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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Tudo o que você tem a fazer é observar

Meditação, em resumo, é colocar a mente de lado. Por isso as pessoas que dizem que meditação é uma disciplina da mente estão absolutamente erradas. Não é uma disciplina da mente, porque, se você disciplinar a mente, ela se tornará mais forte. É melhor colocá-la de lado quando ela está mais fraca, indisciplinada. Uma vez que esteja disciplinada, ela vai lhe dar um combate duro.

Assim, é mais fácil para alguém que tem praticado concentração, porque concentração é um fenômeno mental. Sim, ela lhe dá uma mente melhor, uma mente disciplinada, mais penetrante. Mas colocar de lado essa mente será muito difícil. Primeiro você lhe deu força, deu-lhe certa cristalização. Concentração não é meditação, pois concentração é uma disciplina da mente, e meditação é colocar a mente de lado.

Na verdade, o termo inglês meditation não é a palavra certa, porque no Ocidente algo como meditação nem mesmo aconteceu. A palavra sânscrita é dhyana. O problema era o mesmo quando os monges budistas foram à China; eles não conseguiram encontrar a palavra adequada para traduzir dhyana para o chinês, então escreveram dhyana, que para o chinês soava como zana. Por isso o zen japonês é uma transfiguração da palavra dhyana.

A palavra meditação dá a ideia errada, como se você estivesse meditando sobre alguma coisa, como se fosse uma atividade não muito diferente de concentração. Você está se concentrando em alguma coisa, está meditando em alguma coisa, mas está sempre preocupado com alguma coisa. E dhyana é abandonar todos os objetos, abandonar qualquer coisa sobre o qual você possa se concentrar, contemplar, meditar; abandonando tudo, não resta nada, apenas aquele que estava se concentrando, apenas aquele que estava contemplando. Essa consciência pura é dhyana.

Em inglês, não há nenhuma palavra adequada, por isso você tem de entender que estamos usando meditação por dhyana. Dhyana significa um estado de ser em que não há nenhum pensamento, nenhum objeto, nenhum sonho, nenhum desejo, nada, apenas o vazio. Nesse vazio, você chega a se conhecer. Você descobre a verdade. Você descobre a subjetividade. É um silêncio perfeito.

Há métodos para se colocar a mente de lado, assim como há métodos para disciplinar a mente. Mas, no Ocidente, e mais ainda nos Estados Unidos, — porque, se o Ocidente é ruim, os estados Unidos são piores —, todos os livros que são best-sellers nos Estados Unidos de alguma forma dizem respeito a como aumentar a sua força de vontade, como influenciar pessoas e ganhar amigos, como ficar rico, colocando a mente acima da matéria… mas todos eles estão falando sobre a disciplina da mente (estive olhando esses livros, não agora, há quatro anos eu não toco num livro).

Certamente, se você disciplinar a mente, você é um competidor melhor, pode satisfazer a sua ambição mais facilmente, pode manipular as pessoas mais facilmente, explorar as pessoas mais facilmente. Você pode usar os outros como um meio para o seu fim. Friedrich Nietzsche escreveu um livro chamado A Vontade de Poder. Essa é a própria essência de todo o esforço ocidental: vontade de poder. Para obtê-la, é necessário primeiro que você tenha força de vontade, e força de vontade é um outro nome para a sua mente disciplinada, cristalizada.

Não, esses métodos não servirão. Você tem de aprender métodos para colocar a mente de lado. Ela já é poderosa demais; não a torne mais poderosa, porque você está alimentando o seu próprio inimigo. Ela já está cristalizada; a sua escola, a sua faculdade, a sua universidade, todas elas estão fazendo isso. Depois de permanecer nove anos como professor de universidade, eu me demiti. Falei ao vice-reitor: “Não posso fazer esse trabalho, porque isso está destruindo as pessoas”. Ele disse: “O que você quer dizer com destruir pessoas? Os alunos adoram você, eles não permitirão que você se vá. E eu não vejo motivo para você dizer que que não pode continuar destruindo pessoas”. Respondi: “Você não entenderá, porque, embora tenha nascido na Índia, você não conhece a Índia. Você foi educado no Ocidente”. Ele havia permanecido a vida toda no Ocidente. “Todos esses livros, todas essas psicologias que eu tenho de ensinar, estou ensinando contra mim mesmo. Sei que isso vai causar danos a essas pessoas. A mente delas já está em mau estado, e agora ficará mais forte. Suas correntes serão muito mais fortes, sua escravidão da mente será muito mais forte”.

