ENERGIA,
ENTROPIA E VIDA
Deshpande: Outro
dia consideramos o tema “Deus”. Também discutimos a respeito da energia e você
falou da energia humana e da energia cósmica. Vou expor a posição científica.
Os cientistas têm medido a energia e levantaram assim uma equação: E=MC², um
valor fantástico. Esta é a energia material e os biólogos também têm provado
que a energia vital é anti-entrópica; isto quer dizer que enquanto a energia
material se dissipa, a energia vital não. Portanto, este movimento de
anti-entropia está contra o fluxo material da energia, a qual se dissipa e
termina em uma inerte uniformidade. O ser humano geralmente se move com energia
entrópica, e em consequência se deteriora, declina. Os cientistas têm medido
inclusive a magnitude temporal desta energia. O problema é por conseguinte:
Como pode o homem, sendo consciente disto, integrar-se ao movimento de energia
anti-entrópica?
Krishnamurti: Pode-se ver de modo muito simples que aquilo que é
mecânico se gasta passado certo tempo.
Deshpande: O que
é mensurável pode ser manipulado pela mente, pelo homem; um exemplo disto é a
bomba atômica. Esta energia, este movimento entrópico, hoje domina o mundo. Como
escapar de suas garras?
Pupul Jayakar: Este
é um ponto muito importante. Se existe um movimento de energia que não se
dissipa a si mesmo, que não cessa, então — tanto do ponto de vista científico
como do humano — essa é provavelmente a
resposta a todos os problemas do mundo.
Krishnamurti: O que é então que você pergunta? Pergunta como este movimento
de deterioração mecânica — que pode levar um milhão ou dez milhões de anos —,
como pode colocar-se fim a essa deterioração em que o homem está preso? Ou se
existe um movimento contrário a esse?
Deshpande: E
também, qual é a natureza desse movimento contrário.
Krishnamurti: Exponhamos outra vez essa questão, de modo simples. O
homem está preso na energia material, na energia mecânica; preso pela
tecnologia, pelo movimento do pensar. Compreende a chave disso?
Deshpande: Não.
Krishnamurti:
Todo o campo do conhecimento
tecnológico e o movimento estão dentro desse campo. Esse é o campo em que o
homem vive, o qual tem uma enorme influência sobre ele; realmente se apodera
dele, o absorve; os cientistas e os biólogos têm medido a energia desse movimento,
e essa energia é uma energia de deterioração, de desgaste. Os cientistas também
dizem que existe um movimento contrário de energia em direção oposta, que é a
energia criativa; a verdadeira energia humana que é não-mecânica,
não-tecnológica. Agora, qual é a pergunta?
Deshpande:
Biólogos tais como Huxley, Chardin, sustentam que o homem tem evoluído desde a
mais pequena das células até o momento em que aparece nele a consciência; o
homem, como uma entidade, pode ser consciente de todo o processo evolutivo.
Pupul Jayakar: Disto
surge outro fato muito interessante. Chardin disse que o próximo salto para
adiante virá por “um processo de ver”, que é igual ao tradicional pashyanti. Penso que é importante
explorar este verbo que está tão carregado de sentido tradicional na Índia.
Krishnamurti: Chegaremos a isso se podemos examinar os processos de
deterioração, a energia mecânica, entrópica. Também tentamos descobrir essa
energia de vida que não é energia mecânica. O que é esta energia?
Deshpande: Os
biólogos dizem que está no desenvolvimento cultural, no destino do homem, não
no surgimento de novas espécies.
Achyut: Esta
questão enfrenta o homem em muitos níveis. Depois de que se lançaram os
satélites, houve uma nova medida do cosmos. Chamamos a isso de o infinito
mensurável. Mas o homem sabe também que existe o infinito imensurável. Essa
percepção vem ao homem moderno quando se afasta do imediato e alcança uma
compreensão, no mais alto sentido, do meio circundante.
Krishnamurti: Concordo. Eles têm medido o pensamento. Tem medido a
memória.
Fritz Wilhelm: Em
que sentido você entende que o pensamento é mensurável?
Krishnamurti: No sentido de que são medidos impulsos elétricos do
pensamento.
Fritz Wilhelm: O
pensamento é a medida da entropia.
Pupul Jayakar:
Só pode medir-se o que tem um começo e um fim.
Krishnamurti: Há, pois um movimento que finalmente, em sua própria
ação motriz, conduz à deterioração.
Fritz Wilhelm: Também
conduz à radiação e nisso está o final da entropia. Há esses dois movimentos; o
movimento mecânico, e o anti-mecânico.
