AS CÉLULAS
CEREBRAIS E A MUTAÇÃO
Pupul Jayakar: Até
agora não tratamos do que parece ser a essência de seu ensinamento, ou seja: o
problema do tempo, o silenciar das células cerebrais e aquilo que ocorreu com
os processos que operaram em Krishnamurti. Ponho as três coisas juntas porque,
quando se observa o movimento horizontal do tempo, que é a vida de
Krishnamurti, se vê o menino nascido na tradição brahmânica, passando por certa
preparação na Sociedade Teosófica, recebendo iniciação, escrevendo alguns
livros como “A Busca” e “O Caminho”; livros nos quais a iluminação era
considerada como um fim, como um ponto fixo. Em todos estes primeiros livros é
de supor que há um estado que deve alcançar-se, e que existe um grande esforço
nessa direção. Subitamente, tem lugar em Krishnamurti uma transformação; ele nega
a salvação, nega a eternidade como um ponto fixo, e assim destrói o movimento
horizontal do tempo como tal. O que é então o que exatamente ocorreu? Se nós
pudéssemos compreender e ver como que através de um microscópio o que ocorreu a
Krishnamurti, se pudéssemos examinar o que aconteceu com suas células cerebrais
que continham este movimento horizontal do tempo, seria possível para nós
compreender o tempo e a mutação em relação com as células cerebrais.
Krishnamurti: Compreendo. Você compreende, senhor?
Deshpande: Sim
senhor. É uma questão muito importante.
Krishnamurti: Pergunto-me se o chamado movimento horizontal não
era um movimento muito superficial e condicionado. O jovem repetia o que haviam
lhe ensinado, e em determinado momento houve uma ruptura, entende?
Pupul Jayakar: Não,
não entendo. O que quer dizer com um movimento superficial de condicionamento?
Krishnamurti: Quer dizer que o menino aceitava, repeia, transitava
no caminho projetado pela tradição e a teosofia. Ele o aceitava.
Pupul Jayakar: Todos
nós fazemos isso.
Krishnamurti: Todos nós o fazemos em distintos graus. A pergunta
é: por que visitou esse trajeto?
Pupul Jayakar: Não.
A pergunta é: o que desencadeou isso que subitamente lhe fez dizer que não
existia um ponto fixo?
Krishnamurti: Olhe-o como se “K” não estivesse aqui, como se
estivesse morto. Como você contestaria essa pergunta? Eu estou aqui e então
posso contestar-lhe ou não, mas se eu não estivesse aqui, como você
responderia?
Pupul Jayakar: Uma
maneira de fazê-lo seria examinar o que você tem dito, junto com as influências
que operavam sobre você para que então, ver em que ponto teve lugar a ruptura e
quais foram as crises, internas e externas, que se registraram para produzir a
ruptura.
Krishnamurti: Mas suponhamos que você não soubesse nada de tudo
isso, e não obstante tivesse que contestar a pergunta seriamente agora; o que
faria? O que você sugere tomaria tempo, requereria uma investigação. Como você
encontraria a resposta agora? Como a encontraria se estivesse enfrentando a
este problema de que houve um jovem que seguiu o caminho tradicional, a ideia
de um ponto fixo, de uma meta fixa, usando para isso o tempo, a evolução, e que
em um ponto determinado rompe com tudo isso? Como o descreveria?
Deshpande: É
como isto: aquecemos água. Até os cem graus ela permanece uniforme, logo há uma
completa transformação.
Krishnamurti: Mas chegar nesse ponto leva tempo.
Pupul Jayakar: Se
eu não tivesse o fundo histórico, o único modo de investigar seria ver se este
processo é possível dentro de minha própria consciência.
Deshpande: Eu
apontava a outra coisa. O tradicionalista diria que há um processo que, como o
ponto de ebulição da água, conduz a uma transformação. A tradição somente o
ajuda a chegar no ponto de ebulição. Você pode negar a tradição, mas a tradição
é necessária para conduzi-lo até este ponto.
Pupul Jayakar: Se
não estivessem disponíveis os dados históricos de Krishnamurti, que mostram
como ele é dirigido através de diversos sadhanas, e a si lhe apresentaram
somente o fato desse fenômeno de Krishnamurti, o único modo de investigar seria
mediante o conhecimento de si mesmo.
