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terça-feira, 27 de março de 2018

As células cerebrais e a mutação


AS CÉLULAS CEREBRAIS E A MUTAÇÃO

Pupul Jayakar: Até agora não tratamos do que parece ser a essência de seu ensinamento, ou seja: o problema do tempo, o silenciar das células cerebrais e aquilo que ocorreu com os processos que operaram em Krishnamurti. Ponho as três coisas juntas porque, quando se observa o movimento horizontal do tempo, que é a vida de Krishnamurti, se vê o menino nascido na tradição brahmânica, passando por certa preparação na Sociedade Teosófica, recebendo iniciação, escrevendo alguns livros como “A Busca” e “O Caminho”; livros nos quais a iluminação era considerada como um fim, como um ponto fixo. Em todos estes primeiros livros é de supor que há um estado que deve alcançar-se, e que existe um grande esforço nessa direção. Subitamente, tem lugar em Krishnamurti uma transformação; ele nega a salvação, nega a eternidade como um ponto fixo, e assim destrói o movimento horizontal do tempo como tal. O que é então o que exatamente ocorreu? Se nós pudéssemos compreender e ver como que através de um microscópio o que ocorreu a Krishnamurti, se pudéssemos examinar o que aconteceu com suas células cerebrais que continham este movimento horizontal do tempo, seria possível para nós compreender o tempo e a mutação em relação com as células cerebrais.

Krishnamurti: Compreendo. Você compreende, senhor?

Deshpande: Sim senhor. É uma questão muito importante.

Krishnamurti: Pergunto-me se o chamado movimento horizontal não era um movimento muito superficial e condicionado. O jovem repetia o que haviam lhe ensinado, e em determinado momento houve uma ruptura, entende?

Pupul Jayakar: Não, não entendo. O que quer dizer com um movimento superficial de condicionamento?

Krishnamurti: Quer dizer que o menino aceitava, repeia, transitava no caminho projetado pela tradição e a teosofia. Ele o aceitava.

Pupul Jayakar: Todos nós fazemos isso.

Krishnamurti: Todos nós o fazemos em distintos graus. A pergunta é: por que visitou esse trajeto?

Pupul Jayakar: Não. A pergunta é: o que desencadeou isso que subitamente lhe fez dizer que não existia um ponto fixo?

Krishnamurti: Olhe-o como se “K” não estivesse aqui, como se estivesse morto. Como você contestaria essa pergunta? Eu estou aqui e então posso contestar-lhe ou não, mas se eu não estivesse aqui, como você responderia?

Pupul Jayakar: Uma maneira de fazê-lo seria examinar o que você tem dito, junto com as influências que operavam sobre você para que então, ver em que ponto teve lugar a ruptura e quais foram as crises, internas e externas, que se registraram para produzir a ruptura.

Krishnamurti: Mas suponhamos que você não soubesse nada de tudo isso, e não obstante tivesse que contestar a pergunta seriamente agora; o que faria? O que você sugere tomaria tempo, requereria uma investigação. Como você encontraria a resposta agora? Como a encontraria se estivesse enfrentando a este problema de que houve um jovem que seguiu o caminho tradicional, a ideia de um ponto fixo, de uma meta fixa, usando para isso o tempo, a evolução, e que em um ponto determinado rompe com tudo isso? Como o descreveria?

Deshpande: É como isto: aquecemos água. Até os cem graus ela permanece uniforme, logo há uma completa transformação.

Krishnamurti: Mas chegar nesse ponto leva tempo.

Pupul Jayakar: Se eu não tivesse o fundo histórico, o único modo de investigar seria ver se este processo é possível dentro de minha própria consciência.

Deshpande: Eu apontava a outra coisa. O tradicionalista diria que há um processo que, como o ponto de ebulição da água, conduz a uma transformação. A tradição somente o ajuda a chegar no ponto de ebulição. Você pode negar a tradição, mas a tradição é necessária para conduzi-lo até este ponto.

Pupul Jayakar: Se não estivessem disponíveis os dados históricos de Krishnamurti, que mostram como ele é dirigido através de diversos sadhanas, e a si lhe apresentaram somente o fato desse fenômeno de Krishnamurti, o único modo de investigar seria mediante o conhecimento de si mesmo.

Fritz Wilhelm: Você parece estar criando uma relação entre o anterior estado de desenvolvimento e o estado presente do ser. Há uma relação entre ambos estados? Você disse que um conduz ao outro, um antes que o outro, e desse modo os está acomodando no tempo.

Pupul Jayakar: O fenômeno de Krishnamurti é que ele nasceu de pais brahmânes..., toda a história que conhecemos. Eu olho longe para trás e noto que até chegar a um ponto, Krishnamurti falava de tempo, de salvação como um ponto, uma meta final. E de pronto, ele nega toda a coisa.

Krishnamurti: “F” pergunta por que você relaciona este movimento, o movimento horizontal, com o movimento vertical. Não há relação entre ambos movimentos. Portanto, mantenha-os separados.

Pupul Jayakar: Quando eu olho a Krishnamurti, olho todo o panorama que abrange sua vida.

Krishnamurti: Olhe, mas não relacione os dois movimentos.

Pupul Jayakar: Se o que você diz é significativo, se mostra essencial compreender este processo do tempo e a liberdade com relação ao tempo. Portanto, pergunto: o que é que desencadeou isso em você? Se você me diz que isso simplesmente ocorreu, eu direi: muito bem, se isso ocorre, ocorre; e se não, não. E continuarei com minha vida.

Fritz Wilhelm: Não existe um fator desencadeante.

