Antes de mais nada, é preciso ressaltar aqui, nossa profunda gratidão ao ABC espiritual inicial com o qual nos deparamos em nossas "irmandades mães", que nos acolheram após um doloroso período de "choque psíquico", através do qual a acabamos conhecendo essa benção que são os Doze Passos, esses princípios aí. Então, já não dava mais para ficar trabalhando só a questão da dependência do padrão de comportamento de ativa, isso já não estava mais nos nutrindo, ficar passando uma mensagem do passado, quando o sofrimento presente, ainda estava aqui: essa questão do pensamento. Dentro da Irmandade de N/A - Neuróticos Anônimos — da qual eu fazia parte — seus membros batiam muito na tecla das emoções, mas, eu vejo que a "doença", ela é mental, ela começa no pensamento! Então, foi ai que a gente iniciou esse grupo de pensadores compulsivos e já são sete anos que estamos mantendo reuniões presenciais — que é um grupo bem pequeno mas que tem trazido qualidade e transformação que tem nos brindado com uma qualidade de autonomia psicológica nunca antes imaginada e, passamos a sentir a necessidade de tentar compartilhar desta vivência com talvez outros membros que, dentro de suas "irmandades mães", se ressentem com os mesmos sentimentos de insatisfação diante da limitada e repetitiva fala da consciência coletiva dos grupos em que fazem parte, hoje, psicologicamente distantes.
Hoje, para mim, está bem claro que a "doença" tem sua origem no pensamento condicionado, nessa mente que não para e que vive criando imagens, separações e conflitos. Durante anos, fui um membro muito participativo em alguns dos grupos anônimos, principalmente nos Neuróticos Anônimos. Em São Paulo, participei da iniciação dos primeiros grupos de DASA - Dependentes de Amor e Sexo Anônimos; principalmente em N/A, prestei serviço por muitos anos — foram dezessete anos com os anônimos — e, quando comecei a falar sobre essa questão do pensamento como sendo a natureza exata, o fator X de toda forma de conflito ou de comportamento obsessivo compulsivo, acabei batendo de frente com o que estava sendo falado, principalmente em muitas palestras feitas em N/A, por uma líder que é quase um mito dentro dessa irmandade, onde ela, apoiada num livro de fora desta irmandade, o livro de David Viscott, cujo título é A linguagem dos Sentimentos, afirmava que a doença eram as emoções e os sentimentos. No entanto, se você parar para observar a própria palavra "sentimento", verá que ela aponta para o "sentir do mental"; então, é uma coisa ilógica, se a própria literatura desta Irmandade, em seu principal livro, intitulado "As Leis da Doença Mental e Emocional" — mais conhecido como o Livro Vermelho — o qual logo em seu título deixa claro que a doença não parte do emocional, mas sim, do mental; o emocional é só um derivativo do processo do desequilíbrio do pensamento acelerado, esse fluxo que sempre funciona na linha do tempo: passado e futuro... Sempre trazendo aquelas lembranças, memórias eufóricas ou depressivas, criando em cima disso, projeções, conjecturas, imaginações, imagens; e ficamos presos nesse movimento na ponte do tempo psicológico, passado e futuro, sem conseguir viver com toda a plenitude de nosso ser, com todas as células de nosso organismo, aquilo que convencionei chamar de a "Excelência do Agora". Não há nada de novo nisso que estou relatando; os anônimos, em seu lema "Só Por Hoje", pela grande maioria, compreendido de maneira muito limitada, já tenta expressar essa importância de cortar a vida em pedacinhos mastigáveis. Digo que a compreensão deste lema é limitada, porque sua própria concepção alimenta a continuidade da indevida importância dada ao tempo, ainda que sustentada apenas em 24 horas. Para uma mente viciada no tempo, até mesmo 24 horas se assemelha a uma overdose emocional, para a qual, um excelente antídoto se encontra no "só por agora". Quando comecei a falar sobre isso, é lógico que comecei a enfrentar sérios problemas nas salas; literalmente fui convidado a estar me retirando dos grupos, com a alegação de que estava causando confusão na mente de seus membros em geral, o que não era de forma alguma, uma realidade constatada. Boa parte dos membros mais novos, por ainda não estarem profundamente condicionados aos condicionamentos perpetrados nessa irmandade, aceitavam de bom grado o conteúdo de nossas falas; somente os mais antigos não conseguiam assimilar do frescor revitalizante do mesmo e, por não aceitarem — talvez por medo — levantaram a bandeira da proteção à estagnante tradição comportamental a que estavam acometidos, e que nada tem em comum com a essência dos princípios espirituais contidos em suas chamadas "Doze Tradições". Em vista disso, percebemos ser necessário nos afastarmos dessas irmandades e nos entregarmos para uma "carreira espiritual solo" onde poderíamos ir mais a fundo no estudo daquilo que se encontra devidamente apontado no princípio do 5º Passo de todo grupo anônimo: a descoberta da "natureza exata" de todo conflito humano. Inicialmente, em todos os grupos anônimos, a admissão do primeiro passo — admissão à impotência diante de algum padrão comportamental obsessivo compulsivo — é o preço de entrada para a participação em tal grupo. Os que forem sérios na observância e prática dos demais passos propostos nestes grupos, em determinado momento de consciência, se depararão com a questão: "o que os mais antigos quiseram alegar com a expressão 'natureza exata' de nossas imperfeições? Qual é a essência, qual é o conteúdo, qual é a natureza dessa natureza exata? Do que é composta? Será ainda um droga ou um comportamento específico?" Os que se abrirem de forma minuciosa e destemida para questões parecidas com essas, fatalmente se depararão com a percepção de que, a natureza exata, o fator X de todo conflito humano está numa mente completamente acelerada, disfuncional, cheia de conceitos, de crenças, de condicionamentos, de achismos, manias e tendências, os quais impedem de ela ter um estado de unidade interna entre mente, coração e energia vital; então, o conflito que impede a presença de um estado de bem-estar comum é justamente a questão de a mente pensar uma coisa e o coração sentir outra, ou vice-versa. É aí que moram os nossos conflitos que nos fragmentam e nos distanciam do desfrute da vida de relação autêntica, nos impedindo de estar na vida de relação de forma inteira, holística, se a presença de qualquer tipo de resistência protecionista; estamos sempre com um pé atrás, e o que é o medo? O medo é pensamento. Você não pode ter medo sem ter um pensamento; veja bem que, mesmo quando você tem uma situação que ocorre sem você esperar, naquele momento, você não pensa em nada, não é assim? Agora, o medo existe quando a mente começa a criar situações, imagens do que poderia ser, do que poderia ter ocorrido e ali ficamos presos naquele movimento interno, aparentemente sem saída.
É ai que hoje vejo a importância da meditação, da observação do que passa na mente sem estar fazendo qualquer tipo de julgamento; observando mesmo, isso que é meditar! A reparação do 8º Passo não é mais, para mim, uma questão de reparação de ter que ir ter com alguém quando piso na bola; não! Reparar, olhar, perceber o fluxo que passa na mente sem me identificar com esse fluxo, uma vez que ficou claro que não sou o pensamento! Se estou observando o pensamento, eu não sou o pensamento! Então, não é preciso mais me identificar com eles, porque, era através dessas identificações com esse material que se passava na mente que eu me descontrolava por completo, uma vez que acreditava ser aquilo que via na mente. Por meio disso, começou a se instalar um "observador"; quando se instalou esse observador, começou a terminar o processo de identificação mecânica/reativa; começou a se mostrar difícil a identificação e a consequente alimentação de antigos padrões comportamentais e, o melhor de tudo, isso ocorrendo sem a presença do antigo esforço que demandada tamanha perda de energia vital. No entanto, mesmo com a presença do observador, ainda se apresenta o conflito, muito menor, mas ainda, conflito. É comum em nossas conversas de grupo presencial, brincarmos entre nós mediante a questão se a instalação desse "observador" seria um mal ou uma benção, porque, quando se instala esse observador, fica por vezes, bastante difícil de viver porque, num mundo onde ninguém quer ver, num mundo onde ninguém está vendo nada — ou se está vendo, prefere fingir que não vê — se você começa a observar... Você começa a ter dificuldades! Aqui é preciso muito cuidado para não nos tornamos "ácidos ou amargos" diante da qualidade daquilo que observamos. Aqui é preciso muita paciência, tanto com o observador, quanto com a coisa observada. Hoje fica muito claro que, sem a experiência direta de um estado de ser que transcenda os limites do pensamento — algo que é expresso no princípio do 12º Passo dos anônimos — torna-se impossível a dissolução do espaço existente entre observador e coisa observada e, consequentemente, a instalação de um estado de ser dotado de unidade interna, bem estar comum, autonomia psicológica e transbordamento ético amoroso, criativo, vocacionado.