K: (...) Onde há atenção, não há problema. Onde há a falta de atenção, surgem todos os tipos de dificuldades. Portanto, sem transformar a própria atenção num problema, o que queremos dizer quando nos referimos a ela? Podemos entendê-la, não verbalmente, não de forma intelectual, mas profundamente, no nosso sangue? Obviamente, a atenção não é concentração. Não significa um esforço, uma experiência, uma luta para ficar atento. Você terá de me mostrar a natureza da atenção, o que significa que quando há atenção, não há nenhum centro a partir de onde "Eu " presto atenção.
DB: Sim, mas é isso que é difícil.
DB: Não transforme isso num problema.
DB: O que quero dizer é que as pessoas vêm tentando isso por um longo tempo. Penso que há, em primeiro lugar, alguma dificuldade na compreensão do significado de atenção, devido ao conteúdo do próprio pensamento. Quando uma pessoa está olhando, poderá pensar que está prestando atenção.
K: Não, nesse estado de atenção não há pensamento.
DB: Mas então como paramos o pensamento? Veja, enquanto o pensamento está ocorrendo, há uma impressão de atenção — que não é atenção. Mas as pessoas pensam, supõem que estão prestando atenção.
K: Quando supomos que estamos prestando atenção, na verdade não é isso que está ocorrendo.
DB: Como podemos então transmitir o verdadeiro significado de atenção?
K: Ou será que para descobrirmos o que é atenção, devemos examinar o que é desatenção?
DB: Sim.
K: E através da negação chegarmos ao positivo. Quando estou desatento, o que acontece? Na minha desatenção sinto-me solitário, deprimido, ansioso, e assim por diante.
DB: A mente começa a se dispersar e a ficar confusa.
K: Ocorre a fragmentação. E, na minha falta de atenção, identifico-me com muitas outras coisas.
DB: Sim, e isso pode ser agradável — mas também pode ser doloroso.
K: Descubro, mais tarde, que o que era agradável transforma-se em dor. Tudo isso então é um movimento no qual não há atenção. Correto? Estamos chegando em algum lugar?
DB: Não sei.
K: Sinto que a atenção é a verdadeira solução para tudo isso - uma mente que é realmente atenta, que compreende a natureza da desatenção e se afasta dela!
DB: Mas em primeiro lugar, qual é a natureza da desatenção?
K: A indolência, a negligência, o egoísmo, a auto-contradição — tudo isso é a natureza da desatenção.
DB: Sim. Veja bem: uma pessoa egoísta poderá achar que está prestando atenção, mas está simplesmente preocupada consigo mesma.
K: Sim. Se houver auto-contradição em mim, e eu prestar atenção nisso para não ser auto-contraditório, isso não é atenção.
DB: Mas podemos tomar isso claro, porque ordinariamente alguém poderá pensar que isto é atenção.
K: Não, não é. É simplesmente um processo de pensamento, que diz: "Eu sou isso, não devo ser aquilo."
DB: Então você está dizendo que essa tentativa de vir a ser não é atenção. K: Sim, exatamente. Porque a transformação psicológica engendra a desa-
tenção.
DB: Sim.
K: Não é muito difícil, senhor, livrarmo-nos da transformação? Essa é a raiz da coisa. Acabar com a transformação.
DB: Sim. Não há atenção, e é por isso que esses problemas existem.
K: Sim, e quando assinalamos isso, o prestar atenção também se transfor- ma num problema.
DB: A dificuldade está no fato de que a mente prega peças, e, ao tentar lidar com isso, faz a mesma coisa novamente.
K: É claro. A mente, que é tão cheia de conhecimento, de presunção, de auto-contradição, e de tudo mais, pode chegar a um ponto onde se encontra psicologicamente incapaz de se mover?
DB: Não há nenhum lugar para onde ela possa se mover.
K: O que eu diria a uma pessoa que chegou a esse ponto? Eu me aproximo de você; estou cheio de confusão, ansiedade, e de uma sensação de desespero, não apenas com relação a mim mesmo, mas também ao mundo. Chego nesse ponto e quero ultrapassá-lo. E isso, portanto, se torna um problema para mim.
DB: Então estamos de volta; mais uma vez há uma tentativa de transformação, entende?
K: Sim. É aí que quero chegar. É essa então a raiz de tudo isso? O desejo de transformação?
DB: Bem, deve estar próximo a isso.
K: Como posso encarar então, sem o movimento da transformação, toda essa coisa complexa que sou eu?
DB: Parece que não vimos o todo. Não olhamos para o todo da transformação quando dissemos: "Como posso prestar atenção?" Parte disso parece ter escapulido, e se tornado o observador. Certo?
K: Psicologicamente a transformação foi a maldição de tudo isso. Um homem pobre quer ser rico, e um homem rico quer ser mais rico; o tempo todo ocorre esse movimento de transformação, tanto externa como internamente. E embora isso acarrete muita dor e algumas vezes o prazer, essa sensação de transformação, de obtenção, de conseguir psicologicamente, fez com que minha vida se tornasse tudo que ela é. Agora percebo isso, mas não posso interrompê-lo.
DB: Por que não podemos interrompê-lo?
K: Vamos analisar isso. Em parte estou preocupado em me transformar porque há uma recompensa no final; além disso, estou evitando a dor ou a punição. E sou capturado nesse ciclo. Essa é provavelmente uma das razões por que a mente continua tentando se tornar alguma coisa. E a outra talvez seja uma ansiedade ou um medo profundamente enraizado de que se não me transformar em alguma coisa, estarei perdido. Sinto-me incerto e inseguro, de forma que a mente aceitou essas ilusões e disse: não posso acabar com esse processo de transformação.
DB: Mas por que a mente não acaba com ele? Também temos de discutir a questão de sermos capturados por essas ilusões.
K: Como vai me convencer de que estou preso numa ilusão? Não vai conseguir, a não ser que eu mesmo perceba isso, e não posso percebê-lo porque minha ilusão é extremamente forte. Essa ilusão foi alimentada, cultivada pela religião, pela família, e assim por diante. Ela está tão profundamente enraizada que me recuso a abandoná-la. É isso que está acontecendo com um grande número de pessoas. Elas dizem: "Quero fazer isso, mas não posso". Considerando essa situação, o que devem fazer? As explicações, a lógica e todas as diversas contradições, as teorias, poderão ajudá-las? É evidente que não.
DB: Porque tudo é absorvido pela estrutura.
K: O que vem a seguir?
DB: Veja, se elas dizem: "Quero mudar", também há o desejo de não mudar.
K: Naturalmente. O homem que diz: "Quero mudar", também pensa lá no fundo: "Na verdade, por que eu deveria mudar?" Os dois caminham juntos.
DB: Temos então uma contradição.
K: Tenho vivido nessa contradição, eu a aceitei.
DB: Por que deveríamos aceitá-la?
K: Porque é um hábito.
DB: Mas quando a mente está saudável, não aceitará uma contradição.
K: Mas nossa mente não está saudável. A mente está tão enferma, tão corrupta, tão confusa que mesmo que apontemos todos os perigos, se recusará a vê-los. Como então podemos ajudar um homem que esteja preso nisso a perceber claramente o perigo da transformação psicológica?
Jiddu Krishnamurti e David Bohm em, A Eliminação do Tempo Psicológico
DB: Veja, se elas dizem: "Quero mudar", também há o desejo de não mudar.
K: Naturalmente. O homem que diz: "Quero mudar", também pensa lá no fundo: "Na verdade, por que eu deveria mudar?" Os dois caminham juntos.
DB: Temos então uma contradição.
K: Tenho vivido nessa contradição, eu a aceitei.
DB: Por que deveríamos aceitá-la?
K: Porque é um hábito.
DB: Mas quando a mente está saudável, não aceitará uma contradição.
K: Mas nossa mente não está saudável. A mente está tão enferma, tão corrupta, tão confusa que mesmo que apontemos todos os perigos, se recusará a vê-los. Como então podemos ajudar um homem que esteja preso nisso a perceber claramente o perigo da transformação psicológica?
Jiddu Krishnamurti e David Bohm em, A Eliminação do Tempo Psicológico