Heidegger, o filósofo alemão, emerge das tradições filosófica grega e mística cristã.(...) Descreve a obsessão com a superfície do pensar que nos distrai do pensamento profundo como a mais perigosa condição do nosso tempo. Heidegger chama esse pensamento superficial de pensamento calculador, não por depreciar sua capacidade de organizar o nosso mundo, e sim prevenindo-nos do seu poder de absorver completamente a nossa energia e atenção. O pensamento calculador não é meramente um eufemismo para a abordagem da ciência empírica, caracterizando também qualquer processo de pensamento que vise dominar e manipular situações. Na superfície, os pensamentos religiosos e artísticos também são calculadores. Contudo, nem mesmo o empobrecimento do pensamento confinado à sua própria superfície não consegue privar a consciência humana da sua natureza essencialmente contemplativa. Nas palavras de Heidegger: Podemos ficar pobres de pensamento ou mesmo desprovidos de pensamentos somente porque o homem, no âmago do seu ser, tem a capacidade de pensar... está destinado a pensar... é um ser pensante, ou seja, um ser que medita.
Segundo Heidegger, o pensamento profundo, em vez de organizar a energia, contempla o significado que reina em tudo que é. O modo contemplativo cura, acalma, fortalece. Ele abre a pessoa ao objeto primordial de toda contemplação, que Heidegger denomina Existência, cuja radiância, ou significado, reina em todos os lugares. O pensamento profundo não exclui o pensamento artificial, mas permite que o superficial se torne transparente até sua essência suprema ou Existência. O botânico que está desenvolvendo novas variedades de trigo não precisa renunciar seus cálculos científicos quando desperta para o pensamento profundo e contempla o fulgor penetrante da existência.
Embora o pensamento contemplativo não esteja além do alcance de qualquer pessoa, é preciso prática, como é também preciso prática para o domínio do pensamento calculador. Heidegger adverte: O pensamento meditativo, à semelhança do pensamento calculador, não ocorre sozinho. Às vezes ele requer um esforço mais intenso. Ele exige mais prática. Ele precisa de um cuidado mais delicado do que qualquer outra habilidade genuína. Devemos desenvolver a arte de esperar, deixar fluir e confiar num processo espiritual natural e espontâneo. Heidegger afirma que o pensamento profundo deve ser capaz de aguardar o momento propício e esperar, como o fazendeiro, para ver se a semente vai germinar e amadurecer.
Enfatizando a simplicidade, a naturalidade e a acessibilidade imediata do pensamento profundo, Heidegger prossegue: O pensamento meditativo não precisa de modo algum ser extravagante. É suficiente demorarmo-nos no que está próximo e meditarmos no que está mais perto... aqui e agora, aqui neste pequeno pedaço de torrão natal. O trecho mais próximo do torrão natal é a consciência primordial, tal como ela permeia nossa atividade cotidiana. Na atual era tecnológica, não podemos nos tornar um planeta de aldeões rurais, mas a simplicidade natural e a harmonia da aldeia está disponível, onde quer que nos encontremos, através do pensamento contemplativo. A contemplação é a nossa origem espiritual.
Quando separado do pensamento contemplativo, o pensamento calculador, com seu aparente aspecto prático, torna-se uma abstração. Ele desenvolve tecnologias que possuem poderes de manipulação e oferece uma sensação ilusória de tangibilidade, mas não consegue nutrir a humanidade. O pensamento calculador não pode jamais aliviar genuinamente os problemas humanos, a não ser que se una ao pensamento profundo. O pensamento confinado à sua própria superfície começa a viver apenas para organizar, manipular, dominar. Esse pensamento obscurece a nossa harmonia intrínseca. Contudo, o fato de podermos amiúde observar uma força tranquila naqueles que conseguiram dominar algum aspecto do pensamento calculador — músicos, mecânicos, oleiros, matemáticos — indica que não existem duas dimensões separadas do pensamento, o contemplativo e o calculador, e sim o fluxo único da consciência. A separação é um sintoma de desarmonia espiritual, ao qual os seres humanos sempre estiveram sujeitos, mas talvez o estejam mais intensamente nesta era secular e tecnológica. A cura dessa desarmonia entre o cálculo e a contemplação é o processo de Iluminação, que revela que a essência de todo pensamento é a contemplação. este processo não é apenas para alguns santos ou iogues, mas para todo o mundo.
O pensamento profundo emerge organicamente do nosso pedaço de terra, de nosso jardim, de simples semente. Ele nunca é abstrato, permanecendo intensamente prático por ser uma prática pessoal, uma forma de autoconfiança, como cultivar nossos próprios legumes e verduras. Entretanto, a natureza promissora dele é obscurecida pela própria simplicidade. Nas palavras de Heidegger: Talvez a resposta que estamos procurando esteja à mão; tão próxima que todos deixamos facilmente de vê-la. Pois o caminho para o que está próximo é sempre o mais longo e, portanto, o mais difícil para nós humanos. Este é o caminho do pensamento meditativo. Durante nossa peregrinação pela catedral, percebemos, enfim, que a Luz que ilumina os vitrais da contemplação é a nossa própria Luz. É isso que está próximo: a consciência primordial. Contudo, o processo de voltar para casa, para essa proximidade, é sutil e rigoroso.
Lex Hixon em, O Retorno à Origem - A Experiência da Iluminação Espiritual nas Tradições Sagradas
Lex Hixon em, O Retorno à Origem - A Experiência da Iluminação Espiritual nas Tradições Sagradas