O saber escutar é algo muito importante; mas, em geral, temos inúmeras opiniões, idéias, experiências e conclusões antecipadas, através das quais filtramos tudo o que ouvimos, e por essa razão nunca ouvimos nada de maneira nova; traduzimos sempre o que vimos de acordo com uma determinada tendência.
Assim, é de real importância saber ouvir sem interpretar; porém, isto é, sem dúvida, um problema dificílimo.
Em geral, não gostamos de ouvir coisa alguma de maneira completa, com plena atenção, porque nessa operação descobrimos às vezes o que realmente somos; por isso, costumamos estender cortinas de proteção entre nós e o que nos dizem.
É óbvio, pois, que seria muito bom se fôssemos capazes de ouvir simplesmente, visto termos inúmeros problemas — não só pessoais, como também sociais, políticos, econômicos — para os quais precisamos encontrar a solução correta; e não haverá possibilidade de encontrá-la, se, para tanto, dependermos de alguma opinião, de conhecimentos adquiridos em livros, ou em conferências.
Sem dúvida, para acharmos a solução, devemos saber como ouvir o fato, o próprio problema; mas não é isso o que fazemos, quando interpretamos o problema de acordo com as nossas idiossincracias ou opiniões pessoais.
Há de haver uma solução correta para todos os problemas; mas essa solução não se acha pela análise, pelo julgamento, pela comparação, nem por meio do saber, por mais vasto que seja.
Só pode surgir a solução correta quando a mente "escuta" tranquila, quase indiferente, sendo assim capaz de considerar o problema sem qualquer móvel ou intenção especial, sem ter um fim em vista — o que, com efeito, é dificílimo, porque em geral queremos um determinado resultado, uma solução satisfatória.
Para alcançar a solução correta dos problemas humanos, necessitamos de muita paciência, principalmente se já nos habituamos a viver num mundo mecânico, em que é possível descobrir com muita presteza a solução de tantos problemas técnicos.
Quando temos um problema, desejamos solução imediata; recorremos então a um livro, a um médico, um analista, um especialista; ou ficamos batalhando dentro em nós mesmos para achar a solução. Somos impacientes, queremos resultados imediatos e vivemos por isso em constante conflito.
Nessas condições, ainda que já tenhamos ouvido tudo o que se vai dizer agora, será sem dúvida proveitoso ouvir com muita paciência.
O que importa, naturalmente, é que cada um de nós possa achar um estado perene de libertação de todos os conflitos e das inúmeras reações que tanto caos produzem na mente; e então, talvez, com essa liberdade, venhamos a descobrir algo existente além de nossa mente; mas antes que possamos ser livres, temos, por certo, de compreender o que é o "eu".
Krishnamurti - Percepção Criadora — Ediouro