Porque desejais saber o que é
justo e o que é injusto? Pode alguém vo-lo dizer? Pode algum livro, algum instrutor, transmitir-vos o
conhecimento do que é justo e do que é injusto? Se seguirdes a autoridade de um
livro ou de um instrutor, estareis apenas copiando um padrão de pensamento, não
é verdade? E pode-se descobrir alguma coisa pelo copiar e pelo ajustar-se? Seguimos
um padrão quando queremos um certo resultado; e esse processo não está baseado
no temor? Podemos descobrir o que é justo, sob a influência do temor, ou só
podemos descobri-lo pela experiência direta?
Enquanto a mente estiver
encerrada no processo dual do justo e do injusto, há de haver, obviamente,
conflito incessante. Não é possível, porém, descobrir-se o que é verdadeiro, a
todas as horas, sem estarmos envolvidos no conflito do justo e do injusto? Tal é
o nosso problema, não é verdade? O que é justo e o que é injusto hão de variar
sempre em conformidade com o condicionamento e a experiência de cada pessoa, e
tem por conseguinte, importância muito reduzida; mas saber-se a todas as horas
o que é verdadeiro — isso, sem dúvida, é de grande relevância.
Tende a bondade de prestar atenção.
Enquanto estivermos envolvidos no conflito da dualidade — que significa escolha
entre o que é justo e o que é injusto — nunca haveremos de conhecer o que é
sempre verdadeiro. O que é justo e o que é injusto podem constituir simples
opinião, um princípio em que se baseou a nossa educação desde a infância, o
cunho de certa civilização, de determinada sociedade; e enquanto estivermos
empenhados no imitar, no ajustar-nos a algum padrão, por mais nobre que seja,
há de haver essa escolha contínua entre o justo e o injusto, haverá sempre o
desejo de fazer o que é correto e, consequentemente, o receio de errar — daí
resultando, apenas, respeitabilidade.
Saber, porém, a todas as horas o
que é verdadeiro, conhecê-lo inteiramente, profundamente, isso não é nenhuma
opinião, nem raciocínio, nem dogma. O que
é verdadeiro não depende de crença alguma. Descobrir o que é verdadeiro é
compreender o que é, momento por momento — e isso exige muita vigilância,
isenta de julgamento ou comparação; exige uma mente aberta para observar e para
sentir.
O que é verdadeiro jamais cria
conflito; mas, quando a mente está escolhendo entre o verdadeiro e o falso,
essa própria escolha produz conflito. Em geral fomos educados para pensar
corretamente e nos abstermos de certas coisas tidas por falsas e, por isso, a
nossa mente está sempre a buscar uma coisa e a evitar outra; e esse processo de pensar é, em si, um
conflito, não achais?
O "correto" pode ser o
que diz o sacerdote, o que dizem os vossos vizinhos, os nossos líderes políticos,
e, assim, cria-se o padrão a que temos de subordinar-nos; e a mente que se
subordina a um padrão nunca pode achar-se em estado de revolta, jamais
descobrindo, por conseguinte, aquilo que é eternamente criador. Nessas condições,
pode-se descobrir a todas as horas o que é verdadeiro? Ora, não há
possibilidade de descobrimento, enquanto houver o conflito da escolha. Para
descobrir, a mente tem de estar basicamente tranquila, sem medo de errar.
Entretanto, nós queremos bom êxito,
não é verdade? Educam-nos, desde crianças, para ambicionar o bom êxito, e todo
livro, toda revista nos dá exemplos disto: o menino pobre que chega a
Presidente, etc. Buscando a própria segurança no bom êxito, é a mente obrigada
a observar o que é correto, e começa assim a batalha entre o que é correto e o
que é errado, começa o eterno conflito da dualidade. Nesse conflito nunca se
pode descobrir o que é verdadeiro.
O verdadeiro é o que é e a libertação que resulta da compreensão do que é. Tende
a bondade de prestar atenção e de refletir a respeito disso; e se
compreenderdes o que está realmente acontecendo, momento por momento, vereis
como vos libertareis do conflito do justo e do injusto. Não pode manifestar-se
essa compreensão, se estais a julgar ou a ordenar o que é, ou a compará-lo com
a passada experiência; e quando não há compreensão do que é, não há libertação.
Para compreender o que é, deve a
mente estar livre de toda condenação e julgamento; mas isso requer paciência
infinita e pode produzir-vos uma extraordinária revolução na vida, coisa de que
a mente tem medo. Por essa razão, nunca examinais o que é e vos limitais a dar
opiniões a seu respeito. Enquanto a mente estiver toda ocupada com a escolha
entre o que é correto e o que é errado, permanecerá imatura; e este é um dos
nossos obstáculos, não achais? Nossas mentes são imaturas; ensinaram-nos o que
é correto e o que é errado e, consequentemente, a isso queremos ajustar-nos. O ajustamento
é a própria natureza da mente imatura, ao passo que a compreensão do que é
constitui o fator revolucionário, na criação.
Krishnamurti - Percepção Criadora