Fritz Wilhelm: Você
parece estar criando uma relação entre o anterior estado de desenvolvimento e o
estado presente do ser. Há uma relação entre ambos estados? Você disse que um
conduz ao outro, um antes que o outro, e desse modo os está acomodando no
tempo.
Pupul Jayakar: O
fenômeno de Krishnamurti é que ele nasceu de pais brahmânes..., toda a história
que conhecemos. Eu olho longe para trás e noto que até chegar a um ponto,
Krishnamurti falava de tempo, de salvação como um ponto, uma meta final. E de
pronto, ele nega toda a coisa.
Krishnamurti: “F” pergunta por que você relaciona este movimento,
o movimento horizontal, com o movimento vertical. Não há relação entre ambos
movimentos. Portanto, mantenha-os separados.
Pupul Jayakar: Quando
eu olho a Krishnamurti, olho todo o panorama que abrange sua vida.
Krishnamurti: Olhe, mas não relacione os dois movimentos.
Pupul Jayakar: Se
o que você diz é significativo, se mostra essencial compreender este processo
do tempo e a liberdade com relação ao tempo. Portanto, pergunto: o que é que
desencadeou isso em você? Se você me diz que isso simplesmente ocorreu, eu
direi: muito bem, se isso ocorre, ocorre; e se não, não. E continuarei com
minha vida.
Fritz Wilhelm: Não
existe um fator desencadeante.
Pupul Jayakar: Certo
cérebro faz certos ruídos, e, subitamente, começa a fazer outros, e
Krishnamurti tem dito que as próprias células cerebrais são o tempo. Não nos
afastemos disso. Portanto, as células cerebrais de Krishnamurti, que são tempo,
experimentaram algum tipo de mutação.
Krishnamurti: Vou expor de modo muito simples. O cultivo de um
cérebro, de qualquer cérebro, leva tempo. A experiência, o conhecimento, as
recordações, são armazenadas nas células do cérebro. Este é um fato biológico.
O cérebro é o resultado do tempo. Bem, agora, este homem ao chegar a um ponto,
quebra o movimento. Tem lugar um movimento completamente diferente, o qual
significa que as próprias células cerebrais experimentaram uma mutação. E “Pupul”
diz: Você deve contestar e dizer o que é que ocorreu; de outro modo, o que
ocorreu foi meramente uma casualidade.
Deshpande: Se é
uma casualidade, nós o aceitaremos assim.
Balasundaram: E
a resposta de Krishnamurti pode ajudar-nos a produzir uma mutação em nós
mesmos.
Sunanda: Há duas
explicações possíveis; uma é a teosófica, de que os Mestres cuidaram de
Krishnamurti e que, por isso, ele não foi afetado pelas experiências; a outra
explicação é a que está baseada na reencarnação.
Deshpande: Quando
disse que o menino Krishnamurti não foi afetado pelas experiências, como sabe?
O menino escreveu “A Busca”, “O Caminho”.
Krishnamurti: Deixemos isso por um momento. Como isso ocorreu?
Qual é a sua resposta? Dados estes fatos, e ao enfrentá-los, como responde?
Balasundaram: Senhor:
como nós podemos explicar a mudança que teve lugar em você em 1927? De acordo
com o que disse Sra. Besant, as duas consciências não teriam se fundido. Nós
não sabemos. Só você pode dizer o que é que na realidade ocorreu. Nós não temos
o conhecimento pessoal nem a capacidade de sabê-lo.
Krishnamurti: Investiguemos juntos.
Fritz Wilhelm: Eu
o expressarei deste modo: o homem se despertou em outro estado. Um estado não
conduz ao outro. Não há conexão entre os dois.
Pupul Jayakar: Eu
digo que as células cerebrais não podem compreender ao tempo, por si mesmas,
como outra coisa que um movimento horizontal. A menos que se compreenda isto, não
podemos explorar com muita profundidade o problema do tempo.
Krishnamurti: Exploremos isso. Antes de tudo, o tempo está de
algum modo envolvido nisso?
Se você me pergunta como isto ocorreu comigo, eu
realmente não o sei, compreende? Mas penso que podemos investigar isso juntos.
Se você me perguntasse: “você foi dar um passeio a noite?”, eu diria: “sim”.
Enquanto que se me pergunta: “como isso ocorreu a você?”, eu realmente não sei
dizer como ocorreu. O que há de mal nisso?