Pupul Jayakar: Certo cérebro faz certos ruídos, e, subitamente, começa a fazer outros, e Krishnamurti tem dito que as próprias células cerebrais são o tempo. Não nos afastemos disso. Portanto, as células cerebrais de Krishnamurti, que são tempo, experimentaram algum tipo de mutação.

Krishnamurti: Vou expor de modo muito simples. O cultivo de um cérebro, de qualquer cérebro, leva tempo. A experiência, o conhecimento, as recordações, são armazenadas nas células do cérebro. Este é um fato biológico. O cérebro é o resultado do tempo. Bem, agora, este homem ao chegar a um ponto, quebra o movimento. Tem lugar um movimento completamente diferente, o qual significa que as próprias células cerebrais experimentaram uma mutação. E “Pupul” diz: Você deve contestar e dizer o que é que ocorreu; de outro modo, o que ocorreu foi meramente uma casualidade.

Deshpande: Se é uma casualidade, nós o aceitaremos assim.

Balasundaram: E a resposta de Krishnamurti pode ajudar-nos a produzir uma mutação em nós mesmos.

Sunanda: Há duas explicações possíveis; uma é a teosófica, de que os Mestres cuidaram de Krishnamurti e que, por isso, ele não foi afetado pelas experiências; a outra explicação é a que está baseada na reencarnação.

Deshpande: Quando disse que o menino Krishnamurti não foi afetado pelas experiências, como sabe? O menino escreveu “A Busca”, “O Caminho”.

Krishnamurti: Deixemos isso por um momento. Como isso ocorreu? Qual é a sua resposta? Dados estes fatos, e ao enfrentá-los, como responde?

Balasundaram: Senhor: como nós podemos explicar a mudança que teve lugar em você em 1927? De acordo com o que disse Sra. Besant, as duas consciências não teriam se fundido. Nós não sabemos. Só você pode dizer o que é que na realidade ocorreu. Nós não temos o conhecimento pessoal nem a capacidade de sabê-lo.

Krishnamurti: Investiguemos juntos.

Fritz Wilhelm: Eu o expressarei deste modo: o homem se despertou em outro estado. Um estado não conduz ao outro. Não há conexão entre os dois.

Pupul Jayakar: Eu digo que as células cerebrais não podem compreender ao tempo, por si mesmas, como outra coisa que um movimento horizontal. A menos que se compreenda isto, não podemos explorar com muita profundidade o problema do tempo.

Krishnamurti: Exploremos isso. Antes de tudo, o tempo está de algum modo envolvido nisso?

Se você me pergunta como isto ocorreu comigo, eu realmente não o sei, compreende? Mas penso que podemos investigar isso juntos. Se você me perguntasse: “você foi dar um passeio a noite?”, eu diria: “sim”. Enquanto que se me pergunta: “como isso ocorreu a você?”, eu realmente não sei dizer como ocorreu. O que há de mal nisso?

Pupul Jayakar: Em si mesmo está tudo bem. Mas nós estamos tratando de compreender a natureza essencial deste movimento do tempo, e do movimento fora do tempo. Deixando de lado a questão de como isto lhe ocorreu, é importante que investiguemos na natureza do tempo; não ao nível do tempo cronológico e do tempo psicológico, porque isso já temos examinado suficientemente.

Krishnamurti: Comecemos com a percepção. O ver, está envolvido na percepção?

Pupul Jayakar: O que ocorre com as células cerebrais no processo de ver?

Krishnamurti: No processo de ver, as células cerebrais, ou respondem bem nos velhos termos, ou são retidas em estado de latência; elas mesmas se mantêm em suspenso sem o passado.

Pupul Jayakar: Você disse que na percepção — que é instantânea — as células cerebrais não respondem. Se elas não operam, existem?

Krishnamurti: Sim. Existem como o depósito do conhecimento, que é o passado. As células cerebrais são, estamos todos de acordo, o depósito das recordações, da experiência, do conhecimento. Esse é o velho cérebro. Na percepção, o velho cérebro não responde.

Pupul Jayakar: Onde está?

Krishnamurti: Está aí. Não está morto. Está aí porque tenho que empregar o conhecimento para pensar. As células do cérebro têm que usar-se.

Pupul Jayakar: O que é que ocorre, então? Se as células cerebrais não operam, o que é que opera?

Krishnamurti: Um cérebro totalmente novo. Isto é simples. O velho cérebro está cheio de imagens, recordações, respostas, e estamos habituados a responder com o velho cérebro. A percepção não está relacionada com o velho cérebro. A percepção é o intervalo entre a velha resposta e a resposta nova, a resposta que o cérebro velho ainda não conhece. Nesse intervalo o tempo não existe.

Fritz Wilhelm: Isto contraria a opinião dos psicólogos, segundo a qual a sensação é em si mesma direta. No intervalo entre a sensação e a percepção, se introduzem as recordações e adulteram tudo. Portanto, a sensação é atemporal, mas o intervalo é tempo.

Krishnamurti: Deixemos isso bem claro. Você me faz uma pergunta. O velho cérebro responde conforme a informação que possui, conforme o conhecimento; se o velho cérebro não possui conhecimentos, se carece de informação, há um intervalo entre a pergunta e a resposta.

E: O intervalo se deve a preguiça das células cerebrais.

Krishnamurti: Não.

Fritz Wilhelm: Os vestígios da memória continuam no cérebro.

Krishnamurti: Se você me perguntasse que distância há entre aqui e Deli, eu não saberia responder-lhe. Por muito que pensasse com as células cerebrais, isso não ajudaria. O fato não está registrado. Se o estivesse, então pensaria nisso e responderia. Mas não há conhecimento a respeito. Nesse não-saber há um estado no qual o tempo não existe.

