Se você se sente grato por este conteúdo e quiser materializar essa gratidão, em vista de manter a continuidade do mesmo, apoie-nos: https://apoia.se/outsider - informações: outsider44@outlook.com - Visite> Blog: https://observacaopassiva.blogspot.com

Mostrando postagens com marcador dependência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador dependência. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Porque são os entes humanos apegados, dependentes?

Interrogante: Eu gostaria de compreender a natureza da dependência. Vejo-me na dependência de tantas coisas — mulheres, diversões, bons vinhos, minha esposa e filhos, meus amigos, o que dizem os outros. Felizmente, já não dependo do “entretenimento” religioso, mas dependo dos livros que leio para me estimular e da boa conversação. Vejo que os jovens são também dependentes, talvez não tanto quanto eu, mas têm igualmente suas próprias formas de dependência. Estive no Oriente e lá vi como as pessoas dependem do guru e da família. Lá a tradição tem maior importância e raízes mais profundas do que aqui na Europa e, naturalmente, muito mais profundas ainda do que na América. Mas, parece que todos nós dependemos de alguma coisa, para nos amparar, não apenas fisicamente, porém, muito mais ainda, interiormente. Assim, eu desejava saber se há alguma possibilidade de nos livrarmos, realmente, da dependência, e se devemos livrar-nos dela.

Krishnamurti: Suponho que o que lhe interessa são os apegos psicológicos, interiores. Quanto mais apego, tanto maior a dependência  Não há só apego a pessoas, mas também a ideias e a coisas. Somos apegados a certo ambiente, um certo país, etc. Daí se origina a dependência e, por conseguinte, a resistência.

Interrogante: Porque “resistência”?

Krishnamurti: O objeto de meu apego é meu domínio, territorial ou sexual. Esse domínio eu protejo, resistindo a qualquer espécie de intrusão por parte de outros. Limito, também, a liberdade da pessoa a quem estou apegado, e limito minha própria liberdade. Apego, portanto, é resistência. Tenho apego a alguma coisa ou a alguma pessoa. Esse apego é sentimento de posse; o sentimento de posse é resistência e, consequentemente, apego é resistência.

Interrogante: Sim, percebo.

Krishnamurti: Qualquer forma de invasão de meus domínios leva à violência, legal ou psicologicamente. Portanto, apego é violência, resistência, aprisionamento nosso e do objeto de nosso apego. Apego significa “Isto é meu, e não teu; não o toque!”. Por conseguinte, essa relação é resistência a outros. O mundo inteiro está dividido em “meu” e “seu”; minha opinião, meu julgamento, meu alvitre, meu Deus, minha pátria — uma infinidade de absurdos tais. Vendo-se tudo isso ocorrer em nossa vida diária, não abstratamente, porém realmente, é lícito perguntar porque existe esse apego a pessoas, coisas e ideias. Por que depende uma pessoa? Existir é estar em relação, e todas as relações estão nessa dependência, com sua violência, resistência e domínio. Eis o que fizemos do mundo. Quando há posse, há necessariamente domínio. Encontramo-nos com a beleza e nasce o amor; imediatamente ele se converte em apego, e começa a nossa aflição. O amor “fugiu-nos pela janela”. Perguntamos, então: “Que foi feito de nosso grande amor?” É isso, com efeito, o que está acontecendo em nossa vida diária. E, assim, podemos agora perguntar: Porque é que o homem invariavelmente tem apego, não só ao que é belo, mas também a tudo quanto é ilusão e a tantas fantasias absurdas?

A liberdade não é um estado de não dependência; é um estado positivo em que não há dependência nenhuma. Mas, a liberdade não é um resultado, a liberdade não tem causa. Isso precisa ser compreendido bem claramente, antes de se poder examinar esta questão do porque o homem depende ou se deixa cair na armadilha do apego, com todas as suas aflições. Porque temos apego, tentamos cultivar um estado de independência — e isso é mais uma forma de resistência.

Interrogante: Então, que é liberdade? Você diz que ela não é a negação ou cessação da dependência; você diz que não é estar livre de alguma coisa, porém, simplesmente, liberdade. Que é ela, pois? Uma abstração ou uma realidade?

Krishnamurti: Não é uma abstração. É um estado mental em que não existe nenhuma espécie de resistência. Ela não é como o rio que se acomoda às rochas que encontra em seu curso, contornando-as ou sobre elas passando. Nessa liberdade não há rochas, porém apenas o movimento da água.

Interrogante: Mas a rocha do apego existe, neste rio da vida . Não se pode simplesmente falar de outro rio em que não existem rochas.

Krishnamurti: Não estamos evitando a rocha ou dizendo que ela não existe. Temos, primeiramente, de compreender a liberdade. Ela não é o mesmo rio que aquele onde existem rochas.

Interrogante: Eu tenho ainda o meu rio, com suas rochas, e foi sobre ele que vim lhe consultar, e não sobre algum outro rio livre de rochas. Este não tem nenhuma utilidade para mim.

Krishnamurti: Está certo. Mas, você deve saber o que é liberdade, para poder compreender as suas rochas. Deixemos, porém, de parte este símile. Consideremos tanto a liberdade como o apego.

Interrogante: O meu apego tem alguma coisa que ver com a liberdade, ou a liberdade com meu apego?