Pupul Jayakar: Em
si mesmo está tudo bem. Mas nós estamos tratando de compreender a natureza
essencial deste movimento do tempo, e do movimento fora do tempo. Deixando de
lado a questão de como isto lhe ocorreu, é importante que investiguemos na
natureza do tempo; não ao nível do tempo cronológico e do tempo psicológico,
porque isso já temos examinado suficientemente.
Krishnamurti: Comecemos com a percepção. O ver, está envolvido na
percepção?
Pupul Jayakar: O
que ocorre com as células cerebrais no processo de ver?
Krishnamurti: No processo de ver, as células cerebrais, ou
respondem bem nos velhos termos, ou são retidas em estado de latência; elas
mesmas se mantêm em suspenso sem o passado.
Pupul Jayakar: Você
disse que na percepção — que é instantânea — as células cerebrais não
respondem. Se elas não operam, existem?
Krishnamurti: Sim. Existem como o depósito do conhecimento, que é
o passado. As células cerebrais são, estamos todos de acordo, o depósito das
recordações, da experiência, do conhecimento. Esse é o velho cérebro. Na percepção, o velho cérebro não responde.
Pupul Jayakar: Onde
está?
Krishnamurti: Está aí. Não está morto. Está aí porque tenho que
empregar o conhecimento para pensar. As células do cérebro têm que usar-se.
Pupul Jayakar: O
que é que ocorre, então? Se as células cerebrais não operam, o que é que opera?
Krishnamurti: Um cérebro totalmente novo. Isto é simples. O velho
cérebro está cheio de imagens, recordações, respostas, e estamos habituados a
responder com o velho cérebro. A
percepção não está relacionada com o velho cérebro. A percepção é o
intervalo entre a velha resposta e a resposta nova, a resposta que o cérebro
velho ainda não conhece. Nesse intervalo o tempo não existe.
Fritz Wilhelm: Isto
contraria a opinião dos psicólogos, segundo a qual a sensação é em si mesma
direta. No intervalo entre a sensação e a percepção, se introduzem as
recordações e adulteram tudo. Portanto, a sensação é atemporal, mas o intervalo
é tempo.
Krishnamurti: Deixemos isso bem claro. Você me faz uma pergunta. O
velho cérebro responde conforme a informação que possui, conforme o
conhecimento; se o velho cérebro não possui conhecimentos, se carece de
informação, há um intervalo entre a pergunta e a resposta.
E: O intervalo
se deve a preguiça das células cerebrais.
Krishnamurti: Não.
Fritz Wilhelm: Os
vestígios da memória continuam no cérebro.
Krishnamurti: Se você me perguntasse que distância há entre aqui e
Deli, eu não saberia responder-lhe. Por muito que pensasse com as células
cerebrais, isso não ajudaria. O fato não está registrado. Se o estivesse, então
pensaria nisso e responderia. Mas não há conhecimento a respeito. Nesse
não-saber há um estado no qual o tempo não existe.
Deshpande: Por
muito que espere, isso não me fará saber.
Krishnamurti: No momento em que sei, o saber é tempo.
Pupul Jayakar: Você
tem falado de uma mente nova. A pergunta é: o que ocorreu ao velho cérebro?
Krishnamurti: Está quieto.
Pupul Jayakar: Existe?
Krishnamurti: Certamente que existe; de outro modo eu não poderia
falar o idioma.
Pupul Jayakar: O
problema está no tempo, considerado como um movimento horizontal com
continuidade. Quando você diz que o outro cérebro continua existindo...
Krishnamurti: De outro modo eu não posso funcionar. Vamos
chamá-lo, por conveniência, o velho e o novo cérebro. O velho cérebro, através
dos séculos, tem reunido todo tipo de recordações, tem registrado todas as
experiências e funcionará todo o tempo nesse nível. Tem sua continuidade no
tempo. Se lhe falta continuidade, torna-se neurótico, esquizofrênico,
desequilibrado. Necessita ter uma continuidade sadia, racional. Bem, esse é o
velho cérebro com toas suas acumuladas recordações. Uma continuidade semelhante
jamais poderá descobrir nada novo, porque é só quando algo se termina que
existe algo novo.
Fritz Wilhelm: Continuidade
de que? Quando você disse continuidade, isso tem um movimento.
Krishnamurti: Ele está somando, restando, ajustando; não é algo
estático.
Deshpande: Há um
movimento circular, este é uma continuidade.
Krishnamurti: Primeiro deixe-me esta continuidade, o movimento
circular, como uma repetição do velho. Em um dado momento, eu o chamo “o
velho”, mas isso segue sendo o velho. Anseio o novo e invento o novo dentro do
círculo.
Pupul Jayakar: Há
o novo que é uma recordação do velho, e há o “novo” que não é uma recordação do
velho. O que é o outro novo que não é a invenção do velho? É algo reconhecível,
é perceptível?
Krishnamurti: É perceptível, mas não reconhecível.
Pupul Jayakar: Portanto,
não é uma experiência.
Krishnamurti: É uma percepção sem o observador.
Deshpande: Mas
não em termos do passado.
Krishnamurti: Percepção significa algo novo.
Fritz Wilhelm: A
sensação é sem o passado. A sensação não está carregada, é direta.
Krishnamurti: A mente que se tornou mecânica, anseia por algo que
seja novo. Mas o novo está sempre dentro do campo do conhecido. Ao movimento
dentro do campo você pode chamá-lo horizontal, infinito, mas sempre está dentro
desse campo. Eu desejo o novo em termos do velho. A pergunta de “Pupul” era a
respeito do cérebro, o qual é o resultado do tempo, da experiência, do
conhecimento. O que ocorre com esse cérebro quando há uma percepção que é nova,
uma percepção na qual não existe nem a experiência, nem o observador, uma
percepção que não é uma experiência para ser armazenada e relembrada e,
portanto, destinada a converter-se em conhecimento?
Fritz Wilhelm: O
cérebro não responde.
Krishnamurti: O que é que faz com que não responda? Como é que
isso ocorre?
Pupul Jayakar: Deveríamos
ficar com estar pergunta por que aqui está ocorrendo algo de vital
significação. Ainda não captamos o sentimento disso.
Eu lhe
escuto. Estou atento. Nesse estado de atenção não há outra coisa que som e
movimento. Nesse estado, posso compreender que lhe ocorreu toda a carga do
passado?
Krishnamurti: Isso é bastante simples. O passado está operando
continuamente; registra cada acontecimento, cada experiência — tanto as
conscientes como as inconscientes —. Tudo está se vertendo dentro; a luz, o som.
Pupul Jayakar: As
células cerebrais atuam tanto se estou consciente como se estou inconsciente.
Krishnamurti: Sim. Bem, agora, quando esse cérebro opera, está
atuando sempre a partir do passado. Em primeiro lugar, o que há de mal nisso?
Pupul Jayakar: Se
você o observa, são como ondas projetadas; o pensamento é como ondas, e
prontamente estou atento e não há ondas.
Krishnamurti: Nesse estado de atenção há percepção. Esse estado de
atenção é percepção.
Deshpande: Quando
eu vejo o fato de que meu cérebro está registrando tudo, e subitamente dou-me
conta de que isso continua sem o observador, isso me aniquila. Se isso continua
sem mim, então, eu não existo mais.
Krishnamurti: É como uma máquina gravadora que registra tudo.
Deshpande: Por
que necessito chamá-lo de uma máquina? É algo maravilhoso. E eu não conheço o
como nem o por que disso.
Krishnamurti: Você tem escutado esse ruído de buzina. As células
do cérebro o tem registrado. Não há resistência nem aceitação.
Deshpande: Há
mais que isso.
Krishnamurti: Vá devagar. Este cérebro é uma máquina que registra.
É uma cinta gravadora que a tudo registra constantemente. Você vem e desafia o
cérebro. Ele responderá em meios de agrado ou desagrado; você é um perigo e “Pupul”
não é um perigo. Nesse instante nasceu o “eu”.
A função do cérebro é registrar.
Deshpande: Esse
é um enunciado parcial. Que o cérebro registra um fato, mas pode fazer algo
mais que isso...
Krishnamurti: Você salta, se adianta. A função do cérebro é
registrar, gravar. Cada experiência, seja consciente ou inconsciente, cada som,
cada palavra, cada matriz continua seu próprio caminho com independência do
pensador como entidade separada. Ao resistir esse som que é desagradável, ao
escutar algum elogio, algum insulto, ao desejar mais ou desejar menos, a partir
desse registro surge o “eu”, o “mim”.
Pupul Jayakar: Quando
o registro tem lugar, sou consciente do som.
Krishnamurti: E o que implica isso? Que o som é agradável ou
desagradável. No instante de experimentá-lo, o “eu”, absolutamente, não
interfere.
Pupul Jayakar: Existe
um estado com o som e um estado sem o som.
Krishnamurti:Agora surge a nova ação. Eu registro esse som — o som
feio, o som horrível —, e não há resposta ao mesmo. No momento em que há
resposta, essa resposta é o “eu”. Tal resposta aumenta ou diminui conforme o
prazer, a dor, o sofrimento.
Bem, agora, a pergunta de “Pupul” era: como é que o
cérebro, que faz tudo isto a todo tempo, automaticamente, mecanicamente — seja
que funcione em sentido horizontal ou circular — como fará esse cérebro para
ver alguma vez sem o registrador ou sem registrar?
Pupul Jayakar: Já
examinamos isto. Eu quero ir mais longe a partir daí. Nós escutamos. O som
passa através de nós. Há atenção. Nesse estado, por um segundo, cessou o
movimento horizontal. O que ocorreu ao velho cérebro?
Krishnamurti: Mas ele ainda está aí...
Pupul Jayakar: O
que você quer significar quando diz que ainda está aí?
Krishnamurti: Veja-o, veja o que ocorre. Há esse menino que grita.
O som se registra — o grito do menino — e então surgem as reações: “por que a
mãe não cuida dele?”, e assim sucessivamente. Mas quando há um completo
escutar, que ocorreu com o velho cérebro nesse escutar? Você compreendeu a
pergunta? Estamos fazendo a viagem juntos.
Vou expor de diferente maneira. Qual é a necessidade
essencial de um cérebro? (Pausa)
Não necessita sentir-se seguro, confiante, para
funcionar? Vê-se que o cérebro necessita de segurança. Então tem lugar algum
acontecimento, e o cérebro vê o fato de que estava equivocado ao supor que
havia uma coisa tal como a segurança, o bem-estar.
Deshpande: O
cérebro não pode vê-lo.
Fritz Wilhelm: Nós
consideramos o cérebro como uma acumulação de impressões, um depósito de
recordações, etc. Mas o depósito das recordações está fora do cérebro, que é só
uma lente.
Pupul Jayakar: Por
que não observamos nossas próprias mentes neste momento, em lugar de nos
referir em resumo ao cérebro?
Krishnamurti: Escutem: o cérebro de vocês exige segurança,
necessita grandemente sentir-se protegido, tanto no físico, como psicológico.
Isso é tudo quanto estou dizendo. Esse é o ponto essencial.
DESHPAND: Qual é
a pergunta fundamental?
Pupul Jayakar: A
pergunta fundamental é esta: quando existe este movimento horizontal da mente
como tempo, como memória, como células cerebrais que estão operando, o que é
que torna possível “o outro” e o que ocorre quando “o outro” é?
Krishnamurti: Eu o direi. As células cerebrais necessitam de
segurança, proteção, necessitam estar a salvo para sobreviver; elas têm
sobrevivido por milhões de anos. O que ocorre agora? Com o fim de sobreviver,
as células cerebrais, a mente, em sua busca de segurança está sempre
experimentando e se liga ao guru, ao nacionalismo, ao socialismo — permanece
ligada e tem que ser desapegada, desarraigada. Por causa de sua necessidade
fundamental de segurança e porque necessita sobreviver, a mente tem inventado
uma sequencia temporal de sobrevivência — horizontal ou circular. Quando
satisfaz essa necessidade fundamental, o que ocorre? Não é completamente
diferente a percepção em termos de segurança?
Deshpande: É a
exigência de segurança a que oferece resistência à pergunta que você faz?
Krishnamurti: Não. Minha mente obteve sua segurança. Até agora e
por 70 anos, ela não havia sido danificada porque tem descartado uma
sobrevivência ao preço da ilusão. Tem descartado a invenção das crenças, das
ideias, porque nelas não há segurança em absoluto. Tem sido varridas por serem
ilusórias. Portanto, a mente está completamente segura, não segura em alguma
coisa, senão segura em si mesma. Antes, ela buscava segurança por meio de algo
— da família, de Deus, do egoísmo, da competência, da própria busca. A segurança por meio de algo é a maior das
inseguranças. A mente descarta isso. Portanto, pode perceber. Pode perceber
porque não tem ilusões, motivos, fórmulas. Por causa de não buscar segurança
alguma, está completamente segura. A mente se acha então livre de ilusões;
ilusão não no sentido de Sankara, senão simplesmente a ilusão de que
encontrarei segurança na família, em Deus, no conhecimento que é o passado. O
que há para se perceber agora? “Isso” é o perceber.
Deshpande: Nós
somos tal como estamos feitos; sabemos que estamos a mercê do corpo
psicossomático e que aí estamos muito seguros. E que deve haver um modo
diferente de abordar isto. Somos muito vulneráveis porque nossos corpos são tão
frágeis...
Krishnamurti: Portanto, protegerei o corpo. Nisso não há
envolvimento de nenhum egoísmo.
Fritz Wilhelm: A
vulnerabilidade está relacionada com o ego.
Krishnamurti: Protegerei ao corpo sem o ego; o lavarei, o
cuidarei. Nós pensamos que protegemos o corpo mediante o “eu”. Uma vez que concordarmos
profundamente na necessidade de uma completa sobrevivência, na necessidade de
proteção, de segurança para o cérebro, resolveremos todos os outros problema.
Coloquemos deste modo: A percepção está relacionada com as células cerebrais,
que exigem segurança, sobrevivência a qualquer custo?
Pupul Jayakar: Minha
mente funciona desta maneira. Portanto, encontro muita dificuldade de escutar.
Estou tratando de realizar um exame microscópio da mente para ver se é possível
chegar a um ponto em que as células cerebrais cessem de funcionar. As questões
de segurança e de insegurança carecem de relevância. Neste momento, se eu
promovo estas questões, estou perdida. Aqui me encontro diante você e quero
compreender este movimento horizontal do tempo, ver se pode haver um estado em
que as células do cérebro cessem de funcionar. Qualquer tipo de indagações,
perguntas, respostas que se afastem disto, somente conduzirão à confusão.
Krishnamurti: Você disse que, havendo terminado com o que temos
dito, minhas células cerebrais estão de uma forma ou outra em perpétuo
movimento?
Pupul Jayakar: Digo
que quando lhe escuto, não há movimento em minha mente.
Krishnamurti: Por quê? Não será porque você está escutando com
atenção, uma atenção na qual não há um centro que atenda, um estado no qual se
está simplesmente atento?
Pupul Jayakar: Agora,
nesse estado, pergunto: onde está a carga do passado? Formulo esta pergunta
para compreender o problema do tempo e para nenhuma outra coisa.
Krishnamurti: Quando você disse que atende, que presta atenção
completa, o tempo está nisso?
Pupul Jayakar: Ao
não haver resposta, como avaliá-lo?
Krishnamurti: Quando há atenção, não há tempo, porque não há
absolutamente nenhum movimento. Movimento significa medida, comparação: daqui
até ali, etc. Na atenção não há ondas, não há um centro, não há um medir. A
pergunta seguinte é: o que ocorreu com o velho cérebro? Permaneça aí. Essa é a
pergunta. O que ocorreu? (Pausa).
Eu entendi! A atenção não está dissociada do cérebro.
A atenção é todo o corpo. O organismo psicossomático, que inclui as células
cerebrais, está atento. Aí está a resposta. E nessa atenção, o cérebro pode
funcionar. Essa atenção é silêncio, é vazio; chame-o como você gostar.
A partir desse silêncio, dessa inocência, esse vazio,
o cérebro pode operar; mas não o pode o pensador em termos de buscar a segurança
em algo.
Pupul Jayakar: Mas
as células cerebrais estão iguais.
Krishnamurti: Observe-o! Não o ponha desse modo porque então está
perdida. Observe-o em si mesma. Atenção quer dizer atenção completa — corpo,
psique, células; tudo está aí cheio de vida, ativo. Nesse estado não existe um
centro, não há tempo, não há um observador como o “eu”. Não há tempo em termos
do passado; não obstante, o passado existe porque eu falo o idioma. Tenho que
saber como dirigir-me de um lado ou a outro. O que é que ocorre então com as
células cerebrais? Elas registram, mas não há um “eu”. Portanto, o “eu” que faz
parte das células cerebrais, é apagado das mesmas.
Bombaim, 6 de
fevereiro de 1971
Tradição e Revolução
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