Já que
ninguém se manifestou para subir, eu vou tentar compartilhar um pouquinho, das
vivências aqui, das percepções, não é? do momento. Sei lá! O que vier! Uma das
coisas que eu já tenho muito em mente é que a mensagem, a transmissão da
percepção, do momento, não pode ser organizada. Se eu começar a organizar, se eu
tentar me preocupar em expressar alguma coisa já é o próprio fortalecimento do
eu, é o próprio fortalecimento do ego, que pode até sair muito bonito, mas não
vai tocar de coração pra coração; pode soar bonito e tocar de intelecto pra
intelecto. Mas, o que funciona mesmo é essa reverberação, essa coisa que vem sem
ser organizada e que surge quando se dá espaço pra essa consciência que somos, se
manifestar, sem se preocupar em ficar buscando na memória a coisa; a coisa flui
naturalmente, não é? A coisa flui naturalmente. E a gente vem aí tentar trocar
o porquê dessa sala, o porquê desses encontros, e o que a gente está
conseguindo vivenciar e às vezes a gente entra um pouco no processo histórico
dessa personagem de algumas décadas, e o que se está percebendo.
Achei
esse tema muito interessante, nós extraímos ele de um livro, que não precisaria
nem abrir o livro; era só ficar na capa desse livre do Krishnamurti, não é? “O que estamos buscando?”... O nome do
livro é esse... é “O que estamos buscando?”,
não é? Por que começamos a buscar alguma coisa, não é? Por que, não é?
Eu
percebo que é assim: esse é um vício herdado, é um vício “transgeracional”, não é? Essa busca que você vai ser alguma coisa, ou
que você vai encontrar a felicidade quando lá na frente
você vir
a ser alguma coisa ou vir a ter alguma coisa, não é? Todos
aqui já devem ter perguntado para uma criança, como, quando criança, com
certeza ouviram de algum adulto significativo, aquela pergunta: “o que você vai
ser quando crescer?” não é?... “O que você vai ser?” Quer dizer: você não é! Você
não é nada agora!... Só lá na frente, lá num futuro longínquo, não é? se você
adotar umas letrinhas na frente do seu nome, com um quadrinho pendurado na
parede, com uma estampilhazinha numa moldura, aí você vai ser alguma coisa, não
é? Se você conseguir a casa da praia, a casa de campo, as viagens pela Europa e
blá-blá-blá, blá-blá-blá, aí você vai ser alguma coisa, não é? E aí a gente sai
partido atrás das coisas que esses adultos adulterados, com a sua educação, com
a sua chamada educação adulterada, vão apontando, como fatores a serem
conquistados e que prometem por felicidade; e que prometem pôr respeitabilidade;
e que prometem por segurança. E aí lá vai aqui o garoto, cheio de medo, cheio
de vergonha, cheio de sentimentos de inadequação, conseguidos aí dentro de um
lar disfuncional, de muita repressão emocional, física, verbal, temendo o
ambiente de alcoolismo e neurose; de ambientes escolares também profundamente
neuróticos, onde não há a mínima expressão de uma educação psíquica, de uma
educação amorosa, e eu saio correndo atrás dessas coisas que me colocaram como sendo
válidas pra buscar, sem ter a mínima possibilidade de fazer qualquer
questionamento quanto a esses posicionamentos aí; quanto a essas condições que
foram colocadas pro freguês aqui, pra que ele fosse um homem de verdade, pra
que ele fosse um homem de sucesso, pra que ele fosse um homem respeitado.
Então
assim: não houve muita opção de escolhas; “É fazer ou fazer!... E engole o
choro! Certo?... Engole o choro!... Vai atrás aí! Se vira nos trinta! Porque se
não fizer desse jeito vai para o reformatório, certo?”... “Vai pro reformatório!
Nós vamos botar você na forma aí! Não vem com essa rebeldia, ai!”
Então,
aí, como você não é um adulto ainda; como você não tem nenhuma inteligência
psíquica, capaz de te proporcionar aí uma autonomia psicológica, você fica
nessa mendicância, da aceitação, dos tapinhas nas costas, não é? dessas pessoas
significativas da sua vida. Mesmo que isso que você está fazendo para ter
aceitação, “condicionada”, e que eles
chamam de amor, você se estrumbique todo, se arrebente todo, se corrompa todo.
Porque, corrupção, não é só passar dinheiro embaixo da mesa; corrupção é fazer
tudo aquilo que fere, que contraria o seu mais íntimo estado de ser, não é?
Então,
durante anos e anos, foi um processo de auto-corrupção, de auto-sabotagem aí, por
querer fazer frente a essas descabidas exigências de uma estrutura familiar e
social profundamente adulterada, profundamente corruptora da essência do ser
que somos; que mata toda a sensibilidade; que arrebenta toda a originalidade; que
estrangula toda a autenticidade.
Então,
assim, você fica exposto por algumas décadas aí; pelo menos uma década e meia à
esse tipo de ambiente abusivo, à esse tipo de estrutura social abusiva,
limitante, que só quer fazer você ser uma peça consumista; que só quer fazer
você “funcionar”, você ser um “funcionário” de sistema que faz você
só uma peça para alimentar esse sistema, que não está nem um pouquinho preocupado
em fazer sair essa inteligência que está aí; e trazer seu sopro; e traze sua voz;
e trazer a sua nota; não tem nada disso...
É uma estrutura que é só puro ajustamento a um processo tremendamente
escravagista, limitante e que aqueles que não foram totalmente adulterados em
sua sensibilidade, é óbvio que vão sentir uma dor muito forte e vão precisar de
algum processo de anestesiar a esses sentimentos; de anestesiar essa dor dessa
corrupção transgeracional; essa corrupção da essência daquilo que somos, pra
nos ajustar àquilo que dizem que temos que ser, não é?
Então a
gente sai aí durante muito tempo buscando tudo isso, pra ter essa
respeitabilidade, pra ter essa aceitação, pra ter essa validação, pra ter esse
seu cantinho, não é? onde você possa mostrar pros outros que você está sendo um
homem de sucesso; que você merece respeito; que você merece ser convidado pros
almoços de domingo. E todo mundo entra nesse joguinho!... Profundamente
descontente!... Porque quando começa a tocar música do “Fantástico”, no domingo, todo mundo sabe muito bem aquela
depressão que bate e tem que correr pra geladeira, abrir e comer alguma coisa,
um chocolatinho, um docinho, um salgadinho, porque lá vem a segunda-feira, não
é na cara? Com a mesma rotina, o mesmo tedio, a mesma insatisfação e aquele
esforço violento, com os dentes “branco de laboratório químico”, pra disfarçar
que eu sou um cara feliz, que eu sou um cara ajustado, não é cara?...
Essa aí
foi minha história até que veio a depressão! E eu agradeço profundamente e,
toda vez que vejo alguém com depressão eu estico a mão e dou os meus parabéns:
“Você é uma bem-aventurado!”... Porque a depressão não é nada mais, nada menos,
de um grito dessa inteligência psíquica, dessa inteligência que somos, dizendo:
“Chega!... Chega!... Chega!... Não dá mais para se ajustar ao que não é
ajustável!... Ou você faz o resgate daquilo que você é, ou eu te mato!”
Então,
assim: pra mim, esse processo brecou com essa depressão profunda que quase me
levou ao suicídio; por muito pouco não cheguei ao suicídio; que era uma
compreensão errada da necessidade de um “egocídio” aí, que vem, sem esforço,
que vem por esse processo do início de uma educação psíquica, e que cada um
começa ter essa educação psíquica dentro dos ambientes que vão encontrando aí; dentro
dos ambientes que vão encontrado. A minha educação psíquica começou dentro de
um centro espírita, que foi o primeiro lugar que eu comecei a contrariar o
processo nefasto do cristianismo que me foi apresentado; veja bem: do
cristianismo que me foi apresentado; não estou falando mal contra o
cristianismo, não. E aí começou todo um processo: encontrei os grupos anônimos,
não é? A quem eu sou profundamente grato; em cada grupo anônimo que eu fiz
parte, foi uma oficina aí de trabalho, pra colocar esses instintos naturais que
nos foram dadas aí pela Grande Vida, que estavam totalmente deturpados pela
ação dos condicionamentos... desse egocentrismo aí. Então, cada oficina aí foi trabalhando
numa questão aí; e essas questões que me levaram a esses grupos, num
determinado momento, elas foram sanadas, só que aí ficou um grande vazio, porque
esse processo, esse processo de bê-á-bá psíquico, essa educação psíquica que a
gente começa a colher em todas essas escolas aí; acredito que todas essas
escolas que a gente foi passando aí — cada um sabe por onde passou — elas vão
tirando esses condicionamentos materialistas, mas elas criam os
condicionamentos espiritualistas, que às vezes são profundamente impossíveis — pelo
menos pro freguês aqui, não era palpável, não é possível, não é possível. Quer
dizer: eu troco uma imagem e vou pra uma imagem espiritualista e saio buscando
isso daí.
Então, chegou
um momento que essa busca também não estava funcional; não estava mais surtindo
resultado; e foi aí que caiu na mão esse material aí, com, inicialmente, o Osho
e depois com Krishnamurti. Houve antes de Krishnamurti, houve um período legal
com o Osho e depois quando caiu Krishnamurti, aí a coisa começou a descer redondo...
E ele começou a quebrar todos esses condicionamentos que eu também fui colhendo
dentro dessa chamada busca da verdade, dessa chamada busca do despertar; que na
realidade eu não estava buscando nada disso! Não estava tendo busca da verdade
coisa nenhuma! Não estava tendo a busca da espiritualidade coisa nenhuma! O que
ocorria é que havia um estado de profunda contradição interna, em tudo! Em
tudo! Nas
nas
relações; no cotidiano; na profissão... Em tudo!... Do freguês com o freguês
mesmo!... Então, o que tinha aqui era uma busca pra desabafar aquele profundo
estado de contradição. Foi sempre isso! Sempre procurando alguém pra me dizer
como fazer pra sair daquele estado de conflito... Sempre foi isso! Não tinha
esse negócio de correr atrás da verdade!
E aí eu percebo que essa coisa de buscar um Deus, aqui
pro freguês, foi na realidade a tentativa de achar alguma coisa que pudesse
tirar aquela dor que os humanos em volta de mim, por mais boa vontade que
tivessem, tinham a sua limitação e não conseguiam expressar aquilo. Sabe aquela
coisa que o poeta fala, não é? “Ninguém está
me dizendo que eu quero ouvir; e ninguém também está entendendo que eu estou
querendo dizer!” E aí, quando cai esse material do Krishnamurti, começo a perceber a realidade de como usei
esses ambientes como uma fuga; como usei essas imagens, essas ideias de Deus,
esses conceitos, esses achismos, todo esse material metafísico, esotérico, de
auto-ajuda, simplesmente para tentar acabar com a dor e manter as zonas de
conforto... E manter as zonas de conforto sem questioná-las. Só que é bem o que
eu falei no encontro de ontem, não é? Krishnamurti não vem trazer paz pra
ninguém, não! Não vem mesmo! Como nenhum homem aí que tenha tido uma percepção,
como a verdade, não é? Porque não é o homem, não é a personalidade, mas essa Consciência
que está ali, naquele veiculozinho de carnê e osso ali, ele não vem trazer paz,
ele vem trazer a espada mesmo! Vem cortar aí, tudo o que é falso! Vem cortar
tudo que é falso! E o que é difícil é justamente isso: esse processo de
autoconhecimento, começa apresentar a falência de tudo o que foi montado durante
décadas, em nome de encontrar essa respeitabilidade; e aí você começa a olhar a
“natureza
exata” de cada uma dessas relações, e começa a ver que cada uma dessas
relações não foram montadas na base sólida do amor: foram sempre montadas em
cima da busca da satisfação de algum instinto degenerado... É o instinto
degenerado de segurança; o extinto degenerado do sexo; do companheirismo; do
medo da solidão e do abandono; da facilitação diante da vida material... E aí
você não sabe o que fazer com tudo isso, porque você começa a ver a grande
fraude — a grande fraude — que é essa personalidade que seguiu um script social,
que foi escrito por quem ele nem sabe quem escreveu isso... Então fica muito
difícil olhar pra isso; e só os sérios mesmo, aqueles que tem saco roxo, vão
conseguir olhar isso, de uma maneira como um cientista: sem entrar naquelas ideias
reativas que o próprio pensamento cria. Porque o pensamento, ele também vai
pegar tudo isso que a Consciência está trazendo à consciência, para criar
conflito, para criar aquelas reações inconscientes inconsequentes, então chutar
o pau da barraca de tudo! E não é bem isso a proposta! Pelo menos da minha
compreensão aqui, na compreensão do freguês aqui; qualquer a ação que seja desse
ego, desse fundo, pode trazer um alívio momentâneo, mas traz mais confusão
ainda! Enquanto qualquer movimentação foi por essa base — a base é a confusão —
o resultado vai ser confuso. Isso a gente foi vendo aí nessa caminhada e tem
visto o quanto realmente é difícil ficar só sentado observando, porque pra mente
lógica, cartesiana, racional, que foi condicionada a resolver problemas, a
criar problemas e resolver problemas, a ter algum tipo de ação, “você tem que
se doar”, “você precisa exercitar”, “você precisa e isso”, “você precisa fazer caridade”... Que é uma
puta sacanagem, não é cara?... Você é usar o cara que está mais ferrado, para tentar
tampar seus buraco aí, pela falta de competência de compreender a si mesmo, não
é? É uma puta sacanagem esse negócio de caridade, não é cara?... Que criança
esperança essa daí, não é cara?
Então, assim:
hoje, fica bem claro, que o lance é só observar; só observar... Não é? Não
buscar mais absolutamente nada! É um momento muito difícil também você se
deparar, não é? Porque é frustra inclusiva essa ideia de “iluminação”. Frustra
tudo! Esse material frustra tudo isso aí! Frustra toda a imagem que é criada; é
tudo imagem! Até a imagem da iluminação, do que a eliminação pode trazer pra
mim, do que o encontro com a verdade pode trazer pra mim. Na realidade, não se
está querendo nada de um encontro com a verdade; só cá parar de sofrer, não é
cara? Mas quero parar de sofrer, de novo colocando o resultado nas mãos de
terceiros; só que agora o terceiro espiritual aí, é uma entidade aí. Quando
você se depara com esses materiais tão claros que apontam a falência disso, a
grande maioria não tem estrutura pra ficar com isso; porque não aprendeu a ficar
com isso, não é? Não aprendeu a ficar nesse processo de autonomia psicológico, de
sentar, não é? E observar!
E é isso
que a gente vem fazendo; e é isso que essa sala vem apresentando; que esse
material vem apresentando pro freguês aqui: uma capacidade de percepção nunca
antes se quer imaginada; uma capacidade de ficar com o que é, nunca antes
sequer imaginada; uma capacidade de não ter mais a necessidade de dar a última
palavra; de não ter mais a necessidade de ficar entrando em controvérsias com
aquele confradezinho que está ali totalmente identificado com esse processo de
criar confusão, de querer vomitar o próprio estado interno de contradição,
criando mais contradição, contaminando mais com contradição.
Então,
hoje, o lance, é bem uma frase que a Deca gosta muito de falar aqui: “tempo de
silêncio e solidão”... Está doendo? Faça uso dessa poderosa ferramenta que lhe
foi dada pela Grande Vida: a bunda pra sentar numa cadeira; os dois cotovelos pra
segurar a cabeça e observe o que está rolando. E, se você for sério, algo vai
ser revelado!
Então é isso
aí gente! Um fraterabraço pra vocês, obrigado pela escuta atenta!
Outsider44