Deshpande: Por muito que espere, isso não me fará saber.

Krishnamurti: No momento em que sei, o saber é tempo.

Pupul Jayakar: Você tem falado de uma mente nova. A pergunta é: o que ocorreu ao velho cérebro?

Krishnamurti: Está quieto.

Pupul Jayakar: Existe?

Krishnamurti: Certamente que existe; de outro modo eu não poderia falar o idioma.

Pupul Jayakar: O problema está no tempo, considerado como um movimento horizontal com continuidade. Quando você diz que o outro cérebro continua existindo...

Krishnamurti: De outro modo eu não posso funcionar. Vamos chamá-lo, por conveniência, o velho e o novo cérebro. O velho cérebro, através dos séculos, tem reunido todo tipo de recordações, tem registrado todas as experiências e funcionará todo o tempo nesse nível. Tem sua continuidade no tempo. Se lhe falta continuidade, torna-se neurótico, esquizofrênico, desequilibrado. Necessita ter uma continuidade sadia, racional. Bem, esse é o velho cérebro com toas suas acumuladas recordações. Uma continuidade semelhante jamais poderá descobrir nada novo, porque é só quando algo se termina que existe algo novo.

Fritz Wilhelm: Continuidade de que? Quando você disse continuidade, isso tem um movimento.

Krishnamurti: Ele está somando, restando, ajustando; não é algo estático.

Deshpande: Há um movimento circular, este é uma continuidade.

Krishnamurti: Primeiro deixe-me esta continuidade, o movimento circular, como uma repetição do velho. Em um dado momento, eu o chamo “o velho”, mas isso segue sendo o velho. Anseio o novo e invento o novo dentro do círculo.

Pupul Jayakar: Há o novo que é uma recordação do velho, e há o “novo” que não é uma recordação do velho. O que é o outro novo que não é a invenção do velho? É algo reconhecível, é perceptível?

Krishnamurti: É perceptível, mas não reconhecível.

Pupul Jayakar: Portanto, não é uma experiência.

Krishnamurti: É uma percepção sem o observador.

Deshpande: Mas não em termos do passado.

Krishnamurti: Percepção significa algo novo.

Fritz Wilhelm: A sensação é sem o passado. A sensação não está carregada, é direta.

Krishnamurti: A mente que se tornou mecânica, anseia por algo que seja novo. Mas o novo está sempre dentro do campo do conhecido. Ao movimento dentro do campo você pode chamá-lo horizontal, infinito, mas sempre está dentro desse campo. Eu desejo o novo em termos do velho. A pergunta de “Pupul” era a respeito do cérebro, o qual é o resultado do tempo, da experiência, do conhecimento. O que ocorre com esse cérebro quando há uma percepção que é nova, uma percepção na qual não existe nem a experiência, nem o observador, uma percepção que não é uma experiência para ser armazenada e relembrada e, portanto, destinada a converter-se em conhecimento?

Fritz Wilhelm: O cérebro não responde.

Krishnamurti: O que é que faz com que não responda? Como é que isso ocorre?

Pupul Jayakar: Deveríamos ficar com estar pergunta por que aqui está ocorrendo algo de vital significação. Ainda não captamos o sentimento disso.

Eu lhe escuto. Estou atento. Nesse estado de atenção não há outra coisa que som e movimento. Nesse estado, posso compreender que lhe ocorreu toda a carga do passado?

Krishnamurti: Isso é bastante simples. O passado está operando continuamente; registra cada acontecimento, cada experiência — tanto as conscientes como as inconscientes —. Tudo está se vertendo dentro; a luz, o som.

Pupul Jayakar: As células cerebrais atuam tanto se estou consciente como se estou inconsciente.

Krishnamurti: Sim. Bem, agora, quando esse cérebro opera, está atuando sempre a partir do passado. Em primeiro lugar, o que há de mal nisso?

Pupul Jayakar: Se você o observa, são como ondas projetadas; o pensamento é como ondas, e prontamente estou atento e não há ondas.

Krishnamurti: Nesse estado de atenção há percepção. Esse estado de atenção é percepção.

Deshpande: Quando eu vejo o fato de que meu cérebro está registrando tudo, e subitamente dou-me conta de que isso continua sem o observador, isso me aniquila. Se isso continua sem mim, então, eu não existo mais.

Krishnamurti: É como uma máquina gravadora que registra tudo.

Deshpande: Por que necessito chamá-lo de uma máquina? É algo maravilhoso. E eu não conheço o como nem o por que disso.

Krishnamurti: Você tem escutado esse ruído de buzina. As células do cérebro o tem registrado. Não há resistência nem aceitação.

Deshpande: Há mais que isso.

Krishnamurti: Vá devagar. Este cérebro é uma máquina que registra. É uma cinta gravadora que a tudo registra constantemente. Você vem e desafia o cérebro. Ele responderá em meios de agrado ou desagrado; você é um perigo e “Pupul” não é um perigo. Nesse instante nasceu o “eu”.

A função do cérebro é registrar.

Deshpande: Esse é um enunciado parcial. Que o cérebro registra um fato, mas pode fazer algo mais que isso...

Krishnamurti: Você salta, se adianta. A função do cérebro é registrar, gravar. Cada experiência, seja consciente ou inconsciente, cada som, cada palavra, cada matriz continua seu próprio caminho com independência do pensador como entidade separada. Ao resistir esse som que é desagradável, ao escutar algum elogio, algum insulto, ao desejar mais ou desejar menos, a partir desse registro surge o “eu”, o “mim”.

Pupul Jayakar: Quando o registro tem lugar, sou consciente do som.

Krishnamurti: E o que implica isso? Que o som é agradável ou desagradável. No instante de experimentá-lo, o “eu”, absolutamente, não interfere.

Pupul Jayakar: Existe um estado com o som e um estado sem o som.

Krishnamurti:Agora surge a nova ação. Eu registro esse som — o som feio, o som horrível —, e não há resposta ao mesmo. No momento em que há resposta, essa resposta é o “eu”. Tal resposta aumenta ou diminui conforme o prazer, a dor, o sofrimento.

Bem, agora, a pergunta de “Pupul” era: como é que o cérebro, que faz tudo isto a todo tempo, automaticamente, mecanicamente — seja que funcione em sentido horizontal ou circular — como fará esse cérebro para ver alguma vez sem o registrador ou sem registrar?

Pupul Jayakar: Já examinamos isto. Eu quero ir mais longe a partir daí. Nós escutamos. O som passa através de nós. Há atenção. Nesse estado, por um segundo, cessou o movimento horizontal. O que ocorreu ao velho cérebro?

Krishnamurti: Mas ele ainda está aí...

Pupul Jayakar: O que você quer significar quando diz que ainda está aí?

Krishnamurti: Veja-o, veja o que ocorre. Há esse menino que grita. O som se registra — o grito do menino — e então surgem as reações: “por que a mãe não cuida dele?”, e assim sucessivamente. Mas quando há um completo escutar, que ocorreu com o velho cérebro nesse escutar? Você compreendeu a pergunta? Estamos fazendo a viagem juntos.

Vou expor de diferente maneira. Qual é a necessidade essencial de um cérebro? (Pausa)

Não necessita sentir-se seguro, confiante, para funcionar? Vê-se que o cérebro necessita de segurança. Então tem lugar algum acontecimento, e o cérebro vê o fato de que estava equivocado ao supor que havia uma coisa tal como a segurança, o bem-estar.

Deshpande: O cérebro não pode vê-lo.

Fritz Wilhelm: Nós consideramos o cérebro como uma acumulação de impressões, um depósito de recordações, etc. Mas o depósito das recordações está fora do cérebro, que é só uma lente.

Pupul Jayakar: Por que não observamos nossas próprias mentes neste momento, em lugar de nos referir em resumo ao cérebro?

Krishnamurti: Escutem: o cérebro de vocês exige segurança, necessita grandemente sentir-se protegido, tanto no físico, como psicológico. Isso é tudo quanto estou dizendo. Esse é o ponto essencial.

DESHPAND: Qual é a pergunta fundamental?

Pupul Jayakar: A pergunta fundamental é esta: quando existe este movimento horizontal da mente como tempo, como memória, como células cerebrais que estão operando, o que é que torna possível “o outro” e o que ocorre quando “o outro” é?

Krishnamurti: Eu o direi. As células cerebrais necessitam de segurança, proteção, necessitam estar a salvo para sobreviver; elas têm sobrevivido por milhões de anos. O que ocorre agora? Com o fim de sobreviver, as células cerebrais, a mente, em sua busca de segurança está sempre experimentando e se liga ao guru, ao nacionalismo, ao socialismo — permanece ligada e tem que ser desapegada, desarraigada. Por causa de sua necessidade fundamental de segurança e porque necessita sobreviver, a mente tem inventado uma sequencia temporal de sobrevivência — horizontal ou circular. Quando satisfaz essa necessidade fundamental, o que ocorre? Não é completamente diferente a percepção em termos de segurança?

Deshpande: É a exigência de segurança a que oferece resistência à pergunta que você faz?

Krishnamurti: Não. Minha mente obteve sua segurança. Até agora e por 70 anos, ela não havia sido danificada porque tem descartado uma sobrevivência ao preço da ilusão. Tem descartado a invenção das crenças, das ideias, porque nelas não há segurança em absoluto. Tem sido varridas por serem ilusórias. Portanto, a mente está completamente segura, não segura em alguma coisa, senão segura em si mesma. Antes, ela buscava segurança por meio de algo — da família, de Deus, do egoísmo, da competência, da própria busca. A segurança por meio de algo é a maior das inseguranças. A mente descarta isso. Portanto, pode perceber. Pode perceber porque não tem ilusões, motivos, fórmulas. Por causa de não buscar segurança alguma, está completamente segura. A mente se acha então livre de ilusões; ilusão não no sentido de Sankara, senão simplesmente a ilusão de que encontrarei segurança na família, em Deus, no conhecimento que é o passado. O que há para se perceber agora? “Isso” é o perceber.

Deshpande: Nós somos tal como estamos feitos; sabemos que estamos a mercê do corpo psicossomático e que aí estamos muito seguros. E que deve haver um modo diferente de abordar isto. Somos muito vulneráveis porque nossos corpos são tão frágeis...

Krishnamurti: Portanto, protegerei o corpo. Nisso não há envolvimento de nenhum egoísmo.

Fritz Wilhelm: A vulnerabilidade está relacionada com o ego.

Krishnamurti: Protegerei ao corpo sem o ego; o lavarei, o cuidarei. Nós pensamos que protegemos o corpo mediante o “eu”. Uma vez que concordarmos profundamente na necessidade de uma completa sobrevivência, na necessidade de proteção, de segurança para o cérebro, resolveremos todos os outros problema. Coloquemos deste modo: A percepção está relacionada com as células cerebrais, que exigem segurança, sobrevivência a qualquer custo?

Pupul Jayakar: Minha mente funciona desta maneira. Portanto, encontro muita dificuldade de escutar. Estou tratando de realizar um exame microscópio da mente para ver se é possível chegar a um ponto em que as células cerebrais cessem de funcionar. As questões de segurança e de insegurança carecem de relevância. Neste momento, se eu promovo estas questões, estou perdida. Aqui me encontro diante você e quero compreender este movimento horizontal do tempo, ver se pode haver um estado em que as células do cérebro cessem de funcionar. Qualquer tipo de indagações, perguntas, respostas que se afastem disto, somente conduzirão à confusão.

Krishnamurti: Você disse que, havendo terminado com o que temos dito, minhas células cerebrais estão de uma forma ou outra em perpétuo movimento?

Pupul Jayakar: Digo que quando lhe escuto, não há movimento em minha mente.

Krishnamurti: Por quê? Não será porque você está escutando com atenção, uma atenção na qual não há um centro que atenda, um estado no qual se está simplesmente atento?

Pupul Jayakar: Agora, nesse estado, pergunto: onde está a carga do passado? Formulo esta pergunta para compreender o problema do tempo e para nenhuma outra coisa.

Krishnamurti: Quando você disse que atende, que presta atenção completa, o tempo está nisso?

Pupul Jayakar: Ao não haver resposta, como avaliá-lo?

Krishnamurti: Quando há atenção, não há tempo, porque não há absolutamente nenhum movimento. Movimento significa medida, comparação: daqui até ali, etc. Na atenção não há ondas, não há um centro, não há um medir. A pergunta seguinte é: o que ocorreu com o velho cérebro? Permaneça aí. Essa é a pergunta. O que ocorreu? (Pausa).

Eu entendi! A atenção não está dissociada do cérebro. A atenção é todo o corpo. O organismo psicossomático, que inclui as células cerebrais, está atento. Aí está a resposta. E nessa atenção, o cérebro pode funcionar. Essa atenção é silêncio, é vazio; chame-o como você gostar.

A partir desse silêncio, dessa inocência, esse vazio, o cérebro pode operar; mas não o pode o pensador em termos de buscar a segurança em algo.

Pupul Jayakar: Mas as células cerebrais estão iguais.

Krishnamurti: Observe-o! Não o ponha desse modo porque então está perdida. Observe-o em si mesma. Atenção quer dizer atenção completa — corpo, psique, células; tudo está aí cheio de vida, ativo. Nesse estado não existe um centro, não há tempo, não há um observador como o “eu”. Não há tempo em termos do passado; não obstante, o passado existe porque eu falo o idioma. Tenho que saber como dirigir-me de um lado ou a outro. O que é que ocorre então com as células cerebrais? Elas registram, mas não há um “eu”. Portanto, o “eu” que faz parte das células cerebrais, é apagado das mesmas.

Bombaim, 6 de fevereiro de 1971
Tradição e Revolução
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segunda-feira, 26 de março de 2018

A liberdade e a prisão


A LIBERDADE E A PRISÃO

KRISHNAMURTI: Me pergunto se esta manhã poderíamos considerar o significado da percepção. Longe do que tenham dito os tradicionalistas, os profissionais e as interpretações, o que significa a percepção? O que é perceber? É um mero processo intelectual, uma capacitação visual, ou uma combinação de ambas as coisas? É um estado psicossomático ou é algo completamente diferente?

A mente capta muito mais que os olhos. Assim, pois, quando falamos da percepção, que entendemos por essa palavra? É um processo intelectual, uma conclusão verbal, uma compreensão verbal? O olho, vê em uma dimensão linear ou horizontal?

Interlocutor B: Por “olho”, você entende aqui o órgão sensorial?

KRISHNAMURTI: Sim.

SW: A percepção do olho, a visual, a percepção sensorial do olho, é constante? Chegamos a esta residência, eu vejo o desenho sobre o tapete. Prontamente o vejo e não o vejo. O olho físico tampouco vê todo o tempo de um modo constante. Tem que haver algum outro fator que o contato entre o objeto e os sentidos ao dar-me conta de que “eu vejo”. A primeira tomada de consciência com respeito a minha intenção, me vem deste modo.

KRISHNAMURTI: Não cheguei a esse ponto. Trato de compreender o que é que essa palavra comunica. Não estou falando de atenção ou desatenção. Tudo o que sei é que eu vejo. Existe a percepção visual. Existe a percepção sensorial. Eu vejo a você sentado aí. Há, pois, a imagem sustentada pela percepção sensorial, a qual se soma a capacidade intelectual do pensamento. Isso é o que geralmente chamamos percepção, não é assim? Onde intervém nisso a atenção ou a desatenção?

A: Eu vejo um objeto. Então há uma imagem desse objeto. Logo está a recordação dessa imagem. Depois vejo algo diferente, e outra vez começa todo o processo.

KRISHNAMURTI: Todas as impressões sensoriais, as impressões que se registram — tanto as conscientes como as inconscientes —, as diversas imagens, conclusões, preconceitos, tudo isso abarca a percepção.

Olhe, há a percepção visual e as diferentes imagens que a percepção, as associações, os preconceitos, tem edificado. E eu vejo a você, e tenho outra série de imagens. E assim, milhares e milhares de imagens se registram, se gravam e são retidas nas células cerebrais. E quando me encontro com você ligo minha atenção e as imagens emergem. Isto é o que chamamos percepção, não é verdade? Este é o maquinário que opera na palavra “percepção”, este é o processo operacional comum da percepção. Eu quero ver. Isso é tudo o que sei. Onde renasce a dificuldade? Bem, o que há de errado nele?

A: O fator de sensibilidade e seus diversos graus, não são um elemento vital da percepção? Minha percepção da sujeira é diferente de sua percepção. Podemos separar a percepção, dos graus de sensibilidade? A percepção não é igual para você que para mim.

KRISHNAMURTI: Quando tenho todas estas imagens acumuladas, conscientes ou inconscientes, minha mente está carregada com elas. Onde há ligar para a sensibilidade?

A: A percepção não é um ato passivo da memória. Sempre há algo novo que está aí com cada nova percepção. O fator do grau de sensibilidade é inerente a cada nova resposta que eu chamo percepção. Eu não compreendo porque existe esse grau, nem de onde provém, porque a ignorância é imponderável.

B: Ainda este ver é como uma câmara fotográfica que vê seu obturador, mas não o objeto.

A: Se eu olho através da ideia, então não há percepção.

KRISHNAMURTI: A que vê é uma mente atestada de impressões e informações com relação ao objeto. A mente, o cérebro, toda a estrutura jamais está vazia. Está cheia, e é através desta carga que observa. Observa a você com suas próprias associações, com o ciúme, o prazer, a dor.  O que há de errado nele?

R: Nunca estou frente a frente com o fato. Vejo que há percepção sensorial, logo as imagens, depois o agrado, o desagrado; esses também são fatos. São fatos dos quais não me dou conta.

KRISHNAMURTI: São fatos, tanto como o fato de que você está sentado aí. O que ocorre, pois? Cada vez o vejo através de uma tela. O que há de mal nisso? Não é um processo natural por acaso?

SW: Nesse estado, eu não uso em absoluto.

KRISHNAMURTI: Primeiro quero ser claro com respeito a isso. Há milhares de impressões, milhares de percepções sensoriais, milhares de conclusões — abrangeremos tudo isso com a palavra “conclusões”. Através destas conclusões, “olho”, e ao fazê-lo assim, as conclusões aumentam ou diminuem; jamais desaparecem. Cada subsequente percepção sensorial reforça a mesma percepção. Este é o processo que prossegue todo o tempo, ao longo de toda a vida.

Assim é que a formação de imagens e a conclusão, são do passado. A percepção é instantânea, e a conclusão se converte em passado. De modo que eu o olho através dos olhos do passado. É isso o que fazemos. Esse é o fato. O que há de errado nisso, senhor? Por que não devo olhá-lo desse modo? O que começou como percepção não é, absolutamente, percepção. Todavia, não a condene, isso é o que fazemos o tempo todo. Antes quero estar seguro de que vamos mais longe. Avancemos devagar.

É assim que toda percepção se traduz em termos de conclusões. Esse é um fato que todos conhecemos. Isso é tradição, não é assim? Isso é experiência, conhecimento, tradição; tudo isso está contido na palavra “passado” e na palavra “conclusão”; e essa é a estrutura e a natureza das células cerebrais. As células cerebrais são o passado. Elas retêm a memória do passado porque nisso há segurança, proteção — tanto nos processos biológicos como nas acumulações psicológicas —. Há nisso uma tremenda segurança.

SW: De que modo há segurança? Está se realmente seguro?

KRISHNAMURTI: Todavia, não o questione. Olhe-o. Se assim não fosse, você não saberia seu nome, não saberia como ir a Bangalore, não poderia reconhecer a esposa ou o marido. Nessa tradição, no conhecimento, a experiência, as conclusões, existe o sentimento de completa segurança. Isso é absolutamente certo.

SW: Não há nada que perturbe.

KRISHNAMURTI: Qualquer coisa nova é perturbadora, e como as células cerebrais necessitam de ordem, elas encontram ordem no passado.

A: Mas voltemos a sua pergunta, o que há de mal nisso?

KRISHNAMURTI: Não há nada de mal nisso. Estou examinando a natureza da percepção sensorial, visual, as operações do cérebro, o mecanismo do pensamento e o modo como a mente opera; há segurança na percepção, na imagem, na conclusão, no passado. Tudo isso é tradição. Na tradição há segurança. No passado há segurança completa.

SW: A segurança implica luta.

KRISHNAMURTI: A segurança implica o sentimento de não querer ser perturbado; não sei se tem notado isso, o cérebro necessita ordem. Pode estabelecer a ordem na desordem, que é neurose. Necessita ordem e, portanto, achará ordem na desordem, e se tornará neurótico, você vê isso?

O cérebro exige ordem porque na ordem há segurança.

SW: Isso é perfeitamente claro.

KRISHNAMURTI: Na tradição há ordem. Na continuidade há ordem. O cérebro, buscando ordem, cria segurança, um porto em que se sente a salvo. E vem “K” com ideias revolucionárias e lhe diz que isso não é ordem, e então há conflito entre você e ele. Você reduz o novo a termos do velho e aí encontra proteção, segurança. Por que a mente faz isso? A revolução russa e a revolução francesa derrubaram toda a estrutura estabelecida, mas muito prontamente o cérebro criou ordem da desordem, e se encerrou a revolução.

A: Temos descoberto algo: no momento em que vejo algo novo que cria uma perturbação, a percepção é o instrumento mediante o qual converto o novo em velho.

KRISHNAMURTI: Isso é o processo biológico do cérebro. Para ele é uma necessidade biológica, porque nisso encontra o modo mais eficiente de funcionar.

A: Você quer examinar a inata capacidade do cérebro para ver, e a qualidade que tem de deformar o novo?

KRISHNAMURTI: Espere, senhor. A menos eu veja que as próprias células cerebrais compreendem o perigo do passado, o perigo de buscar segurança no passado, as células cerebrais não verão nada novo. Se veem algo novo o traduzirão em termos do velho. Portanto, as próprias células cerebrais têm que ver o perigo imenso de considerar que a segurança pode encontrar-se no passado.

A: ...O qual significa uma mudança total.

KRISHNAMURTI: Não sei nada. Só vejo percepção sensorial, imagens, conclusões, segurança nas conclusões. Pode ser uma conclusão nova, uma conclusão desordenada, mas há segurança ao; por neurótica que seja essa conclusão, nessa neurose há segurança.

Veja a beleza disso. Esta é a verdade, e por isso é bela. Como é que o cérebro, que insistentemente exige segurança, como fará esse cérebro para ver que no passado não há segurança, senão que ela se encontra sempre no novo?

As células cerebrais buscam segurança, tanto na desordem como na ordem. Se você oferece ao cérebro um sistema, uma ordem metodológica, o cérebro o aceita. Esse é todo o processo biológico, todo o processo tradicional — segurança no passado, nunca no futuro nem no presente, senão absoluta segurança no passado. Absoluta.

E isso é o conhecimento: o conhecimento biológico, o conhecimento tecnológico e o conhecimento que tem se acumulado através da experiência. No conhecimento há segurança, e o conhecimento é o passado. Qual é então a pergunta seguinte?

SW: Existe uma continuidade modificada neste processo. Isso cria uma sensação de progresso.

KRISHNAMURTI: Enquanto você tenha conhecimento, este poderá ser continuado, modificado, mas isso seguirá estando dentro do campo do conhecimento; aí está toda a coisa. O que há de errôneo nisto?

SW: Tudo o que você disse é real. Sem dúvida, existe outro fator. Esta não é toda a coisa. Há algo fundamental que falta nisto.

KRISHNAMURTI: O que é que falta nisto? Vá passo a passo. Esta é a estrutura. O que é que não está de todo correto? Investiguemos. O demonstrarei.

SW: Não há permanência.

KRISHNAMURTI: O que você diz? O conhecimento é a coisa mais permanente que há. Eu vejo que o conhecimento é necessário, e o conhecimento é o passado; portanto, a mente sempre está vivendo no passado. Assim, a mente é sempre prisioneira (Pausa).

Do que fala um prisioneiro? De liberdade. Por que você não vê isto? Estando na prisão, ele fala de liberdade, moksha, nirvana. Ele sabe que sua prisão não é a liberdade, mas deseja a liberdade porque na liberdade há alegria, há beleza, algo ocorre. Sua vida presente é reinterativa, é uma continuidade mecânica. Portanto, tem que inventar um ideal, tem que inventar um moksha, um céu. Também no futuro há segurança, correto? Assim, inventa a Deus, persegue a Deus, a verdade, a iluminação; mas enquanto inventa, está sempre ancorado no passado. Este ancoradouro é necessário — biologicamente necessário —. Pode o cérebro ver que o conhecimento é necessário, e pode o cérebro ver o perigo do conhecimento, o qual produz divisão? É o conhecimento o fator que divide?

SW: Sim, certamente.

KRISHNAMURTI: Não esteja de acordo; “veja-o”. Podem as células cerebrais buscar a segurança no conhecimento, e saber que no conhecimento existe o perigo de divisão?

A: Sabendo que o conhecimento é aqui necessário...

KRISHNAMURTI: E que também o conhecimento é um perigo porque divide.

SW: ver ambas as coisas ao mesmo tempo é difícil.

KRISHNAMURTI: “Vê-las” ao mesmo tempo. De outro modo não as “verá”.

A: O que é que o conhecimento divide?

KRISHNAMURTI: O conhecimento é divisor em si mesmo. O conhecido e o desconhecido. Ontem, hoje e amanhã. O hoje é modificado pelo ontem, que é o passado, e também o amanhã se modifica. Nisso há divisão. O conhecimento é: “Eu lhe conheço”; aí está a imagem, a conclusão. Mas você, entretanto, tem mudado. Minha imagem de você nos divide. O conhecimento é segurança. E podem as células cerebrais que buscam segurança no conhecimento, saber que o conhecimento é necessário a um nível, e que em outro nível é divisório e, portanto, perigoso? O fator de divisão é a formação da imagem. Podem, pois, as células cerebrais ver que o conhecimento é necessário para estar fisicamente seguro, e ao mesmo tempo ver que o conhecimento baseado na imagem que se deriva da conclusão, é divisório? Qual é então o próximo passo?

SW: Existem dois tipos de formação de imagens. No conhecimento também há um registrar, um gravar, e isso também é um modo de formar imagens.

A: Nós estamos empregando o conceito “formação de imagens”, e nele há certo conteúdo emocional. No outro não é assim. Como uma fuga disto, surge a projeção de liberdade.

KRISHNAMURTI: O cérebro sabe que nisto não há liberdade e, portanto, tem que inventar uma liberdade que esteja fora da prisão. Quando você vê a estrutura completa do conhecimento, então está tudo compreendido.

A: Há uma pergunta que quero formular: é que a mente possui a capacidade de verbalizar algo que ela não experimenta mas que desejará experimentar?

KRISHNAMURTI: Ainda não terminamos, senhor. O conhecimento psicológico, tecnológico, biológico, está todo incluído na palavra “conhecimento”. Eu vejo — a mente vê — que o conhecimento é tanto divisório como unificador.

Nisto radica a escravidão do tempo. Mas as células cerebrais sabem também que nisto não há liberdade, e elas necessitam liberdade. Na liberdade pode ser que se encontre a super-segurança, por isso é que desde tempos imemoriáveis o homem tem falado de liberdade. Mas como a liberdade não se acha dentro da prisão, o homem sempre tem pensado na liberdade como algo exterior. E nós dissemos que a liberdade está aqui, não fora, correto?

SW: O desejo de liberdade, é uma característica biológica? Não é também biológico o desejo de uma super-segurança?

KRISHNAMURTI: Há liberdade, pois, em todas estas coisas que o pensamento tem construído, inclusive no pensamento de liberdade? O cérebro não pode encontrar liberdade nisto, de modo que diz: o pensamento tem construído esta liberdade dentro da prisão; portanto, a liberdade deve encontrar-se fora.

SW: Em outras palavras, há liberdade no conhecimento?

KRISHNAMURTI: Há liberdade no passado? O conhecimento é o passado. O conhecimento é a acumulação de um milhão de anos de experiência. A experiência dá liberdade? Obviamente, não. Existe então uma coisa tal como a liberdade?

SW: Não sei. Vejo que a liberdade não se encontra fora. Isso é uma projeção. E sem dúvida, não há liberdade internamente.

KRISHNAMURTI: Não sei. Sempre tenho pensado na liberdade como algo externo. Todos os livros religiosos, as práticas, a tem considerado desse modo. Pode ser que haja liberdade absoluta aqui.

Eu já entendi: sei, o cérebro sabe, o pensamento se dá conta de que ele tem criado esta prisão. Tudo o que o pensamento sabe é que ao exigir segurança, tem criado a prisão. E ele deve ter segurança, de outro modo, não pode funcionar. Assim é que o pensamento e pergunta onde se acha a liberdade. A busca em alguma parte onde ela seja perceptível, onde não seja projetada, nem formulada, nem inventada, onde na seja a projeção do passado, o qual segue sendo conhecimento. A liberdade tem que estar em alguma parte.

A: Ela é um ato de percepção?

KRISHNAMURTI: Este é um ato de percepção. Visualmente eu lhe percebo; a percepção visual tem criado tudo isto, tem criado o conhecimento. O conhecimento e o não-conhecimento são ainda projeções do processo de pensar.

R: O que é não-conhecimento?

A: Nós concebemos o desconhecido como a liberdade.

 KRISHNAMURTI: Portanto, o desconhecido é o conhecido. Agora é muito simples. Esta é a estrutura das células cerebrais que com suas recordações, são as responsáveis do pensamento. Esta é a estrutura do pensamento. Este nos diz que o conhecimento é necessário. Mas como se tem questionado, o pensamento diz que tampouco ali há liberdade. Então, que é a liberdade? Há em absoluto uma coisa semelhante?

A: Nós só vemos que qualquer coisa das que são produzidas pelo pensamento, não é liberdade.

KRISHNAMURTI: Que diz, pois, o pensamento? Há segurança nele? O pensamento tem criado tudo isto. Há intrinsecamente segurança no próprio pensar?

SW: É o pensar o que tem feito tudo isto.

KRISHNAMURTI: Portanto, existe a segurança? Tenho suposto a existência da segurança. Tenho dito que devo possuir conhecimento, mas, isso é segurança? Vejo as guerras, as divisões, o seu e o meu, o nós e eles, minha família e sua família; há segurança nisto tudo?

Vê o que foi descoberto? No conhecimento há segurança, mas não é isto que é o resultado do conhecimento. Assim que o próprio pensamento se pergunta: há segurança na própria estrutura do pensar? Correto? Há segurança no passado? Há segurança na tradição? Há segurança no conhecimento? As células cerebrais tem buscado segurança nisso, mas, existe tal segurança? As células cerebrais têm que ver por elas mesmas que não há segurança aí. Para mim, O que ocorre então? (Pausa).

Eu vejo que não há segurança aí. Para mim, esse é um tremendo descobrimento. Então, o pensamento se pergunta: qual é o próximo passo? Eu devo matar-me — disse o pensamento —, devo destruir a mim mesmo porque eu sou o maior dos perigos.

Bem, agora, quem é o “eu” que vai destruir a si mesmo? Portanto, o pensamento torna a dizer: “não devo dividir”.

SW: Assassina o assassino.

KRISHNAMURTI: A prisão é o prisioneiro, o assassino é o assassinado... Há, pois, um fim para o “mim mesmo” sem divisão? A divisão significa contradição. Pode terminar-se o “mim mesmo” sem esforço algum? Nisso está a condição de sensibilidade. Então, pode o pensamento cessar por si mesmo? Para tudo isto tem sido necessária uma grande atenção, uma grande e lúcida percepção sensível; avançar passo a passo, sem passar por alto nem uma só coisa, constitui uma ação que tem sua própria disciplina, sua própria ordem. O cérebro é agora completamente ordenado, porque tem seguido passo a passo, vendo suas próprias atitudes lógicas, explorando em coisas que não possuem segurança, vendo que ele tem buscado sempre a segurança na divisão. Agora vê que na divisão não há segurança; portanto, cada passo é um passo dentro da ordem e essa ordem é sua própria segurança. De modo que a ordem é a percepção das coisas como elas são. A percepção do que você é, não minha conclusão a respeito do que você é.

Digo que perceber é ver as coisas como são, e não posso ver as coisas como são se tenho uma conclusão a respeito delas. Portanto, na conclusão há desordem. O pensamento tem buscado a segurança na conclusão, o qual tem propagado a desordem, que é insegurança. Em consequência, ele recusa imediatamente a conclusão porque necessita de segurança. Por conseguinte, o pensamento funciona só onde é necessário — no conhecimento —, mas em nenhuma outra parte, porque em toda outra parte a função do pensamento é a de criar conclusões, imagens. Portanto, o pensamento toca a seu fim.

Rishi Vale, 24 de janeiro de 1971
Tradição e Revolução
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill