Os problemas humanos não são simples, mas extremamente complexos. Para compreende-los é preciso paciência e discernimento, é de suma importância que nós, como indivíduos, os resolvamos por nós mesmos. Eles não podem ser compreendidos com o auxílio de fórmulas cômodas ou de "slogans; nem, tampouco, ser resolvidos nos seus níveis respectivos, por especialistas, os quais, seguido sempre determinada linha de ação, só podem criar mais confusão e mais misérias. Nossos inúmeros problemas só serão compreendidos e resolvidos, quando estivermos cônscios de nós mesmos como um processo total, isto é, quando compreendermos toda a nossa estrutura psíquica; nenhum guia político ou religioso pode dar-nos a chave da compreensão.
Para compreendermos a nós mesmos, devemos estar cônscios das nossas relações, não só com as pessoas, mas também com a propriedade, com as ideias, e com a natureza. Se queremos operar uma verdadeira revolução nas relações humanas, que são a base de toda sociedade, temos de fazer uma transformação fundamental em nossos próprios valores e nossa perspectiva; mas evitamos essa transformação e procuramos fomentar revoluções políticas, no mundo, as quais conduzem invariavelmente a morticínios e desastres.
As relações baseadas na sensação nunca podem ser um meio de nos libertarmos do "eu", entretanto, a maior parte das nossas relações se baseia na sensação, é produto do desejo pessoal de vantagem, conforto e segurança psicológica. Embora possam oferecer-nos uma momentânea fuga do "eu", essas relações só tem o efeito de reforçá-lo, em suas atividades isolantes e escravizantes. As relações são um espelho em que se pode ver o "eu" em todas as suas atividades, e só quando forem compreendidos os movimentos do "eu", nas reações da vida de relação, dar-se-á libertação criadora, do jugo do "eu".
Para se transformar o mundo, é necessária a nossa regeneração interior. Nada se consegue com a violência, com a fácil liquidação mútua. Podemos encontrar um temporário desafogo aderindo a grupos, estudando métodos de reforma social e econômica, decretando leis, ou rezando. Mas, não importa o que façamos, se não possuímos o autoconhecimento e o amor que lhe é inerente, nossos problemas continuarão a expandir-se e multiplicar-se, infindavelmente. Mas se, ao contrário, aplicarmos nossas mentes e nossos corações à tarefa de conhecermos a nós mesmos, resolveremos então, sem dúvida alguma, todos os nossos conflitos e tribulações.
A educação moderna nos está transformando em entidades sem compreensão; ela faz muito pouco no sentido de ajudar-nos a descobrir nossa vocação individual. Passamos em certos exames e depois, se temos sorte, arranjamos um emprego — o que quase sempre significa uma rotina interminável, para o resto da vida. Podemos não gostar do nosso emprego, mas somos obrigados a conservá-lo, porque não temos outro meio de vida. Podemos desejar fazer algo inteiramente diferente, mas nossos compromissos e responsabilidades nos impedem; e sentimo-nos, também, inibidos pelas nossas próprias ansiedades e temores. Assim frustrados, buscamos a fuga no sexo, na bebida, na política ou numa religião de fantasia.
Quando são contrariadas nossas ambições, damos importância desmedida ao que deveria ser normal, e criamos uma ideia fixa. Enquanto não tivermos uma compreensão total da nossa vida e do amor, dos nossos desejos políticos, religiosos e sociais, com suas exigências e seus obstáculos, teremos problemas cada vez maiores, em nossas relações, e que levarão a padecimentos e destruições.
Ignorância é a falta de conhecimento da natureza do "eu", e esta ignorância não pode ser dissipada por atividades e reformas superficiais; só se dissipa com o nosso constante percebimento dos movimentos e reações do "eu", em todas as suas relações.
O que precisamos compreender é que não somos apenas condicionados pelo ambiente, mas que somos o ambiente, que não estamos separados dele. Nossos pensamentos e reações são condicionados pelos valores que a sociedade, da qual somos parte, nos impôs.
Nunca percebemos que somos o ambiente integral, porque existem em nós diversas entidades, que gravitam todas em torno do "eu". O "eu" é constituído dessas entidades, que são meros desejos, sob várias formas. Desse aglomerado de desejos surge a figura central, o "pensador", a vontade do "eu", estabelecendo-se assim uma divisão entre o "eu" e o "não-eu", entre o "eu" e o ambiente ou sociedade. Esta separação é o começo do conflito, interno e externo.
O percebimento desse processo, na sua inteireza — tanto o processo consciente como o oculto — é meditação; por meio dessa meditação, o "eu", com seus desejos e conflitos, pode ser transcendido. O autoconhecimento é necessário, se desejamos ficar livres das influências e dos valores que protegem o "eu"; só nessa liberdade existe a criação, a verdade, Deus, ou outro nome qualquer.
O bom conceito e a tradição moldam os nossos pensamentos e sentimentos desde a idade mais tenra. As influências e impressões imediatas produzem efeito poderoso e duradouro, traçando todo o curso de nossa vida consciente e inconsciente. O ajustamento começa na meninice, com a educação e a influência da sociedade.
O desejo de imitar é um fator muito poderoso em nossa vida, não só nos níveis superficiais, mas também nos mais profundos. Quase se pode dizer que não temos pensamentos e sentimentos independentes. Quando ocorrem, são meras reações e por conseguinte não estão livres do padrão estabelecido. Porque, na reação, nunca há liberdade.
A filosofia e a religião estabelecem métodos pelos quais se pode chegar à compreensão da verdade ou de deus; entretanto, a observância de um método significa permanecer sem compreensão nem integração, por mais benefícios que o método pareça oferecer-nos em nossa vida social de cada dia. O impulso à adaptação, que é desejos de segurança, gera temor e põe na dianteira as autoridades políticas e religiosas, os líderes e os heróis, que nos estimulam à subserviências e pelos quais somos dominados, sutil ou grosseiramente; mas o não submeter-se é apenas uma reação contra a autoridade, que de modo algum concorre para nos tornar entes humanos integrados. A reação não tem fim, pois sempre leva a outra reação.
O ajustamento a qualquer padrão, com seu substrato de temor, representa um obstáculo; mas o simples reconhecimento intelectual desse fato não remove o obstáculo. Só quando temos plena consciência dele é que podemos nos libertar, sem criarmos novas e mais extensas séries de empecilhos.
Quando somos interiormente dependentes, a tradição exerce forte domínio sobre nós; e a mente que pensa pelas rotinas tradicionais nunca pode descobrir aquilo que é novo. E, quando nos ajustamos, tornamo-nos medíocres imitadores, simples dentes de uma impiedosa máquina social. O que nós pensamos é que mais importa, e não, o que outros querem que pensemos. Submetendo-nos à tradição, em pouco tempo nos tornamos meras cópias daquilo que "deveríamos" ser.
Esta imitação daquilo que "deveríamos ser" gera temor; e o temor destrói o pensamento criador. O temor embota a mente e o coração, de modo que não podemos estar despertos para sentir o inteiro significado da vida; tornamos-nos insensíveis aos nossos próprios sofrimentos, aos movimentos dos pássaros, aos sorrisos e às lágrimas alheias. O temor, tanto consciente como inconsciente, tem muitas causas diferentes, e é preciso atenta vigilância para livrar-se de todas elas. O temor não pode ser eliminado pela disciplina, pela sublimação ou por qualquer outro ato da vontade: cumpre descobrir suas causas e compreende-las, o que requer paciência e uma percepção em que não haja julgamento de espécie alguma.
Krishnamurti - A educação e o significado da vida