Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Sobre a fuga da intimidade espiritual

Quem sou eu?

Quem sou eu? Esta é uma pergunta que deve penetrar fundo na nossa consciência. Ela deve ser formulada em silêncio e feita com reverência, com seriedade e, mais tarde, até mesmo num espírito de quase prece.

Devemos começar a tomar consciência dessa indagação e nos absorvermos nela durante um espaço limitado ao menos uma vez ao dia em nossa vida reflexiva. Devemos fazer uma tentativa de analisar a nossa natureza e — com espírito responsável e meticuloso — dissecar o conceito do eu assim como um anatomista disseca o corpo físico, até tomar ciência daquilo que o corpo realmente é. Esta análise deve ser mais do que um mero esgravatamento das paixões humanas, o qual, segundo numerosos psicólogos modernos, já seria suficiente. Ela deve ser um esforço para perscrutar uma seção transversal da experiência humana, em sua totalidade, desde o mais grosseiro até o mais etéreo.

Voltamos sempre ao único fator que deve ter preeminência, seja na filosofia teórica, seja na vida prática: o conhecimento do eu. Em consequência, o autoconhecimento dirige-se diretamente para este objetivo: uma análise mental do eu pessoal que resulte na descoberta do eu espiritual. Tal descoberta jamais surgirá se nos debruçarmos sobre uma mesa de laboratório. É essencial uma profunda meditação acerca do tema QUE SOU EU?

O princípio básico deste método é, portanto, tomar essa indagação, e tentar referir a natureza e a origem do conceito do eu; analisar a totalidade dos componentes que de hábito consideramos como partes do nosso ser individual; examinar, uma por uma, cada parte do corpo e suas respectivas emoções e pensamentos; e através disto tudo buscar aquilo que realmente se pode chamar de eu, relegando tudo mais a um esquecimento TEMPORÁRIO.

Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Os graciosos lampejos do Ser que somos

Concentração: porta da libertação do intelecto


A concentração consiste em deter a habitual mobilidade do intelecto e conservá-lo firmemente dirigido para uma única linha de deslocamento, entrando profundamente num pensamento especial. Para conseguir isto é necessário ignorar as impressões e sensações físicas que o ambiente atira sobre nós, abafar o ruído da vida mundana, silenciando-o; e manter à distância o enxame de pensamentos intrusos e externos, praticando o controle consciente da mente durante a meia hora de meditação. Em suma, enquanto pensamos integralmente no assunto escolhido, é preciso que haja uma resistência voluntária aos impactos da percepção, que vêm de fora, e as rebeliões dos pensamentos aleatórios, que vêm de dentro. Não nos é possível destruí-los ou apaga-los prontamente, mas podemos fixar um alvo inarredável, um ideal de permanecer indiferentes a eles como a rocha contra a qual as ondas do mar batem em vão, impotentes para desloca-la da sua base. Durante a primeira metade do exercício sentimos uma necessidade quase incontrolável de abandoná-lo, de nos erguermos e tratarmos de outra coisa. A mente se queixará amargamente de ser desviada da sua trilha habitual, da tirania de ser contrariada pela interiorização, quando de bom grado aceita a tirania muito maior de ser o dia todo levada para o exterior. A inquietude da mente é a descoberta genérica de todos quantos adotam a meditação. Tal descoberta é confirmada por cada esforço e conduz à princípio a um certo desencanto. Os primeiros e desajeitados esforços deixam uma sensação de fracasso e fadiga. Compreendemos então que apenas uma pequena fração dos nossos pensamentos é realmente nossa, o resto não passando de uma turba indisciplinada e rebelde. Se cedermos a esses sentimentos negativos estaremos caminhando para o fracasso. Se, contudo, aceitarmos o fato de que a tarefa empreendida é séria e difícil — conquanto exequível e digna de ser cumprida —, atacando com coragem e sem desfalecimentos os exercícios, um dia haverá uma recompensa, quando no tumulto da mente surgir uma parada maravilhosa e a tendência exteriorizante for inteiramente dominada.

Até aqui temos obedecido irresistivelmente à constante mobilidade da mente e cedido a ela; no instante em que começamos a silenciar a agitação habitual da mente, aparece, claro está, uma séria resistência. E isso seria de esperar. Devemos aceitar, por conseguinte, o fato da inevitabilidade dessa resistência e, ao invés de abandonar os exercícios, por faltos de inspiração e estéreis, devemos perseverar com paciência e confiança de que o intelecto se torne um pouco mais firme a cada mês que passe.

Porque a mente foi aprisionada pelo corpo e sujeita ao seu serviço, o objetivo da meditação é inverter as posições e libertá-la de um jugo despótico, de modo que ela possa reunir-se com o seu legítimo senhor, o Eu Superior. Quando a mente foge ao nosso domínio e faz com que as sensações externas ou lapsos se imponham à nossa atenção, devemos fazer o mais difícil: impedi-la de divagar; tentar torna-la introspectiva e, pacientemente, fazer sua atenção reverter ao foco apropriado, por mais cansativo e repetitivo que possa ser. Paciência e indiferença aos fracassos reiterados são essenciais na obtenção do sucesso final.

A concentração do pensamento é como cavalgar uma mula teimosa que não se cansa de enveredar para onde bem entende; sempre que o montador percebe que a sua montada está desgarrando, é obrigado a fazê-la endireitar a cabeça e retomar o caminho certo. O nosso Eu Superior interno está sempre ao nosso alcance, mas os nossos pensamentos itinerantes devem transformar-se no seu combustível; há tanto tempo agimos como filhos pródigos que a jornada da volta demandará um apreciável espaço de tempo. Por essa razão requer-se paciência nesses esforços. A ninguém é dado tornar-se um bom músico em apenas três meses, contudo a maioria dentre nós espera conseguir o melhor da vida depois de uns poucos esforços, tornando-se pessimista quando não há uma resposta imediata.

É preciso acrescentar uma observação final a fim de eliminar uma confusão que frequentemente ocorre à mente dos que adotam a ioga — o caminho da concentração. A conservação de uma linha de pensamentos consecutivos e ordenados, ou meditação, é o único processo preliminar e intermediário desse caminho. Trata-se de um estado de transição. A concentração ou contemplação adiantada consiste em fixar a atenção num único pensamento, objeto ou pessoa, deixando que ela ali se demore e evitando outros pensamentos sobre o mesmo tempo. Em consequência, um pensamento consecutivo efetivo é o esforço inicial que leva à concentração, mas não é a concentração final propriamente dita, porque envolve a passagem de uma sucessão de pensamentos. A concentração envolve apenas um objeto, ou apenas um pensamento. Precisamos aprender a encarar o intelecto como uma máquina de pensar que deve ser temporariamente posta de lado quando houver servido aos seus propósitos, ao invés de ser continuamente manipulada. A ação mental disciplinada tem de ser seguida por um repouso mental controlado — repouso que, abrindo o momento presente, faz-nos entrar na eternidade e liberta o pensador do sempre febricitante casulo de pensamentos.  


Paul Brunton em A Busca do Eu Superior

É preciso pular fora do sistema

Quando a sociedade está edificada sobre o egoísmo, sobre a rude competição, quando um luta contra o outro para a sua própria segurança, como se dá no edifício da presente civilização, então, essa ordem social deve a seu tempo ruir. O homem, movido pela sua ânsia de posse, construiu aquilo que ele denomina civilização. E apega-se a esse mundo; e, naturalmente, um edifício baseado no desejo contínuo, na consecução constante de alturas vazias, tem que a seu tempo desmoronar.

Qual é o remédio? Não há panaceias mundiais. Podeis, porém, individualmente e, portanto, coletivamente, pular fora do sistema que é seu inevitável produto. No mundo da ação, o homem, como indivíduo, tem-se tornado rudemente agressivo em seu desejo pelos haveres, em sua busca pela segurança. Tem-se servido de sua mente para lisonjear seus desejos egoístas. Ora, eu digo que necessitais pensar integralmente por vós próprios e libertar-vos de toda a imitação, que precisais manter a integridade de vossa individualidade em pensamento e sentimento. Só por esse meio pode haver a espontaneidade da verdadeira cooperação no mundo da ação, no trabalho coletivo em benefício de todos.

No buscar o que é eterno está o verdadeiro trabalho por todos, baseado nas necessidades humanas, não na cobiça e exploração humanas. Quando vós, pessoalmente, derrubardes esta estreiteza do patriotismo, da nacionalidade, de bandeiras tremulantes e de guerras; quando vós, individualmente, deixardes de ser exploradores em virtude de vossa força e habilidade egoísta, então vos virá a paz e o entendimento pelos quais agora vos esforçais em vão.

Haveis construído um sistema, um edifício que denominais civilização e essa civilização baseia-se na segurança individual; de modo que, no mundo da ação está o indivíduo constantemente buscando segurança para si próprio e para os seus. Esta civilização foi construída pelos homens através dos séculos, no decorrer dos quais o indivíduo se tornou semelhante a um animal selvagem, lutando pelo seu próprio bem estar, segurança e haveres; ao passo que, espiritualmente, isto é, no mundo do pensamento, o indivíduo completamente se deu a si próprio à autoridade, à obediência e à imitação e aí se tornou ele como um cordeiro, tendo perdido por completo a sua integridade individual. Aí ele é irresponsável e vive num mundo de ilusões; no entretanto é aí que ele tem de libertar sua mente e coração, por completo, de toda a autoridade, de todas as limitações nascidas do desejo, quer material quer espiritual.

Ora, como disse, necessitais inverter por completo o processo. No mundo da vida diária, isto é, da existência cotidiana, deveis formar planos para o conjunto e não para o indivíduo em particular. Não deveis sustentar nacionalidades e fronteiras, porém sim preocupar-vos com o conjunto dos homens, não como uma raça ou classe particular. Isto só pode ter lugar quando não mais se houver de seguir cegamente a autoridade. Só por esse meio será produzida a verdadeira cooperação reta, o planejamento reto no mundo da ação.

Quando vós como indivíduos, não mais fordes os dentes de engrenagem na máquina da sociedade; quando cessardes de explorar e ser explorados; quando não vos entregardes à autoridade; quando vos libertardes de todas as tradições que estropiam vossa mente e coração; quando cessardes a busca da felicidade, da verdade, por intermédio de outrem, então tornar-vos-eis plenamente responsáveis na ação e criareis assim um entendimento da vida baseado na verdade e na liberdade.


Krishnamurti em, Palestras pela rádio, Canadá, 1932    

Sobre a desigualdade econômica


Pergunta: O mundo inteiro está atualmente passando por uma fase critica. Há uma aguda crise econômica entre as nações, sob um firmamento político obscurecido. A que causa ou causas atribuis este estado de coisas e que remédio sugeris?

Krishnamurti: Desejais resolver vossas dificuldades econômicas por meio de um milagre. Haveis construído um sistema através os séculos, baseado na competição e no egoísmo. Agora deveis aspirar, não à substituição de um sistema por outro sim à completa reorientação de vossas mentes e corações.
Haveis estabelecido inúmeras autoridades, instrutores religiosos, deuses para vosso culto. Individualmente, no campo do pensamento, haveis vos tornando como se fosseis cordeiros; porém no trabalho para viver sois semelhantes a lobos.

É da máxima importância que desçais à raiz do problema. Isto é, no campo do pensamento e do sentimento não deveis estabelecer a outrem como guia, porém sim permanecer inteiramente sós; ao passo que, no trabalho, deveis formar planos coletivos para viver. Aí é que está o remédio. É pela expressão da individualidade em seu lugar correto que podeis encontrar liberdade, que é verdade; e na realização dessa verdade resolvereis vossos problemas sociais e econômicos. Podando meramente as folhas da árvore não colocareis fim aos vossos males; porém, se nutrirdes as raízes de maneira apropriada, os ramos serão vigorosos e abundantes. Trabalhai, pois, pela mudança, individualmente, das mentes e dos corações e então estes problemas se resolverão por si mesmos.

A presente civilização acha-se baseada na cobiça e na competição individual; ela não pode durar para sempre, pois que não possui valor intrínseco. O indivíduo que criou e está dominado por esta civilização, acha-se preso na acumulação, a qual é o seu único incentivo; isto é, o indivíduo esforça-se por expressar sua ambição e atingir a deseja posição social por meio de acumulo de riquezas e de poder. Por isso estabeleceu ele distinções sociais, e uma tal civilização, baseada no rude egoísmo, tem que, a seu tempo ruir. É só uma questão de tempo. Enquanto alimentardes esta concepção da individualidade, que nada mais é que cobiça e egoísmo, nenhuma civilização, nenhum edifício sobre essa concepção construído pode perdurar, nem tão pouco ela libertar a mente da tristeza.

Até agora tendes sido espiritualmente escravos; isto é, haveis seguido os outros, haveis estabelecido autoridades espirituais e a tradição tem amarrado a vossa mente. Não importa qual o pais a que pertenceis, por toda a parte há um constante ajuste à tradição. Em pensamento e emoção, como indivíduos, apenas vos tendes conformado, ao passo que no mundo da ação tendes vivido por completo sobre vós mesmos, buscando, egoisticamente, vossa pessoal segurança. Como vos disse, não vos estou dando uma panaceia; sustento, porém, que somente quando compreenderdes a reta função da individualidade é que haverá um caminho para vos conduzir para fora deste caos. No meu modo de ver, a individualidade só pode expressar-se no mundo do pensamento, não no mundo da existência; isto quer dizer que precisais pensar intensamente por vós mesmos, desembaraçados da tradição, do hábito ou do temor da opinião pública. Porém, para atender às necessidades da existência, precisais cooperar, trabalhar e planejar em conjunto; isto é, precisais libertar-vos da ideia de bandeiras e fronteiras. Por esse modo chegareis naturalmente a resolver o problema econômico, pois que estareis trabalhando a partir de um ponto de vista humano e não com base em preconceitos nacionais separatistas.


Krishnamurti em, Palestras pela rádio, Canadá, 1932    

O intelecto não pode conceber a Verdade

Se fosseis pedir a um hindu, a um budista, a um maometano ou a um hebreu que vos descrevesse Deus, cada um deles se esforçaria para externar uma expressão de sua concepção particular. Isto é, cada qual se empenharia em dar forma a Deus de acordo com sua fantasia particular, sua preferência ou preconceito particular.

Ora, Deus, a vida ou a verdade, não pode ser concebida nem descrita. Se jamais houvésseis contemplado o oceano e alguém viesse lhe descrever, apenas poderíeis imaginá-lo; porém vossa ideia não vos proporcionaria a realidade. Do mesmo modo, sendo limitados, finitos e condicionados, buscais imaginar o imensurável, o indescritível. Como um prisioneiro que anseia pela liberdade começa a imaginar o êxtase, a adoração da libertação, porém não derruba as paredes que o mantêm prisioneiro, assim o homem brinca com a concepção de Deus, da realidade, através as grades da sua limitação.

Eu digo que existe a imortalidade, que existe a eternidade, porque a realizei; ela, porém, não pode ser atingida por uma mente em limitação. Portanto, não vos preocupeis com isto, porém antes com o presente no qual estais vivendo, com o conflito, a crueldade, o sofrimento dos incidentes diários. Quando começardes a libertar a mente e o coração desta limitação, desta ilusão, desta tristonha prisão de múltiplos séculos, conhecereis por vós próprios essa eternidade que é Vida, Deus, Verdade. Portanto, vivei com intensidade no presente, pois que somente no presente está a eternidade. A imortalidade não está num futuro distante e a preocupação de vosso destino individual nada mais é que esforço vão. No presente, somente, está a plenitude do entendimento, a qual é suprema inteligência.


Krishnamurti em, Palestras pela rádio, Canadá, 1932    

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Sobre a necessidade de retiro e silêncio

A aquietação da respiração aquieta os pensamentos


[...]Os ritmos da respiração trabalham em uníssono com os ritmos dos nossos estados mentais; a excitação provoca uma respiração irregular e entrecortada; a contemplação tranquila provoca uma respiração regular e suave. Uma vez que o pensamento e a respiração estão entrelaçados, basta-nos apenas manter a atenção constante — bem como dosar o ritmo — sobre a respiração para que produzamos um efeito correspondente sobre os pensamentos. Em consequência, a aquietação da respiração tende a aquietar os pensamentos. Quando, a exemplo do que ocorre no exercício seguinte, o pensamento e a respiração são amalgamados com tal propósito, começará a surgir um estado de calma inalterável dentro do qual a verdadeira meditação torna-se muito mais fácil para a hiperativa mente ocidental.

Devemos então adotar o seguinte exercício que deve ser praticado imediatamente após a análise intelectual do eu, e não antes.

Há, contudo, três breves preliminares a serem cumpridas. A primeira exige a direitura da espinha dorsal de uma forma fácil e natural enquanto estivermos sentados. Isto porque a postura física afeta a respiração.[...] Depois os olhos devem ser fechados e mantidos assim durante todo o exercício. Por fim, todo o ar viciado dos pulmões deverá ser expelido por meio de quatro exalações seguidas. Feito isto, deve-se cuidar do processo de alterar o ritmo normal de nossa respiração.

1.       Devemos diminuir gradualmente a velocidade da respiração de semana para semana, e durante cinco ou dez minutos por dia até que, aproximadamente, essa velocidade fique reduzida à metade.
2.       No final de cada inalação devemos interromper a atividade respiratória, reter o ar durante dois ou três segundos, e a seguir expirar o ar puro.
3.       Simultaneamente, a respiração deve ser tornada tranquila, suave, plácida e isenta de esforço;
4.       Devemos manter em cuidadosa observação a respiração e enfocar nela toda a nossa atenção.

[...] É importante que o exercício seja convenientemente praticado, apesar de sua simplicidade. Ele só será capaz se todas as condições forem satisfeitas.

[...] Devemos fazer o exercício durante cinco minutos cada vez — não mais. Se nos exercitamos pela manhã, poderemos repetir à dose à noite.

Não se deve progredir com rapidez exagerada; deve-se progredir lenta e naturalmente nesta esfera.
Em todos os caos a diminuição do ritmo respiratório deve acontecer de tal forma que não se verifique nenhum desconforto agudo e anormal. Naturalmente, no princípio será inevitável uma ligeira sensação de tontura, pois quando começamos a usar de forma diferente um órgão do corpo, este reage e resiste durante algum tempo à atividade inusitada que lhe está sendo imposta. Se patentear-se alguma dor real, ou uma sensação definida de sufocação ou qualquer outro sintoma obviamente anormal, o exercício deverá ser imediatamente suspenso e o estudante reverá com cuidado o método prescrito, a fim de verificar se o está seguindo à risca pois tais sintomas só podem surgir em decorrência de uma má interpretação do método, ou em virtude de algum mal orgânico do coração ou do pulmão. Pessoas afetadas por doenças deste tipo não devem jamais fazer exercícios respiratórios.

[...] Devemos evitar uma série de movimentos bruscos ao inspirar e objetivar de preferência uma ação firme, leve e contínua. A respiração deve ser propositadamente convertida num fluxo leve e suave. Deve-se evitar um ofegar audível. O nosso esforço deve ser no sentido de acalmar o processo respiratório. O ar deve correr com tal suavidade que, segundo com muita propriedade dizem os místicos chineses, uma pensa colocada diante das narinas não deverá se agitar. Assim como devemos relaxar inteiramente o corpo afim de conseguir a postura física para a meditação, assim também devemos relaxar por completo a respiração. A arte do relaxamento deve ser levada através do corpo até os pulmões. Por meio de treinamento adequado a respiração poderá tornar-se tão suave que apenas uma tênue corrente de ar se movimente como um fio entrando e saindo das narinas.

[...] Requer-se uma vigília contínua durante os poucos minutos da prática, uma observação mental atenta da entrada e saída do ar. A mente deve estar abstraída de qualquer outra atividade e presa tão apenas ao movimento respiratório; essa observação voluntária acabará por proporcionar o controle sobre esse movimento e reduzi-lo ao ritmo mínimo, que é o objetivo. Precisamos ater a mente a isso. Este exercício não deve ser feito com indiferença, mas com uma concentração consciente sobre o fluxo da respiração; isto é muito importante se desejamos um aproveitamento integral. Todos os demais pensamentos devem ser suprimidos e esquecidos, e o nosso eu deve ser totalmente imerso no ritmo respiratório. A potencialidade do método será proporcional à concentração nele empregada. Se a atenção for interrompida ou pausas desnecessárias acontecerem durante os exercícios, o poder de alterar o estado mental será reduzido.

Enquanto empenhados no exercício respiratório é possível que adquiramos uma consciência muito aguda do nosso batimento cardíaco, que se apresentará não como um latejar descompassado mas como um pulsar suave. Trata-se de uma consequência natural da maior atenção dispensada à respiração e não há razão para alarme.

O êxito poderá surgir de pronto, como também poderá vir apenas com o tempo, mas os exercícios não são difíceis de seguir. Algumas pessoas levarão mais tempo que outras porque a capacidade física, mental e pulmonar varia de indivíduo para indivíduo.

Qual será o resultado de tais exercícios?

A mente será posta numa condição de harmonia com a respiração. Os pensamentos espontaneamente se tornarão mais escassos à medida que a respiração for se tornando mais escassa. Todo o processo do pensamento será retardado. Uma impressão global de calma interior e equilíbrio começará a impor-se gradualmente. As paixões flutuantes e inquietas tornar-se-ão mais tranquilas. O intelecto será aprisionado como um pássaro cativo; ao nos apossarmos da vida respiratória, a vida reflexiva será também dominada. A total serenidade da inalação moderada será refletida na moderação da mente. Naqueles compridos momentos em que a respiração é realmente sustada o intelecto será apanhado por uma reação e o seu poder de encobrir a realidade tornar-se-á menor.

Este é precisamente o esforço necessário para nos levar ao estágio seguinte no caminho do desenvolvimento espiritual. O intelecto atingiu os seus limites e chegou o momento de prepara-lo para cessar os seus esforços. Uma análise ulterior a este ponto seria improdutiva e, na verdade, desvantajosa. Precisamos estar agora preparados para invocar e intensificar toda a nossa faculdade da atenção e mergulhar mais fundo no nosso ser, na busca do Eu Superior.

Um homem que mergulhe no mar não se entregará a uma sucessão de pensamentos acerca do mar, mas, esquecendo o resto, sustará a respiração e fará o mergulho. Da mesma forma, quando nos prepararmos para mergulhar na região fronteiriça do Eu Superior, não devemos nos entregar a novas meditações a respeito, mas, esquecendo o resto, trataremos de controlar a respiração a ponto de sustá-la intermitentemente e a seguir mergulhar diretamente no ser mais profundo.

[...] É concebível a existência de tipos altamente metafísicos ou altamente espiritualizados sobre os quais esses exercícios respiratórios não exerçam nenhuma atração e para os quais pareçam totalmente desnecessários. Tais pessoas poderão prescindir dos exercícios desde que encontrem força interior para passar sem dificuldades do estágio da análise intelectual para o estágio intuitivo que se segue. Mas a maioria esmagadora dos ocidentais não será capaz de fazer a passagem de um estágio para o outro, a não ser com a maior dificuldade, e este simples exercício foi concebido para auxiliá-las. Pois, extrovertidas como de hábito são, com mentes sempre a produzir imagens do mundo externo, elas não podem subtrair-se com facilidade aos assuntos mundanos, colocando-se numa região de profunda abstração espiritual.

Poderemos também nos beneficiar do exercício mesmo fora dos minutos de retiro diário. Se em qualquer período do dia formos perturbados por estados de indesejável melancolia ou ira desordenada, de extrema irritabilidade ou paixões descontroladas, nervosismo desenfreado ou medo opressivo, basta-nos apenas praticar essa respiração vagarosa, onde quer que estejamos, e de imediato surgirão os efeitos benéficos, acalmando os nervos e reajustando harmonicamente as nossas perspectivas.               


Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior   

Retomar o Sopro, retomar o ritmo

Quem houver praticado este método de auto-indagação durante um espaço de tempo suficiente e feito um progresso apreciável na arte, precisa então aprender a manejar os pensamentos durante seu exercício diário de meditação de uma forma diferente. Nos estágios mais elementares a pessoa esteve formulando uma análise da sua estrutura íntima. Esteve empenhada numa dissecação de si mesma por meio de um pensamento concentrado adestrado. Porém, com o passar do tempo, deverá desenvolver uma atitude que ao menos intelectualmente compreenda que a alma ou o eu não se limita ao corpo. Conseguida essa atitude, não será preciso prosseguir numa repetição estéril e detalhada da análise e, na verdade, a pessoa não se sentirá inclinada a fazê-lo. Pelo contrário, suas meditações poderão sofrer uma guinada e, com rápidas generalizações, ela poderá superar em pouco tempo as fases que antes eram assaz demoradas.

Que se deve fazer a seguir? O Eu Superior, conquanto perceptível pela cognição intelectual, continua impossível de ser descoberto através da experiência, embora a pessoa compreenda agora onde ele não se encontra, ou melhor, onde não deve procura-lo.

Agora pode a pessoa entrar numa nova e adiantada fase do seu trabalho, em que, com auxílio do controle da respiração, da fixação visual e do adestramento da imaginação, ficará capacitada a fazer progressos nesse reino mais profundo. Trata-se de fato de uma fase crítica que precede a grande e gloriosa chegada do Eu Superior.

É chegada a época em que a própria função do raciocínio que tão bem serviu ao homem durante detalhadas autoanálises feitas tem de ser inteiramente suspensa porque aprisiona o homem ao tempo!

Não devemos tomar tal providência, porém, antes que surja finalmente um sentimento interior dizendo-nos que estamos deveras preparados; se cedermos à impaciência, esperando resultados rápidos, nada conseguiremos e acabaremos desapontados. A busca intelectual precisa agora ser sucedida por uma busca intuitiva, mas o ponto em que devemos passar de uma para outra deve ser determinado com grande cuidado. Se a tentativa for feita demasiado cedo, nossos esforços serão inúteis e se for tardia, teremos perdido muito tempo valioso e um sentimento de medo terá tomado conta de nós. Enquanto nada deve ser forçado, nada deve, por outro lado, ser esquecido.

Tentar suspender o pensamento cedo demais no caminho é roubar a nossa personalidade humana do enriquecimento a que tem direito. Determinar quanto tal ponto foi realmente atingido não é fácil. Precisamos ser orientados por uma espécie de sentido íntimo; tal sexto sentido começa na verdade a despertar e fazer-se progressivamente sentido dentro do homem, depois que este persistiu algum tempo nestes exercícios mentais. O homem não pode cria-lo por si próprio; pode apenas dizer que o sentido está lhe vindo. Uma vez porém manifestado, deve o homem entregar-lhe toda a sua confiança e permitir-se guia para onde for.

A maior dificuldade neste processo é agora libertar a atenção do fluxo constante dos pensamentos indesejáveis. Somente quando tentamos fazê-lo é que descobrimos até que ponto nos encontramos escravizados, até que ponto somos incapazes de manter à distância essas ondas de pensamento que de contínuo batem às praias do nosso ser. Fazê-las cessar, parecerá a princípio a coisa mais difícil do mundo, contudo pode ser conseguido por um esforço lento e firme.

Colocar-se de lado e observar os nossos pensamentos durante algum tempo todos os dias é constatar que tão logo um dos nossos pensamentos se vai, outro se apressa em tomar-lhe o lugar no nosso cérebro. Isto se repete sem cessar. As rodas do cérebro não param de girar até que o sono sobrevenha afinal e lhes proporcione uma trégua temporária.

Para os orientais a dificuldade de deter os pensamentos não é tão formidável como para os ocidentais e aqueles nem sempre compreendem que estes últimos precisam desenvolver um esforço muito maior para alcançarem à região da calma abstração. A ajuda que o europeu e o americano médio precisam nesse sentido tem de ser ao menos em parte física; eles precisam de algum método indireto envolvendo um ato físico para fortalece-los na tarefa da autodisciplina. Ademais, os orientais estão acostumados a recorrer à presença e assistência de guias espirituais cuja atmosfera ajuda espontaneamente os outros a subjugar os pensamentos, ao passo que os ocidentais raramente encontram tais guias em seus países.

A ajuda está bem próxima; fica na regulagem da respiração. Principalmente para as pessoas que estão sempre ocupadas com assuntos prementes ou que estão fortemente vinculadas ao mundo material pelos desejos e ambições, este exercício presta-se admiravelmente para lhes proporcionar o controle da mente.

Nossos sábios ocidentais acumularam um acervo de conhecimentos que deve impressionar todas as mentes em virtude das suas proporções colossais, contudo existem algumas coisas que estancam aos seus olhos perspicazes — coisas, porém, da máxima importância para a humanidade. Por exemplo, a respiração ocupa uma posição algo peculiar. Seus efeitos mais imediatos são claramente visíveis e fisicamente registráveis, mas, declaram os videntes do Oriente, existem efeitos remotos não facilmente identificáveis. Assim é que fazemos nossos maiores esforços com a respiração contida e os de pouca monta com a respiração curta. Existe também uma inter-relação especial entre a respiração e o pensamento. Ambos possuem uma ascendência comum, uma origem familiar.

[...] Podemos agora provar a ligação que existe entre a respiração e o pensamento de maneira bem simples. Tome-se o caso de um homem que se tenha deixado enfurecer — observe-se a sua respiração pesada e se constatará que ela se tornou tão agitada como os seus pensamentos e paixões. A respiração vai bem, arquejos curtos e apressados, e quanto mais violenta for a conduta do homem tanto mais violenta será a sua respiração. Tome-se agora o caso de um poeta cismando, sonhador, em algum poema ainda em embrião e percebemos que, muito ao contrário, sua respiração é plácida, leve, calma e lenta. Tome-se a seguir um homem refletindo sobre algum intrincado problema matemático. Automaticamente, ele respira mais devagar e mais suavemente. A corrente da vida do homem, tal qual uma árvore, desenvolveu dois ramos: um é a mente e outro é a respiração.

[...] A força vital imanente na respiração e a força mental que ativa o cérebro provém de uma fonte comum. Tal fonte é a Única Corrente de Vida que impregna o universo e, em cada ser humano, transforma-se no seu Eu Divino, seu Eu Superior. “A respiração é a marca da vida” é uma frase cuja significação é bem mais profunda do que imaginam os muitos que a empregam.

Como resultado dessa íntima correlação, as modificações na respiração trazem modificações na mente, e vice-versa.


Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior   

domingo, 4 de setembro de 2016

Um breve passo a passo do Paradigma Holotrópico

Este caminho do auto-adestramento está dividido em dois estágios e contém diferentes práticas. O primeiro estágio é intelectual e consiste de observações que propiciam compreensão; o segundo é místico e provoca a compreensão. No primeiro estágio formamos uma corrente mental de auto-indagação, tentando descobrir aquilo que realmente somos e localizar o ser vivo que pensa e sente dentro do corpo; ao passo que no segundo a mente racional é desligada, o assim chamado consciente é posto em recesso e o erroneamente chamado subconsciente pode assim aparecer.

Os componentes da personalidade são sujeitos a uma rígida análise durante o período da meditação. O corpo e suas partes, órgãos e sentidos, são cuidadosamente examinados em pensamento, visando-se apurar se o eu reside ou não nele, e, através de numerosas análises, verifica-se que tal não acontece. Elimina-se então o corpo da análise e as emoções são submetidas a um exame semelhante. Aqui, uma vez mais, a temporalidade das emoções e as implicações da frase instintiva, “Eu sinto”, indicam que o eu é alguma coisa à parte. As faculdades da mente: imaginação, raciocínio e percepção são semelhantemente observadas e analisadas; descobre-se que o eu não é inerente em nenhuma dessas funções. O próprio intelecto é cortado em pedaços, verificando-se que não passa de um conglomerado de pensamentos. Observamos os pensamentos no processo e depois tentamos transfixá-los na mística quietude da qual provêm. Afinal o eu consciente é referido a um único pensamento. Do grande silêncio e vazio anteriores à mente, o pensamento do eu é o primeiro surgindo do eu pessoal interior à consciência. Dele proveio a multidão de outros pensamentos que criaram o conceito de um ser pessoal dotado de existência própria. Toda a personalidade desenvolveu-se em torno dessa única raiz-pensamento. Erradicando-se esse pensamento primordial não restará senão a Vida Impessoal.

Se persistirmos e nos dedicarmos a frequentes meditações sobre o tema, o esforço propiciará o mais elevado emprego criativo da lógica e, em última instância, iremos referir esse pensamento à sua origem, o eu à sua toca e a consciência ao seu estado primordial indivisível.

No final desta análise metal e mente deverá, portanto, ser silenciada tanto quanto possível e um estado emocional de quase-oração deverá sobrepor-se. Aquela quietude da qual o eu surgiu deve ser o objeto dessa devoção. O próprio eu é imobilizado e tornado inerte. Toda a nossa atenção deverá ser focalizada na misteriosa vacuidade anterior a ele. É a esta altura que a eletrizante orientação de um verdadeiro Iniciado — se tivermos a boa sorte de encontra-lo — torna-se de poderosa ajuda.
Mas antes de conseguirmos essa quietude, precisamos dominar a tendência dos pensamentos a divagar-se e dissipar-se, e chegar àquela concentração de atenção que é tão essencial; em consequência alguns acessórios da prática mental se fazem necessários e breve serão apresentados. Primeiro existe um exercício respiratório a ser feito; ele acalma a mente. A seguir há um exercício de vista, que fixa a atenção e induz a um estado concentrado. A cessação da atenção no campo externo coloca a atenção no campo interno. Atingido esse estado, que acontecerá então? Se o esforço tiver sido corretamente executado, cria-se uma espécie de vácuo provisório na consciência, mas a Natureza, tendo horror ao vácuo, rapidamente reajusta as coisas. A investigação mental cessando então, fica assegurada uma revelação interior. Os pensamentos banidos são substituídos pela Universal Mente Superior; esta, por sua vez dá mais tarde lugar ao divino Eu Superior, que entra no campo de nossa consciência. Esta investigação traz consigo “a paz que ultrapassa a compreensão” na expressão de São Paulo. (Melhor tradução seria: “A paz que ultrapassa o intelecto”).
Uma vez consumado o salto, o verdadeiro eu revela-se à mente estupefata.  Somos então compelidos a uma quietude mental absoluta, porque compreendemos estar diante de uma presença divina. Trata-se de uma experiência que não pode ser suplantada. Ela romperá todas as ilusões tolas e desfará todos os sonhos errôneos. A confusão e a contradição desaparecerão com o escuro. A iluminação inundará de um brilho radiante os recantos escuros da mente. Nós sabemos, e, sabendo, aceitaremos. Pois descobriremos que o coração do nosso ser é também o coração do Universo. E isso é bom.
Depois, a tarefa que se resumia num retiro temporário transforma-se na criação de um hábito de auto-recolhimento ao qual se deve recorrer sempre que necessário durante o dia e onde quer que estejamos, até que surja uma disposição fixa e prevalecente quando o coração estiver para sempre imerso no Único, mesmo estando a cabeça e as mãos ocupadas com outras coisas.
Devemos ter presente que uma frieza e insensibilidade não bastará durante a análise; este caminho exige que coloquemos nele o coração, tanto quanto a cabeça.
A esta altura também é importante compreender que a duplicação intelectual dos pensamentos dada nessa análise meditativa é por si só insuficiente; se a análise fria e crítica pudesse por si só alcançar o sutil reino do espírito, muitos pensadores deste mundo não se teriam transformado em materialistas; não, algo mais é requerido. Esse algo mais é a inspiração íntima no sentido da verdade, um desejo sincero e genuíno de guindar-se à região espiritual. Devemos colocar de lado todos os demais desejos durante o período da auto-investigação. Essa inspiração atua como uma força propulsora e, sem ela, um detalhamento seco e intelectualizado do ego poderá levar a resultados estritamente negativos. O que se deseja então é induzir estados em que o pensamento seja incendiado pelo sentimento; e criar emoções quando a mente é inflamada pelas centelhas da inspiração espiritual. Se seguirmos cuidadosamente as instruções, tal resultado será conseguido. Desta forma um desenvolvimento equilibrado nos preparará para progredirmos no caminho e, embora o treinamento fundamental seja de caráter intelectual, a exaltação essencial das emoções caminhará passo a passo com ele. Assim, no devido tempo, surgirá uma atmosfera adequada à sublime manifestação interior do divino e a que se aspira.
Depois de havermos treinado um espaço de tempo suficiente, o segundo estágio começará a desdobrar-se gradualmente e nele a leitura atenta destas páginas tornar-se-á desnecessária e as ideias e frases básicas precisarão ser apenas reavivadas mentalmente pela memória e meditadas. A questão da duração da meditação deve ser resolvida por nós mesmos. A meditação é necessária enquanto sentirmos que está sendo exigida; é necessária até que se obtenha a mais ampla convicção intelectual das verdades ensinadas nestas páginas. É necessária até que a achemos tão fácil, espontânea e agradável que ansiamos por aquela meia hora diária e nos apressemos a fazer o nosso exercício diário; necessária até que possamos abandonar todos os tipos de pensamento digressivo e sentir uma crescente luminosidade no cérebro, de maneira que todas as ideias verdadeiras apareçam como imagens de espantosa clareza ou como certezas inspiradas a essa luz deslumbrante. Os exercícios devem ser continuados até que possamos superar o clamor constante das impressões externas, das sensações físicas e dos pensamentos inquietos em favor de uma vigilância interior que, embora intensa, dispensa na aparência qualquer esforço. O estado induzido deve ser reiteradamente reproduzido até tornar-se habitual; só então poderá ser deixado de lado.
Não pode haver pressa nem paciência. A menos que o estudante caminhe nesse mundo mental com calma e confiança e tranquila determinação, ele não atingirá seus propósitos. Pensamentos meramente superficiais, a passagem apressada de dados insuficientes a conclusões vagas e generalizadas, a pressa em terminar a meditação — todos esses fatores entravam o progresso da vida interior; tal pressa não é realmente velocidade e na verdade atrasa o estudante e o impede de penetrar no profundo mundo da alma a que ele aspira.
Devemos nos sentar para a nossa prática de meia hora com compreensão de que um determinado espaço de tempo é necessário para a perscrutação preliminar da mente, antes que as camadas mais profundas sejam atingidas; outro fator é preciso para a entrada na Mente Superior; daí precisarmos estar prontos para esperar com resignação pelos resultados enquanto lutamos por eles.
A questão da atitude íntima tem alguma importância nesta busca, como também é importante a atitude do corpo. É preciso que nos entreguemos ao exercício dessa meditação com um estado de espírito esperançoso, confiante e otimista, e jamais vacilemos; contudo não devemos jamais perder de vista a importância capital da humildade. A humildade é o primeiro passo em todos os caminhos que conduzem ao Infinito, por mais distantes que sejam, e é também o último. Mas devemos começar acreditando que a Verdade pode ser atingida, que a mente pode ser dominada, que o próprio antagonismo de um ambiente hostil fornece oportunidades para superar tal ambiente, e que esse esforço constante no sentido de encontrar a luz-Alma terminará por evocar a sua Graça.
Não devemos hesitar em manter essa atitude íntima porque o simples fato de havermos adotado uma tal prática significa que o Eu Superior está começando a nos tocar, a nos despertar. E o interesse do Eu Superior é em si mesmo um arauto da vinda da sua Graça.
Devemos agora lutar por captar a essência deste método especial. Não é apenas a ruminação diária das verdades metafísicas, pois se trata em parte de um processo de refinar a mente e dar-lhe uma tendência à abstração. Nem é tampouco o cultivo intermitente de determinados estados que exaltam a alma, porque, isto também não passa da aquisição daquela enaltecedora força da aspiração que nos faz progredir na busca interior. Não; trata-se também da criação que uma atitude de indagação correta. Esse deslocamento da vida mental para o campo da auto-interrogação é uma diferença vital que distingue o método presente de todos os demais. Ao invés de fazer do esforço pessoal o único fator do nosso progresso, ele consegue a colaboração de uma parte mais elevada do nosso ser num estágio mais adiantado do caminho. Pois, a questão permanente do eu, a busca do eu, quando praticadas como aqui se recomenda, fornece bases adequadas para tal colaboração, porque depois de propiciar a preparação devida, convida o Eu Superior a participar mais ativamente do jogo, e fazer algo que nos empurre para diante! Dificilmente se poderá exagerar a importância deste princípio da auto-interrogação. Ao invés de fazer afirmações positivas porém vãs como: “Eu tenho uma alma” ou “Eu sou uma alma” o que se faz é perguntar: “Tenho eu uma alma?” ou “Sou eu uma alma?” E a resposta fica a cargo do componente anímico do nosso ser. Enquanto o primeiro método resume-se em dogmatizar intelectualmente, o último torna humilde o intelecto, silencia o seu balbuciar incessante e aguarda que a resposta seja dada pela única parte do nosso ser competente para dá-la. Significa isto que já não valorizamos em excesso o intelecto, mas mantemo-lo em seu devido lugar. Uma busca espiritual só pode ter êxito quando recebe satisfação na região espiritual de nosso ser, e não apenas na intelectual. Os pensamentos nos trarão para a estrada do eu espiritual, mas eles próprios não contêm esse eu. Se alegássemos que continha, então as acusações dos críticos de que poderíamos nos tornar vítimas de visões autosugestivas seriam corretas. E, na verdade, se a alma não existisse, se a divindade não passasse de uma ilusão e o corpo fosse todo o ser e todo o fim do homem, jamais poderíamos obter uma resposta espiritual genuína para as nossas perguntas e teríamos de nos contentar com meras teorizações. Por isso, esse método ocupa o seu lugar na realidade do eu divino da humanidade. Porque o Eu Superior é de fato uma realidade, esse método pode ser entregue ao mundo com confiança, na certeza de que aqueles que o seguirem com sinceridade e paciência obterão um dia resultados demonstráveis, vale dizer, resultados em suas próprias experiências. Se o Eu Superior não existisse, ou mesmo dando de barato a sua existência, se fosse totalmente indiferente às aspirações dos homens e aos seus anseios de um consolo que apenas a vida material não pode proporcionar, então este método não teria valor nem produziria resultados. Mas, pelo contrário, o Eu Superior é o fator fundamental mais revelador da nossa existência e está sempre pronto a revelar-se, a dar o supremo consolo da vida àqueles que preenchem as condições já mencionadas. Por isso esta investigação não passa desapercebida, mas no devido tempo o investigador que se mantém fiel à sua busca toma consciência do seu eu divino.
Este princípio envolve, por isto, uma completa inversão da mente, que passa de uma atitude de afirmação positiva para uma atitude de humilde indagação. A verdade não faz questão de revelar-se aos intelectualmente arrogantes, mas se entrega àqueles que se prostram humildemente de joelhos; e a prática deste método leva invariavelmente o homem à humildade do espírito. Não foi à toa que Jesus se pronunciou dizendo que o Reino dos Céus só está aberto aos que se comportam como criancinhas. O dito constitui uma referência simbólica à condição de humildade intelectual de que tanto carece a nossa época. Embora tenhamos primeiro que penetrar com cérebro aguçado a casca do ego, precisamos contudo não hesitar em abandonar esse instrumento ao atingirmos um ponto em nossos exercícios no qual percebemos que aquela condição foi atingida. Essa disposição para “pedir” a verdade em cada estágio, com espírito de uma criancinha, depois de empregadas todas as forças intelectuais, não é um sinal de fraqueza. Se a nossa orgulhosa época pudesse compreendê-lo, isto seria um indício de fortaleza espiritual. Reconhecer livremente as limitações do intelecto quando houvermos chegado ao limite extremo daquela faculdade é facilitar a vinda de alguma coisa mais elevada. Este é o verdadeiro desiderato da ioga: submeter o pensamento e a seguir descartar-se dele.
Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior

Conferência presencial sobre a necessidade de silêncio

Importante aviso aos confrades despertantes

sábado, 3 de setembro de 2016

Não se pode falar do oceano para um sapo do brejo

O pensamento como servidor de confiança

O homem comum passa irresponsavelmente de um pensamento para outro e permite que sua mente trabalhe à vontade. No entanto, os pensamentos são uma responsabilidade do homem e, por sua vez, irão reagir, como estão reagindo, sobre o conjunto da sua vida material. A conveniência de eliminar os pensamentos indesejáveis e incentivar os mais elevados é algo que o homem apenas entrevê. Poderia parecer fantástico e artificial asseverar a existência de uma ligação entre aquilo que um homem pensa e aquilo que lhe acontece no mundo material, entre a sua condição mental e o seu bem-estar material, mas aqueles que praticaram os métodos aqui propostos durante um certo número de anos e observaram os resultados nas suas vidas saberão que não se trata de uma fantasia, mas sim da verdade, e que a vida externa de um homem é em grande parte reflexo do seu mundo mental. Infelizmente, a nossa era se saturou a tal ponto de pontos de vista materialistas sobre avida que perdeu em grande parte a recordação e a crença nos mais sutis poderes mentais do homem. Tal perda, contudo, não pode e não altera o fato básico da nossa existência. Enquanto preferirmos continuar na ignorância espiritual, teremos de seguir tateando com a venda do materialismo a nos tapara visão. O resultado é muito sofrimento desnecessário e uma total incapacidade para perscrutar os desígnios mais profundos da Natureza e o destino da nossa raça.

Dominar os nossos pensamentos e sentimentos esparsos é restabelecer a soberania perdida. O homem tem de ser o senhor absoluto da região de sua mente, se pretender enquadrar-se perfeitamente na evolução que a Natureza colocou diante dele. Ele poderá considerar a tarefa como desprezível, mas o prejuízo será só seu, pois a incapacidade de controlar o pensamento leva às mais misteriosas ramificações e aos mais variados sofrimentos. Pois é um truísmo que muitos acontecimentos e decisões nas nossas vidas sofrem grande influência do nosso modo habitual de pensar. Portanto, mudar esse modo de pensar é mudar até certo ponto as circunstâncias e o ambiente da nossa vida, bem como adquirir autoconfiança e bem-estar íntimo. Ademais, precisamos realizar o milagre interior da conquista da mente, antes de podermos realizar qualquer milagre externo. Nenhuma prática pode, por isso, ser mais importante do que o controle do pensamento. E nesta era da praticidade, em que as pessoas estão sempre à procura de resultados tangíveis e não de teorias intangíveis, é sem dúvida um argumento muito forte dizer ao mundo: “Faça isto! Adote estes exercícios e dentro de algum tempo você verá a corrente da sua vida fluindo através de canais mais suaves, através de estradas mais ensolaradas e cenários mais agradáveis.”

Por estas, senão por outras razões, devemos dispensar a mais cuidadosa atenção à vida do pensamento. Existem outras e mais elevadas razões pelas quais precisamos renovar a mente, pois através da mente poderemos penetrar nos mistérios do reino do céu, descobriremos por nós mesmos se a alma existe e como se parece ela. É um princípio fundamental que a certeza da nossa existência espiritual jamais pode vir de provas objetivas, mas apenas de uma tentativa intelectual ou emocional. Através de uma mente convenientemente dirigida o eu íntimo se abre para nós e nós lhe atravessamos o velado santuário rumo a um estado mais divino. Essa orientação, que recebe o nome de “quietude mental”, “meditação”, “ioga” e “misticismo”, remodela a mente e obriga o pensamento a servir o homem, ao invés de tiranizá-lo.

Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior

Sobre o lampejo de bem-aventurança impessoal


Quem ainda não encontrou aqueles momentos de elevação na vida em que ficamos perdidos em nós mesmos, numa vizinhança de imponente esplendor que nos obriga a nos embebermos na sua contemplação sublime? Muito mais gente do que se supõe neste nosso mundano Ocidente passou uma vez por uma experiência emocional — ou mesmo mais de uma vez — que fez a vida assumir durante algum tempo um aspecto totalmente diferente. A alusão é àqueles lampejos de extática iluminação, de contato com uma linda e rósea realidade que abarca o universo material, que aparece de forma inesperada e deixa no seu rastro uma exaltação alegre ou pacífica. Tais momentos podem sobrevir quando estamos sós num convés de navio, à noite, cercados pelo oceano imenso, ou quando contemplamos a rubra aurora sobre os picos de uma montanha, ou também, com súbita incongruência mas com força irresistível, em meio ao barulhento vozerio de um mercado. Eles sobrevêm quando recebemos a Natureza no nosso coração, não como o botânico que disseca uma flor ou arranca sem piedade as pétalas para estudar a estrutura, mas como um amante ardente ou um amigo. Eles sobrevêm quando vemos uma paisagem com olhos de poeta, e quando nos damos conta de que o paraíso pode começar num relvado próximo da nossa casa. Venham como vierem, obrigam-nos a esquecer as preocupações de caráter pessoal e ansiedades, fazendo com que nos alcemos a uma visão impessoal das coisas até ali impossível de obter e mais ainda de conservar. O tempo parece parar, a sensação de que a vida é eterna se infiltra à vontade em nossa mente, o ambiente físico perde um pouco de sua tangibilidade e a sua realidade resvala levemente para uma substância de sonho. Uma paz etérea, não sentida até então, surge no coração e traz consigo uma satisfação intensa que a gratificação de nenhum desejo mortal poderia jamais produzir. Uma compreensão mais clara também desponta; a vida parece clarificada e pressentimos, antes de vermos, um propósito inteligente no coração das coisas. O horror, o caos e o conflito desaparecem durante algum tempo da nossa vista, porque nesta atmosfera divina e em que fomos introduzidos as recordações desagradáveis não podem perdurar. A maravilhosa verdade, tão impalpável e no entanto tão inefável, tocou o coração. A gente SABE... mas, ah!... A experiência retrocede, embora a sua lembrança fique para sempre. Não poderemos esquecê-la ainda que assim desejemos; seu caráter permanecerá e nunca se desgastará como as experiências normais da existência terrena. Mais e mais, a recordação sublime nos segue e nós ansiamos pela renovação de tais momentos divinos. O que significa a lembrança desses raros momentos? Podemos recolhê-los de novo assim como fazemos com as flores perfumadas que colhemos diariamente do seio prolífico da terra?

A resposta a esta pergunta é que por detrás do eu que todos conhecem existe um outro Eu que via de regra passa desapercebido, e que é essa coisa misteriosa e enganosa chamada alma ou espírito. Esse Eu Superior é a parte mais secreta da natureza do homem e, não obstante, a mais fundamental. A bem-aventurança impessoal da qual obtemos esses pequenos fragmentos é INERENTE à natureza daquele eu. As nossas inspirações não passam, portanto, de migalhas que tombam do eterno banquete.

A resposta à pergunta é: “Sim!” Esses maravilhosos estados do sentimento, esse esplendoroso pedaço de tempo podem ser recapturados e prolongados de acordo com o desejado, depois que o método do AUTO-ADESTRAMENTO tiver sido compreendido e suficientemente exercitado, pois a cultura certa de nossos sentimentos mais nobres é parte integrante desse adestramento.

É preciso que nos disponhamos a procurar cultivar certos estados instáveis do coração. Tais estados acontecem na vida da maioria das pessoas em ocasiões diferentes, amiúde por acaso e de forma inesperada, mas via de regra têm curta duração, e, não sendo cultivados, são postos de lado e muito do seu valor se perde. Trata-se de estados evocados o mais das vezes de forma inconsciente através de prazeres estéticos, por meio de coisas como ouvir uma música belíssima, ler uma poesia inspirada e deixar-se penetrar pelas impressões produzidas nos nossos sentidos por cenas naturais de inesquecível grandiosidade: mais raro aparece um estado valioso de profunda veneração e grande apreço provocado pelo encontro de alguém que de alguma forma se tenha identificado com o Eu Superior.

Sempre que esse estado de poderoso encanto, intensa reverência ou paz completa acontece, é necessário que mantenhamos nele toda a nossa mente e o reconheçamos como um importante mensageiro e ouçamos a sua mensagem. Devemos ponderar longa e profundamente nessa mensagem e tentar referi-la à sua origem mais alta; devemos tentar tecer com os seus efeitos o pano do nosso caráter. Porque tais estados não nos vêm rotulados com o nome do país da sua origem mística, nós talvez lhe subestimamos o valor. Eles são quase sempre de curta duração e lhes devemos dar o justo valor e extrair-lhes conscienciosamente a essência íntima, pois, na verdade, tais momentos podem ser tidos em alta conta que ajuda no amor de uma beleza excelsa, que tende a nos influenciar no sentido de uma atitude mais nobre, no sentido de uma consciência mais profunda da vida do que a propiciada pela sequência das modificações simplesmente materiais que compõe a rotina diária, deve, assim, ser aceito e incentivado; a sensibilidade às forças mais nobres, necessária neste caminho, resultará aumentada.

