KRISHNAMURTI: Gostaria de conversar com você, e talvez também com Narayan sobre o que está ocorrendo com o cérebro humano. Temos uma civilização que é altamente refinada mas, ainda assim, ao mesmo tempo bárbara, onde o egoísmo se veste com todos os tipos de roupagens espirituais. Bem no fundo, contudo, há um egoísmo aterrorizante. O cérebro do homem vem evoluindo por milênios e milênios; no entanto, atinge esse ponto divisório e destrutivo que todos conhecemos. Pergunto-me então se o cérebro humano — não um cérebro específico, mas o cérebro humano — está se deteriorando. Será que está realmente num declínio lento e constante? Ou será que é possível a alguém, durante a vida, realizar no cérebro uma total renovação frente a tudo isso; uma renovação que seja prístina, original e impoluta? Estive pensando sobre isso, e gostaria de discutir o assunto.
Penso que o cérebro humano não é um cérebro particular; não pertence a mim, nem a ninguém. Foi o próprio cérebro humano que evoluiu em milhões de anos e, nessa evolução, acumulou uma quantidade extraordinária de experiências, conhecimentos, e todas as crueldades, vulgaridades e brutalidades do egoísmo. Existe alguma possibilidade de que ele se descarte disso tudo e se transforme em outra coisa? Porque, aparentemente, o cérebro funciona através de padrões. Seja ele um padrão religioso, científico, comercial ou familiar, está sempre operando, funcionando em pequenos círculos estreitos. Esses círculos chocam-se uns com os outros, e não parece haver um fim para isso. O que, então, interromperá essa formação de padrões, de modo que não se volte a cair em padrões novos, e que, em vez disso, todo o sistema de padrões, seja ele agradável ou desagradável, seja demolido? Afinal de contas, o cérebro sofreu muitos choques, desafios, e pressões, e se ele não for capaz de se renovar ou de rejuvenescer, há muito pouca esperança. Você entende?
DAVID BOHM: Veja bem, pode ocorrer uma dificuldade. Se você está pensando na estrutura cerebral, não podemos penetrar, fisicamente, nessa estrutura.
K: Fisicamente não podemos. Sei disso, nós já discutimos o assunto. Então, o que o cérebro deve fazer? Os especialistas podem observá-lo, podem examinar o cérebro de um cadáver, mas isso não resolve o problema. Certo?
DB: Não.
K: Então o que deve um ser humano fazer, se ele sabe que não pode se transformar a partir de fora? O cientista, o especialista em cérebros e o neurologista explicam muitas coisas, mas suas explicações e investigações não solucionarão o problema.
DB: Bem, não há qualquer evidência de que possam fazê-lo.
K: Nenhuma evidência.
DB: Algumas pessoas que fazem bio-feedback acham que podem influenciar o cérebro, ligando um instrumento aos potenciais elétricos no crânio, o que lhes permite visualizá-los; pode-se também alterar o ritmo cardíaco, a pressão sanguínea, e outras coisas. Essas pessoas criaram a esperança de que algo podia ser feito.
K: Porém, não estão tendo sucesso.
DB: Não estão indo muito longe.
K: E não podemos esperar por esses cientistas e bio-feedbackers — desculpe! — para resolver o problema. O que faremos então?
DB: A próxima pergunta é se o cérebro pode ter consciência de sua própria estrutura.
K: Pode o cérebro ter consciência de seu próprio movimento? E pode ele, além de estar consciente de seu próprio movimento, ter energia suficiente para romper todos os padrões e afastar-se deles?
DAVID BOHM: Veja bem, pode ocorrer uma dificuldade. Se você está pensando na estrutura cerebral, não podemos penetrar, fisicamente, nessa estrutura.
K: Fisicamente não podemos. Sei disso, nós já discutimos o assunto. Então, o que o cérebro deve fazer? Os especialistas podem observá-lo, podem examinar o cérebro de um cadáver, mas isso não resolve o problema. Certo?
DB: Não.
K: Então o que deve um ser humano fazer, se ele sabe que não pode se transformar a partir de fora? O cientista, o especialista em cérebros e o neurologista explicam muitas coisas, mas suas explicações e investigações não solucionarão o problema.
DB: Bem, não há qualquer evidência de que possam fazê-lo.
K: Nenhuma evidência.
DB: Algumas pessoas que fazem bio-feedback acham que podem influenciar o cérebro, ligando um instrumento aos potenciais elétricos no crânio, o que lhes permite visualizá-los; pode-se também alterar o ritmo cardíaco, a pressão sanguínea, e outras coisas. Essas pessoas criaram a esperança de que algo podia ser feito.
K: Porém, não estão tendo sucesso.
DB: Não estão indo muito longe.
K: E não podemos esperar por esses cientistas e bio-feedbackers — desculpe! — para resolver o problema. O que faremos então?
DB: A próxima pergunta é se o cérebro pode ter consciência de sua própria estrutura.
K: Pode o cérebro ter consciência de seu próprio movimento? E pode ele, além de estar consciente de seu próprio movimento, ter energia suficiente para romper todos os padrões e afastar-se deles?
DB: Você tem de perguntar até que ponto o cérebro é livre para romper os padrões.
K: O que você quer dizer com isso?
DB: Bem, veja, se você começa afirmando que o cérebro está preso a um padrão, ele também poderia não estar.
K: Mas aparentemente está.
DB: Até onde podemos perceber. Ele pode não estar livre para escapar. Pode não ter o poder.
K: É isso o que eu disse: energia insuficiente, poder insuficiente.
DB: Sim, ele pode não ser capaz de empreender a ação necessária para sair.
K: Desse modo, ele se tornou seu próprio prisioneiro. E então?
DB: Então, é o fim.
K: É isso o fim?
DB: Se isso for verdade, então isso é o fim. Se o cérebro não puder escapar, talvez as pessoas escolham alguma outra maneira de resolver o problema.
(...)
K: Quero discutir isso. O cérebro está constantemente ocupado com vários problemas, com a permanência, com o apego, e assim por diante. Ele está constantemente num estado de preocupação. Isso pode ser o fator central; e se ele não estiver ocupado, tornar-se-á preguiçoso? Se não estiver ocupado, poderá manter a energia necessária para romper os padrões?
DB: O que interessa em primeiro lugar é que se o cérebro não estiver ocupado, alguém poderá pensar que ele ficará indolente.
K: Ficar preguiçoso e tudo o mais! Não quero dizer isso.
DB: Se você quer dizer não ocupado, mas ainda assim ativo...
K: Naturalmente. É isso o que eu quero dizer.
DB: Temos então de penetrar no que é a natureza da atividade.
K: Sim. Esse cérebro está muito ocupado com conflitos, esforços, apegos, temores e prazeres. E essa ocupação dá ao cérebro sua própria energia. Se ele não estiver ocupado, tornar-se-á preguiçoso, drogado, e perderá por assim dizer, sua elasticidade? Ou poderia esse estado desocupado fornecer ao cérebro a energia necessária para romper os padrões?
DB: O que o faz dizer que isso poderia acontecer? Estivemos discutindo, em outro dia, que quando mantemos o cérebro ocupado com a atividade intelectual e o pensamento, ele não se deteriora nem encolhe.
K: Desde que esteja pensando, movendo-se, vivendo.
DB: Pensando de maneira racional; nesse caso, ele permanece forte.
K: Sim. Também é aí que eu quero chegar. Ou seja, que enquanto ele estiver funcionando, movendo-se, pensando de modo racional...
DB: ... ele permanecerá forte. Se ele começar o movimento irracional, ele colapsará. E também, se ficar preso numa rotina, ele começará a morrer.
K: Exatamente. Isso ocorrerá se o cérebro ficar preso a qualquer rotina - à rotina da meditação, ou à rotina dos padres.
DB: Ou ao dia-a-dia da vida do fazendeiro ...
K: ... do fazendeiro, etc., ele gradualmente se tornará entorpecido.
DB: Não apenas isso, mas ele também parece encolher.
DB: Ou ao dia-a-dia da vida do fazendeiro ...
K: ... do fazendeiro, etc., ele gradualmente se tornará entorpecido.
DB: Não apenas isso, mas ele também parece encolher.
K: Encolher fisicamente.
DB: Será que algumas células morrem?
K: Encolher fisicamente; e o oposto disso é a eterna ocupação com tarefas — por alguém que executa um trabalho de rotina... pensando, pensando, pensando! E acreditamos que isso também evita o encolhimento.
DB: Certamente a experiência parece comprovar isso, a partir de medições realizadas.
K: Sim, isso de fato ocorre. Exatamente.
DB: O cérebro começa a encolher numa certa idade. Isso é o que eles descobriram, assim como os músculos começam a perder sua flexibilidade quando o corpo não é usado...
K: Então, façamos bastante exercício!
DB: Bem, eles dizem para exercitarmos tanto o corpo como o cérebro.
K: Sim. Se ele ficar preso a qualquer padrão, qualquer rotina, qualquer diretriz, ele encolherá.
DB: Vamos estudar o que o faz encolher.
K: Isso é razoavelmente simples. É a repetição.
DB: A repetição é mecânica, e de fato não usa toda a capacidade do cérebro.
K: Já se observou que as pessoas que passaram anos e anos meditando são as mais apáticas sobre a Terra. Isso, através de ampla evidência, também se aplica aos juristas e aos professores.
N: Sugeriu-se que o pensamento racional adia a senilidade. Mas o próprio pensamento racional pode, às vezes, se tornar um padrão.
DB: Talvez. O pensamento racional exercido numa área estreita poderá se tomar também uma parte do padrão.
K: Claro, claro.
DB: Mas há alguma outra maneira?
K: Podemos abordar isso.
DB: Vamos, porém, esclarecer primeiro as coisas a respeito do corpo. Veja, se alguém exercita bastante o corpo, este permanece forte, mas isso pode se tomar mecânico.
K: Sim.
DB: E conseqüentemente teria um efeito negativo.
N: E a respeito dos diversos instrumentos religiosos tradicionais — ioga, tantra, kundalini, etc.?
K: Sei. Oh, eles devem causar o encolhimento! Por causa do que está acontecendo. Tome o ioga, como exemplo. Ele não era vulgarizado, se é que posso usar essa palavra. Mantinha-se estritamente entre poucas pessoas que não estavam preocupadas com kundalini e todo o resto, estavam, isto sim, interessadas em levar uma vida moral, ética, supostamente espiritual. Veja, quero chegar à raiz disso.
DB: Penso que há algo relacionado com isso. Parece que antes o homem estava organizado em comunidades, vivia perto da natureza, e não era possível viver numa rotina.
K: Não, não era.
DB: Mas isso era completamente inseguro.
K: Estamos dizendo, então, que o próprio cérebro se torna extraordinariamente vigoroso — não ficando preso a um padrão — se ele viver num estado de incerteza? Sem se tornar neurótico!
DB: Penso que fica mais claro quando você diz sem se tornar neurótico— a certeza se transforma então numa forma de neurose. Mas preferiria que o cérebro vivesse sem ter certeza, sem exigi-la, sem reclamar um determinado conhecimento.
K: Estamos dizendo então que o conhecimento também debilita o cérebro?
DB: Sim, quando é repetitivo e se torna mecânico.
K: Mas e o conhecimento em si?
DB: Bem, temos que tomar muito cuidado com isso. Penso que o conhecimento tem uma tendência a se tornar mecânico, quer dizer, ele se torna estável, mas nós podemos estar sempre aprendendo, entende?
K: Mas aprendendo a partir de um centro, aprendendo através de um processo acumulativo!
DB: Aprendendo com algo fixo. Veja, aprendemos alguma coisa como sendo permanente, e então aprendemos a partir daí. Se nós estivéssemos aprendendo sem manter qualquer coisa permanentemente estável...
K: Aprendendo e não acrescentando. Podemos fazer isso?
DB: Sim, acho que numa certa medida temos que nos desfazer do nosso conhecimento. Veja, o conhecimento poderá ser válido até certo ponto, e então deixa de ser válido. Passa a atrapalhar. Poderíamos dizer que a nossa civilização está desmoronando por causa de excesso de conhecimento.
K: Naturalmente.
(...)
Trecho de Diálogo entre J. Krishnamurti e David Bohm, extraído do livro:
A Eliminação do Tempo Psicológico
N: Sugeriu-se que o pensamento racional adia a senilidade. Mas o próprio pensamento racional pode, às vezes, se tornar um padrão.
DB: Talvez. O pensamento racional exercido numa área estreita poderá se tomar também uma parte do padrão.
K: Claro, claro.
DB: Mas há alguma outra maneira?
K: Podemos abordar isso.
DB: Vamos, porém, esclarecer primeiro as coisas a respeito do corpo. Veja, se alguém exercita bastante o corpo, este permanece forte, mas isso pode se tomar mecânico.
K: Sim.
DB: E conseqüentemente teria um efeito negativo.
N: E a respeito dos diversos instrumentos religiosos tradicionais — ioga, tantra, kundalini, etc.?
K: Sei. Oh, eles devem causar o encolhimento! Por causa do que está acontecendo. Tome o ioga, como exemplo. Ele não era vulgarizado, se é que posso usar essa palavra. Mantinha-se estritamente entre poucas pessoas que não estavam preocupadas com kundalini e todo o resto, estavam, isto sim, interessadas em levar uma vida moral, ética, supostamente espiritual. Veja, quero chegar à raiz disso.
DB: Penso que há algo relacionado com isso. Parece que antes o homem estava organizado em comunidades, vivia perto da natureza, e não era possível viver numa rotina.
K: Não, não era.
DB: Mas isso era completamente inseguro.
K: Estamos dizendo, então, que o próprio cérebro se torna extraordinariamente vigoroso — não ficando preso a um padrão — se ele viver num estado de incerteza? Sem se tornar neurótico!
DB: Penso que fica mais claro quando você diz sem se tornar neurótico— a certeza se transforma então numa forma de neurose. Mas preferiria que o cérebro vivesse sem ter certeza, sem exigi-la, sem reclamar um determinado conhecimento.
K: Estamos dizendo então que o conhecimento também debilita o cérebro?
DB: Sim, quando é repetitivo e se torna mecânico.
K: Mas e o conhecimento em si?
DB: Bem, temos que tomar muito cuidado com isso. Penso que o conhecimento tem uma tendência a se tornar mecânico, quer dizer, ele se torna estável, mas nós podemos estar sempre aprendendo, entende?
K: Mas aprendendo a partir de um centro, aprendendo através de um processo acumulativo!
DB: Aprendendo com algo fixo. Veja, aprendemos alguma coisa como sendo permanente, e então aprendemos a partir daí. Se nós estivéssemos aprendendo sem manter qualquer coisa permanentemente estável...
K: Aprendendo e não acrescentando. Podemos fazer isso?
DB: Sim, acho que numa certa medida temos que nos desfazer do nosso conhecimento. Veja, o conhecimento poderá ser válido até certo ponto, e então deixa de ser válido. Passa a atrapalhar. Poderíamos dizer que a nossa civilização está desmoronando por causa de excesso de conhecimento.
K: Naturalmente.
(...)
Trecho de Diálogo entre J. Krishnamurti e David Bohm, extraído do livro:
A Eliminação do Tempo Psicológico