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quinta-feira, 19 de abril de 2018

Qual o instrumento para examinar o inconsciente?

Qual o instrumento para examinar o inconsciente?

[...] Não conheceis o inconsciente, não tendes percebimento dele, por conseguinte como podereis desvelá-lo? Como poderei — enredado que estou nas diárias atividades e rotinas da mente consciente — examinar o inconsciente?

[...] Com que instrumento ireis examinar o inconsciente? O único instrumento de que dispondes é a mente consciente, a mente "de todos os dias", aquela mente ativa que vai ao escritório, que tem apetites sexuais e outros, que abriga temores; e com essa mente consciente ides examinar o inconsciente. Mas isso é impossível; e, depois de verificardes que é impossível, que acontece? Durante o chamado "sono", quando o cérebro se acha relativamente quieto, o inconsciente comunica certas coisas através de sonhos, de símbolos, e, depois, ao despertar, a mente consciente diz: "Sonhei e preciso interpretar os meus sonhos". Por se achar muito ocupada durante o dia, a mente consciente só tem possibilidade de descobrir o conteúdo do inconsciente por meio dos sonhos. Por essa razão, o analista atribui aos sonhos desmedida importância. Mas, vede só as complicações daí decorrentes! Os sonhos requerem interpretação correta, e para dar a correta interpretação, deve o analista conhecer o conjunto (background) de vossa consciência, todo ele, porque, do contrário, sua interpretação será falsa. Essa interpretação poderá ser freudiana ou junguiana, ou refletir as opiniões de outra autoridade qualquer, mas não será correta; e isso é o que, em geral, acontece, visto que o analista não conhece todo o vosso background (todo o conjunto de vossa consciência), nem pode conhecê-lo. E, se vós mesmo começais a analisar o inconsciente, a anotar e a interpretar cada sonho, vossa interpretação terá de ser sobremodo livre do inconsciente. Estais vendo, pois, a dificuldade. Estou examinando o problema negativamente; percebeis?

Essa coisa que chamais "o inconsciente" é desconhecida — desconhecida, no sentido de que não estais familiarizado com ela, desconheceis o seu conteúdo. Até agora não sabeis o que ele é. Tendes tentado compreendê-lo com uma mente que foi exercitada para acumular conhecimentos e com esses conhecimentos observar. Mas, descobristes agora que não é por essa maneira — isto é, por meio da análise — que se pode sondar o inconsciente. E, quando dizeis "A análise não é o caminho certo", que aconteceu à vossa mente? Entendeis? Não sei se isto está claro.

Quando dizeis, a respeito de alguma coisa: "Este não é o caminho certo", qual o estado de vossa mente? Ela se acha, por certo, num estado de negação. Ora, podeis permanecer nesse estado? É só no estado de negação que tendes possibilidade de observar; assim, o importante é abeirar-nos negativamente daquilo que desconhecemos. É assim que nascem as invenções, não? Foi assim que se criaram os grandes foguetes. Mas, é muito mais difícil nos abeirarmos negativamente de um problema psicológico, porque estamos torturados, retidos em nosso próprio desconcerto emocional, e desejamos achar uma saída disso.

Assim, para desvelarmos o inconsciente, precisamos primeiramente ver com toda a clareza, por nós mesmos, essa verdade, que só com uma mente vazia temos possibilidade de observar uma coisa que desconhecemos. Foi-vos recomendado analisar, mas a análise não vos conduziu a parte alguma, a nada, nada; percebeis, pois, por vós mesmo, que a análise não é o verdadeiro caminho. Compreendida a futilidade da análise, não trateis imediatamente de descobrir o que é o inconsciente, porém, antes, investigai, para descobrir qual é o estado em que a mente diz: "A análise não é o verdadeiro caminho". Esse estado, por certo, é o estado de negação; nele, a mente pode observar, porque não está então traduzindo, interpretando, julgando, porém apenas observando. Isso, podeis fazer em qualquer lugar — sentado num ônibus, no escritório, quando vos fala o patrão, quando falais com vossa mulher, vossos filhos, vosso vizinho, quando ledes o jornal. Com essa mente, pode ser observada cada reação do inconsciente; e, se o fizerdes intensamente — não apenas ocasionalmente, dia sim, dia não — se vos conservardes sobremodo vivo, vereis que não mais sonhareis. Que necessidade há de sonhos simbólicos, quando a cada minuto do dia o inconsciente vos está revelando a suas reações, descerrando o seu condicionamento, suas "memórias", suas ansiedades — quando tudo está sendo revelado, ao mesmo tempo que estais observando? A mente é então semelhante a uma tela em branco, na qual o inconsciente projeta o seu retrato, de momento a momento; de modo que, quando dormis, a mente, o cérebro, repousa. E ele necessita de repouso, porque esteve afanosamente ativo durante a dia, não só exercendo sua ocupação, mas também observando. O cérebro se torna, assim, sobremodo sensível — muito mais do que por meio da análise e da introspecção. A mente, o cérebro, que, durante o sono, se acha em absoluto repouso, se renova. Tem a energia necessária para ir mais longe ainda — mas não vou tratar disso agora.