As pseudo-religiões dependem da disciplina da mente. O trabalho da verdadeira religião é colocar a mente de lado. E é, de certa forma, muito simples. Essas disciplinas são muito difíceis. Treinar a mente para a concentração é muito difícil, porque ela continua se revoltando, continua outra vez nos velhos hábitos. Você a puxa novamente e ela escapa. Você a traz de novo ao assunto  no qual estava se concentrando e de repente vê que estava pensando em alguma outra, você esqueceu em que estava se concentrando. Não é um trabalho fácil. Mas colocá-la de lado é uma coisa muito simples, não é difícil, de modo nenhum. Tudo o que você tem a fazer é observar. O que quer que esteja acontecendo na sua mente, não interfira, não tente cessá-la. Não faça nada, porque o que quer que fizer se tornará uma disciplina. Assim, não faça absolutamente nada. Apenas observe.

Observar não é um fazer. Assim como você observa o por-do-sol ou as nuvens no céu ou as pessoas passeando pela rua, observe o tráfego dos pensamentos, sonhos e pesadelos, relevantes, irrelevantes, conscientes, inconscientes, qualquer coisa que esteja acontecendo. E é sempre hora do rush. Você simplesmente observa; você fica ao lado, despreocupado.

As pseudo-religiões não permitem que você fique despreocupado. Eles dizem que a avareza é ruim; assim, se um pensamento de avareza vem, você salta para impedí-lo; caso contrário, você se tornará avarento. A raiva é ruim; se um pensamento de raiva passa, você salta imediatamente; você tem de mudá-lo, tem de ser gentil e compassivo e amar o seu inimigo assim como a si mesmo. Se surge algo contra o seu inimigo… Não, você tem de amar o seu inimigo assim como si mesmo.

Assim, todas as religiões lhe deram idéias do que é certo e do que é errado, e, se a coisa errada estiver acontecendo, você certamente tem de impedi-la. Você tem de interferir, tem de saltar ali dentro e tirar essa coisa para fora. Você perde o ponto. É por isso que eu não lhe digo o que é certo e o que é errado. Tudo o que digo é que observar é certo; não observar é errado. Torno isso absolutamente simplificado: seja o observador.

Não é da sua conta se a avareza estiver presente; deixe-a passar; se a raiva estiver passando, deixe-a passar. Quem é você para interferir? Por que está tão identificado com sua mente? Por que você começa a pensar: “Eu sou avarento… eu tenho raiva?” Há apenas um pensamento de raiva passando. Deixe-o passar; você só observa.

(…) É simples a metodologia de observar a mente, você não tem nada a ver com ela… A maioria de seus pensamentos não é sua, mas dos seus pais, de seus professores, de seus amigos, dos livros, dos filmes, da televisão, dos jornais. Simplesmente conte quantos pensamentos são realmente seus, e você ficará surpreso ao constatar que nenhum pensamento é seu. Todos vem de outras fontes, todos são emprestados ou despejados pelos outros em você ou despejados por você mesmo em você. Mas nada é seu.

A mente está ai, funcionando como um computador; literalmente, ela é o computador. Você não ficará identificado com um computador. Se o computador esquentar, você não ligará. Se o computador se zangar e começar a dar sinais em palavras obscenas, você não ficará preocupado. Você verá o que está errado, onde alguma coisa está errada, mas permanecerá separado.

Apenas um clique… nem mesmo posso chamá-lo de método, porque isso o tornaria pesado; eu o chamo de clique. Simplesmente fazendo isso, um dia, de repente, você é capaz de fazê-lo. Muitas vezes você falhará; não é nada para se preocupar… Não há nenhuma perda, isso é natural. Mas, simplesmente fazendo-o, um dia acontece.

Uma vez que isso tenha acontecido, uma vez que você tenha, mesmo que por um único momento, se tornado o observador, você saberá como se tornar observador nas colinas, bem distante. E a mente toda está ai, bem profunda no vale escuro, e você não tem nada a fazer com ela. A coisa mais estranha sobre a mente é que, se você se tornar um observador, ela começará a desaparecer. Assim como a luz dispersa a escuridão, a observação dispersa a mente, seus pensamentos, sua parafernália toda.

Assim, a meditação é simplesmente observação, consciência. E isso revela que não tem nada a ver com invenção. Ela não inventa nada; ela simplesmente descobre aquilo que está ai. E o que está ai? Você entra e encontra um infinito vazio, tão tremendamente belo, tão silencioso, tão cheio de luz, tão fragrante, que você entrou no reino de Deus.

Nas minhas palavras, você entrou na divindade.

E, uma vez que você tenha estado neste espaço, sairá uma pessoa totalmente nova, um homem novo. Agora você tem a sua face original. Todas as máscaras desapareceram. Você viverá no mesmo mundo, mas não do mesmo modo. Estará entre as mesmas pessoas, mas não com a mesma atitude nem com a mesma abordagem.

Você viverá como um lótus na água; mas absolutamente intocado pela água.

A religião é a descoberta dessa flor de lótus dentro de você.

Osho  

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Sobre o ficar-consigo-mesmo e ir fundo na inquietação

Um sentimento básico de nossa época parece-me ser a fragmentação  Muitas pessoas sentem-se internamente fragmentadas. Elas têm a impressão de serem puxadas de um lado a outro pelas muitas exigências impostas a elas, na profissão, na família, no sacerdó­cio, na comunidade política. Muitas vezes elas não sabem que papel representam. Trocam-no tantas vezes que nem sabem mais quem são verdadeiramente. Não têm mais tranquilidade interior. Quando voltam do trabalho, à noite, não conseguem desligar-se. A intranquilidade persegue-as até no sono. Em toda essa atividade infatigável elas não estão consigo mesmas. Não estão em contato com seu "eu" verdadeiro. São empurradas de um compromisso a outro. Sua alma não as acompanha mais. Não está onde o corpo precisa estar, para cumprir todas as suas obrigações.

Uma antiga história monacal fala dessa fragmentação: "O patriarca Poimen perguntou ao patriarca José: 'Diga-me como poderei tomar-me monge?' Ele respondeu: 'Se você quer encontrar a paz, em todos os lugares, então diga, em todas as suas ações: Eu - quem sou eu? E não julgue ninguém!"'

A palavra grega que designa monge, "monachos", às vezes é derivada de "monas = unidade, ser uno". Um homem jovem sente-se fragmentado. Ele quer voltar para si mesmo, para sua unidade, e encontrar a paz. Ele quer estar consigo mesmo, em todos os lugares. Poimen o aconselha a perguntar, em tudo o que fizer: "Eu - quem sou eu?" E procurar sua verdadeira identidade.

Quem é esse, que está agindo assim? Será que há apenas uma parte de mim no trabalho? Será que estou envolvido por inteiro? Há uma parte de mim em outro lugar? Na verdade, a pergunta de Poimen é a seguinte: "Como posso ser inteiro?" Como posso estar por inteiro naquilo que faço? Como posso viver como uma pessoa inteira, que sempre e em todos os lugares é una consigo mesma? Como posso encontrar minha unidade nas muitas coi­sas que faço e que muitas vezes me fragmentam? Além dessas perguntas, que se dirigem ao "eu" verdadeiro, passando pelos muitos papéis que representamos e pelas muitas máscaras que usamos, Poimen ainda exige que o jovem não julgue ninguém. Quando julgo, não estou comigo mesmo, mas com o outro. Por meio do julgamento que faço dos outros, desvio-me de mim mesmo. Poimen quer levar o interpelante a ficar com ele mesmo. Só assim ele descobrirá quem é na verdade. Só assim ele encontrará o caminho para sua unidade, para seu ser inteiro. Só assim ele será um monge.

Muitos sentem-se fragmentados porque descobrem em si facetas que não combinam com sua auto-imagem. Assustam-se diante de suas fantasias sádicas, de seus desejos masoquistas e de suas tendências destrutivas. Não sabem como reagir adequada­mente a suas facetas obscuras, se devem reprimi-las e abafá-las ou simplesmente fugir delas.

(...)


1. A akedia

O antigo monacato fala do fenômeno da fragmentação, sobretu­do na descrição da akedia. Normalmente akedia é traduzido por ausência de ânimo, ou indolência. Mas na verdade é a incapaci­dade de ser uno consigo mesmo, com o momento presente, com a própria situação de vida. Evagrius Ponticus descreve um monge que e assediado pelo demônio da akedia:

"Primeiro ele aparece para o monge, fazendo com que o sol, (fitando se movimenta, só o faça muito lentamente, e então o dia passa a ter a duração de no mínimo cinqüenta horas. O monge se sente impelido a olhar constantemente pela janela, a deixar a cela, a olhar cuidadosamente para o sol, para tentar saber o quanto ele ainda está distante da nona hora; a olhar para várias direções, para talvez ver um ou outro de seus irmãos deixar a cela. Lentamente o demônio faz com que no coração do monge surja um enorme ódio do local em que se encontra, de sua vida atual e também do trabalho que ele executa, ele (o demônio) faz o monge acreditar que o amor entre os irmãos está morto e que não há ninguém que lhe possa dar algum ânimo. Se, durante essa fase, alguém por acaso chega muito perto do monge, então o demônio utiliza a oportunidade para aprofundar ainda mais esse ódio. Ele consegue fazer o monge sentir um forte desejo de estar em outros lugares, onde este pode obter mais facilmente o que precisa para viver, onde é mais fácil encontrar trabalho, e onde existe uma promessa maior de sucesso " (Evagrius, 12).

A akedia dilacera-nos interiormente. Tornamo-nos insatisfeitos com nós mesmos, com o local em que vivemos, com as pessoas que convivem conosco, com o tempo que nos parece tão entediante, com o trabalho, com o modo de vida, com tudo.

Há uma rejeição de tudo o que nos cerca. Mas há, igualmente uma rejeição de nossa própria pessoa. Sentimo-nos insatisfeitos, mas também não sabemos o que queremos verdadeiramente. Rebelamo-nos contra tudo. Mas não temos um objetivo. Apegamo-nos a ilusões aleatórias. Não conseguimos usufruir o momento presente. Quando oramos, temos a impressão de que na verdade deveríamos estar trabalhando. Quando trabalhamos, tudo nos parece difícil. Sentimo-nos cansados, temos a impressão de trabalharmos excessivamente, de estarmos estressados. Mas quando resolvemos descansar, não sabemos o que fazer com o tempo livre. Ele nos parece entediante e inútil. Nunca estamos efetivamente no lugar em que nos encontramos naquele instante, e nunca vivenciamos o momento presente. Sempre estamos em outro lugar, e ao mesmo tempo em lugar nenhum. A akedia é a definição mais radical de fragmentação interna que pode acometer as pessoas. Ela não é apenas a doença típica dos monges, é sem dúvida também um fenômeno dos tempos atuais.

A fragmentação do homem de hoje não se mostra apenas, como em Paulo, na cisão entre vontade e ação, entre lei e pecado, mas sobretudo na cisão entre desejo e realidade. Por causa da akedia confrontamo-nos frequentemente com desejos irrealistas, ilusões infantis sobre a vida, expectativas exageradas. Exigimos tudo dos outros e ficamos zangados quando eles não nos possibilitam ter a vida que sonhamos. Mas os outros podem até se esforçar em realizar nossos desejos. Nunca o conseguirão. Pois nossos desejos são imensos, incomensuráveis. Neles é que nos abrigamos, fugindo da realidade deste mundo. Negamo-nos a dizer sim a nosso "ser" humano, com suas restrições e limitações. Achamos que podemos reivindicar tudo, infinitamente.