Achyut: O
enfoque do biológico é muito tentador quando chega à consciência. Toda vez que
fala da energia da vida, não o faz com a mesma precisão de quando fala do
outro. Há um reconhecimento de que o anti-entrópico é o desconhecido, o
indefinível. Depois de ter dito que existe “o outro”, “o outro” segue sendo o
desconhecido.
Deshpande: Um
fato é certo. Que a energia da vida não se move na mesma direção que a energia
entrópica.
Achyut: Tomemos
o movimento da energia vital como algo desconhecido para nós. Não podemos
manipulá-la. Na medida em que o homem se torna consciente de todo o processo
evolutivo em si mesmo, se torna perceptivo com relação à consciência.
Pupul Jayakar: Eu
penso que estamos girando em círculos. O observável é que o homem nasce, vive e
morre. O fenômeno de um movimento cíclico de começo e fim da energia é visível
e está profundamente arraigado em nossa consciência — a coisa que aparece e
desaparece, as duas manifestações da energia. Há, por acaso, uma energia que
não tenha que ver com a aparição e a desaparição?
Krishnamurti: É a mesma coisa. Aceitamos isto de que há um começo e
um final da energia?
Fritz Wilhelm:
Os indivíduos podem começar e terminar, mas não a vida. Ela cria.
Krishnamurti: Não introduza ainda ao indivíduo. Há um movimento da
energia que é mecânico, que é mensurável, que pode terminar, e há a energia da
vida que não se pode manipular, que prossegue infinitamente. Vemos que em um
caso há desgaste de energia e que no outro não há.
Fritz Wilhelm: Eu
não vejo o outro como um fato.
Krishnamurti: Muito bem. Vejamos o movimento da energia que pode
alcançar uma altura e logo declina. Existe alguma outra forma de energia que
nunca pode terminar, que não tem relação com a energia que começa, continua e
se murcha?Como averiguaremos? Entenderam? Qual é a energia que decai?
Pupul Jayakar: É
a energia material que decai. Por quê? Pela fricção?
Krishnamurti: Investiguemos isso. Qualquer energia que encontra
resistência se desgasta. Tome um automóvel subindo a colina, sem poder
suficiente para fazê-lo; a energia gerada pelo motor se esgotará. Existe uma
energia que possa não se esgotar jamais, seja que você vá costa acima, costa
abaixo, paralelo, vertical? Existe uma energia que em si mesma não tenha
fricção, e que se encontra resistência não reconhece a resistência, não
reconhece a fricção?
Há nisso outro fator. A energia também surge através
da resistência, da manipulação.
Pupul Jayakar: No
momento em que a energia cristaliza...
Krishnamurti: Não diga isso.
Pupul Jayakar:
Por que, senhor? O organismo humano é uma cristalização.
Krishnamurti: O organismo humano é um campo de energia, mas não use
a palavra cristalização.
Estou levando isto de modo muito simples. Existe a
energia que encontra resistência e se desgasta. Nesse campo total há a energia
produzida mediante a resistência, o conflito, a violência, mediante o
crescimento e a decadência, através do processo de tempo... Agora, pergunto: há
alguma outra energia que não seja do tempo, que não pertença a este campo?
Achyut: A
tradição chama essa energia de “a flecha atemporal”.
Fritz Wilhelm: Você
pergunta se existe uma energia que seja irresistível, não é isso?
Krishnamurti: Não. Eu só conheço a energia que se acha no campo do
tempo. Pode ter uma extensão de dez milhões de anos, mas ainda segue estando no
campo do tempo. Isso é tudo quanto nós, os seres humanos, conhecemos. E como
seres humanos, estamos investigando se existe uma energia que não esteja no
campo do tempo.
Fritz Wilhelm: Você
quer dizer, uma energia que não experimenta nenhuma transformação?
Krishnamurti: Olhe, eu conheço a energia, a causa da energia, o
cessar da energia. Conheço a energia como o resultado de vencer a resistência,
conheço a energia da dor, a energia do conflito, da esperança, do desespero;
todas estão no campo do tempo. E essa é a totalidade da minha consciência.
Então, pergunto: existe uma energia que não esteja sujeita ao tempo, uma
energia que não se encontre, absolutamente, dentro do campo do tempo? Existe
uma energia que possa passar pelo campo do tempo sem que o tempo lhe afete?
Isso é muito interessante; o homem deve ter se feito essa pergunta por séculos,
e ao não pode achar uma resposta, criou um Deus e o situou fora do campo do
tempo. (Pausa).
Mas colocar Deus fora do campo do tempo é invocar a um
Deus dentro do campo do tempo. E, portanto, Tudo isto é parte da consciência. E
isso se deteriora. Se deteriora — se é que posso utilizar essa palavra — porque
pertence ao tempo, porque é divisível. E minha mente, que é divisível,
desejando achar uma energia atemporal, procede a formular uma energia a qual
chama de Deus e adora isso. Tudo isso está no campo do tempo.
Pergunto, então: existe alguma outra energia que não
seja do tempo? Compreende?
Deshpande: Sim.
Krishnamurti: Como descubro isso? Descarto a Deus, porque Deus está
dentro do campo do tempo. Descarto o Eu Superior, o Atman, o Brahman, a alma, o
céu, porque tudo isso se acha no campo do tempo. Agora, pergunto: existe uma
energia que seja atemporal? Sim, senhor, existe. Vamos investigar?
Deshpande: Sim,
senhor.
Krishnamurti: Como descubro isso? A consciência deve esvaziar a si
mesma de seu conteúdo, não é assim? O conteúdo que o tempo tem criado e que eu
chamo de consciência.
Deshpande: A
questão é que se o tempo é a consciência, então, tem que haver alguma outra
coisa.
Krishnamurti: Espere. O conteúdo constitui a consciência; de outro
modo não há consciência.
Pupul Jayakar:
Posso perguntar algo? O vazio total da consciência, não é o mesmo que ver a
totalidade da consciência?
Krishnamurti: Sim, o é. Estou de acordo. Não creio que tenha me
expressado com clareza. Há o fato do total esvaziamento da consciência e existe
o outro fato, que é o de ver com a totalidade, com todo o conteúdo. Ver o campo
do tempo como um estado normal, ver todo o campo do tempo. Bem, agora, o que
significa esse ver?
Esse ver é diferente do campo do tempo? Ou esse ver se
separou do campo do tempo e então pensa que é livre e que olha no campo do
tempo, e a isso é o que chamamos de percepção?
Deshpande: Correto,
senhor. Essa percepção pressupõem um percebedor.
Krishnamurti: Voltamos a mesma coisa. Surge, então, a pergunta: o
que é o ver total? Eu vejo logicamente, verbalmente; compreendo toda a
consciência do homem, a totalidade dela. Essa totalidade é o conteúdo da
consciência, que tem sido acumulado através do tempo — que é a cultura, a
religião, o conhecimento. Seja que se contraia ou se expanda, esse conteúdo
segue estando no campo do tempo. Quando se expande, inclui a Deus, não-Deus, ao
nacionalismo, etc. Esse é todo o movimento da consciência dentro do campo do
tempo. A própria consciência é tempo. O que você diz, Deshpande?
Deshpande: Eu
não tenho outro instrumento que a consciência.
Krishnamurti: Dou-me conta disso. Vejo que a consciência é tempo
porque a consciência é o conteúdo e este tem sido acumulado através de séculos
e séculos.
Deshpande: A
consciência é conflito, fricção.
Krishnamurti:
Sabemos isso. Como minha mente pode
olhar este campo total do tempo e não ser do campo? Essa é a questão. De outro
modo, não posso olhar. A percepção total deve estar livre do tempo. Há uma
percepção e um ver que não sejam do tempo? O que você diz?
Deshpande: Essa
é a nossa pergunta.
Krishnamurti:
E se não é do tempo, então, essa
percepção é o movimento da vida. A própria percepção é o movimento da vida.
Deshpande:
Logicamente deveria ser assim.
Achyut: Nós
podemos dizer que a própria percepção é o movimento da vida? Eu não sei nada a
respeito disso.
Krishnamurti: Pode minha mente, que é tempo, que é o conteúdo da
consciência, pode minha mente, pertencendo completamente ao tempo, dissociar a
si mesma da totalidade do campo? Ou há uma percepção que não é do tempo e,
portanto, vê a totalidade?
Pupul Jayakar: Eu
diria que simplesmente não posso afirmar “o outro”. Concordo com Achyut.
Achyut: No
momento em que afirmo isso, isso se harmoniza com o Deus dos Upanishads. Quando
posso dizer é que ao ver que toda a consciência está no campo do tempo, posso
permanecer com isso. Sou “isso”.
Krishnamurti: Você é “isso”. Alguém lhe disse que esse movimento
dentro do campo do tempo é mensurável e lhe pergunta se existe uma percepção —
não afirma que existe ou que não existe —, pergunta-lhe se existe uma percepção
que vê a totalidade da consciência, a qual é tempo. Há uma percepção assim? É
uma pergunta legítima.
Pupul Jayakar: Posso
dizer algo? Eu lhe vejo. Vejo esta residência. Vejo o funcionamento da minha
consciência. Não há mais que isso. Posso vê-lo. É uma coisa concreta. O ver é
concreto.
Krishnamurti: Compreendo, Pupul. Aqui estou sentado nesta
residência. Vejo o conteúdo da residência e vejo a mim mesmo nela. O “mim
mesmo” é o observador, quem é consciente da residência, das proporções, do
espaço da residência, e isto o vê por meio da consciência que está constituída
de tempo. O observador e o observador estão no campo do tempo. Isso é tudo.
Quando o observador inventa algo, isso permanece no campo do tempo. É assim que
qualquer movimento está dentro desse campo. Isso é um fato. Mas, sabendo isto,
vem alguém e pergunta: existe um movimento que não seja do tempo?
Compreenderam a pergunta? Pode a mente ver a si mesma
como o campo do tempo? — não como o observador que vê o campo do tempo. Pode a
mente por si mesma dar-se conta totalmente de que vê a consciência como tempo?
Isso é bastante simples.
Pupul Jayakar:
Eu não vejo isso. O que implica ver a consciência como tempo? Quando observo ao
pensamento, vejo-o como algo que flui, vejo-o como um movimento; desperto a um
pensamento que tem sido, depois a outro, e assim sucessivamente. E refino tudo
isto e digo que há um movimento. Quando Krishnaji diz: “Perceba esta
residência”, eu percebo esta residência e o funcionamento interior da minha
consciência. Não há uma percepção do tempo. Isso é o presente ativo.
Krishnamurti: O que é que você quer dizer, Pupul?
Pupul Jayakar: Eu
não posso aceitar a percepção da consciência como um movimento de tempo. Se não
admitimos o concreto do ver, nos movemos então no campo do conceitual.
Krishnamurti: O que você diz é que quando entra nesta residência
percebe o espaço, a cor, as proporções, e percebe a consciência com a mesma
palpável sensação, não é verdade?
Pupul Jayakar: Quando
Achyut fala e eu percebo isso; depois, conecto ambas as percepções, e o
pensamento entra no tempo. Não há tempo separado da conexão.
Krishnamurti: Se há percepção não há tempo. Quando olho não há
tempo.
Pupul Jayakar: Você
perguntou: “você vê a consciência como o conteúdo total do tempo?” Eu questiono
essa proposição. Gostaria de examiná-la sob o microscópio.
Krishnamurti:
Minha mente é o resultado do tempo —
a memória, a experiência, o conhecimento. Minha consciência está dentro do
campo do tempo. Como posso ver que todo o conteúdo está dentro do tempo?
Pupul Jayakar: Graças
a memória, ao pensamento.
Krishnamurti: Como vejo que todo o conteúdo está dentro do campo do
tempo? Essa é uma conclusão que acabamos de levantar, ou é uma verdadeira
percepção? Vamos devagar. Temos sustentado verbalmente que o cérebro, a mente,
a totalidade disso é o resultado do tempo. Essa é uma conclusão, ou o vejo como
um fato e não como uma conclusão?
Pupul Jayakar: Como
você distinguiria uma coisa da outra?
Krishnamurti: Uma é uma fórmula, uma conclusão, uma declaração; a
outra é algo que estou descobrindo.
Pupul Jayakar: Eu
o acho muito difícil. Sabe o que você pede, senhor? Pode-se perceber uma
abstração? Quando não há pensamento, “o que é” é uma abstração.
Krishnamurti: Espere, você está adiantando suas conclusões. Não se
chegou a nada disso. O que você disse é sim uma abstração, uma conclusão.
Pupul Jayakar: Eu
me pergunto: quando digo que a consciência é produto do tempo, se trata de uma
declaração, ou isso é algo que posso ver?
Krishnamurti: É uma declaração com um significado verbal que aceito
e que, portanto, se torna uma conclusão, ou é um fato tão real como esta
residência, o fato de que a totalidade do meu cérebro, da minha consciência, é
este enorme campo do tempo? Isso e tão concreto como isto?
Pupul Jayakar: Como
pode ser isso tão concreto como o outro?
Krishnamurti: Eu lhe mostrarei em um minuto. Eu vejo que uma
conclusão não é um fato, porque o pensamento tem interferido nisso e tem
escutado esta declaração e a aceita, convertendo-a em uma fórmula para ficar
com essa fórmula. Isso é uma abstração. Uma fórmula é uma abstração criada pelo
pensamento e, por conseguinte, ela é a causa do conflito. É a própria natureza
do conflito. Vejo isso claramente. Bem, agora, há uma percepção que não seja do
pensamento, da mente como o campo total do tempo? As fórmulas são coisas das
mais letais. Fórmulas e conceitos são produtos do pensamento e, portanto, se
acham totalmente no campo do tempo.
Estou investigando este campo. Dissemos que o tempo é
a consciência. O tempo é o resultado de séculos e séculos de experiência. Essa
é a minha consciência, e a consciência está constituída por todo o conteúdo. Eu
ouço que você afirma isso e o pensamento o recolhe e faz disso uma fórmula.
Vejo que a própria fórmula está dentro do campo do tempo, que essa mesma
fórmula é o fator de atrito. Portanto, nem me aproximo disso. O nego. Agora me
pergunto: o neguei, ou ainda estou pensando, sentindo que o tenha negado? Estou
tratando ainda de encontrar um fato que não esteja no campo do tempo? (Pausa)
Quando entro nesta residência, eu vejo. Não há um
movimento do pensar. Simplesmente, vejo. Mas no instante em que o pensamento
diz que há proporção, cor, beleza, nesse instante o tempo interfere. Está
seguindo? Do mesmo modo, este campo total do tempo só existe quando o
pensamento opera.
Estou descobrindo algo: quando o pensamento opera,
deve operar no campo do tempo, deve chegar a uma conclusão, e a conclusão é
parte da consciência; isso é tudo.
Agora pergunto: não há nenhum movimento do pensar, ou
estou pretendendo para mim mesmo que não há movimento do pensar e que só há
percepção? A mente se engana a si mesma quando diz: “Eu não tenho fórmulas”,
mas está entrincheirada em fórmulas — sendo as fórmulas pensamento, o que, por
sua vez, é consciência? Ou existe uma percepção que nada tem que ver com o
pensamento? Eu só sei que toda a consciência está no campo do tempo e que o
pensamento é consciência.
Portanto, estou investigando; não quero enganar a mim
mesmo, não quero fingir que tenho algo que na realidade não tenho. Eu ouço sua
afirmação: “a totalidade da consciência é tempo”. Quero averiguar se a mente —
que é o resultado do tempo — aceita esta afirmação como uma fórmula e,
portanto, permanece no tempo, ou se vê a verdade, o fato — sendo o fato uma
percepção do movimento total do pensar.
Se a mente, ao examinar, ao investigar, aceita a
afirmação como uma fórmula e diz: “sim, é bem assim”, esse “assim” é a
percepção de uma conclusão, o qual é a operação do pensamento. Portanto, vejo
que o tempo está operando ainda nesse sentido.
Ou é este um fato compreensível, um fato de que posso
dar-me conta? Ou o pensamento está completamente ausente e só há percepção e
nenhuma outra coisa? O que é que ocorre então? Nada mais pode se dizer quando
não surge o pensamento.
Pupul Jayakar: O
que é que você percebe nesse instante?
Krishnamurti:
Nada. É logicamente correto que assim
seja.
Achyut: Qualquer
coisa que nós ouvimos, no instante seguinte se torna uma recordação.
Krishnamurti: Eu não me importo, absolutamente, com você.
Perdoe-me. Não me preocupo se você vê ou não vê. Disse-lhe que ia investigar.
Estou investigando. Você não está investigando. Você fica apenas com a fórmula.
Vejo este fato. Percebo a fórmula com uma fórmula, ou percebo sem movimento do
pensar, sem uma fórmula? Então Pupul me pergunta: nesse estado, o que há que se
perceber? Absolutamente nada, porque aquilo não é do tempo. Esse é o fator de
energia da vida.
Fritz Wilhelm: Este
estado que você descreve pode ser chamado entropia do pensamento, um estado
onde já não é possível nenhum movimento.
Krishnamurti: Você não
está investigando.
Pupul Jayakar: Eu
desejo fazer uma pergunta. Você disse que não há nada. Há movimento?
Krishnamurti:
O que você entende por movimento,
antes que eu diga sim ou não?
Pupul Jayakar: Daqui
até ali.
Krishnamurti:
Algo mensurável, comparável.
Mensurável significa movimento. O movimento, quando é medido, está no campo do
tempo, correto? E você me pergunta se nesse nada, nesse vazio, há movimento.
Para você, o movimento é mensurável e se eu digo que há movimento, então você
me dirá que isso é mensurável e que, portanto, está no tempo.
Pupul Jayakar: Há
movimento no vazio.
Krishnamurti:
E o que isso significa? O movimento
do tempo é uma coisa e o movimento do nada, do vazio, não é do tempo e, em
consequência, não é mensurável. Mas aquilo tem seu próprio movimento que você
não pode compreender, a menos que deixe de se mover no tempo. E aquilo é
infinito, esse movimento é infinito.
Bombaim, 11
de fevereiro de 1971
Tradição e Revolução
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