[...] O desvelar do inconsciente se verifica quando a mente se acha num estado de negação, num estado de vazio; quer dizer, quando está observando, sem interpretar.

Krishnamurti, Saanen, 11 de julho de 1963,
Experimente um novo caminho


quinta-feira, 12 de abril de 2018

O mecanismo do inconsciente


O mecanismo do inconsciente
Outro dia estive falando sobre a morte. Precisais morrer para todo o conhecimento que tendes acerca de vós, porque o “eu” jamais é estático, está sempre variando, não só física, mas também psicologicamente. Não sois o que ontem fostes, embora o desejásseis ser; operou-se uma mudança, da qual podeis não estar ciente.

Para conhecer-vos — e deveis conhecer-vos completamente, de ponta a ponta — o mecanismo de acumular conhecimento sobre vós mesmo deve terminar; e esse término só pode verificar-se quando deixardes de julgar, de avaliar, de condenar, de justificar. Isso parece muito simples, mas para a maioria de nós não é, porque fomos exercitados para condenar, julgar, avaliar, comparar, justificar. Tal é nosso condicionamento. E o ver as coisas claramente como são, sem a desfiguração causada por nosso condicionamento, não é questão de tempo; é uma questão de imediata necessidade. É óbvio que não podeis ver o que o fato realmente é, se para vosso exame trazeis todas as vossas lembranças e opiniões. Se isto está claro, não apenas verbal ou intelectualmente, porém realmente, poderemos continuar com uma investigação do inconsciente.

O inconsciente tem um papel muito importante em nossa vida. A maioria de nós não conhece o inconsciente, a não ser através de sonhos, através de ocasionais sugestões ou mensagens relativas a coisas que estão ocultas. Eu acho que não é absolutamente necessário sonhar; isso é um desperdício de energia. Se estais desperto, apercebido, sem escolha, momento por momento, e portanto sem acrescentar nada ao que antes conhecestes; se observardes tudo o que vos cerca, bem como todo movimento de pensamento, descobrireis, então, que o sonhar cessa completamente — embora os psicólogos insistam em que não se pode evitar o sonhar, conquanto nem sempre nos lembremos de nossos sonhos. Isto não é questão para controvérsia ou argumentação. Vós mesmo podeis experimentá-lo. Se não estais semi-adormecido durante o dia, porém completamente desperto, observando tudo o que se passa ao redor e dentro de vós — cada movimento de pensamento, cada sentimento, cada reação — descobrireis, então, que quando dormis não sonhais.

O inconsciente, que está oculto e que tão pouco conhecemos, pode ser alcançado negativamente. É o que tento fazer-vos ver, quando digo que não há necessidade de sonhar. Não sei até onde examinastes diretamente esta questão. Provavelmente achais ser muito enfadonho falar a respeito do inconsciente; muito “junguiano” ou “freudiano”, etc. Mas vós deveis conhecer o inconsciente, porque é o inconsciente que orienta a maior parte de nossa vida, que molda os nossos pensamentos, nossos sentimentos, e produz várias espécies de conflito. Se não conheceis o inconsciente, podeis falar sobre Deus, a oração, a guerra, a paz, a bomba atômica, mas o que disserdes pouco significará.

No inconsciente estão enraizadas não só as reações comuns do indivíduo, mas também as reações coletivas da raça a que pertence, no meio cultural em que foi criado — não apenas o meio cultural imediato, destes poucos anos, mas a tremenda acumulação de experiência humana no decurso das idades. Tudo isso lá está, no inconsciente. Descobrir todo o inconsciente por meio de análise, de investigação gradual, é absolutamente impossível; porque, se cometemos um erro em algum ponto do mecanismo de análise, como é inevitável, o resto da análise ficará também errado. Se perceberdes a futilidade dessa análise, se perceberdes que com ela não se pode penetrar muito tio inconsciente, e muito menos transcendê-lo, tereis então de abeirar-vos do inconsciente de maneira negativa — quer dizer, totalmente. Já explico o que quero dizer.

Espero não vos seja demasiado difícil o que estou dizendo. Não estou agora tomando uma atitude condescendente, ou professoral, ou superior — nada disso. Mas é provável que a maioria de vós nunca tenha pensado nesta matéria; e, para seguirdes logicamente, sãmente, o que se está dizendo sem ficardes confusos ou perturbados, tendes de escutar. Talvez não compreendais uma boa parte do que estamos dizendo, mas se a semente cair em terreno já amanhado pelo correto escutar, compreendereis. Se nossa maneira de observar ou escutar é negativa, não há, então, separação entre o pensador e o pensamento. Mas, para a maioria de nós existe uma separação, um conflito entre o pensador e o pensamento, entre o observador e a coisa observada, entre a parte da mente que diz “devo” e a outra parte que diz “não devo”. Um desejo nos solicita numa direção, e outro desejo na direção oposta. Todos conhecemos essa dualidade “censor e pensamento” — o censor sempre a observar, a julgar, a avaliar o pensamento.

Ora, existe de fato separação entre o observador e a coisa observada, entre o pensador e o pensamento? Pensamos que sim; mas existe mesmo? É muito importante averiguá-lo; porque, se não há censor, pensador, centro de onde procede o julgamento, a avaliação, — o conflito cessa então completamente.

Certo, só existe pensamento — pensamento como reação mecânica da memória acumulada. Esse pensamento criou o pensador, a entidade permanente, “eu” — a que chama, então, “ego”, “alma”, “eu superior”; mas isso ainda é um resultado do pensamento, porque pode ser condicionado para pensar tudo o que a sociedade exigir que pense. Os comunistas não creem em Deus, mas vós credes, porque fostes educados nesta crença. É só questão de propaganda. Para se compreender inteiramente esse mecanismo, a totalidade do inconsciente, cumpre observá-la negativamente — pois esta é a única maneira de observá-la, porquanto toda observação positiva do inconsciente produz divisão entre o observador e a coisa observada.

Não sei se já notastes que no momento em que se vê algo sem o pensamento, não há observador: só há observação. Quando olhais para uma nuvem, sem vossas lembranças acumuladas relativas às nuvens, estais observando. Da mesma maneira temos de observar o inconsciente e quando observais assim, negativamente, existe inconsciente? Não apagastes completamente o inconsciente com todo o seu conteúdo? Há, pois, um percebimento imediato da totalidade da consciência. Mas não podereis ver a totalidade da consciência enquanto estiverdes observando através de vosso condicionamento, através da experiência acumulada no passado.

Ao chegardes a esse ponto — e deveis chegar — tereis lançado as bases da meditação; porque tereis então eliminado completamente o sofrimento. Isso não significa que não haverá mais compaixão. Mas tereis eliminado o sofrimento, que embota e insensibiliza a mente — sofrimento que significa autopiedade, “preocupação consigo mesmo”, que nenhuma relação tem com a verdadeira compaixão.

Agora, que é meditação? Há quem diga que na meditação é preciso controlar o pensamento. Que implica esse controle? Implica contradição, que é uma forma de conflito. A pessoa procura concentrar-se numa coisa e outros pensamentos se insinuam, os quais ela tem de repelir continuamente; torna-se, assim, a concentração, gradualmente, um processo de exclusão. É coisa semelhante ao caso do aluno que deseja olhar pela janela, mas o professor lhe manda olhar para o livro; o esforço de “olhar para o livro” chama-se concentração. Mas tal concentração é exclusão.

Penso haver um estado de atenção em que a concentração não é exclusão. Quando a mente se concentra por meio de disciplina, de controle, de repressão, de várias formas de punição e recompensa, essa concentração divide a mente contra si própria, e produz conflito. Na atenção não há conflito. Só se pode compreender a atenção quando se percebe a significação do tentar concentrar-se por meio de controle; e isso significa que cessa o esforço para se concentrar. Enquanto fizerdes esforço para vos concentrardes, haverá contradição, conflito e, por conseguinte, não haverá atenção; e vós precisais da atenção.

A meditação não é prece; a prece implica súplica, rogo, e isso é extremamente infantil. Vós só rezais quando vos vedes em dificuldades. Um homem feliz não reza. Só reza o homem que sofre, o homem que deseja algo ou tem medo de perder algo. E a contemplação, conforme o praticada pelos ocidentais, essa também não é meditação.

Notai, por favor, que empreguei a palavra “ocidentais” apenas como meio de comunicação. Para mim não há divisão entre Oriente e Ocidente. Tal divisão é absurdamente nacionalista, perniciosa.

O que, em geral, se chama contemplação subentende um centro de onde contemplar, significa pôr-se num estado adequado para receber, aceitar, e isso, mais uma vez, não é meditação.

Para lançar as bases da meditação, a pessoa tem de compreender tudo isso, para que não haja medo, nem aflição, nem motivo, nem esforço de espécie alguma. Mas se deixais de forcejar porque alguém vos diz que não o deveis fazer, nesse caso estais tentando “produzir” aquele estado em que não há esforço — e esse estado não pode ser produzido; tendes de compreender toda a estrutura do esforço, porque só então tereis lançado as bases da meditação. Essa base não é fragmentária, não é uma coisa que se constrói gradualmente, com o pensamento, com o desejo de êxito, de realização, ou com a esperança de experimentar algo mais amplo, superior. Tudo isso tem de cessar. E, lançada essa base, o cérebro se torna então completamente quieto. Já não está reagindo a qualquer espécie de influência ou sugestão; já cessou de ter visões; já não está enredado no passado ou por ele condicionado. Esse estado de quietude é absolutamente essencial. O cérebro é o resultado de séculos de tempo. É o resultado biológico, zoológico, da influência, da cultura, de toda a estrutura psicológica da sociedade. E é só quando o cérebro está quieto, completamente imóvel, porém vivo, e não amortecido pela disciplina, pelo controle, pela repressão — é só então que a mente pode começar a operar. Mas essa absoluta quietude do cérebro não é um estado que se pode “produzir”. Ela nasce, natural e facilmente, uma vez lançada a base, quando já não existe a divisão “pensador-pensamento”.

Tudo isso constitui parte da meditação; a meditação não se encontra no fim. “Lançar a base” é ficar livre do medo, da aflição, do esforço, da inveja, da avidez, da ambição — livre de toda a estrutura psicológica da sociedade. Quando, graças ao autoconhecimento, o cérebro já não é uma máquina acumuladora, ele está quieto, tranquilo, silencioso. Deveis alcançar esse estado de silêncio, porque, do contrário, não sereis realmente uma pessoa religiosa. Estareis apenas brincando com coisas que nada significam. Podeis intitular-vos cristão, hinduísta, budista, o que quer que seja, mas estas palavras são mero resultado de propaganda e nenhum valor têm para o homem verdadeiramente religioso. Mas, quando há aquele estado de silêncio, torna-se então existente aquela inefável imensidade. Não há mais aceitação nem rejeição; não há entidade que experimenta a imensidade. Não há experimentador, e esta é a parte mais maravilhosa da coisa. Só há aquele movimento imenso, atemporal; e se chegardes até aí, vereis que existe criação.

Krishnamurti, Londres, 14 de junho de 1962,
O homem e seus desejos em conflito


sexta-feira, 5 de julho de 2013

A importância da revolução do inconsciente

Não falo para convencer a qualquer um de vocês a respeito de uma dada teoria ou de um dado modo de conduta, nem com o fim de inculcar em vocês certas ideias, visto que minha intenção não é, de modo nenhum, propagandística. Propaganda significa “condicionar” certas mentes, para certas atitudes. Tal não é absolutamente a minha intenção. Se vocês têm ideias, a respeito das quais desejam se convencer; se desejam adquirir certas ideias, para acalentá-las e segui-las; se vocês desejam adotar uma determinada linha de pensamento, conducente a certos resultados; ou, ainda, se possuem a vontade de produzir certa revolução nas ideias — creio que vocês ficarão muito desapontados. Porque, o que me parece de fundamental importância é a revolução do inconsciente, e não a revolução consciente; e a respeito dela me estenderei mais adiante, no decorrer desta palestra.

Mas, antes disso, é necessário que nos conheçamos mutuamente, não só no nível verbal: também mais profundamente, se possível. Pois, se conhecermos as nossas mútuas intenções, haverá então a possibilidade de nos juntarmos para conversar a respeito dos nossos problemas. Porém, se vocês têm, certas ideias já firmadas, e eu, ideias contrárias, é óbvio, não há ponto de contato entre nós. Por isso, considero muito importante, estabelecermos desde já a relação correta entre nós. Eu não sou guru de vocês, nem tão pouco um líder; portanto, vocês não precisam me venerar. Não creio que o nosso problema, ou a crise em que nos achamos atualmente possa, de algum modo, se dissolver, se seguimos um líder político ou religioso, ou um guru. Como disse, faz-se necessária uma revolução fundamental, e não meramente uma substituição de ideias, no nível superficial.

Por conseguinte, não deve ser muito importante compreender-se claramente o que vou dizer e o que já disse? Porque não vou convencer vocês a respeito de coisa alguma. Não estou fazendo propaganda. É com toda franqueza que o digo: não estou aqui para convencer vocês de nenhuma ideia, em especial. Convicção supõe o “processo” de rejeição e aceitação, confirmação ou negação; e tal não é meu intento, em absoluto. O que estamos tentando fazer é descobrir a verdadeira solução, a solução correta de todos os nossos problemas. Apenas se pode encontrar a solução correta quando não estamos “projetando” nenhuma ideia determinada, quando não estamos meramente aceitando certa tese e renunciando ao nosso próprio pensar. Quer dizer, se não pensamos corretamente, todas as nossas ações nos levarão, por força, a uma maior confusão. O que nos interessa, pois, não é a projeção ou aceitação de ideias, mas como pensarmos corretamente, todos juntos (isto é, em relação uns com os outros), como descobrirmos juntos a maneira de atender corretamente aos problemas com os quais nos deparamos. Não estou empregando o termo “corretamente” como oposto. Só há uma maneira de pensar; não “a maneira correta” ou “incorreta”. Verificaremos se é de algum modo possível seguir um pensamento e descobrir a Verdade que ele encerra, a verdade contida no respectivo problema.

Vocês não acham importante diferenciar entre “ouvir” e “escutar”? (...) Vocês não acham que há diferença entre “ouvir” e “escutar”? No escutar não há aceitação nem rejeição; escutamos para compreender. Escutamos a outra pessoa para compreender o que ela deseja nos transmitir, compreende-lo não apenas no nível verbal, mas em níveis mais profundos do entendimento. Porém, estamos nos negando a escutar, quando só queremos fazer objeções ou interpor nossas próprias ideias, em vez de procurarmos realmente compreender o que nos é dito. Afinal, temos nossas opiniões, e achamos desnecessário escutá-lo; mas, se soubermos escutar sem interpretação e sem tradução, se soubermos realmente escutar, talvez haja então possibilidade daquela radical revolução no nível inconsciente, única revolução verdadeiramente desejável.

Temos incontáveis problemas; e quanto mais pensamos neles, conscientemente, tentando resolvê-los, tanto mais crescem as complicações e se multiplicam os problemas. Uma vez que estamos tratando de problemas não originados na mente superficial, mas resultantes de lutas, conflitos, ambições, agitações que se processam nas profundezas inconscientes, sem que ocorra uma transformação radical e fundamental naquele nível profundo, pouquíssimo valor terá qualquer reforma de remendos que se fizer no nível superficial — no terreno econômico, social, político, etc. Pode-se ver que as revoluções não nos alteram fundamentalmente o processo do viver. A transformação que se opera no nível consciente não passa de uma simples continuidade modificada, pois nesse nível a mente opera de modo superficial, calculando, julgando, pensando; mas esse “processo” de calcular, pesar e julgar é a continuidade de uma coisa condicionada; por conseguinte, por esse meio não se resolve o problema de modo nenhum; o que se faz é apenas modifica-lo, alterar a sua direção; todavia, a nova direção é confusa, do mesmo modo.

Enquanto quisermos resolver os nossos problemas no nível superficial, com ideia contra ideia, argumento contra argumento, lógica contra lógica — tudo isso reações da mente superficial — é bem óbvio que os resultados que a mente obterá serão produto de pensamento condicionado. Nesse “processo”, por conseguinte, não há revolução psicológica, profunda, fundamental. Creio que o mais importante atualmente não é a revolução do nível superficial, mas a revolução do inconsciente, profundo, porque vivemos muito mais nesse nível, e nosso ser está lá mais do que no nível superficial.
Assim sendo, vocês não acham importante que escutemos de maneira que o inconsciente absorva — se posso assim me expressar — o que nos é transmitido, e a revolução, por conseguinte, não seja uma revolução consciente? Considero muito importante que se escute de maneira tal que a transformação seja inconsciente, e que tenhamos uma nova perspectiva da vida não fundada na ação consciente deliberada, mas na revolução não produzida pelo “processo” deliberado do pensamento.

Afinal, nós temos tantos problemas, em diversos níveis — problemas econômicos, sociais, religiosos; o problema do amor, da morte, o problema das relações, da miséria, o que é Deus, se há continuidade, o que é imortalidade, o que é aquele estado de “atemporalidade”, o que é criação, etc., etc. temos problemas inumeráveis e sempre nos aplicamos a eles com a intensão de resolvê-los com nossa mente consciente, nossa mente comum, a mente que tem pensamentos, a mente que é resultado do tempo, resultado da tradição, da chamada educação (que é o processo de “nos condicionar” numa determinada ideia, atividade ou padrão — comunista, socialista, capitalista, católico, etc.) e com esse condicionamento queremos resolver os nossos inúmeros problemas; mas, é bem óbvio, uma mente condicionada não pode resolver tais problemas.

Necessitamos de uma solução inteiramente diferente, de uma revolução diferente — de natureza psicológica, interior, fundamental. Isso, parece-me, só será possível quando vocês souberem escutar não só a mim, mas a todas as coisas: a conversação que se trava próximo de vocês, o diálogo que vocês têm com suas esposas, seus maridos, seus filhos, seus patrões, as conversas de trem, de ônibus, as falas do mendigo, a melodia de uma canção, o canto dos pássaros, o som das ondas. Se souberem escutar sem interpretação, sem tradução, haverá então a possibilidade de se realizar a revolução inconsciente.

Acho que nos sias atuais, o mais necessário que se faz é esta revolução — e não uma série de líderes, não um determinado sistema político. Porque todos os líderes falharam completamente; porque os sistemas que eles advogavam, ou que criaram, são o produto da mente condicionada e seus resultados serão sempre condicionados — de modo que nunca mais sairemos da rede de problemas em que nos vemos embaraçados. Esse caminho não conduz à felicidade humana, à ação humana criadora, ao descobrimento do que é verdadeiro.

O descobrimento do que é verdadeiro não se efetua por meio de esforço consciente. Se compreendermos isso verdadeiramente, chegaremos ao estado em que a mente reconhecerá a sua incapacidade de atender aos nossos problemas. Então talvez se apresente a nós a possibilidade de descobrirmos uma nova fonte de ação, uma fonte diferente, cujo descobrimento nos habilitará a encontrar uma nova maneira de pensar, de sentir, de existir.

Nossos problemas não são individuais — porque não existe a entidade “indivíduo”. O indivíduo — vocês — pode ter nome diferente, corpo diferente, viver em casa separada; mas o conteúdo da mente de vocês é o mesmo conteúdo da minha mente. O que vocês pensam eu penso; vocês são ambiciosos, e eu também; o que vocês são, eu sou, e também é o vizinho de vocês. Temos um problema coletivo e não individual. Vocês, como indivíduo “condicionado” dentro de certo sistema de ideias, não podem resolver este problema da existência; ele só será resolvido quando vocês e eu o estudarmos juntos, e não separadamente. A ação coletiva só poderá fazer efeito, só poder se realizar quando houver pensamento que não seja coletivo.  Mas, como já sabemos, a ação coletiva implica atualmente pensamento coletivo; pensamento coletivo é pensamento condicionado; e é isso o que nos interessa em virtude de toda espécie de propaganda, da educação, da compulsão... Fazem vocês pensarem coletivamente, tradicionalmente — quer seja uma nova tradição, quer velha; fazem que vocês se ajustem, pensem segundo uma norma coletiva, esperando que desse modo vocês produzam ação coletiva; mas não é possível ação coletiva, visto que pensamento coletivo é sempre pensamento condicionado.

(...) Entretanto, deve haver uma maneira de agir que não seja a de vocês ou a minha, que não seja a do comunista, do socialista, do católico, do cristão, do hinduísta, do budista; tal é a maneira de agir que resulta do descobrimento da Verdade. O descobrimento da Verdade não depende de vocês e de mim, da mente condicionada de vocês ou da minha mente condicionada. O descobrimento da Verdade ocorrerá apenas quando vocês e eu reconhecermos a nossa mente condicionada, o nosso estado condicionado.

Se vocês e eu pudermos descobrir o que é a Verdade, desse descobrimento virá a ação coletiva. Mas o pensar coletivo não conduz à ação coletiva, e sim, somente ao sofrimento em escala maior, como de fato está ocorrendo atualmente.  

Krishnamurti - Autoconhecimento — Base da sabedoria

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill