Acho importante compreender que a liberdade está no começo e não no fim. Pensamos que a liberdade é uma coisa que se precisa alcançar, que a libertação é um estado ideal da mente, alcançável pouco a pouco, através do tempo, por meio de várias práticas; mas tal maneira de ver, para mim, é completamente errônea. A liberdade não é uma coisa que se precisa alcançar; a libertação não é uma coisa que se deve ganhar. Liberdade ou libertação é o estado mental indispensável para o descobrimento de qualquer verdade, qualquer realidade e, portanto, não pode ser um ideal; ela tem de existir exatamente no começo. Não havendo liberdade no começo, não pode haver momentos de compreensão direta, porque, em tal caso, todo o pensar está limitado, condicionado. Se vossa mente está presa a qualquer conclusão, qualquer experiência, qualquer forma de conhecimento ou crença, ela não é livre e não pode, em tais condições, perceber o que é a verdade.
Isto é uma coisa que tem de ser sentida e percebida imediatamente e que não se presta a discussões intermináveis, — porque é um fato. Como pode uma mente mutilada, senhoreada por uma crença, um dogma, ou por seus próprios conhecimentos e experiências, ter capacidade para explorar e descobrir? A liberdade, pois, é essencial para se descobrir o que é a Verdade; e só aquele indivíduo que não é mero resultado do "coletivo", pode ser livre. Para que a mente possa habilitar-se à liberdade, há, evidentemente, necessidade de aplicação — a aplicação que acompanha a atenção; e é sobre isso que desejo falar nesta tarde. É essencial, acho eu, descobrir a maneira correta de escutar, porque, no próprio ato de escutar há esclarecimento. O esclarecimento é imediato, e não resulta de argumentação ou conhecimento comparativo, quando se escuta de maneira completa. É muito difícil escutar de maneira completa, quando não aplicamos toda a nossa atenção; mas é só quando escutamos completamente uma coisa, que há compreensão imediata.
Agora, se observardes a vossa própria mente, enquanto estais aqui sentados, notareis que estais ouvindo através de várias cortinas — a cortina do que sabeis, do que ouvistes dizer ou lestes, a cortina das vossas próprias experiências; e estas cortinas, com efeito, impedem o escutar. Nunca escutais realmente, estais sempre interpretando o que ouvis, de acordo com vosso "fundo" próprio (background), vossos preconceitos, de acordo com as conclusões a que chegastes. Por isso, não há escuta. E só é possível a transformação imediata quando se escuta completamente, o que significa não permitir interferência das coisas anteriormente aprendidas. Escutar completamente significa: não julgar, não avaliar - de modo que todo o nosso ser esteja atento. E quando se escuta por essa maneira, verifica-se imediato esclarecimento. Esse esclarecimento é liberdade, libertação imediata, fora do tempo.
Parece-me necessário diferençar entre "aprender" e "ser instruído”. Quase todos viestes aqui com o fim de escutar uma pessoa que pensais irá ensinar-vos alguma coisa; e, assim, vossa atitude perante este orador é a de quem espera ser instruído por um instrutor. Mas eu acho que não há possibilidade de ensinar; o que se pode é só aprender, e é muito importante compreender isto. Quando um indivíduo que escuta um orador, o considera como uma pessoa que lhe está ensinando alguma coisa, esta atitude cria e mantém a separação entre discípulo e mestre, entre o que sabe e o que não sabe. Mas só há possibilidade de aprender; e acho importante compreender isso desde o começo, para que se estabeleça a correta relação entre nós. O homem que diz que sabe não sabe. O homem que diz ter alcançado a libertação, não a "realizou". Se pensais que ides aprender de mim uma coisa que eu sei e vós não sabeis, tornar-vos-eis meu seguidor; e aquele que segue, nunca descobrirá a Verdade. Eis porque tanto importa compreender isso.
Um homem só pode ter conhecimento de coisas já experimentadas, não pode ter conhecimento do desconhecido. O desconhecido se torna existente de momento a momento; não se pode juntar nem acumular; sendo atemporal, não pode ser guardado, para uso. O guru, o chamado instrutor que afirma que sabe, só pode saber as coisas que já experimentou; e o que ele experimentou é coisa condicionada, do tempo e, portanto, não é verdadeira. É essencial, pois, para que possamos compreender-nos mutuamente, estabelecer-se a relação correta entre nós, desde o começo. Não me estais escutando, para serdes instruído por mim; estais escutando para aprender. A vida é um "processo" de aprender; mas não se pode aprender, acumulando. Como se pode aprender, se nossa mente só se interessa em acumular e em servir-se de cada aquisição nova para aumentar sua acumulação?
Prestai atenção, senhores: Quando dizemos "Preciso aprender", isto significa que, no processo de aprender, queremos armazenar as coisas aprendidas, com o fim de sabermos mais, não é exato? Este modo de aprender é essencial na aquisição de conhecimentos técnicos. Se quereis aprender a construir uma ponte, precisais acumular os conhecimentos necessários, se sois cientista, precisais conhecer os experimentos e descobertas dos outros cientistas. Esta espécie de conhecimento é essencial ao bem-estar físico do homem. Mas não falo de conhecimento neste sentido. Mesmo na ciência, não adorais nem seguis uma certa pessoa; seguis os fatos, e não os indivíduos. O próprio processo de experimentação, nas ciências, produz os descobrimentos correspondentes. Se sois um grande cientista não tendes ninguém para guiar-vos ao descobrimento, na experimentação; estais constantemente examinando, eliminando, explorando, investigando, com o fim de descobrir. Mas nunca procedemos assim, em relação à nossa vida interior, nossa vida religiosa. E isso é muito mais importante do que o mero descobrimento de fatos científicos; porque os fatos psicológicos podem ser alterados, para seus próprios fins, pela mente egocêntrica, a mente que só se interessa por si mesma e seu próprio progresso.
O que aqui nos interessa é compreender o que é a verdade, o que é a vida religiosa, a vida rica. Se apenas sois instruído por uma pessoa que diz que sabe ou que considerais ter alcançado alguma excelência, estais criando uma separação entre vós e essa pessoa; e fica havendo, sempre, o mestre e o discípulo — o mestre a subir cada vez mais alto, e o discípulo a segui-lo. Prevalece, então, um estado de desigualdade. E a desigualdade, no terreno espiritual, é antiespiritual, imoral, porque com vos tornardes seguidor destruís a vós mesmo.
Compreendei esta verdade muito simples: enquanto estais seguindo outra pessoa, não importa quem seja ela, nunca descobrireis o que é eterno, "o outro estado" existente além dos limites da mente. Necessita-se, pois, de liberdade, exatamente no começo — não liberdade para escolherdes os vossos vários gurus, pois isto não é liberdade, — porém, liberdade para investigar, o que significa que não se deve seguir ninguém. Por conseguinte, não deve haver guru, nem mestre, nem livro sagrado. Para ser capaz de descobrir o que é verdade, a mente deve ser livre; e a mente não está livre quando pejada de conhecimentos acumulados e de experiências dela própria. "Aprender" é um constante processo de eliminação do que se está acumulando, eliminação, a fim de se continuar descobrindo.
A mente que se deixou prender ao Gita, ao Alcorão, à Bíblia, ou a certa crença, nunca será capaz de aprender; só é capaz de seguir; e ela segue, porque deseja segurança. Enquanto a mente está desejando um permanente estado de segurança, de não perturbação, enquanto está buscando sua própria perpetuação, por meio de uma crença, ela é, obviamente, incapaz de descobrir o que é Deus, o que é a Verdade.
A mente só pode aprender quando é capaz de renunciar, isto é, de despojar-se constantemente do que está aprendendo. Se aprender é apenas uma operação de adição, então não há aprender. Percebei este fato. Enquanto a mente está acumulando, amontoando, como pode aprender, visto que tudo o que aprender será sempre traduzido de acordo com o que já acumulou? Quando há acumulação, não pode haver o movimento do aprender. Porque só quando está livre para explorar, a mente é capaz de aprender. Se a mente percebe, realmente, este fato, não de maneira argumentativa, de maneira verbal ou, como se diz, intelectualmente, porém profunda e verdadeiramente, nesse caso ela é capaz de encontrar aquilo que se pode chamar bem-aventurança, verdade, Deus, ou como quiserdes.
Assim sendo, parece-me muito importante compreender, exatamente no começo destas palestras, que não vos estou ensinando coisa alguma, porque, se assim não for, estaremos andando em direções diferentes. A bem dizer — afora umas certas coisas — guiar um carro, escrever cartas, etc. — eu nada sei. Por conseguinte, achando-se num estado de não conhecimento, a mente está capacitada para a perfeita investigação. A mente que sabe, não pode investigar; só a mente que está livre do "conhecido", pode encontrar-se com o "desconhecido".
Estas palestras não têm o fim de guiar-vos, dizer-vos o que deveis fazer, porém, antes, a sua intenção é de libertar a mente, para que possa descobrir por si mesma o que lhe cumpre fazer, sem seguir pessoa alguma. Isto significa a quebra da tradição, o completo abandono da ideia de venerar uma certa pessoa, com o fim de achar Deus. Somos criados com a ideia de que o guru é essencial, porque é um homem que sabe e irá dizer-nos o que devemos fazer; estamos completamente imbuídos desta tradição e cumpre cortar-lhe imediatamente a raiz, para que sejamos capazes de compreender as questões que vamos examinar. Vede, senhores, temos medo de ficar privados dos nossos guias, porque nos achamos sumamente confusos; e quando agimos, em meio à nossa confusão, aumenta-se a confusão. Mas a confusão só pode ser dissipada por cada um de nós, sendo esta a razão por que tanto importa o indivíduo compreender a si mesmo. Com a compreensão vem uma ação que não é confusa nem causadora de confusão. O autoconhecimento, portanto, é essencial, mas não o autoconhecimento que se ensina nos livros, porque isso não e autoconhecimento, de modo nenhum, e sim, meramente, vã repetição. O que tem valor é não se supor coisa alguma — que sois Atman, Paramatman, etc. — porém descobrir, nas vossas relações, dia a dia, o que sois realmente, — e isto é aprender a conhecer a si mesmo. Mas não podeis aprender a conhecer a vós mesmo, se guardastes o que ontem aprendestes, porque então comparais ontem com hoje, e esta comparação destrói os novos descobrimentos. O autoconhecimento é uma coisa viva, e não um monte de trastes inúteis, trazidos de ontem.
Quando se percebe isso realmente, como é simples o que se nos mostra! E a mente tem de ser simples, "inocente" — o que significa não trazer as acumulações feitas ontem. Só essa mente pode descobrir o significado de todo este processo do viver, que atualmente é tão caótico, infeliz, violento. Eis porque é necessário compreender, desde o começo, que a vida não é uma escola onde há professor e aluno. A significação da vida deve ser encontrada no processo de viver; pois, desde que começais a acumular, estais morto, como um poço de água estagnada. Torna-se, pois, essencial que a mente seja como as águas correntes do rio, sempre a fluir, o que significa que se necessita de liberdade desde o começo.
Antes de considerarmos juntos algumas das perguntas que aqui tenho, convém esclarecer-nos quanto à nossa intenção. Eu não vou responder a estas perguntas, porque não há resposta para nada. Compreendei isto, por favor, pois do contrário estareis perdendo tempo, ouvindo-me falar. Não há resposta, porém, sim, só o desdobramento do problema e, consequentemente, a beleza do descobrimento da Verdade dentro do próprio problema, A mente que busca solução, nunca investigará o problema, porque está ocupada em obter a solução e seu maior desejo é satisfazer-se. Os mais de nós queremos uma solução agradável e fácil para os nossos problemas. Mas, aqui, não estamos dando solução, estamos desdobrando o problema, descobrindo todas as suas facetas e sutilezas, discernindo o fato extraordinário que se esconde atrás do problema. Afinal, a mente é nosso único instrumento de percepção, e, se se ocupa com uma resposta, ela barra a si própria o caminho da percepção. A mente que só se preocupa com o resultado, a conclusão, obsta a sua própria ação, seu próprio viver; fica fechada entre as paredes de seus próprios argumentos, seus esforços determinados. Assim, tende presente no espírito, que não vou responder a estas perguntas. Estamos tentando, juntos, descobrir a verdade contida no problema, e não estamos procurando solução. Porque a mente, no seu desejo de satisfazer-se, quer uma solução conveniente e agradável e tal solução, tal resposta, não é a verdade.
Krishnamurti, Primeira Conferência em Bombaim
4 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana