Na primeira fase da prática espiritual — e por primeira eu não quero dizer uma parte pequena — o esforço é indispensável. Também a entrega, naturalmente, mas a entrega não é uma coisa que é feita em um dia. A mente tem suas ideias e se apega a elas; o vital humano resiste à entrega, pois o que ele chama de entrega, nos estágios iniciais, é uma espécie duvidosa de dar-se que inclui uma exigência; a consciência física é como uma pedra e o que ela chama de entrega frequentemente não é mais do que inércia. É só o psíquico que sabe como entregar-se, e o psíquico está normalmente muito velado no começo. Quando o psíquico desperta, ele pode trazer uma entrega repentina e verdadeira do ser todo, pois a dificuldade do resto é rapidamente superada e desaparece. Mas até lá, o esforço é indispensável. Ou pelo menos ele é necessário até que a Força venha afluindo do alto e entre no ser e assuma a prática espiritual, faça-a por ele cada vez mais, e deixe ao esforço pessoal uma parte cada vez menor — mas mesmo neste caso, se não o esforço, pelo menos a aspiração e a vigilância são necessárias, até que a posse da mente, da vontade, da vida e do corpo pelo Poder divino seja completa.
Por outro lado, existem algumas pessoas que desde o começo partem de uma vontade genuína e dinâmica para uma entrega total. São aqueles que são governados pelo psíquico ou que são governados por uma vontade mental clara e iluminada que, uma vez tendo aceito a entrega como a lei da prática espiritual, não vai tolerar nenhum fingimento com relação a ela, insistindo sobre as outras partes do ser para que sigam sua direção. Aqui ainda há esforço; mas ele é tão pronto e espontâneo e tem tanto o sentido de uma Força maior atrás dele, que o praticante dificilmente sente que está fazendo algum esforço. No caso contrário, quando existe na mente ou no vital uma disposição para conservar sua vontade independente, uma relutância em abandonar seu movimento autônomo (idiorritmia), tem que haver luta e esforço até que seja quebrada a parede entre o instrumento na frente e a Divindade atrás ou acima. Nenhuma regra que se aplique indistintamente a todo mundo pode ser estabelecida — as variações da natureza humana são grandes demais para serem abrangidas por uma única regra absoluta.
Existe um estado em que o praticante é consciente da Força divina trabalhando nele, ou pelo menos de seus resultados, e não obstrui a descida ou a ação dela por suas próprias atividades mentais, sua inquietude vital ou obscuridade e inércias físicas. Isto é abertura ao Divino. A entrega é a melhor maneira de abrir-se; mas a aspiração e a quietude podem fazer isso até certo ponto, enquanto não houver entrega. Entrega significa consagrar tudo de si ao Divino, oferecer tudo que se é e que se tem, não insistir em suas ideias, desejos, hábitos, etc., mas permitir que a Verdade divina os substitua em toda parte pelo conhecimento, vontade e ação dela.
Mantenha-se sempre em contato com a Força divina. A melhor coisa para você é fazer isso simplesmente e permitir que ela faça seu próprio trabalho; sempre que necessário, ela se apoderará das energias inferiores e as purificará; outras vezes, o esvaziará delas e o encherá consigo mesma. Mas se você deixar sua mente tomar a direção e discutir e decidir o que deve ser feito, você perderá o contato com a Força divina, e as energias inferiores começarão a agir por si mesmas, e todas conduzirão à confusão e a um movimento errado.
O ser psíquico só pode abrir-se plenamente quando o praticante tiver se livrado da mistura de motivos vitais (físicas-emocionais-sensoriais) com sua prática espiritual e for capaz de uma oferenda de si simples e sincera à Força. Se houver alguma espécie de tendência egoísta ou uma insinceridade de motivo, se o autoconhecimento for feito sob uma pressão de exigências vitais, ou parcial ou totalmente para satisfazer uma ambição espiritual ou qualquer outra, algum orgulho, vaidade ou busca de poder, posição ou influência sobre os outros, ou ainda com qualquer impulso para a satisfação de algum desejo vital com a ajuda da força espiritual, então o psíquico não pode abrir-se, ou abre-se apenas parcialmente ou apenas uma ou outra vez e fecha-se de novo porque é velado pelas atividades vitais; o fogo psíquico extingue-se na sufocante fumaça vital. Do mesmo modo, se a mente assume a parte dirigente no autoconhecimento e empurra a alma interior para o fundo, ou se a força devocional ou outros movimentos da prática espiritual tomam uma força vital em vez de psíquica, ocorre a mesma inabilidade. A pureza, a sinceridade simples e a capacidade de uma auto-oferenda sem egoísmo e sem mistura, sem pretensões ou exigências, são as condições para uma inteira abertura do ser psíquico.
Sri Aurobindo em, A Consciência que vê, Volume 2