Krishnamurti: No seu apego há dor. Você quer ficar livre dessa dor e trata de cultivar o desapego, sendo isso mais uma forma de resistência. No oposto não se encontra nenhuma liberdade. Estes dois opostos (o apego e o desapego) são idênticos e mutuamente se reforçam. O que lhe interessa é saber como ter os prazeres do apego, sem as suas aflições. Isso não é possível. Eis porque importa compreender que liberdade não significa desapego. No processo da compreensão do apego, nasce a liberdade, e não na fuga do apego. Assim, nossa questão agora é esta: Porque são os entes humanos apegados, dependentes?

Vendo que somos “nada”, que em nós mesmos somos um deserto, esperamos com a ajuda de outrem encontrar água. Vendo-nos vazios, pobres, desgraçados, incompletos, sem nada de interessante ou de importante, esperamos, com a ajuda de outro, enriquecer-nos. Com a ajuda do amor de outrem, esperamos esquecer a nós mesmos. Com a ajuda da beleza de outrem  esperamos alcançar a beleza. Com a ajuda da família, da nação, do amante, de alguma crença fantástica, esperamos cobrir de flores o deserto. E Deus é o supremo amante. Em todas essas coisas procuramos amparar-nos. Nisso há dor e incerteza, e o deserto se torna mais árido do que nunca. Naturalmente  ele não se torna nem mais árido nem menos árido; continua a ser o que sempre foi; nós é que o estivemos evitando  enquanto fugíamos para uma dada forma de apego, com suas dores, e destas dores fugindo para o desapego. Mas, continuamos áridos e vazios como antes. Assim, em vez de tentarmos a fuga para o apego ou o desapego, não será melhor tornar-nos cônscios do fato, dessa profunda pobreza e insuficiência interior, desse sombrio e vazio isolamento? Essa é a única coisa importante, e não o apego ou o desapego. Você pode olhar o fato sem nenhuma ideia de condenação ou avaliação? Quando o faz, está a olhá-lo como o observador a olhar a coisa observada, ou sem o observador?

Interrogante: “O observador” — que você quer dizer com isso?

Krishnamurti: Você está a olhá-lo de um centro, com todas as suas conclusões de agrado e desagrado, de opinião, juízo, desejo de se libertar desse vazio, etc. — está a olhar a sua aridez com os olhos da conclusão, ou a está olhando com olhos completamente límpidos? Quando a olha com olhos límpidos, não existe observador. E, se não existe observador, existe então a coisa que é observada como solidão, vazio, aflição?

Interrogante: Você quer dizer que aquela árvore não existe, se a olho sem conclusões, sem um centro que é o observador?

Krishnamurti: A árvore existe, naturalmente.

Interrogante: Porque é que a solidão desaparece e a árvore não desaparece, quando a olho sem o observador?


Krishnamurti: Porque a árvore não foi criada pelo centro, pela “mente do eu”. Com sua atividade egocêntrica, a mente do eu criou esse vazio, esse isolamento. Mas, quando aquela mente em que não há centro olha, termina a atividade egocêntrica. Já não existe solidão. A mente funciona então em liberdade. Observando a estrutura do apego e do desapego, e o movimento da dor e do prazer, vemos como a mente do “eu” cria seu próprio deserto e suas próprias fugas. Quando a mente do “eu” está quieta, não há mais deserto, e não há fuga.  

Krishnamurti — Uma Luz que não se apaga

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Encarando o “centro” da dependência psicológica

Naturalmente, temos necessidade de certas coisas exteriores, superficiais, tais sejam roupas, teto e alimentos. Estas coisas são essenciais para todos nós. Mas, necessitamos realmente de mais alguma coisa? Psicologicamente, existe uma necessidade real de sexo, de fama, do imperioso impulso da ambição, do perpétuo ansiar por mais  mais? De que necessitamos, psicologicamente? Pensamos que necessitamos de muitas coisas, e daí é que resulta todo o sofrimento da dependência. Mas, se examinarmos realmente, se investigarmos profundamente a questão, existe alguma necessidade essencial, psicologicamente, interiormente? Acho que valeria a pena fazermos seriamente esta pergunta a nós mesmos. A dependência psicológica de outra pessoa nas relações, a necessidade de estar em comunhão com outro, a necessidade de aderir a um dado padrão de pensamento e de atividade, a necessidade de preenchimento, de nos tornarmos famosos — todos conhecemos essas necessidades e constantemente estamos cedendo a elas. E penso que seria significativo se pudéssemos, cada um de nós, tentar descobrir quais são realmente as nossas necessidades e até que ponto delas dependemos. Porque, se não compreendermos a necessidade, não seremos capazes de compreender o desejo, não seremos capazes de compreender a paixão e, por conseguinte, o amor. Seja rico, seja pobre, um homem necessita evidentemente de comida, de roupa e de teto, embora, mesmo aí, a necessidade possa ser limitada, pequena, ou expansível. Mas, além dessa, existe realmente alguma necessidade? Por que se tornaram tão importantes as nossas necessidades psicológicas, por que se tornaram uma força tão imperiosa e compulsiva? São elas, meramente, uma fuga de algo muito mais profundo?

Em nossa investigação não estamos procedendo analiticamente. Estamos tentando encarar o fato, ver exatamente o que é; e isso não requer nenhuma espécie de análise, de psicologia, de engenhosas e digressivas explicações. O que estamos tentando é ver por nós mesmos quais são as nossas necessidades psicológicas, e não explicá-las, não racionalizá-las, e sem perguntar: “Que faremos sem elas? Eu tenho de tê-las.” Isso fecha a porta à ulterior investigação. E, evidentemente, a porta está também hermeticamente fechada quando a investigação é puramente verbal, intelectual ou emocional. A porta está aberta quando desejamos realmente enfrentar o fato, e isso não requer um intelecto extraordinário. Para se compreender um problema muito complexo, necessita-se de uma mente clara, simples; mas nega-se a simplicidade e a clareza quando temos uma quantidade de teorias e estamos tentando evitar o problema.

A questão, pois é: Por que temos essa imperiosa necessidade de preencher-nos, por que somos tão cruelmente ambiciosos, por que tem o sexo tão extraordinária importância em nossa vida? Não importa a qualidade ou a quantidade de nossas necessidades, ou se alguém tem “o máximo” ou “o mínimo”; mas, por que existe esse tremendo impulso para nos preenchermos, na família, num nome, numa posição, etc., com todas as respectivas ansiedades, frustrações e sofrimentos — impulso que a sociedade estimula e a igreja abençoa?

Ora, se examinardes isso, pondo de parte a reação de dizer: “Que me aconteceria se eu não tivesse êxito na vida?” — descobrireis, sem dúvida, algo muito profundo, ou seja o medo de “não ser”, do isolamento completo, do vazio e da solidão. Ele lá está, profundamente oculto, esse anseio tremendo, esse medo de se ver isolado de tudo. Eis a razão porque nos apegamos a todas as formas de relação. Eis porque existe a necessidade de pertencer a alguma coisa, a um culto, uma sociedade, de entregar-se a certas atividades, de ater-se a determinada crença; porque, dessa maneira, podemos fugir da realidade interior, profunda. É esse medo, por certo, que força a mente, o intelecto, nosso ser inteiro a aderir a uma dada forma de crença ou de relação, a qual se torna, então, necessidade.

Não sei se alcançastes este ponto, nesta investigação, — não verbalmente, porém, realmente. Isso significa descobrir diretamente e enfrentar o fato de se ser nada, de se estar interiormente vazio como uma concha e coberto das joias do saber e da experiência que, na realidade, nada mais são do que palavras e explicações. Ora, para enfrentar esse fato sem desespero, sem sentir quanto ele é terrível, porém, simplesmente “ficar com ele”, é necessário em primeiro lugar compreender a necessidade. Se compreendermos o significado da necessidade, ela não terá mais preponderância em nossa mente e coração.

Voltaremos a este tópico mais tarde. Mas passemos a considerar o desejo. Conhecemos — não é verdade? — o desejo que se contradiz, se tortura, se lança em diferentes direções; a dor, a agitação, a ansiedade do desejo, e o disciplinar, o controlar dele. E, em nossa eterna batalha com ele, torcemo-lo, desfiguramo-lo, tornamo-lo irreconhecível; mas ele subsiste, vigilante, expectante, premente. O que quer que se faça — sublimá-lo, fugir-lhe, rejeitá-lo ou aceitá-lo, soltar-lhe as rédeas — ele está sempre presente. E sabemos que os instrutores religiosos e outros têm dito que devemos ser isentos de desejos, cultivar o desapego — coisa realmente absurda, porquanto o desejo tem de ser compreendido e, não, destruído. Se destruís o desejo, podeis destruir a própria vida. Se pervertermos o desejo, se o moldamos, se o controlamos, dominamos, reprimimos, podemos estar destruindo algo extraordinariamente belo.

Temos de compreender o desejo; mas é dificílimo compreender essa coisa tão cheia de vitalidade, tão exigente e premente, pois no próprio preenchimento do desejo gera-se a paixão, com os prazeres e dores respectivos. E para compreender o desejo não deve, naturalmente, haver escolha. Não se pode julgar o desejo chamando-o “bom” ou “mau”, “nobre” ou “ignóbil”, ou dizer: “Conservarei este desejo e rejeitarei aquele”. Tudo isso deve ser posto de parte para podermos descobrir a verdade relativa ao desejo — sua beleza, fealdade, ou o de adquirir conhecimentos e acumular vários tipos de experiência, ao que quer que seja. Este é um assunto muito interessante, mas aqui, no Oeste, ou no Ocidente, muitos desejos podem ser preenchidos. Tendes carros, prosperidade, melhor saúde, a possibilidade de ler livros, ao passo que no Oriente existe ainda carência de alimentos, roupa e de morada, bem como a desdita e a degradação da pobreza. Mas tanto no Ocidente como no Oriente, o desejo sempre arde em todos os sentidos; ele está sempre presente, exteriormente e também interiormente, bem entranhado. O homem que renúncia ao mundo está tão tolhido pelo seu desejo de buscar Deus, como o está o homem que busca a prosperidade. Assim, o desejo está presente a todas as horas, ardente, contraditório, criando agitação, ansiedade, culpa e desespero.

Não sei se já fizestes experiências a esse respeito; mas que aconteceria se não condenássemos o desejo, se não o julgássemos “bom” ou “mau”, porém, ficássemos simplesmente cônscios dele? Será que sabeis o que significa “estar cônscio de alguma coisa?” Em geral, não estamos “cônscios”, porque nos acostumamos a condenar, a julgar, a avaliar, a identificar, a escolher. A escolha, evidentemente, impede o percebimento, porque a escolha é sempre feita como resultado de conflito. Estar cônscio, ao entrar numa sala, ver os móveis, o tapete ou  falta dele, etc. —  ver, simplesmente, estar cônscio de tudo sem a tendência para julgar — é dificílimo. Já experimentastes olhar para uma pessoa, uma flor, uma ideia, uma emoção, sem fazer escolha, sem imitir julgamento?

E se fizermos o mesmo com o desejo, se “vivermos com ele” — sem rejeitá-lo ou dizer “Que farei com este desejo? Ele é tão feio, veemente, violento”, sem aplicar um nome, um símbolo, sem encobri-lo com uma palavra — existe então ainda a causa da agitação? É então o desejo algo que se deve lançar fora, destruir? Desejamos destruí-lo porque um desejo está em antagonismo com outro, criando conflito, sofrimento e contradição; e pode-se ver como tentamos fugir desse conflito perene. Assim, pode-se estar cônscio da totalidade do desejo? O que entendo por “totalidade” não é simplesmente um desejo ou muitos desejos, mas a “qualidade total” do próprio desejo. E só se pode estar cônscio da totalidade do desejo, quando não há opinião a seu respeito, nem palavra, nem julgamento, nem escolha. Estar cônscio de cada desejo ao surgir, não se identificar com ele nem condená-lo — nesse estado de alertamento existe desejo ou o que existe é uma chama, uma paixão que é necessária? A palavra “paixão” é de ordinário reservada para uma coisa: o sexo. Mas, para mim, paixão não é sexo. Precisamos de paixão, intensidade, para podermos viver realmente com uma coisa; para vivermos plenamente, contemplarmos uma montanha, uma árvore, olharmos realmente para um ente humano, devemos ter intensidade apaixonada. Mas essa paixão, essa chama é negada, quando estamos tolhidos por vários impulsos, exigências, contradições, temores. Como pode sobreviver uma chama se a sufocamos com uma quantidade de fumo? Nossa vida é só fumaça; buscamos a chama, mas a estamos negando pelo reprimir, controlar, moldar a coisa a que chamamos desejos.

Sem paixão, como pode haver beleza? Não me refiro à beleza de quadros, edifícios, pinturas de mulheres, etc., que têm suas peculiares formas de beleza, mas não estamos tratando da beleza superficial. Uma coisa construída pelo homem, como uma catedral, um templo, um quadro, um poema, ou uma estátua, pode ser ou pode não ser bela. Mas existe uma beleza superior ao sentimento e ao pensamento e que não pode ser percebida, compreendida ou conhecida se não existe paixão. Mas não interpreteis erroneamente a palavra “paixão”. Não é uma palavra feia; não é uma coisa adquirível no mercado ou de que se pode falar romanticamente. Não tem absolutamente nenhuma relação com a emoção, o sentimento. Não é coisa respeitável; é uma chama destruidora de quanto é falso. E temos sempre tanto medo de deixar essa chama consumir as coisas que nos são caras, as coisas que chamamos importantes!

Afinal de contas, a vida que atualmente levamos, baseada em necessidades, desejos e métodos de controlar o desejo, faz-nos mais superficiais e vazios do que nunca. Pode os ser talentosos, ilustrados, e capazes de repetir tudo o que aprendemos; mas as máquinas eletrônicas fazem a mesma coisa e já, em certos setores, as máquinas se tornaram mais capazes do que o homem, mais exatas e rápidas em seus cálculos. E assim estamos sempre voltando a este mesmo tópico, ou seja, que a vida que vivemos atualmente é bem superficial, estreita, limitada, e isso porque, profundamente, estamos vazios, sós, e sempre tentando encobrir, preencher esse vazio; por isso, a necessidade, o desejo se torna uma coisa terrível. Nada pode preencher esse profundo vazio interior — nem deuses, nem salvadores, nem o saber, nem as relações, nem os filhos, nem o marido, nem a esposa — nada. Mas se a mente, o intelecto, a totalidade de vosso ser, é capaz de encará-lo, de “viver com ele”, vereis então que, psicológica, interiormente, não há necessidade de coisa alguma. Esta é a verdadeira liberdade.

Isso, porém, requer profundo discernimento, profunda investigação, incessante vigilância; e desse modo talvez venhamos a saber o que é amor. Como pode haver amor quando há apego, ciúme, inveja, ambição e todas as hipocrisias que acompanham esta palavra? Mas, se tivermos passado por aquele vazio — que é uma realidade e não um mito nem uma ideia — veremos que o amor e o desejo e a paixão são uma mesma coisa. Se se destrói uma, destrói-se a outra; se se corrompe uma, corrompe-se a beleza. Para se penetrar tudo isso requer-se, não uma mente desapegada, dedicada ou uma mente religiosa, mas uma mente disposta a investigar, uma mente nunca satisfeita, que está sempre a olhar, a vigiar, a observar a si própria — a conhecer a si mesma. Sem o amor, nunca será possível descobrir o que é a Verdade.

Krishnamurti — 12 de setembro de 1961

Onde há dependência, há contradição e o conflito

É verdadeiramente extraordinário o descobrirmos diretamente que só há pensar e não há pensador. Porque se vê, então, que se pode viver neste mundo sem contradição, já que se necessita de muito pouca coisa. Se se necessita de muita coisa — sexual, emocional, psicológica ou intelectualmente — há dependência de outrem; e no momento em que começa a dependência, começa a contradição e o conflito. Quando a mente se liberta do conflito, com essa liberdade se manifesta um movimento de caráter de todo diferente. A palavra “paz”, como a conhecemos, não tem aí aplicação, porque esta palavra tem para nós diferentes significados, conforme a pessoa que a emprega — um político, um sacerdote, ou quem quer que seja. Não é a prometida paz celestial, após a morte; ela não se encontra em nenhuma igreja, nenhuma ideia, nem na adoração de nenhum Deus. Ela surge quando ocorre a cessação total de todo conflito interior; e isso só é possível quando não há nenhuma necessidade. Não há então necessidade, nem mesmo de Deus. Só há um movimento imensurável que não pode ser corrompido por ação alguma.

Krishnamurti – 10 de setembro de 1961

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Só se pode ver a totalidade de algo quando o pensamento não interfere


Temos de perceber de que é que estamos dependendo. Cumpre descobrir por que razão dependemos de alguma coisa, psicologicamente não me refiro à dependência tecnológica ou à dependência em que estamos do entregador de leite... Mas, psicologicamente, por que é que dependemos, o que supõe a dependência? Esta é uma pergunta essencial, quando se quer investigar a dissipação, a deterioração e a perversão da energia — dessa energia de que temos vital necessidade para compreendermos nossos inúmeros problemas.

De que é que tanto dependemos: de uma pessoa, de um livro, um igreja, um sacerdote, uma ideologia, uma bebida ou droga? Quais são os esteios que sustentam cada um de nós, sutilmente ou de maneira muito óbvia? O por que dependemos, e o descobrimento da causa da dependência liberta a mente dessa dependência? Entendeis essa pergunta? Estamos viajando juntos; não estais à espera de que eu lhes mostre as causas de vossa dependência, porém, investigando-as juntos, as descobriremos; será um descobrimento feito por vós e que, como tal, vos dará vitalidade. Descobrimos por nós mesmos que dependemos de alguma coisa, por exemplo, de um auditório, para nos estimular e dele, portanto, necessitamos. Quando se dirige a palavra a um grande número de pessoas, pode-se adquirir uma certa espécie de energia e fica-se, portanto, na dependência desses ouvintes, de sua concordância ou discordância, para se obter aquela energia. Quanto maior a discordância, tanto maior se torna a batalha e tanto mais vitalidade se adquire; mas, se o auditório concorda, não se obtém a mesma energia. Dependemos — porque? E perguntamos a nós mesmos se, descobrindo a causa de nossa dependência, nos libertaremos dessa dependência. Acompanhai-me, por favor, com vagar. Uma pessoa descobre que necessita de ouvintes porque é muito estimulante falar a outras pessoas; por que necessita desse estímulo? Porque, interiormente, essa pessoa é superficial, interiormente nada tem, não há nenhuma fonte de energia, sempre cheia, abundante, vital, em movimento, viva. Interiormente é paupérrima e descobriu que essa é a causa de sua dependência.

Pode o descobrimento da causa nos livrar de continuar dependentes, ou esse descobrimento é meramente intelectual, mero descobrimento de uma fórmula? Se se trata de uma investigação intelectual e se foi o intelecto que descobriu a causa da dependência da mente, por meio de racionalização, de análise, pode esse descobrimento libertar a mente da dependência? Não pode, evidentemente. O mero descobrimento intelectual da causa não liberta a mente de sua dependência daquilo que lhe dá estímulo, assim como a mera aceitação intelectual de uma ideia ou a aquiescência emocional a uma ideologia não pode libertá-la.

A mente se liberta da dependência quando vê, em seu todo, essa estrutura de estímulo e dependência e vê que o mero descobrimento intelectual da causa da dependência não liberta a mente da dependência. O ver a inteira estrutura e natureza do estímulo e da dependência e perceber como essa dependência torna a mente estúpida, embotada, inerte — só esse percebimento liberta a mente.

Vemos o quadro inteiro, ou apenas uma parte dele, um detalhe? Essa é uma pergunta muito importante que nos devemos fazer, porque nós vemos as coisas em fragmentos e pensamos em fragmentos; todo o nosso pensar é fragmentário. Temos, pois, de investigar, o que significa ver totalmente. Perguntamos se nossa mente pode ver o todo, apesar de ter sempre funcionado fragmentariamente, como nacionalista, individualista, como coletividade, como católico, alemão, russo, francês, ou como indivíduo aprisionado numa sociedade tecnológica, funcionando numa especialidade, etc. — tudo dividido em fragmentos, com o bem oposto ao mal, o ódio ao amor, a ansiedade à liberdade. Nossa mente pensa sempre num estado de dualidade, de comparação, de competição, e essa mente, que funciona em fragmentos, não pode ver o todo. Se uma pessoa é hinduísta e olha o mundo por essa estreita janela, crendo em certos dogmas, ritos, tradições, educada que foi numa certa cultura, etc., evidentemente não pode perceber o todo da humanidade.

Assim, para ver alguma coisa totalmente, seja uma árvore, seja uma relação ou atividade que temos, a mente deve estar livre de toda fragmentação, porquanto, a origem da fragmentação é justamente aquele centro de onde estamos olhando. O fundo, a cultura, na qual o indivíduo é católico, protestante, comunista, socialista, chefe de família, é o centro de onde se está olhando. Assim, enquanto estamos a olhar a vida de um certo ponto de vista, ou de uma dada experiência a que estamos apegados, que constitui nosso fundo, nosso EU, não podemos ver a totalidade. A questão, pois, não é de como nos libertarmos da fragmentação. Invariavelmente, uma pessoa perguntaria: "Como posso eu, que funciono em fragmentos, deixar de funcionar em fragmentos?" Mas, essa é uma pergunta errônea. Percebe essa pessoa que depende psicologicamente de muitas coisas e descobriu intelectualmente, verbalmente e por meio de análise, a causa dessa dependência; esse mesmo descobrimento é fragmentário, por ser um processo intelectual, verbal, analítico; e isso significa que tudo o que o pensamento descobre é inevitavelmente fragmentário. Só se pode ver a totalidade de uma coisa quando o pensamento não interfere, porque então não se vê verbalmente nem intelectualmente, porém realmente, como eu vejo o fato que este microfone — sem agrado nem desagrado; ele existe. Vemos então a realidade, isto é, que somos dependentes e não desejamos libertar-nos dessa dependência ou de sua causa. Observamos, e fazemo-lo sem termos de um centro, sem termos nenhuma estrutura de pensamento. Quando há observação dessa espécie, vê-se o quadro inteiro e não um simples fragmento dele; e quando a mente vê o quadro inteiro, há liberdade.

Acabamos de descobrir duas coisas. A primeira, que há dissipação de energia quando há fragmentação. Pelo observar, pelo "escutar" a estrutura total da dependência, descobriu-se que toda atividade da mente que trabalha e funciona em fragmentos — como hinduísta, comunista, católico, ou como analista que analisa — é essencialmente a atividade de uma mente dissipada, de uma mente que desperdiça energia. A segunda coisa foi que esse descobrimento dá-nos energia para enfrentar todos os fragmentos que forem surgindo e, consequentemente, observando-os à medida que surgem, eles vão sendo dissolvidos.

Descobriu-se a própria origem da dissipação de energia e que toda a fragmentação, divisão, conflito (pois divisão significa conflito) é desperdício de energia. Todavia, pode-se pensar que não há desperdício de energia no imitar e aceitar a autoridade, no depender do sacerdote, dos rituais, do dogma, do partido, de uma ideologia — porque então a pessoa aceita e segue. Mas o seguir e o aceitar uma ideologia, seja boa, seja má, sagrada ou não sagrada, representa uma atividade fragmentária e, por conseguinte, causa conflito. O conflito surgirá, inevitavelmente, porque haverá separação entre o que é e o que deveria ser, e esse conflito é uma dissipação de energia. Pode-se ver a verdade aí contida? Mais uma vez, não se trata de "como libertar-me do conflito?" — Se fazemos a nós mesmos a pergunta "Como posso libertar-me do conflito?", criamos outro problema e, por conseguinte, aumentamos o conflito. Mas se, ao contrário, vemos — tal como vemos o microfone — clara e diretamente, pode-se então compreender a verdade essencial de uma vida inteiramente sem conflitos.
Mas, senhores, digamo-lo de maneira diferente. Estamos sempre a comparar o que somos com o que deveríamos ser. Esse "deveria ser" é uma projeção do que pensamos deveria ser. Comparamo-nos com nosso vizinho, com a riqueza que ele tem e nós não temos. Comparamos-nos com os que são mais brilhantes, mais intelectuais, mais afetuosos, mais bondosos, mais famosos, mais isto e mais aquilo. O mais tem um importantíssimo papel em nossas vidas, e essa medição que em cada um de nós se verifica, a medição de nós mesmos com alguma coisa, é uma das principais causas do conflito. Nela há competição, comparação com isso ou aquilo, e ficamos envolvidos nesse conflito. Ora, porque existe comparação? Fazei a vós mesmo essa pergunta. Por que vos comparais a outrem? Naturalmente, um dos ardis da propaganda comercial é fazer-vos crer que não sois o que deveríeis ser, etc. Isso começa desde os mais verdes anos de nossa vida — ser tão arguto como outrem, nos exames, etc. Por que nos comparamos psicologicamente? Verificai-o. Se não comparo, que sou eu? Eu ficaria embotado, vazio, estúpido — ficaria sendo o que sou. Mas, pela comparação, espero evolver, desenvolver-me, tornar-me mais inteligente, mais belo, mais isto e mais aquilo. Isso acontecerá? O fato é que eu sou o que sou e, pela comparação, estou fragmentando esse fato, a realidade, e isso é um desperdício de energia; mas, ao contrário, o não comparar, porém ser o que realmente sou, é ter extraordinária energia de que necessito para olhar. Quando sois capaz de olhar sem comparação, estais fora de toda comparação, o que não indica uma mente estagnada, contentada; pelo contrário!

Estamos vendo, pois, em essência, como a mente desperdiça energia e como essa energia é necessária para compreendermos a totalidade da vida e não apenas os seus fragmentos. Ela é como um vasto campo todo florido. Se aqui estivestes antes, notastes como, antes de ser ceifado o feno, havia milhares de variegadas flores? Mas, em geral, escolhemos só um dado canto do campo e nesse canto ficamos a olhar uma só flor; não olhamos o campo inteiro. Damos importância a uma só flor e, com dar importância a essa única flor, rejeitamos o resto. É o que fazemos quando atribuímos importância à imagem que temos de nós mesmos; rejeitamos então todas as outras imagens e, por conseguinte, ficamos em conflito com cada uma delas.

Assim, como dissemos, é necessária a energia, energia "sem motivo", sem direção. Para tê-la, devemos ser interiormente pobres, não ser rico das coisas que a sociedade, que nós formamos. Como, em maioria, somos ricos das coisas da sociedade, não existe pobreza em nós. O que a sociedade formou em nós, o que em nós mesmos formamos, é avidez, inveja, cólera, ódio, ciúme, ansiedade — disso somos riquíssimos. Para compreender tudo isso, precisamos de uma extraordinária vitalidade, tanto física como psicológica. A pobreza é uma das coisas mais estranhas da vida; as várias religiões de todo o mundo têm pregado a pobreza — pobreza, castidade, etc. A pobreza do monge que veste um hábito, muda de nome, recolhe-se a uma cela, abre a Bíblia e fica a lê-la interminavelmente; esse homem é reputado pobre. O mesmo se faz, de diferentes maneiras, no Oriente, e isso é considerado pobreza. O voto de castidade, o possuir uma só tanga, só uma túnica, só tomar uma refeição por dia — todos nós respeitamos essa espécie de pobreza. Mas, aqueles que tomaram o manto da pobreza continuam ricos das coisas da sociedade, interiormente, psicologicamente. , uma vez que estão ainda em busca de posição, de prestígio; pertencem à categoria do "religioso", e esse tipo é uma das divisões da cultura social. Isso não é pobreza; pobreza é estar completamente livre da sociedade, embora se possuam algumas roupas e se tomem algumas refeições diárias. Torna-se a pobreza uma coisa maravilhosa e bela, quando a mente está livre da estrutura psicológica da sociedade, porque então já não há conflito, não há buscar, indagar, desejar — não há nada. Só essa pobreza interior pode ver a verdade existente numa vida inteiramente livre de conflito. Essa vida é uma benção que não se encontra em nenhuma igreja ou templo.

Krishnamurti — Saanen, 11 de julho de 1967 -

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Pode alguém me ajudar a ficar livre da dependência psicológica?

Questionador: Sou dependente, em especial psicologicamente, das outras pessoas. Quero me livrar dessa dependência. Mostre-me, por favor, o caminho para a liberdade.

Krishnamurti: Psicologicamente, no íntimo, somos dependentes de rituais, de ideias, de pessoas, de coisas, das posses — ou não somos? Somos dependentes e queremos nos libertar dessa dependência porque ela nos faz sofrer. Enquanto essa dependência é satisfatória, enquanto eu encontro felicidade nela, não quero ser livre. Mas quando a dependência me faz sofrer, quando a coisa de que dependo foge de mim, fenece, murcha, olha para outra pessoa, desejo libertar-me.

Mas será que quero me libertar por inteiro de todas as dependências psicológicas ou somente daquelas que me fazem sofrer? Obviamente, das dependências e lembranças que me fazem sofrer. Não quero me libertar por completo de todas as dependências; quero apenas me ver livre de alguma dependência particular. Assim, busco meios de me libertar ou pelo a outras pessoas que me ajudem a ficar livre de uma dependência específica que me traz dor. Não quero ficar livre do processo total da dependência.

Pode alguém me ajudar a ficar livre da dependência, tanto da específica como da total? Será que posso mostrar a vocês o caminho — sendo o caminho a explicação, a palavra, a técnica? Se eu lhes mostrar o caminho, a técnica, se eu lhes der uma explicação, vocês vão ficar livres? Vocês ainda terão um problema, ainda vão ter a dor da dependência, não? Nenhuma demonstração minha, nenhuma discussão sua comigo vai libertá-los da dependência. E o que se deve fazer?

Percebam por favor a importância disso. Vocês pedem um método que os liberte de uma dependência particular ou da dependência total. O método é uma explicação que vocês vão praticar e viver a fim de se libertarem, não é? Assim, o método se torna uma nova dependência. Tentando se libertar de uma dependência específica, vocês introduzem outra forma de dependência.

Mas se estiverem de fato preocupados com a liberdade total de todas as dependências psicológicas, se realmente estiverem voltados para isso, vocês não vão me pedir um método, o caminho. Nesse caso, vocês vão fazer uma pergunta bem diferente, não? Vocês vão perguntar se têm capacidade para lidar com isso, a possibilidade de fazer algo a respeito da dependência. Logo, a pergunta não é como se libertar de uma dependência, mas "Posso ter a capacidade de tratar do problema como um todo?" Se tenho a capacidade, não dependo de ninguém. É só quando digo que não tenho a capacidade que peço: "Ajude-me, por favor; mostre-me o caminho". Mas se tenho a capacidade para tratar do problema da dependência, não peço a ninguém que me ajude a dissolvê-lo.

Espero estar sendo claro. Julgo muito importante não perguntar "Como?" mas "Posso ter a capacidade de tratar do problema?" Porque, se sei lidar com ele, estou livre do problema; não procuro mais um método, o caminho. Posso ter a capacidade de tratar do problema da dependência?

Ora, em termos psicológicos, quando vocês fazem essa pergunta a si mesmos, o que acontece? Quando fazem conscientemente a pergunta "Posso ter a capacidade de me libertar dessa dependência?" o que acontece psicologicamente? Vocês já não estão livres dela? Vocês eram dependentes em termos psicológicos e agora perguntam: "Tenho a capacidade de me libertar?" Está claro que, no momento em que fazem essa pergunta com vigor a si mesmos, já há liberdade com relação a essa dependência.

Espero que vocês estejam não só acompanhando verbalmente como vivenciando de fato o que estamos discutindo. Eis a arte de escutar — não só escutar as palavras, como também o que de fato está ocorrendo na mente de vocês.

Quando sei que tenho essa capacidade, o problema deixa de existir. Mas como não a tenho, quero que alguém me mostre. Assim, crio o Mestre, o guru, o Salvador, alguém que vai me salvar, que vai me ajudar. Logo, torno-me dependentes deles. Mas se tiver a capacidade de resolver, de compreender a questão, tudo fica muito simples e deixo de ser dependente.

Isso não quer dizer que eu esteja cheio de autoconfiança. A confiança que vem existir através do eu, do "si-mesmo", não leva a lugar algum, visto fechar-se em si mesma. Mas a própria pergunta "Posso ter a capacidade de descobrir a realidade?" dá uma introvisão e uma força fora do comum. A pergunta não é se tenho a capacidade — eu não a tenho —, mas, "Posso ter a capacidade?" Então saberei abrir a porta que a mente vem fechando com suas próprias dúvidas, com suas próprias ansiedades, seus medos, suas experiências, seu conhecimento.

Portanto, quanto todo o processo é percebido, a capacidade está presente. Mas essa capacidade não há de ser encontrada mediante nenhum padrão particular de ação. Não posso compreender o total por meio do particular. Mediante uma análise particular de um problema especial, não compreenderei o todo. Assim, será que posso ter a capacidade de perceber o todo — não de compreender um incidente específico, um acontecimento em particular, mas de perceber o processo total da minha vida, com suas tristezas, sofrimentos, alegrias, a eterna busca de conforto? Se eu puder fazer essa pergunta com vigor, a capacidade estará presente.

Dispondo dessa capacidade, posso tratar de todos os problemas que surgirem. Sempre haverá problemas, incidentes, reações; isso é a vida. Como não sei o que fazer com eles, procuro outras pessoas a fim de descobrir, para perguntar qual a maneira de tratar desses problemas. Mas quando faço a pergunta "Posso ter a capacidade?" isso já é o começo daquela confiança que não é do "si mesmo", do eu, que não é a confiança que vem à existência por meio da acumulação, mas a confiança que se renova constantemente a si mesma, não através de alguma experiência ou incidente particular, mas da compreensão, da liberdade, de modo que a mente possa descobrir aquilo que é real.

Krishnamurti - Londres, 7 de abril de 1953

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Podemos nos manter despertos, livres de toda dependência?

Pensamos ter necessidade de instrutores, de gurus, de guias, para sermos ajudados a conservar-nos despertos. E esta é provavelmente a razão da presença, aqui, da maioria de vós: desejais que um outro vos ajude a manter-vos despertos. Se alguém pode ajudar-vos a ficar desperto, ficais na dependência dessa pessoa, que se torna vosso instrutor, vosso guia, vosso líder. Ela poderá estar desperta — não sei — mas se estais dependendo dela, estais dormindo. (Risos). Por favor, não riais, porque o caso é sério; pois é isso mesmo o que todos nós fazemos na vida. Se não estamos dependendo de um guia, dependemos de um grupo, dos nossos filhos, dum livro, ou dum disco de gramofone. 

Assim sendo, há possibilidade de nos mantermos despertos, livres de toda dependência, — dependência de drogas, de gurus, de disciplinas, de imagens, de qualquer coisa, emfim? Quando experimentais isso, podeis cometer algum erro, mas dizeis: "Não importa, quero continuar desperto". Entretanto, isso é dificílimo, já que dependemos tanto dos outros! Precisamos de ser estimulados por um amigo, um livro, música, ritos, pelo frequentar com regularidade certas reuniões; e tal estímulo poderá manter-vos desperto, temporariamente. Mas, tanto vale tomar um copo de bebida. Quanto mais uma pessoa depende de estímulos, tanto mais embotada se torna sua mente, e a mente que está embotada precisa de ser guiada, precisa seguir, precisa de uma autoridade, porque do contrário ficará desorientada. 

Se percebermos esse extraordinário fenômeno psicológico, não será possível ficarmos livres, interiormente, de qualquer espécie de dependência, de qualquer estímulo a nos mantermos despertos? Por outras palavras, a mente não será capaz de nunca se escravizar a um hábito? Isso, com efeito, significa, abandonar tudo o que temos aprendido, abandonar todas as coisas que acumulamos de ontem para hoje, para que a mente possa, mais uma vez, ser fresca, nova. A mente não é nova, se não morrer para todas as coisas de ontem, todas as experiências, invejas, ressentimentos, amores, paixões, pois só assim ela poderá de novo ser fresca, ardorosa, desperta e, portanto, capaz de atenção. Não há dúvida de que, só quando está livre de todo sentimento de dependência interior, a mente poderá se encontrar com o Imensurável. 

Krishnamurti — Realização sem esforço - pág. 74-75 - 20 de ahosto de 1955 
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill