobrimos, de súbito, que ele está presente, na mente. É indistinto e escuro, não revela nenhuma forma externa e, no entanto, numa grande correnteza ele flui para dentro de nós no exato momento de nosso nascimento".
Arthur Waley em, The Way and Its Power (1934)
Arthur Waley em, The Way and Its Power (1934)