A sociedade, a Igreja, a família, a empresa, são como grandes mães, das quais sempre esperamos tudo. E são culpadas quando nos sentimos insatisfeitos. Nem percebemos como essa postura nos remete à postura de uma criança insatisfeita, que também não sabe o que quer. Ela só sabe que não quer aquilo que lhe oferecem.

Pascal Bruckner descreveu essa postura como típica de nossa sociedade. É a negação de se compatibilizar com a realidade. Queremos sempre mais. Temos a impressão de que a ciência e o estado só existem para satisfazer todos os nossos desejos: "Todos os dias exigimos, em todos os campos, um desenvolvimento mais veloz. A técnica alimenta em nós a religião da ganância, com ela o possível torna-se desejável e o desejável necessário. Merecemos o melhor. A indústria e a ciência acostumaram-nos a uma tal produtividade, que ficamos furiosos quando as descobertas se tornam mais raras, quando a satisfação que sentimos com sua concretização é obrigada a esperar. 'Isso é insuportável', clamamos - com a imensa raiva de uma criança temperamental que, diante de um brinquedo, bate o pé e grita: eu quero isso"' (Bruckner, 71s). Mas essa criança temperamental não sabe o que quer realmente. Está sempre insatisfeita. É imatura, nunca descobriu seu próprio eu. E sem a experiência de nosso próprio centro somos dilacerados pelos desejos, puxados de um lado a outro pelas impressões externas.

2. O ficar-consigo-mesmo

Como método de cura para a akedia, Evagrius sugere aguentar firme, permanecer no próprio Kellion (pequena habitação do monge eremita). Precisamos permanecer com nós mesmos, para encontrarmos novamente nosso centro.

"Na hora da tentação você não deveria procurar pretextos mais ou menos fidedignos para deixar sua cela, mas permanecer decididamente dentro dela e ser paciente. Simplesmente aceite o que a tentação lhe traz. Sobretudo, encare de frente essa tentação da akedia, pois ela é a pior de todas, mas tem como resultado uma grande purificação da alma. Fugir desses conflitos ou espantá-los torna o espírito inábil, covarde e temeroso" (Evagrius, 28).

O que acontece quando permaneço na cela sem fazer alguma coisa determinada, sem orar, meditar ou ler alguma coisa? Milhares de pensamentos me acometem. Surgem sentimentos, lembranças, decepções, suposições, saudades. Às vezes aflora um caos de emoções. Se eu não fugir, mas aguentar firme, as emoções poderão lentamente se ordenar. Nesse caso a pergunta de Poimen é bastante útil: "Eu - quem sou eu?" Essa pergunta coloca os diversos pensamentos e sentimentos numa ordem, segundo sua relação com meu "eu" verdadeiro. Assim, muita coisa se revelará totalmente sem importância. Outras coisas vão ocupar minha atenção. Gradualmente chegarei a meu problema central. Qual é a questão fundamental de minha vida? Qual é meu anseio mais profundo  Em que momento vivo distante de minha verdade? Quem sou realmente? Como é essa imagem original, não falsificada, que Deus fez de mim? Não encontrarei uma resposta imediata para isso, a qualquer momento a pergunta pelo "eu" verdadeiro reaparecerá  Simplesmente estou aqui. Estou em meu centro. Estou em contato comigo mesmo, com o ser, com o mistério. Estou junto a Deus, diante de Deus e em Deus. E uma paz profunda me cerca. A presença amantíssima e curadora de Deus me envolve. Isso me basta. A fragmentação é suprimida. Tudo é uno.

Se eu me esquivar dos problemas, nunca encontrarei uma solução. Se eu ceder a minha fragmentação e me virar para cá ou para lá, serei cada vez mais dilacerado. Preciso aguentar tudo isso sozinho, por mais difícil que seja. Preciso ir ao fundo de minha inquietação. Então encontrarei as ilusões que criei sobre a vida, minhas pretensões exageradas e fantasias megalômanas infantis. E quando eu as reconheço e identifico como aquilo que são realmente — um pé atolado na infantilidade — então poderei reconciliar-me lentamente comigo mesmo e com minha situação. Se eu permanecer pacientemente comigo mesmo e aguentar, então as forças que estão se fragmentando em meu interior se unirão novamente, eu voltarei a ser uno e encontrarei de novo meu centro.

O ficar-consigo-mesmo é um caminho importante para reconciliarmos os opostos dentro de nós, para nos aguentarmos em nossa cisão. Evagrius descreve outros caminhos para nos livrarmos do domínio das paixões. A "apatheia" é um estado no qual as paixões não nos dominam mais, elas passam a nos servir, e se aquietam. Na "apatheia" posso lidar livremente com minhas paixões. Não fico mais amarrado a elas, dependente delas. Na verdade elas me levam à vida, e finalmente a Deus. Só quando alcanço essa liberdade interior, quando nada mais que vem de fora me domina, só então encontro meu "eu" verdadeiro. Evagrius diz que na "apa­theia" eu posso ver minha própria luz. Posso tomar consciência de meu cerne mais profundo. E ele é uma luz muito clara. A luz é para mim uma imagem do "eu", o cerne mais profundo do ser humano, no qual também mora Deus, a verdadeira luz.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O buscador é diferente do objeto de sua busca?


O que é isso que chamamos de permanente? O que é isso que estamos procurando, que nos dará, ou que esperamos que nos dê, permanência? Não estamos buscando felicidade, satisfação e certeza duradouras? Queremos algo que se prolongue eternamente, que nos dê satisfação. Se nos despirmos de todas as palavras e sentenças, veremos que é isso o que queremos. Queremos prazer e satisfação permanentes, e a isso que chamamos de verdade, Deus ou qualquer outra coisa.
Muito bem, queremos prazer. Talvez esse seja um modo bruto de falar, mas o que realmente queremos é conhecimento que nos dê prazer, experiências que nos deem prazer, satisfação que não se tenha desvanecido no dia seguinte. Temos experimentado muitas coisas que nos deram satisfação, mas todas elas desapareceram. E agora esperamos encontrar satisfação permanente na realidade, em Deus. Sem dúvida, é isso o que todos nós estamos procurando, tanto o inteligente como o estúpido, o teórico e o factual. Mas existe satisfação permanente? Existe algo que dure para sempre?
Se você está buscando satisfação, chamando-a de Deus, ou de Verdade — o nome não importa —, tem de compreender a coisa que está procurando. Quando diz que está buscando felicidade permanente — Deus, verdade ou como queira chamá-la —, não precisa compreender buscador? Porque, talvez, não existam segurança e felicidade permanentes. A verdade, talvez, seja algo totalmente diferente, e penso que de fato é completamente diferente do que podemos ver, conceber, formular. Então, antes de procurarmos algo permanente, não é óbvio que precisamos compreender aquele que busca? O buscador é diferente daquilo que ele está buscando? Quando dizemos que estamos buscando felicidade, o buscador é diferente do objeto de sua busca? O pensador é diferente do pensamento? Não são eles um fenômeno conjunto, em vez de processos isolados? Assim, torna-se essencial compreender o buscador antes de tentarmos descobrir o que ele está buscando.
Portanto, chegamos àquele ponto em que nos perguntamos de maneira sincera e profunda se paz, felicidade, realidade, Deus ou o que quisermos, podem nos ser dados por outra pessoa. Pode essa busca incessante, esse anseio, dar-nos aquele extraordinário senso de realidade, aquele ser criativo, que surge quando realmente compreendemos a nós mesmos? O autoconhecimento vem pela busca, por seguirmos outra pessoa, por pertencermos a determinada organização, pelos livros que lemos, e assim por diante? Afinal, a questão principal é que se eu não compreendo a mim mesmo, não tenho base para o pensamento, e toda a minha busca será em vão. Posso me refugiar em ilusões, posso fugir da rivalidade, do conflito, da luta, posso adorar alguém, posso procurar minha salvação por intermédio de outra pessoa, mas enquanto eu estiver ignorante a respeito de mim mesmo, enquanto eu não estiver cônscio do processo total de mim, não terei base para o pensamento, para a afeição, para a ação.
Mas a última coisa que queremos é conhecer a nós mesmos. Esse é, definitivamente, o único alicerce sobre o qual podemos construir. Contudo, antes de podermos construir, antes de podermos transformar, antes de podermos condenar ou destruir, precisamos saber o que somos. Sair por aí procurando, mudando de professores, de gurus, praticando ioga, técnicas de respiração, realizando rituais, seguindo mestres e todo o resto, é absolutamente inútil, não é? Nada disso tem sentido, mesmo que as próprias pessoas a que seguimos digam “estudem a si mesmos”, porque o que somos, o mundo é. Se somos mesquinhos, invejosos, vaidosos, gananciosos, isso é o que criamos ao nosso redor, assim é a sociedade em que vivemos.
Parece-me que, antes de partirmos para uma jornada em busca da realidade, de Deus, antes de podermos agir, antes de podermos ter um relacionamento com os outros — que é o que forma a sociedade —, é essencial começarmos a compreender a nós mesmos. Considero sincera em sua intenção a pessoa que se preocupa com isso em primeiro lugar, e não em como alcançará determinada meta, porque, se nós, você e eu, não compreendermos a nós mesmos, como poderemos, na ação, causar uma transformação na sociedade, nos relacionamentos, em tudo o que fizermos? Isso não significa, obviamente, que o autoconhecimento se oponha aos relacionamentos, ou seja separado deles. Não significa dar ênfase ao indivíduo, ao eu, em oposição à massa, em oposição ao outro.
Agora, sem conhecer a si mesmo, sem conhecer o próprio modo de pensar e saber por que pensa certas coisas, sem saber a base de seu condicionamento e por que tem certas convicções sobre arte e religião, sobre seu país, seu próximo e sobre si mesmo , como você pode pensar verdadeiramente sobre alguma coisa? Sem conhecer sua formação, a substância de seu pensamento e de onde ele vem, sua busca é fútil, sua ação não tem sentido.
Antes de podermos descobrir qual é o propósito final da vida, o que tudo isso significa — guerras, antagonismos entre nações, conflitos, toda essa confusão —, precisamos começar a aprender sobre nós mesmos. Parece fácil, mas é extremamente difícil. Para seguir a nós mesmos, ver como funciona o nosso próprio pensamento, temos de estar alertas, de modo que, conforme ficamos mais alertas quanto à complexidade de nosso modo de pensar, das reações e dos sentimentos, começamos a ter uma conscientização mais ampla não apenas de nós mesmos, mas também daqueles com quem nos relacionamos. Conhecer a si mesmo é estudar-se em ação, e isso é relacionamento. A dificuldade maior é nossa impaciência. Queremos ir sempre em frente, chegar a um fim, e dessa maneira não temos tempo para nos dar a oportunidade de estudar, observar. Nós nos envolvemos em muitas atividades, trabalhando para ganhar a vida, criando filhos, ou então assumimos certas responsabilidades em várias organizações. Comprometemo-nos de tantas maneiras que não nos sobra tempo para a autorreflexão, a observação, o estudo de nós mesmos. Portanto, a responsabilidade pela ação é do próprio indivíduo, não de outra pessoa. Procurar, por todo o mundo, gurus e seus sistemas, ler os últimos livros sobre isso e aquilo, e assim por diante, parecem-me ações vazias, porque podemos andar por toda a Terra mas teremos de voltar a nós mesmos. E como não somos cônscios de nós mesmos, é extremamente difícil começar a ver com clareza o processo de nossos pensamentos, sentimentos e ações.
Quanto mais sabemos sobre nós, mais clareza ganhamos. O autoconhecimento não tem fim, nunca é completado, nunca acaba. É um rio infinito. Quando estudamos, aprofundando-nos mais e mais em nós mesmos, encontramos a paz. Apenas quando amente está tranquila — por meio do autoconhecimento, não dá disciplina imposta — é que a realidade acontece, surgindo dessa tranquilidade, desse silêncio. É só então que pode haver bem-aventurança, que pode haver ação criativa. Penso que sem essa compreensão, sem essa experiência, limitar-se a ler livros, assistir palestras, fazer propaganda, é infantil — atividade sem sentido; enquanto que se compreendermos a nós mesmos, produzindo assim aquela felicidade criativa, a experiência de alguma coisa que não é da mente, é possível acontecer uma transformação em nossos relacionamentos imediatos e, assim, no mundo em que vivemos. 

Krishnamurti - The Krishnamurti Reader

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Eu, que sou o observador do sofrimento, sou diferente do sofrimento?

Pergunta: Você disse que a verdade só pode surgir quando uma pessoa é capaz de estar só e de amar o sofrimento. Isso não está claro. tenha a bondade de explicar o que você entende por "estar só" e "amar o sofrimento".

Krishnamurti: A maioria de nós não está em comunhão com coisa alguma. Não estamos diretamente em comunhão com nossos amigos, nossas esposas, nossos filhos. Não estamos diretamente em comunhão com coisa alguma. Existem sempre barreiras — barreiras mentais, imaginárias e reais. E essa separação é, sem dúvida, a causa do sofrimento. Não diga, "sim, já li isso, o sei verbalmente". Mas, se você for capaz de experimentar diretamente, verá que o sofrimento não pode terminar por meio de nenhum processo mental. Pode achar explicações para o sofrimento, o que é um processo mental; mas o sofrimento continua a existir, embora você o encubra.
Assim, para compreender o sofrimento, você precisa, por certo, amá-lo, não é verdade? Isto é, precisa estar em comunhão direta com ele. Se deseja compreender alguma coisa — seu vizinho, sua esposa, ou qualquer relação — se deseja compreender qualquer coisa de maneira completa, precisa estar perto dela. Precisa se chegar a ela sem objeção alguma, sem preconceito, condenação ou repulsa; precisa amá-la, não é verdade? Se desejo lhe compreender, não devo ter preconceitos a seu respeito, preciso ser capaz de lhe olhar, não através de barreiras, não através de cortinas formadas pelos meus preconceitos e meus condicionamentos. Preciso estar em comunhão com você, o que significa que preciso lhe amar. De modo idêntico, se desejo compreender o sofrimento, preciso amá-lo, preciso estar em comunhão com ele. Isso me é impossível, porque estou fugindo dele, por meio de explicações, por meio de teorias, de experiências, de adiamentos, constituindo tudo isso o processo de verbalização. Por conseguinte, as palavras me impedem a comunhão com o sofrimento. As palavras — palavras explicativas, racionalizações, que são sempre palavras, que representam o processo mental — as palavras me impedem de estar diretamente em comunhão com o sofrimento. É só quando me acho em comunhão com o sofrimento, que o compreendo. 
O segundo passo é este: Eu, que sou o observador do sofrimento, sou diferente do sofrimento? Eu, que sou o "pensador", o "experimentador", sou diferente do sofrimento? Exteriorizo-o, a fim de evitá-lo, dominá-lo, repeli-lo. Sou diferente daquilo a que chamo sofrimento? Não sou. Portanto, eu sou o sofrimento; não é verdade que existe o sofrimento e que eu sou diferente dele. Eu é que sou o "sofrimento". 
Enquanto sou o observador do sofrimento, não há terminar do sofrimento. Mas assim que se dá o percebimento de que o sofrimento sou eu, de que o próprio observador é o sofrimento — o que é muitíssimo difícil de experimentar, de perceber, porque há séculos que dividimos essa coisa — quando a mente percebe que ela própria é o sofrimento — não quando está sentindo o sofrimento — que ela própria é a criadora do sofrimento, que ela é o própria sofrimento, ocorre então o terminar do sofrimento. Isso não requer nem tradição nem pensar, mas sim um percebimento muito atento, muito vigilante e inteligente. Esse estado inteligente, esse estado "integrado", é que é "estar só". Quando o observador é a coisa observada, ele é então o estado "integrado". E nesse "estar só", nesse estado de se achar completamente só, completo, em que a mente não está em busca de coisa alguma, nem visando recompensa, nem fugindo à punição, em que a mente está de fato tranquila, não está procurando, não está tateando, só então vem à existência aquilo que não é mensurável pela mente.

Krishnamurti - Quando o pensamento cessa - 3 de fevereiro de 1952
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill