Há muito para se fazer no mundo, acabar com a pobreza, viver feliz, viver com alegria em vez de com agonia e medo, construir um tipo totalmente diferente de sociedade, uma moralidade que esteja acima de toda moralidade. Mas isso só pode acontecer quando toda a moralidade da atual sociedade for totalmente negada.
Há muito para se fazer e isto não pode ser feito se este constante processo de isolamento psicológico que se identifica nas relações como uma entidade particularizada continuar. Nós estamos falando do “eu” e do “meu”, e do “outro” – o outro está atrás do muro de defesas psicológicas erguidas, o eu e o meu estão deste lado de cá do muro.
Então, como pode essa essência de resistência psicológica, que é o eu, como pode ele ser completamente abandonado, “deixado de lado”, cessar como entidade? Porque essa é realmente a questão fundamental em toda relação, quando se vê que a relação entre imagens psicológicas formadas não é absolutamente relação alguma, e que quando esse tipo de relação "existe", haverá conflito, estaremos sempre um pegando no pescoço do outro.
Quando você faz essa pergunta a você mesmo, inevitavelmente dirá “Devo viver num vazio, num estado de vacuidade consciente viva?” Imagino então se você "já soube" o que é ter uma mente que está completamente vazia. Você tem vivido no espaço que é criado pelo “eu”, que é um espaço muito pequeno. O espaço que o “eu”, o processo de auto-isolamento, construiu entre uma pessoa e outra, esse é todo o espaço que conhecemos – o espaço entre ele mesmo e a circunferência – a fronteira que o pensamento construiu. E neste espaço nós vivemos, neste espaço existe divisão.
Se você diz: “Se eu me deixo ir, cesso de existir, ou se eu abandono o centro do “eu”, viverei num vazio consciente atemporal”. Mas você já deixou o “eu” realmente de modo que não exista absolutamente nenhum centro de reação identificado como “eu”? Se não, tudo isso apenas é mais um truque ideológico de sustentação de continuidade do "eu".
Krishnamurti em, Talks in Europe 1968 Paris 4th Public Talk Collected Works Vol. VII