Todos sabeis que a morte é inevitável — inevitável, por ação da senilidade, da velhice, de doença, de acidente. Embora os cientistas estejam tentando prolongar a vida humana por mais cinquenta anos ou além, a morte é inevitável. Porque querem prolongar esta existência de agonias, só Deus sabe!Mas é o que queremos. E, para compreendermos a morte, temos de entrar em contato com ela; isso requer uma mente que não tenha medo, que não esteja pensando em termos de tempo, vivendo na dimensão do tempo. Viver com a morte — vou considerar este ponto.
Pusemos a morte no fim da vida; ela está em alguma parte, ao longe. Queremos afastá-la de nós o mais possível, colocá-la o mais longe possível. Sabemos que há a morte. Por isso, inventamos a vida futura. Dizemos: "Vivi, formei meu caráter, fiz coisas. Tudo isso irá acabar-se com a morte? Tem de haver uma vida futura". O futuro, a próxima vida, a reencarnação — tudo são fugas ao fato de hoje, fugas ao contato com a morte.
Pensai em vossa vida; o que ela é? Olhai essa vida, que tanto desejais prolongar! O que é a vossa vida? Batalha incessante, constante confusão, fugazes lampejos de alegria, tédio, medo, agonia, desespero, ciúme, inveja, ambição — eis a vossa vida real, com seus males e sua insignificância. E desejais prolongar essa vida, após a morte!
E, se credes em reencarnação — como de vós se espera, já que vossas escrituras falam sobre ela — se acreditais na reencarnação, então o que tem a verdadeira importância é o que sois agora. Porque o que sois agora irá condicionar o vosso futuro. Assim, o que sois, o que fazeis, o que pensais, o que sentis, como viveis — tudo isso é de infinita relevância. Se não credes na reencarnação, então, só há esta vida — e, portanto, é sobremodo importante o que fazeis, o que pensais, o que sentis, se explorais os outros ou não, se amais, se tendes sentimentos, se sois sensíveis, se há beleza. Mas, para viverdes dessa maneira, deveis compreender a morte, em vez de relegá-la para o fim de vossa vida — que é uma vida de sofrimento, de medo, de desespero, uma vida de incerteza. Consequentemente, tendes de trazer a morte para bem perto de vós; isto é; tendes de morrer.
Sabeis o que significa "morrer"? Já tendes visto o bastante da morte. Já vistes um homem morto ser levado para o crematório, para ser destruído. Tendes visto a morte. A maioria das pessoas a teme. A morte é assim como o perecer daquela flor, daquela trepadeira, com toda a sua glória. Com sua beleza, sua delicadeza, ela morre sem pesares, sem "discussão"; chega a seu fim. Mas, nós fugimos da morte por meio do tempo — quer dizer, colocamo-la "lá longe". Digo: "tenho poucos anos de vida, e renascerei para outra vida"; ou: "Esta é a única vida e, portanto, quero tirar dela o melhor proveiro, gozá-la o mais possível, fazer dela um "espetáculo". Dessa forma, nunca entramos em contato com essa coisa extraordinária chamada "a morte". A morte é: morrer para todas as coisas do passado, morrer para os vossos prazeres.
Alguma vez já experimentastes morrer para um prazer — sem "discussão", sem persuasão, sem compulsão, sem pressão? Vós tendes de morrer, inevitavelmente. Mas, já experimentastes morrer hoje, de maneira fácil e feliz, para vossos prazeres, vossas lembranças, vossos rancores, vossa ânsia de juntar dinheiro? Tudo o que quereis da vida é dinheiro, posição, poder, e ser invejado por outros. Podeis morrer para essas coisas, podeis morrer para as coisas que conheceis, de maneira fácil, sem "discussão", sem explicações? Tende em mente, por favor, que não estais ouvindo umas poucas palavras e ideias, porém, realmente entrando em contato com o prazer — vosso prazer sexual, por exemplo — e para ele morrendo. Isso de qualquer maneira terá de acontecer, pois tendes de morrer, para tudo o que sabeis, para o vosso corpo, vossa mente, tudo o que edificastes. Mas, direis: "É só isso que ofereceis? Toda a minha vida tem de terminar na morte?" — Tudo aquilo que fizestes, os serviços que prestastes, os livros que lestes, o conhecimento e as experiências que adquiristes, os prazeres, a afeição, a família — tudo termina na morte, que tendes à vossa frente. Ou morreis para tudo isso agora, ou inevitavelmente morrereis quando chegar a hora. Só um homem inteligente que compreender todo esse "processo", só ele é um homem religioso.
O homem que coloca vestes de sanyasi, cria barbas, vai para o templo e foge da vida — não é um homem religioso. O homem religioso é aquele que morre todos os dias e renasce todos os dias. Sua mente é sempre nova, inocente, vigorosa. Morrer para vossos sofrimentos, morrer para os vossos prazeres, morrer para as coisas que abrigais secretamente no coração — fazei-o! Dessa maneira, vereis que não estareis desperdiçando a vossa vida! Descobrireis algo de incrível, algo que nenhum homem jamais viu! Isso não é uma recompensa. Não há recompensa. Ou morreis voluntariamente, ou morreis inevitavelmente. Tendes de morrer todos os dias, naturalmente, assim como morre a flor para a sua beleza e seu esplendor; morrer todos os dias, para o vosso amor, vossa experiência e saber, para diariamente renascerdes com uma mente nova.
Necessitais de uma mente nova; do contrário, não conhecereis o amor. Se não morreis, vosso amor é simples memória; e está todo embebido de inveja e ciúme. Tendes de morrer, todos os dias, para tudo o que sabeis e conheceis, para vossos ódios, vossos insultos, vossas lisonjas. Morrei para tudo isso! vereis então que o tempo nada significa: não há amanhã, porém somente agora, acima do ontem, do hoje e do amanhã. Só agora existe amor.
O ser humano que não conhece o amor não pode conhecer a Verdade. Se não há amor, podeis fazer o que quiserdes — praticar todos os sacrifícios, e votos de celibato, e trabalhos sociais, e explorações — nada tem valor algum. — E não podeis amar, se não morreis todos os dias para vossa memória. Porque o amor não pertence à memória: é uma coisa viva. Uma coisa viva é um movimento; e esse movimento não pode ser engaiolado em palavras, nem em pensamentos, nem numa mente que só busca seus próprios interesses. Só a mente que compreendeu o tempo, que colocou fim ao sofrimento, que não conhece o medo — só essa mente sabe o que é a morte; por conseguinte, essa mente conhece a VIDA.
Krishnamurti — 24 de fevereiro de 1965
A Suprema Realização