[...] Devemos deixar que essa mensagem entre com toda a sua força no nosso ser, de preferência a tentar entendê-la intelectualmente. Sentados tão quietos quanto possível, com o olhar e o coração concentrados, e com a alma passiva e receptiva, é preciso que deixemos os sentidos da vista e da audição tornarem-se os mediadores de um estado mais elevado. Quando esse novo estado tiver de fato sido produzido, real e intensamente, devemos entregar-nos livremente e permitir que ele viva dentro de nós SEM, CONTUDO, TRANSFORMÁ-LO EM OBJETO DE ANÁLISE INTELCETUAL. Na verdade é de grande importância, no despertar e no cultivo desses estados de emoção mais elevados, não colocar em ação as nossas faculdades críticas, não tentar dissecá-los mentalmente até que se tenham ido de todo; devemos de preferência deixar-nos dissolver suavemente neles. Se interferirmos, acontecerá que atalharemos o novo estado e dissiparemos uma provável preciosa experiência espiritual.

[...] O resultado psicológico nas pessoas é, no entanto, que aquele momento em que primeiro se fixa o olhar remotamente, retira em parte a consciência do corpo físico e liberta a mente do seu costumeiro egocentrismo. Involuntariamente, nós trocamos o pessoal pelo Impessoal com a rapidez do relâmpago, deixamos de estar imersos em constantes agitações, toda a atenção sendo colocada no ato de avistar, e depois voltamos novamente à condição comum. Porém, esse intervalo místico basta para criar o Estado do Eu Superior.

Se pudéssemos, com cuidado e zelo, captar tais momentos divinos e, sem deixar que se dissipassem desapercebidos, alimentá-los bem, saboreando por assim dizer o seu gosto espiritual, poderíamos algum dia abençoado passar toda a consciência para o Eu Superior e retê-la ali algum tempo. Tal dia seria inesquecível, pois seu êxtase seria sublime.


Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior              

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A personalidade é simplesmente uma fachada

Amado Osho,
Porque eu ainda fico tão assustada ao me expor?
 
"Deva Gita.
Quem não fica? Expor-se cria um grande medo. É natural, porque expor-se significa expor todo o lixo que você carrega em sua mente, o lixo que tem sido amontoado por séculos, por muitas vidas. Expor a si mesma significa expor todas as suas fraquezas, limitações, falhas. Expor-se significa, por fim, expor sua vulnerabilidade. Morte... Expor a si mesma significa expor o seu vazio.

Por trás de todo esse lixo e barulho da mente existe uma dimensão de completo vazio. Sem Deus a pessoa é oca, é um simples vazio e nada, sem Deus. Ela quer esconder essa nudez, esse vazio, essa fealdade. Então ela cobre isso com belas flores e decora essa cobertura. Ela pelo menos finge que é alguma coisa, que é alguém. E isso não é algo pessoal para você. Isso é universal. Esse é o caso de todo mundo.

Ninguém consegue ser como um livro aberto. O medo toma conta: "O que as pessoas pensarão de mim?" Desde a sua infância foi-lhe ensinado a usar máscaras, belas máscaras. Não há necessidade de se ter uma bela face, só uma bela máscara é o bastante, e a máscara é barata. É árduo transformar a sua face, mas pintá-la é muito simples.

Agora, de repente, expor a sua face verdadeira lhe dá um arrepio no mais profundo centro do seu ser. Uma tremedeira surge: as pessoas gostarão disso? as pessoas irão aceitá-la, as pessoas continuarão a amá-la e respeitá-la? quem sabe? Porque eles amavam a sua máscara, eles respeitavam o seu caráter, eles glorificavam o seu vestuário. Agora o medo aparece. "Se eu, de repente, ficar nu, eles irão continuar a me amar, a me respeitar, a me valorizar, ou todos eles irão fugir para longe de mim? Eles podem retornar para seus caminhos e eu posso ficar só."

As pessoas, então, seguem representando. Devido ao medo há o fingimento, devido ao medo todas as falsidades. Para ser autêntica, a pessoa precisa não ter medo.

E essa é uma das leis fundamentais da vida: tudo aquilo que você esconde, se for errado, continuará crescendo. Aquilo que você expõe, se for errado, desaparece, evapora ao sol, e se for correto será nutrido. Exatamente o oposto ocorre quando você esconde alguma coisa correta, ela começa a morrer porque não está sendo nutrida. Ela precisa do vento, da chuva e do sol. Ela precisa de toda a natureza disponível para ela. Ela consegue crescer somente com a verdade, ela se alimenta com a verdade. Pare de lhe dar seu alimento e ela começa a diminuir.

E as pessoas estão acabando com aquilo que é real nelas e reforçando aquilo que não é real. A sua face não verdadeira se alimenta com mentiras, por isso você tem que continuar inventando mais e mais mentiras. Para dar sustentação a uma mentira você terá que mentir cem vezes mais, porque uma mentira só pode ser sustentada por mentiras ainda maiores. Assim, quando você se esconde atrás de fachadas, o real começa a morrer e o não real prospera, torna-se mais robusto. Se você expuser-se, o não verdadeiro irá morrer, ele estará pronto para morrer, porque o não verdadeiro não consegue permanecer no aberto. Ele consegue permanecer apenas em sigilo, na escuridão, nos túneis da sua inconsciência. Se você o trouxer à consciência, ele começará a evaporar. (...)

Se você conseguir expor-se religiosamente, não na privacidade, não com seu psicanalista, mas simplesmente em todos os seus relacionamentos, isso é o que significa o sannyas. Isso é auto-psicanálise. Isso é vinte quatro horas de psicanálise, todos os dias. Isso é psicanálise em todo tipo de situação: com a esposa, com o amigo, com os parentes, com o inimigo, com o estranho, com o chefe, com o seu funcionário. Por vinte e quatro horas você está se relacionando.

Se você continuar se expondo.... No começo vai ser ser realmente muito assustador, mas logo você começará a ganhar força porque uma vez que a verdade é exposta, ela se torna mais forte e a não verdade morre. E com a verdade tornando-se mais forte, você se tornará mais enraizado e centrado. Você começa a se tornar um indivíduo. A personalidade desaparece e o indivíduo aparece.

A personalidade é falsa e a individualidade é substancial. A personalidade é simplesmente uma fachada e a individualidade é a sua verdade. A personalidade lhe é imposta de fora, é uma persona, uma máscara. A individualidade é a sua realidade, ela é como Deus a fez. A personalidade é uma sofisticação social, um polimento social. A individualidade é crua, selvagem, forte e com tremendo poder.

Somente no começo, Gita, haverá medo. Por isso a necessidade de um Mestre, para que no começo ele possa segurar suas mãos, para que no começo ele possa lhe dar suporte, para que ele possa levar-lhe a dar alguns passos com ele. O Mestre não é um psicanalista. Ele é muito mais. O psicanalista é um profissional e o Mestre não é um profissional. Não é sua profissão ajudar as pessoas, é a sua vocação, é o seu amor, é a sua compaixão. E por causa dessa compaixão ele a conduz apenas o tanto que você precisa dele. No momento em que ele sente que você pode ir por si mesma, ele começa a soltar as suas mãos. Embora você quisesse continuar agarrada, ele não pode permitir isso.

Uma vez que você esteja pronta, corajosa e desafiadora; uma vez que você tenha experimentado a liberdade da verdade, a liberdade de expor a sua realidade, você poderá seguir por si mesma. Você conseguirá ser uma luz para si mesma.

Mas o medo é natural porque desde o início da infância, lhe foram ensinadas falsidades, e você se tornou tão identificada com o falso que abandoná-lo quase parece cometer suicídio. E o medo surge porque uma grande crise de identidade aparece.

Por cinqüenta, sessenta anos, você tem sido um certo tipo de pessoa. Agora a Gita deve estar atingindo os sessenta. Por sessenta anos você tem sido um certo tipo de pessoa. Agora, nesta última fase de sua vida, abandonar aquela identidade e começar a aprender a respeito de si mesma desde o ABC é assustador. A cada dia a morte está se aproximando mais. Será esse o tempo para aprender uma nova lição? Quem sabe se você será capaz de completá-la ou não? Quem sabe? Você pode perder a sua velha identidade e pode não ter tempo suficiente, energia suficiente, coragem suficiente para alcançar uma nova identidade. E, nesse caso, você iria morrer sem uma identidade? Isso será uma espécie de loucura, viver sem uma identidade. O coração desmonta e se encolhe. A pessoa pensa: "Agora, tudo bem levar isto adiante por mais alguns dias. É melhor viver com o velho, o que é familiar, o seguro e conveniente." Você se torna competente para lidar com isso. E isso foi um grande investimento: você colocou sessenta anos de sua vida nisso. De alguma maneira você administra isso, de alguma maneira, você criou uma ideia de quem você é, e agora eu digo a você para abandonar tal ideia porque você não é isso. Nenhuma ideia é necessária para conhecer-se. Na verdade, todas as idéias têm que ser abandonadas, somente então você poderá saber quem você é.

O medo é natural. Não o condene e não sinta que ele é algo errado. Ele é apenas parte de toda essa educação social. Nós temos que aceitá-lo e ir além dele. Sem condená-lo, nós temos que ir além dele.

Exponha pouco a pouco, não há qualquer necessidade de você dar saltos que você não possa administrar. Vá passo a passo, gradualmente. Mas logo você irá descobrir o sabor da verdade e você ficará surpresa de que todos esses sessenta anos foram puro desperdício. Sua velha identidade será perdida e você terá uma concepção totalmente nova. Não será, na verdade, uma identidade mas uma nova visão, uma nova maneira de ver as coisas, uma nova perspectiva. Você não será capaz de dizer "Eu" novamente, com alguma coisa por trás. Você usará essa palavra porque ela é útil, mas você estará sabendo todo o tempo que a palavra não carrega qualquer significado, qualquer substância, definitivamente qualquer substância existencial. Por trás desse "Eu" está escondido um oceano infinito, vasto e divino.

Você nunca alcançará uma outra identidade. A sua velha identidade terá ido embora e, pela primeira vez, você começará a sentir-se como uma onda no oceano de Deus. Isso não será uma identidade porque você não estará ali. Você terá desaparecido. Deus terá se apoderado de você.

Se você colocar em risco o falso, a verdade poderá ser sua. E ela vale isso, porque você coloca em risco apenas o falso e ganha a verdade. Você nada arrisca e ganha tudo.

Todo o meu trabalho é para, de alguma maneira, persuadir você, seduzir você, desse jeito ou daquele, para que abandone a velha identidade. Muitos medos virão. Muitas coisas você fez no passado e foi capaz de esconder com sucesso. Agora, sem qualquer propósito, de novo abrindo os capítulos fechados, os espaços fechadas e liberando os fantasmas do passado...

Você pode não ter sido fiel ao seu marido uma vez ou outra, mas você foi capaz de manter uma certa face de sinceridade e de fidelidade. Agora, expor-se desnecessariamente vai lhe criar medo. Você pode não ter sido fiel, mas qual é a razão de expor isso agora? Ou você tem sido leal em ações mas não em pensamentos. Mas, qual é a razão de expor isso? A mente lhe dirá: 'Não há qualquer necessidade! Já existem tantos problemas, porque criar mais um?'

Você pode ter sido bem sucedida ao contar muitas mentiras e espalhando tais mentiras como verdades. Você pode ter sido bem sucedida e, para os outros, aquelas mentiras são quase verdades agora, e mesmo para você. Agora, voltando lá atrás e olhando de novo, é muito natural ficar com medo e não querer olhar para trás e não voltar àqueles pesadelos. (...)

É melhor ficar quieto, diz a mente. É melhor não trazer todos os velhos fantasmas, não liberá-los. É melhor deixá-los sentados lá. Por sessenta anos você tem sido capaz de manter uma certa conduta, uma certa graciosidade, uma certa personalidade — polida, civilizada, respeitável — agora, de repente, expor-se sem qualquer razão? Você ficou maluca? A mente lhe dirá: 'você já aguentou tanto tempo, você pode aguentar um pouco mais.' (...)

Depois de sessenta anos de vida, a ideia simplesmente surge em sua mente: 'você já aguentou tanto tempo, por que você não pode aguentar alguns dias mais? Por que criar perturbações? Por que criar agitações desnecessariamente?' As coisas estão acomodadas, todo mundo respeita você, as crianças, o marido, toda a sociedade respeita você. Tem sido uma luta árdua, uma luta com o mundo externo e com o mundo interno. De alguma maneira você reprimiu tudo aquilo que era selvagem dentro de você. Você reprimiu sexo, raiva, ambição, inveja; você reprimiu tudo o que a sociedade condena. Você, de alguma maneira, desenvolveu um belo caráter. Agora, na última fase de sua vida, por que expor isso? Com que objetivo? O que você vai ganhar com isso?

A mente lhe dará todas essas razões astutas, essas racionalizações.

Se você viveu por sessenta anos de uma maneira falsa, então chega! Já foi o bastante. Já é hora de abandonar toda essa falsidade. O que as pessoas podem tirar de você agora? Mais cedo ou mais tarde você vai estar morta e todo o respeito, todo o caráter, tudo irá se perder e logo você será esquecida. Algumas poucas pessoas irão se lembrar de você por uns poucos dias, e depois elas irão morrer. Então, até mesmo a sua memória vai desaparecer da Terra. (...)

Quantos milhões de pessoas viveram na Terra? Ninguém nem mesmo sabe seus nomes agora. Na época em que elas viveram elas devem ter se gabado de suas personalidade, caracteres, força, verdade, coragem, religiosidade, santidade, e disso e daquilo. Agora, ninguém nem mesmo sabe os seus nomes. (...)

Agora, o que você tem a perder, Gita? Você nada tem a perder e tem tudo a ganhar. Você foi afortunada por, na última fase de sua vida, ter entrado em contato com este campo de energia. Você foi afortunada pois no final da tarde de sua vida uma porta está aberta e a pessoa que volta para casa, ainda que no final da tarde, não deve ser considerada perdida.

Existe um provérbio na Índia: 'mesmo no final da tarde, quando o sol está se pondo, se alguém volta para casa, ele não é considerado perdido.' Ele chegou, finalmente ele chegou.

Não perca essa última fase da vida. E a última é a mais importante fase, porque ela lhe trará a morte. E se você conseguir morrer como verdade, você não nascerá novamente. Se você puder morrer com todas as falsidades abandonadas, com todas as falsas identidades desconectadas de você, renunciadas, se você puder morrer completamente nua diante de Deus, absolutamente nua diante de Deus como uma criancinha diante de seus pais, a sua morte será a mais bela experiência que você jamais conheceu.

Aqueles que conheceram a morte sabem que a vida é nada comparada a ela. A vida tem uma extensão, setenta, oitenta anos, ela se espalha por todos esses anos. Daí, ela não conseguir ter a mesma intensidade que a morte pode ter, e que somente a morte consegue ter, porque a morte acontece num momento. Por oitenta anos você vive e num momento você morre. A morte tem intensidade, não extensão mas intensidade. Ela tem profundidade.

A vida é um longo caminho para viver. Você pode adiar para amanhã e viver de uma maneira sem entusiasmo. Mas a morte é tão total... E se você puder morrer conscientemente... E você só pode morrer conscientemente se você expor-se totalmente, de modo que tudo o que o inconsciente estiver carregando seja colocado para fora, tudo o que o inconsciente estiver reprimindo seja liberado, e assim o inconsciente se torna vazio e nada há para esconder. Você pode se expor no momento da morte e morrer conscientemente.

Lembre-se, uma pessoa que tiver qualquer repressão não poderá morrer conscientemente. A repressão cria o inconsciente. Quanto mais reprimido você for, maior o inconsciente que você tem. O que na verdade é o inconsciente? Ele é aquela parte de sua mente que fica de lado, é aquela parte de sua casa onde você nunca vai, o porão. Você vai atirando ali todo tipo de coisas e nunca você vai lá.           (...)

O inconsciente é uma criação da civilização. Quanto mais civilizado você for, mais inconsciente você será. Se você for absolutamente civilizado, você será um robô, você será absolutamente inconsciente. Isso é o que está acontecendo. Esta calamidade está acontecendo em todo o mundo. Isso tem que parar. E a única maneira de parar isso é ajudando as pessoas a colocar para fora os seus inconscientes nas meditações.

Gita, exponha-se. Isso será um alívio. E eu estou aqui. Não fique preocupada e não tenha medo. Eu estou indo com você. Eu vou lhe fazer companhia até o ponto em que você não precise mais de mim. Eu só deixarei você no desconhecido quando eu sentir que agora você pode caminhar por si mesma. E aí não haverá mais medo.

Mas não perca esta oportunidade. Desta vez, morra conscientemente. Mas você tem que começar neste exato momento a viver conscientemente. Somente então você poderá morrer conscientemente. Mesmo que você consiga viver conscientemente por poucos anos, isso será o suficiente. Mesmo alguns meses ou mesmo alguns dias, se a intensidade for grande, mesmo alguns minutos serão suficientes para viver conscientemente. Então a pessoa se torna capaz de morrer conscientemente. E morrer conscientemente é ressuscitar numa dimensão totalmente diferente, a dimensão do divino.

Eu gostaria que todos os meus sannyasins morressem tão profundamente que eles nunca nascessem de novo, assim eles poderiam desaparecer no cosmos e se tornar parte do todo. "

OSHO - The Guest - discourse nº 8
tradução: Sw.Bodhi Champak

A desconhecida Leveza do Ser

A experiência religiosa é livre do tempo

Não se pode falar do oceano para um sapo do brejo

[...] Há muita gente que irá asseverar que um tal domínio sobre o pensamento é impossível e que essas ideias de uma vida mais divina para o homem são ilusórias. Suas asserções são bastante acuradas do restrito ponto de vista, mas por que devemos aceitar tais limitações? Por que ficar numa prisão quando nos colocam nas mãos uma chave que abrirá a porta da mente, fazendo-nos entrar nos espaços mais amplos da liberdade? O homem não se deve deixar hipnotizar pelas doutrinas correntes. Ideias hoje em voga amiúde caem em descrédito amanhã, e somente aqueles que se emanciparam antes da sua época podem ajudar os outros a fazer o mesmo.

A mente humana se revoltaria contra si mesma se atingisse uma compreensão completa e não apenas parcial da natureza das coisas. A habitual atitude egocêntrica é natural, mas não é o derradeiro posto de observação à disposição do homem. A Eternidade está aberta apenas a um eu mais elevado. O preço que temos de pagar para encontra-la é abandonar o eu inferior — esse que conta os segundos e meses e se identifica inteiramente com o corpo. A tranquilidade mental é o meio para lá chegar. A raiz desse eu mais elevado está dentro de nós; também o obstáculo íntimo está dentro de nós.

“Não se pode falar do oceano para um sapo do brejo — criatura de uma esfera mais acanhada. Não se pode falar de um estado isento de pensamento para um pedagogo; sua visão é demasiado restrita”, queixava-se o preclaro chinês Chuang Tzu.

A tentativa de insinuar a possibilidade de uma existência intemporal e livre de pensamentos junto a seres destituídos de noção e experiência fora dos limites do tempo está cheia das maiores dificuldades. Um tal mundo é na verdade inconcebível para o homem médio que, de forma singular, porém natural, acredita que, porque ele pertence a uma maioria enganadora, é também o homem normal, o homem que vai de encontro aos desejos da Natureza. Contudo, a tentativa não deixa de ter o seu valor, pois atrai aqueles que a acolhem para as regiões adormecidas da sua mente; os próprios esforços no sentido de compreender — de início aparentemente tão fúteis e vãos — geram uma intuição incipiente. Pois carregamos dentro de nossa própria natureza tanto os laços que nos mantêm presos a opiniões incompletas ou falsas quanto aos meios de rompermos tais laços. Aquele que se esforça seriamente para apanhar todas as implicações destas declarações constatará, no devido tempo, que seus esforços possuem um valor mágico: ajudam a abrir para ele um novo sentido.

Repetindo: a eternidade existe, mas o preço de tomar consciência dela é o domínio das sempre fluentes correntes do pensamento. O intelecto cria o tempo, o Eu Superior o absorve sempre que absorve o intelecto.

É preciso começar a adquirir uma nova forma de ver as coisas e um novo hábito, o do repouso intemporal interior. É preciso aprender a distinguir entre as sensações efêmeras e a vida duradoura, mesmo quando ambas coexistem em nós. É preciso libertar a mente do trabalho de olhar retrospectivamente para o passado empoeirado e antecipar o hermético futuro, como também é preciso livrá-la de ser arrebatada pelo momento que passa e fazê-la compreender o legítimo pensamento intuitivo, que se resume em perceber a voz interior do Absoluto. Embora não possamos captar diretamente com o intelecto o conceito de eternidade e precisamos apelar para a metáfora, podemos, contudo, compreendê-lo indiretamente, usando o intelecto como trampolim. Quando o salto é bem sucedido a eternidade permanecerá fixa no coração, pois nos teremos tornado unos com ela.

Devemos alcançar essa perspectiva mais alta e viver no eterno, essa serenidade interior que é a mesma ontem, hoje e sempre, e não se deixa afetar pelas vicissitudes. Isto não significa recusar-se a tirar proveito das lições do passado, nem caminhar com indiferença pelo presente. Significa uma estabilidade básica perpétua no centro do nosso ser consciente, a qual nem as recordações passadas nem os acontecimentos presentes de uma existência evanescente podem abalar — uma estabilidade que pode alimentar reminiscências ou previsões sem render-se a qualquer delas. Porém, na maior parte dos casos, deixamos de pensar nos acontecimentos tão logo eles ocorrem; as impressões mentais são varridas da nossa mente com grande rapidez. Pois é melhor ser indiferente ao futuro se a recompensa for a vida eterna; é mais proveitoso esquecer o passado se a mesma recompensa vier depois. Assim poderemos continuar sem ser influenciados pela autocensura e sem ser excitados pelos desejos especulativos.


Dessa maneira o estudo de nós mesmos resume-se afinal no estudo do nosso intelecto, e o estudo do intelecto resume-se depois no estudo da consciência e a consciência, por sua vez, descobre-se ser a seráfica e secreta exploração do Presente, a fusão de cada momento com a eternidade. Essa é a vida divina que nos leva além do tempo. 

Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior

A busca só termina com a percepção direta do eu

Se examinarmos com cuidadosa concentração o curso da nossa vida interior e observarmos o nascimento de um pensamento, o que de fato poderemos fazer nos momentos de quietude mental, se nos dissociarmos assim da inerência no intelecto propriamente dito, descobriremos que aquilo que dá realidade, vida e valor ao pensamento é uma consciência atenta. Sem o poder de emprestar atenção a alguma coisa o homem não teria existência consciente em nenhum mundo: físico, intelectual ou transcendental. A importância da atenção não pode ser subestimada. Na verdade, a atenção é a alma do pensamento e a raiz da percepção. Quando voltada para o exterior, permite-nos tomar consciência do mundo externo ao mesmo tempo em que ilumina os objetos. Por isso, sem focar no interior a faculdade da atenção, jamais poderemos esperar conhecer o reino oculto por detrás dos pensamentos — o reino do ser espiritual, o eu real.

Faz-se necessária uma mudança do campo de observação para que possamos efetuar essa descoberta. O hábito mantém nossas atenções inteiramente voltadas para o campo das coisas externas e para o mundo mental correspondente que delas decorre. As imagens que têm sua origem, direta ou não, neste campo nos assaltam de forma incessante a ponto de impedir que o eu tome consciência de sua própria natureza. A nossa mente se encontra permanentemente viajando. Mas, se nos recusássemos a permitir que a nossa atenção corresse sempre para essas imagens mentais, libertando a mente para estudar-se a si mesma, automaticamente nos libertaríamos das limitações do intelecto e deparar-nos-íamos com horizontes mais nobres. O hábito que nos obriga a adotar um ponto de vista materialista a respeito do universo existe dentro de nós, observadores que somos, se tal hábito pudesse ser interrompido — e pode — um universo espiritual poderia então revelar-se à nossa atenção interiorizada. Enquanto vivermos absorvidos na multidão dos pensamentos será impossível, ou extremamente difícil, asseverar aquilo que se acha por detrás do pensamento.

É preciso estudar o funcionamento da mente, reconhecer a sua dependência final da atenção, e a seguir aproveitar ao máximo esse conhecimento. Que melhor aproveitamento poderia ser encontrado do que o preenchimento do vácuo entre os pensamentos e a alma e do que o ganho daquela maravilhosa compreensão que tal preenchimento promete?

O tipo de atenção que torna possível o pensamento precisa ser desviado do mundo exterior para o interior, pois é o único meio de acesso ao EU FUNDAMENTAL. Dirigida para o recesso do ser, a atenção nos permite contemplar nossa própria significação à luz que emana do eu. A atenção é de fato uma manifestação da essência do homem, daquela alma que sobrepaira o intelecto, o sentimento e o corpo. Se nos fosse possível cultivar nossa atenção de maneira a dominá-la completamente, não nos seria preciso outro recurso para chegarmos às mais elevadas verdades espirituais e psicológicas, ou para descobrirmos os segredos da vida, do sono e da morte. 

A providência seguinte será, então, isolar esse pensamento do Eu com toda a força da nossa atenção e conservá-lo cativo durante algum tempo; é preciso que penetremos no seu segredo e forcemos a obtenção da resposta a esta pergunta: “Que sou eu?”

Pois a lógica, como quase sempre sugere a experiência no estado desperto, já não pode fornecer uma solução; chegou a um impasse e não pode mais avançar. A argumentação só serviu para nos convencer de que o EU está além de qualquer argumentação, pois está além do intelecto. A nossa busca só termina com a percepção direta do eu.

Assim o leitor foi conduzido, como que por um tênue fio, através do mundo do intelecto até a fronteira daquele esplendor maravilhoso que existe no seu âmago. Mostrou-se-lhe algo que até então ele talvez não houvesse sequer suspeitado: que assim como o mundo externo deve ser alcançado através dos órgãos sensoriais, assim também o mundo interno da alma deve ser alcançado pela faculdade de uma consciência atenta, liberta da tirania dos pensamentos ALEATÓRIOS, dos sentimentos flutuantes e das emoções externas.

Mas desenredar o pensamento do Eu não significa pensar no assunto. Não se chega a tanto fazendo declarações mentais ou inferências a respeito. Embora a sequência de auto-observações críticas e argumentos lógicos tenha sido vital para nos fazer chegar a este ponto, ela só servirá, caso seja levada ainda mais adiante, para não impedir o nosso progresso. A atividade mental precisa agora ceder diante da quietude mental. Tão logo nos entregamos a tal processo somos de novo desviados do caminho e atirados de volta na sempre presente sequencia de pensamentos e ideias que nos mantêm afogados em sensações múltiplas e nos impede de chegar ao EU.

A única maneira de penetrar e captar o pensamento do EU a esta altura é abandonar todo o raciocínio divagador a respeito. O que se requer é apenas uma atenção total, restrita ao campo da autoconsciência e mantida sempre sobre si mesma, sobre o EU-nela-mesma.

Mostrou-se que a atenção é a alma inerente ao pensamento, e está por isso um degrau acima do pensamento. Em consequência, apenas uma atenção redobrada e concentrada pode contemplar o pensamento do EU.

Na prática, o pensamento não pode contemplar-se a si mesmo a menos que se coloque num posto de observação mais alto. Mas tão logo o consiga é preciso que modifique a sua natureza e se transforme em atenção pura.

Qual o significado de todas estas declarações? Qual a momentosa implicação anterior a estas observações do processo do pensamento, elas próprias o resultado de um exame atento por parte de antigos videntes e sábios?

Eis a resposta: o ato de pensar consuma-se em seu grau mais elevado como atividade quando chega ao ponto de considerar o pensamento do eu, atendendo-se firmemente ao eu, mas deixando de lado o processo normal de logicidade de raciocínio. Mas a capacidade de controlar o fluxo dos pensamentos precisa ser conquistada antes que nos possamos aproximar do sentido do eu e percebê-lo sem disfarces sob o complexo das ondas mentais.

O destino certo do pensamento é atingido quando para aqui, quando se enquadra na compreensão de que precisa ser agora subjugado e dar lugar à faculdade mais sutil da atenção pura. Diretamente ligada ao ego e apenas a ele; dar lugar a uma consciência fixa que não salta de ideia para ideia, mas se prende de forma irresistível ao pensamento primordial do homem.

Por isso, todos os pensamentos aleatórios precisam também desaparecer antes que possamos avançar ainda mais no sentido da natureza do eu. Aí então temos o direito de esperar que o eu oculto se mostre espontaneamente. E não precisamos supor esse eu como uma invenção da imaginação metafísica. Pelo contrário, uma vez que ele é o centro mais recôndito que vibra antes e durante o raciocínio, o sentimento e a ação, deve ser também a mais alta intensidade de nossa vida individual.

A própria busca da compreensão dessa fonte misteriosa em que se origina o pensamento ajuda a preparar a única condição dentro do qual a compreensão é possível — a condição de uma atenta observação voltada para o interior que permite à consciência, ainda que por breve espaço de tempo, deixar de entregar-se à sua costumeira atividade de pensar.

É preciso que tornemos a nossa atividade cerebral afiada como uma navalha e para tanto necessitamos acalmá-la. Quando todos os pensamentos se aquietam e a mente chega à tranquilidade total, então esta pode contemplar o seu próprio eu com plena consciência, mas não antes disso.

Assim o nosso pensamento se voltou ao sentido de si mesmo. Tal não teria sido possível já no princípio de nossa busca. Primeiramente foi preciso separar o pensamento do corpo e fazer com que ele encarasse sua vida corporal como algo externo a si. A seguir foi necessário que o pensamento examinasse a natureza emocional e constatasse que também esta é estranha a si. Por fim o pensamento examinou-se a si mesmo e aprendeu a encarar as miríades de pensamentos como alguma coisa objetiva. O segredo da penetração no eu mais profundo envolve assim a drenagem da atenção do mundo externo para o mundo interior. Para dizer a verdade, esse eu não poderia viver atrás de nós, mas sim dentro de nós.

Não há o receio de sermos conduzidos a uma região de pura fantasia, desde que a nossa orientação seja adequada, pois nada pode estar mais perto, ser mais íntimo e mais real do que o nosso próprio eu.
Quando Ali perante Maomé, perguntou-lhe: “Que devo fazer para não perder meu tempo?”, o profeta lhe respondeu: “Aprende a conhecer-te a ti mesmo!”

Um conselho inestimável. Por quê? Que o próprio Maomé responda através das suas palavras inseridas no Corão: “Aquele que compreende a si próprio compreende o seu Deus”.

Acontece que a asserção bíblica de que o homem foi feito à imagem de Deus é verdadeira, mas tal imagem está dentro do homem. Não se trata de nenhum absurdo. Deus está sempre dentro do homem, da mesma forma pela qual o homem está dentro de Deus. Aceitar essa afirmação com enfadada resignação, como fazem aqueles que não conseguem compreender as suas implicações, é uma coisa; senti-la como uma realidade viva, uma força divina, é outra.


O tempo dedicado ao estudo da composição do nosso ser não é desperdiçado. Estamos tão ocupados em responder os inúmeros problemas decorrentes das atividades externas — os quais não têm fim — que o maior dos problemas “Que sou eu?” permanece sem resposta. Quando, porém, encetamos a busca da nossa própria alma somos inspirados por um poder mais alto: nossa divindade inerente, que, por sua vez, é o melhor penhor do nosso êxito final. Temos em nós tanto da centelha divina quanto o tinham os sábios e santos que pontificaram na história da humanidade, mas estes tinham consciência do fato, ao passo que nós apenas tateamos. E por ser um fato real — e não uma ficção metafísica — pode-se demonstrá-lo experimentalmente, pois a centelha divina existe em estado de separação, isto é, em separado do corpo físico, das emoções e até mesmo dos pensamentos.

Paul Brunton em, A Busca do Eu Superior
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill