O processo mecânico dos sistemas
produz insensibilidade, gera repressão ou a resistência ao que realmente vocês
são, o querer sobrepor ao que são o que pensam que deveriam ser; isso
envolve conflito, batalha. Querendo controlar, reprimir, disciplinar a vocês
mesmos, se forçam a ficar sentado, imóvel, respirando "corretamente",
tudo isso na esperança de, no fim de certo tempo, alcançarem uma coisa a cujo
respeito não sabem absolutamente nada. Por conseguinte, o homem sensato rejeita
toda e qualquer ideia de sistema ou método, compreendendo que eles não o
levarão a parte alguma. Mas, lhes inculcaram a ideia de que são capazes de
"experimentar" a Verdade, de alcançar a "iluminação", de
descobrir a Realidade. Já não ouviram seus gurus, as pessoas que lhes instruem
sobre "como meditar", já não os ouviram dizer que
"experimentaram" a Verdade, a Realidade? Há dias alguém veio nos
dizer: "Experimentei a Realidade, sei o que é a Verdade"; não se pode
enunciar maior absurdo.
Escute, senhor: Quando um homem diz "sei", que é que ele sabe? Ao dizer "sei", isso significa que sei de algo já acabado. Certo? Eu só sei o que já acabou, que está no passado; portanto, estou vivendo no passado. Observem isso, por favor, em sua própria vida. Se digo "lhe conheço", só conheço a imagem que tenho de você, e essa imagem é o passado. Portanto, o homem que diz que sabe o que é a Verdade, não sabe. Ele sabe de algo já morto, acabado.
Já refletiram sobre a palavra
"experiência"? Ela significa "atravessar" (um certo
estado). Depois de "atravessarem" qualquer estado, ele está acabado;
mas, se não se completa o movimento, ele se registra na mente como
"memória", e o que se experimenta é o passado. No justo momento em
que experimentarem qualquer coisa — cólera, sexo, violência — não há nenhuma
"experimentador". Já notaram isso? Quando você está muito
enraivecido, quando sente muita inveja, nesse momento está totalmente ausente o
"eu", o "você" — o "experimentador". Este último
só chega um instante após e você diz, então: "Estive com raiva"
Portanto, os que dizem que sabem não sabem. Os que dizem ter
experimentado a Realidade jamais a experimentaram, porque
"experimentar" não significa apenas "passar por uma coisa",
mas também reconhecê-la. Do contrário, não há experiência. Se eu já não lhe
conhecesse, não poderia lhe reconhecer (e "lhe reconhecer" é
experiência). Assim, a palavra "experiência" implica reconhecimento.
Reconhecer implica que já conhecem; e o que já conhecem não pode ser o Real.
Portanto, rejeitem completamente todos os sistemas. Tenham cautela com os que
dizem "experimentei" e dos que dizem "sei". Não se deixem
cair nessa armadilha. Esse é o meio de que eles se servem para explorar vocês.
Disseram que vocês devem se
concentrar, que devem aprender a concentração. Vocês já investigaram o que
implica a concentração? Implica ação da vontade, ou seja resistir a qualquer
outro pensamento e focalizar toda a energia, todo o pensamento numa certa coisa,
numa sentença, palavra ou frase, na recitação de mantras... repetir,
repetir, repetir. Concentração implica resistência. Vocês resistem à infiltração
de qualquer outro pensamento, ou controlam os seus pensamentos, para que não se
ponham a divagar. A concentração pois, é vontade, na forma de resistência ou
repressão, quando necessitamos de uma mente livre, uma mente viva, cheia de
energia. A mente em constante conflito desperdiça energia, e vocês necessitam
dessa energia. Assim, se puderem se desfazer de seus sistemas favoritos, se
puderem ver como um fato verdadeiro que a concentração é meramente resistência
e, por conseguinte, incessante conflito e desperdício de energia, estarão
aptos a descobrir por si mesmos os requisitos necessários ao estado de
meditação.
Podemos agora investigar juntos —
não, "meditar juntos"? Este é um dos expedientes em uso: meditação
coletiva: juntar-se uma porção de gente e todos de olhos fechados para meditar
sobre isto ou aquilo. Nós estamos investigando em comum o que é meditação; não
estamos "meditando em comum", pois vocês não sabem o que é meditação,
só sabem o que os outros lhes disseram. Tenham cuidado com o que dizem os
outros, inclusive este orador, pois vocês se deixam persuadir muito
facilmente. E vocês se deixam persuadir porque estão muito ansiosos por
experimentar algo que pensam ser maravilhoso. Portanto, não se deixem
influenciar por este orador.
Averiguemos o que significa
"a mente em meditação". Já dissemos que vocês tem de rejeitar todos
os sistemas e métodos, todo desejo de experiência, e explicamos o que significa
esse desejo, ou seja o "motivo" existente atrás do desejo de
experiência. Assim, devem rejeitar todas essas e também tudo o que anda por aí
com o nome de "meditação" — respirar de certa maneira, dançar, tornar-se
emotivo, sentimental. Que é, pois, essa coisa chamada "meditação"?
Vocês vão descobrir; não descobrir "como meditar", porém, a natureza
e estrutura da mente que se acha totalmente livre, sem funcionar, sem nenhum
movimento da vontade, porque vontade significa resistência. Vocês não estão
aprendendo nada deste orador. Vocês são seu próprio guru e seu próprio
discípulo, porque vocês é que precisam descobrir isso. Precisam aprender, em vez
de imitarem ou seguirem autoridades.
Dessa forma, o principal é
compreenderem a si mesmos, porque, sem essa compreensão, vocês não tem uma base
racional para nenhum pensamento, nenhuma estrutura. Se não se compreendem, como
podem compreender outra coisa qualquer, e muito menos uma coisa que talvez não
exista? O primeiro movimento, pois, é compreenderem a si mesmos, verem-se
exatamente como são e não como gostariam de ser. Compreendam-se. Malevolência,
brutalidade, violência, avidez, inveja, torturante solidão e desespero — eis o
que são vocês. E, por não terem sido capazes de compreender e ultrapassar o que
são, inventaram o "eu superior", o "Atman" — um dos maiores
artifícios com que se iludem. Deste modo, vocês tem o conflito entre o que são
e o que pensam ser, ou como o Atman de vocês diz que "devem ser".
Estão, pois, fazendo um jogo que não lhes ajuda a se compreenderem. Para
compreenderem o que são, precisam olhar para si mesmos. Se quero conhecer
aquela árvore ou aquele pássaro, tenho de olhá-lo. Cumpre-me olhar a mim mesmo,
porque não sei o que sou. Devo aprender sobre o que sou, sem a ajuda de nenhum
filósofo ou psicólogo, de nenhum livro, guia ou guru.
Averiguemos o que somos. Nós
somos o dinheiro depositado no banco, somos invejosos, ambiciosos, corruptos, dizemos
uma coisa e fazemos outra, somos hipócritas, nos mascaramos, nos dissimulamos;
e, de permeio com tudo isso, há o sentimento de tristeza, de dor, de ansiedade,
há lágrimas, há os tormentos da solidão. Eis o que somo; e, se não o compreenderem
e ultrapassarem, como poderão algo de sumamente belo? Cabe a vocês, pois,
compreenderem o que são; e surge aqui uma grande dificuldade: porque o que
sois é um movimento constante, uma contínua mutação; não são permanente
ávido, ou permanentemente violento, ou permanentemente "sexual": há
mutação, movimento constante — viver. Compete a vocês compreender essa coisa
viva e, para compreende-la, precisam observá-la, em cada minuto, como coisa
nova. Percebem a dificuldade? Para compreender o que sou — uma entidade viva, e
não uma coisa morta — tenho de me observar, e o que observo num minuto, tenho
de largá-lo, para tornar a observá-lo no próximo instante. Estou, assim, observando
em cada minuto, como coisa nova, uma entidade viva; não levo para o próximo
minuto o que aprendi, a fim de, com este conhecimento, observar aquela coisa
sempre nova. Se assim fizerem, verão que essa é uma das coisas mais
fascinantes, porque, então, a mente retém muito pouco, conservando apenas o
conhecimento técnico essencial, e nada mais. Desta maneira, ela esta apta a
observar o movimento do "eu" — essa entidade tão complexa — não só no
nível superficial, mas também profundamente.
(...) No nível superficial, e
estando atento, vocês podem se observar, em cada minuto, de maneira nova. Mas,
como irão observar os segredos de suas mentes, os ocultos "motivos",
a complexa herança de vocês? Tudo isso existe, de forma oculta. Como vocês
observarão? Observar não é analisar, mas, sim, estar vigilante durante o dia,
percebendo todo o movimento, as mensagens indiretas e sugestões dos desejos
secretos. Observem com o espírito aberto, para descobrirem os
"motivos", as intenções, a tradição, o fundo hereditário.
Assim, observando todas essas
coisas durante o dia, ao chegar a noite, irão dormir com a mente completamente
quieta. Não terão, então, sonhos, porque os sonhos são a continuação, em forma
simbólica, dos conflitos do dia; pois, compreendendo o movimento diário da vida
de vocês, suas ambições, suas invejas, irritações, etc., estarão esvaziando a
mente de todo o passado. Dessa forma, devem aprender sobre vocês mesmo,
constantemente. Aprender é presente ativo. Há, então, disciplina. Vivemos a
reprimir, a controlar, a ajustar, a imitar, e a isso chamamos
"disciplina"; mas essa é a disciplina do soldado... Nessa espécie de
disciplina que vocês tem, praticada pelo guru de vocês e por todos os outros, não há
liberdade nenhuma. Há decomposição, deterioração, ao passo que, no aprender
sobre nós mesmos a todas as horas, e não "após ter aprendido",
cria-se a ordem própria desse aprender. Se
estou aprendendo acerca do processo do viver, esse mesmo aprender traz sua
ordem própria e, portanto, sua peculiar virtude. A virtude que se cultiva não é
virtude. Há, pois, necessidade de conhecer a si mesmos, necessidade dessa ordem
que é disciplina, e não deve haver nenhuma ação da vontade.
(...) Na ação da vontade há
escolha — não quero fazer isto, quero fazer aquilo. Estão compreendendo? Compreendam isso, por favor, porque, se não
aprenderem tudo isso sobre vocês mesmos, terão uma vida de aflição. Dessa aflição
poderão fugir, lutando. E só estas duas cosias vocês conhecem: resistir, fugir.
Resistência significa luta. E, quanto à fuga, há toda uma cadeia de fugas: os
templos, os gurus, as drogas, o beber, o sexo... E em tudo isso está
implicada a vontade. Pode a pessoa viver, cada dia, sem o movimento e a ação da
vontade, quer dizer, viver uma vida em que não haja escolha de espécie alguma?
Havendo escolha, há contradição. Só
há escolha quando estão confusos, não? Quando não sei o que fazer, estou
confuso; dessa confusão vem a escolha e, da escolha, a ação da vontade. Por que
vocês estão confusos? A maioria das pessoas está; por que? Isso acontece porque
não aceitam o que realmente é. Vocês querem mudá-lo noutra
coisa. E, no momento em que o fazem, há conflito e, por causa desse conflito,
confusão. A ação da vontade, pois, é produto da confusão.
A meditação é um movimento em que
não existe nenhuma ação da vontade... Vocês necessitam de uma mente são,
lógica, racional, e não de uma mente entorpecida. Se vocês têm luz, não
precisam de mais nada, não há necessidade de se criarem esses centros chamados chakras
e kundalinis, que nunca
alcançará aquele estado em que não existe o tempo, aquele estado de beleza,
verdade, e amor.
Por conseguinte, rejeitem as
velas os gurus e os livros que lhes oferecem. Não repitam nunca uma
palavra que não tenha sido compreendida por vocês mesmos, que vocês mesmos não
tenham provado e achado verdadeira.
Krishnamurti — Bombaim, 17 de
fevereiro de 1971