Se nos for possível compreender integralmente o problema do buscar, do procurar, talvez estejamos em condições de compreender o complexo problema da insatisfação e do descontentamento. A maioria de nós está em busca de alguma coisa, em vários níveis da existência — conforto físico ou bem estar psicológico; e dizemos que estamos à procura da verdade ou da sabedoria. Ora, o que significa isso, de fato? O que estamos procurando? Só podemos procurar uma coisa que conhecemos; não podemos procurar uma coisa que desconhecemos. Não podemos procurar uma coisa que não sabemos se existe; só podemos procurar algo que tivemos e perdemos. A busca é o desejo de satisfação.
Em geral vivemos insatisfeitos, exterior e interiormente; e se nos observarmos com toda a atenção, veremos que o descontentamento é apenas a busca de uma satisfação permanente, em diferentes níveis da existência, à qual chamamos verdade, felicidade, compreensão, ou por outro nome qualquer. Basicamente, esse impulso consiste em encontrar satisfação permanente; e, estando descontentes com tudo quanto fazemos, não encontrando satisfação em nenhuma das coisas que tentamos, apelamos para um instrutor, uma religião, um caminho, outra pessoa, na esperança de achar satisfação definitiva. Assim, essencialmente, a nossa busca não visa à verdade, mas à satisfação. O mais de nós estamos descontentes, insatisfeitos, com as coisas como são; e a nossa luta psicológica, nossa luta interior visa encontrar um refúgio permanente; quer seja um refúgio de idéias, quer de relações imediatas, o impulso básico é um desejo de alcançar satisfação completa. Esse impulso é o que chamamos buscar.
Experimentamos várias satisfações, vários "ismos"; e quando eles não satisfazem, apelamos para a religião e seguimos gurus, um depois de outro, ou nos tornamos cínicos. O cinismo também proporciona grande satisfação. Nossa busca é sempre no sentido de um estado mental isento de toda e qualquer perturbação, de toda luta, na qual haja satisfação completa. Existirá possibilidade de completa satisfação em qualquer coisa que a mente busque? A mente anda em busca de suas próprias "projeções", que são proporcionadoras de satisfação, aprazimento; e no momento em que acha inconveniente uma dessas projeções, larga-a e passa a outra. Isto é, estamos em busca de um estado psicológico tão tranquilizador, tão conciliatório, que elimine todos os conflitos. Se examinarmos profundamente, veremos que um tal estado é uma impossibilidade, a não ser que vivamos na ilusão ou ligados a uma forma qualquer de asserção psicológica.
Pode o descontentamento encontrar satisfação permanente? E com o que é que estamos descontentes? Queremos um emprego melhor, mais dinheiro, uma esposa melhor, ou uma forma religiosa melhor? Se examinarmos com atenção, veremos que todo o nosso descontentamento é uma busca de satisfação permanente — e que a satisfação permanente é impossível. A própria segurança física é impossível. Quanto mais desejamos estar em segurança, tanto mais ficamos fechados, tanto mais nos tornamos nacionalistas, e o resultado final é a guerra. Nessas condições, enquanto andarmos em busca de satisfação, haverá conflito cada vez maior.
É possível ficarmos contentes? O que é contentamento, de fato? O que produz contentamento, como ele aparece? Sem dúvida, o contentamento só aparece quando compreendemos o que é. O que produz descontentamento é a maneira complexa por que encaramos o que é. Por causa do meu jeito de transformar o que é noutra coisa diferente, existe a luta do "vir a ser". Mas a mera aceitação do que é também cria um problema. Por certo, para compreender o que é, requer-se vigilância passiva, sem o desejo de transformá-lo em coisa diferente; isso significa que devemos estar passivamente conscientes do que é. Então é possível transcendermos o mero aspecto exterior do que é. O que é nunca é estático, embora a nossa reação possa ser estática.
Nosso problema, por conseguinte, não é a busca de satisfação definitiva, que chamamos Deus, ou de um melhor estado de relação, mas, sim, a compreensão do que é. Para compreender o que é, requer-se uma mente extraordinariamente ágil, que perceba a futilidade do desejo de transformar o que é em outra coisa, ou de comparar ou procurar conciliar o que é com outra coisa.
Essa compreensão não vem por meio da disciplina, do controle, ou do auto-sacrifício, mas sim, pelo afastamento dos obstáculos que nos impedem de ver diretamente o que é.
A satisfação é infindável, contínua; e a menos que percebamos isso, somos incapazes de aceitar o que é, tal como é. A relação direta com o que é, eis a ação correta. Ação baseada numa idéia não passa de autoprojeção. A idéia, o ideal, a ideologia, tudo isso faz parte do processo do pensamento, e o pensamento é uma reação a condicionamentos, em qualquer nível. Por conseguinte, o cultivo de uma idéia, de um ideal, de uma ideologia, é um círculo em que a mente fica encerrada. Quando percebemos todo o processo da mente e suas ardilosas manobras, só então há a compreensão produtiva de transformação.
Krishnamurti — O que estamos buscando? - ICK
Conferência realizada em Madrasta em 18 de dezembro de 1949