K: "Quem", não. Simplesmente, ocorre uma visão intuitiva.
N: Ocorre uma visão intuitiva e então a consciência fica vazia de seu conteúdo...
K: Não, senhor. Não.
N: Você está querendo dizer que o próprio esvaziamento de conteúdo é a visão intuitiva?
K: Não. Estamos dizendo que o tempo é um fator que formou o conteúdo. Ele o construiu, e também pensa a respeito dele. Todo esse fardo é o resultado do tempo. A visão intuitiva de todo esse movimento, que não é "minha" visão intuitiva, provoca transformações no cérebro, pois ela não está ligada ao tempo.
DB: Você está dizendo que esse conteúdo psicológico é uma certa estrutura, que existe fisicamente no cérebro? E que, para esse conteúdo psicológico existir, o cérebro formou durante muitos anos, muitas ligações entre as células, que constituem esse conteúdo?
K: Exatamente.
DB: E há então um lampejo de visão intuitiva, que percebe tudo isso e que não é necessário. Conseqüentemente, tudo isso começa a se dissipar, e quando se dissipou, não há mais conteúdo. Depois, qualquer coisa que o cérebro faça será algo diferente.
K: Vamos um pouco mais adiante. Haverá então um vazio total.
DB: Bem, vazio do conteúdo. Mas quando você diz vazio total, quer dizer vazio de todo esse conteúdo interior?
K: Exatamente. E esse vazio possui uma tremenda energia. Ele é energia.
DB: Poderíamos dizer então que o cérebro, com todas essas ligações entrelaçadas, prendeu grande quantidade de energia?
K: Isso mesmo. Desperdício de energia.
DB: E quando tudo isso começa a se dissipar, essa energia está ali.
K: Sim.
DB: Você diria que ela é uma energia tão física quanto qualquer outro tipo?
K: Naturalmente. Agora podemos entrar em maiores detalhes, mas esse princípio, a raiz da coisa, é uma ideia ou um fato? Ouço tudo isso fisicamente com o ouvido, mas posso torná-lo uma ideia. Se eu escuto isso, não apenas com o ouvido, mas em meu ser, na minha própria estrutura, o que acontece então? Se esse tipo de audição não ocorrer, tudo isso se toma apenas uma ideia, e eu sigo girando pelo resto da minha vida brincando com idéias. Se houvesse um cientista aqui, especialista em bio-feedback ou outro tipo de estudo do cérebro, será que ele aceitaria tudo isso? Ele ao menos escutaria?
DB: Alguns escutariam, mas evidentemente a maior parte não o faria.
K: Não. Mas como podemos então atingir o cérebro humano?
DB: Tudo isso soaria bastante abstrato para a maior parte dos cientistas, entende? Eles diriam que talvez seja assim; que é uma bonita teoria, mas que não há qualquer prova de que ela seja verdadeira.
K: Naturalmente. Eles diriam que ela não os instiga muito porque não percebem nenhuma prova.
DB: Diriam que se aparecer mais alguma evidência, eles voltarão mais tarde e ficarão muito interessados. Veja bem, você não pode fornecer qualquer prova, porque não importa o que esteja acontecendo, ninguém poderá vê-la com os próprios olhos.
K: Compreendo. Mas estou perguntando: o que faremos? O cérebro humano — não o "meu " cérebro ou o "seu", mas o cérebro — evoluiu ao longo de um milhão de anos. Uma "aberração" biológica poderá escapar disso, mas como se poderá fazer com que a mente humana em geral perceba tudo isso?
DB: Penso que temos de comunicar a necessidade, a inevitabilidade do que você está dizendo. Como quando uma pessoa vê uma coisa acontecendo diante dos seus olhos e diz: "É assim." Certo?
K: Mas isso requer que uma pessoa escute, que uma pessoa diga: "Quero captar isso, quero compreender isso, quero descobrir isso." Entende o que estou dizendo? Aparentemente, essa é uma das coisas mais difíceis da vida.
DB: Bem, é a função desse cérebro ocupado - que está ocupado consigo mesmo e não escuta.
N: Aliás, uma das coisas é que essa ocupação começa muito cedo. Quando somos jovens ela é muito poderosa, e continua por toda nossa vida, Como podemos tornar isso claro através da educação?
K: No momento em que percebemos a importância de o cérebro não estar ocupado — em que percebemos isso como uma tremenda verdade — descobrimos maneiras e métodos de ajuda por meio da educação, criativamente. Ninguém pode ser ensinado, nem deve copiar ou imitar, senão estará perdido.
DB: Então o problema é este: "Como é possível comunicar isso ao cérebro, que rejeita, que não escuta?" Existe alguma maneira?
K: Não, se eu me recuso a escutar. Veja, acho que a meditação é um fator muito importante nisso tudo. Sinto que estivemos meditando, embora as pessoas comuns não considerem isso como meditação.
DB: Elas usam essa palavra com tanta freqüência...
K: ...que seu significado está realmente perdido. A verdadeira meditação, porém, é esta: esvaziamento da consciência. Você está me seguindo?
DB: Sim, mas sejamos claros. Antes, você disse que isso ocorreria através da visão intuitiva. Agora você está dizendo que a meditação propicia a visão intuitiva?
K: Meditação é visão intuitiva.
DB: Ela já é visão intuitiva. Então é uma espécie de trabalho que fazemos? Considera-se usualmente a visão intuitiva como um lampejo, mas a meditação é mais constante.
K: Temos de ser cuidadosos. O que entendemos por meditação? Podemos rejeitar os sistemas, métodos e autoridades reconhecidas, porque são normalmente apenas repetições tradicionais — bobagens vinculadas ao tempo.
N: Você acha que alguns deles puderam ser originais, puderam ter uma verdadeira visão intuitiva, no passado?
K: Quem sabe? Agora, meditação é essa penetração, essa sensação de se mover sem qualquer passado.
DB: O único ponto a ser esclarecido é que quando você usa a palavra meditação, refere-se a algo mais que visão intuitiva, entende?
K: Muito mais. A visão intuitiva libertou o cérebro do passado, do tempo. Essa é uma declaração imensa...
DB: Você está querendo dizer que precisamos ter visão intuitiva se quisermos meditar?
K: Sim, exatamente. Meditar sem ter qualquer percepção de vir a ser.
DB: Não podemos meditar sem a visão intuitiva. Não podemos encarar a meditação como um procedimento graças ao qual atingiremos a visão intuitiva.
K: Não. Isso imediatamente implica o tempo. Seguir um procedimento, um sistema, um método, para se alcançar a visão intuitiva é um absurdo. Ter uma visão intuitiva da ganância ou do medo liberta a mente desses últimos. A meditação, portanto, tem uma qualidade muito diferente. Não tem nada a ver com todas as meditações dos gurus. Poderíamos dizer então que para ocorrer a visão intuitiva tem de haver o silêncio?
DB: Bem, isso é a mesma coisa; parece que estamos andando em círculos.
K: No momento.
DB: Sim, minha mente tem o silêncio.
K: Então o silêncio da visão intuitiva limpou, purificou tudo isso.
DB: Toda essa estrutura da ocupação.
K: Sim. Não há então nenhum movimento como nós o conhecemos; nenhum movimento de tempo.
DB: Existe movimento de algum outro tipo?K: Não vejo como podemos medir isso com palavras, essa sensação de um estado ilimitado.
DB: Mas você estava dizendo antes que, apesar disso, precisamos encontrar alguma linguagem, mesmo que seja indizível.
K: Sim — nós encontraremos essa linguagem.
Jiddu Krishnamurti e David Bohm - 1° de junho de 1980, Brockwood Park, Hampshire
Do livro: A Eliminação do Tempo Psicológico