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sexta-feira, 20 de abril de 2018

A importância da autonomia psicológica

Esta manhã desejo começar por salientar a extraordinária importância da liberdade. Em geral, não desejamos ser livres. Temos nossas famílias, nossas responsabilidades, nossos deveres — e aí nos estabilizamos. Vemo-nos inibidos por leis sociais, por determinado código, de moralidade, além de levarmos a carga de nossas cotidianas tribulações e problemas; e quando encontramos alguma espécie de consolo, algum meio de fuga a todo esse conflito e aflição, facilmente nos satisfazemos. Quase nenhum de nós deseja verdadeiramente ser livre, em qualquer sentido ou profundidade que seja; entretanto, parece-me que uma das coisas mais importantes da vida é o descobrirmos, por nós mesmos, como poderemos ser total e completamente livres. Poderá a mente humana, tão fortemente condicionada, tão estreitamente confinada em suas lides diárias, tão cheia de temores e ansiedades, tão incerta quanto ao futuro e tão constante em sua exigência de segurança — poderá ela suscitar em si própria uma mudança radical, só realizável em completa liberdade?

Em verdade, este é um problema que deveria interessar a cada um de nós, pelo menos durante as três semanas de nossa estada aqui. Não se trata de meu interesse verbal, senão de sermos capazes de através da análise verbal, discursiva — penetrar fundo em nós mesmos e descobrir se há alguma possibilidade de sermos livres. Sem liberdade, não se pode descobrir o que é verdadeiro e o que é falso; sem liberdade, a vida é sem profundeza; sem liberdade, somos escravos de toda a sorte de influências e de pressões sociais, das inumeráveis exigências que estamos constantemente enfrentando.

Assim sendo, como indivíduos, podeis examinar-vos, penetrante e impiedosamente, para descobrirdes se alguma possibilidade temos, cada um de nós, de ser livres?

Por certo, só em liberdade pode haver mudança. E nós temos de mudar, mas não superficialmente, com pequenos aparos aqui e ali; temos de operar uma radical transformação da própria estrutura de nossa mente. Por isso, sinto ser tão importante falarmos de mudança, discutirmo-la, para ver até que ponto poderemos penetrar neste problema.

Sabeis o que entendo por “mudança”? “Mudar” é pensar de maneira totalmente diferente; é fazer nascer um estado de espírito livre da ansiedade em qualquer momento, sem sentimento de conflito, sem luta para conseguir alguma coisa, para ser ou “vir a ser” algo. É estar completamente isento de medo. Para se descobrir o que significa estar livre do medo, acho necessário compreender a questão de “instrutor e discípulo” e, assim, compreender o que é aprender. Aqui, não há instrutor nenhum, nem ninguém que está sendo ensinado. Todos estamos aprendendo. Por conseguinte, tendes de ficar completamente livres da ideia de que alguém vai dar-vos instrução ou prescrever-vos o que fazer; e isso significa uma relação inteiramente diferente entre vós e este orador. Nós estamos aprendendo e não sendo ensinados. Se, com efeito, compreenderdes que não estais aqui para serdes instruído por alguém, que não há instrutor nenhum para instruir-vos, nenhum salvador para vos salvar, nenhum guru para prescrever-vos o que fazer — se compreenderdes realmente este fato, tereis então de fazer tudo por vós mesmo; e isso requer extraordinária energia.

A energia se dissipa e degrada, perde-se totalmente, quando se estabelece a relação de instrutor e discípulo; portanto, durante as presentes palestras, e nas discussões subsequentes, espero que não prevaleça nenhuma ideia de tal relação. Seria verdadeiramente maravilhoso se pudéssemos eliminá-la totalmente, deixando subsistir unicamente o movimento do aprender.

Em geral, aprendemos pelo estudo, por meio dos livros, pela experiência, ou mediante instrução ministrada por outro. São essas as maneiras comuns de aprender. Aprendemos de memória o que devemos fazer e o que não devemos fazer, o que devemos pensar e o que não devemos pensar, como devemos sentir, como devemos reagir. Pela experiência, pelo estudo, pela análise, pelo sondar, pelo exame introspectivo, armazenamos conhecimentos na forma de memória e, depois, a memória “responde” a ulteriores “desafios” e exigências, do que resultam conhecimentos e mais conhecimentos. Tal processo nos é bastante familiar, pois é nossa única maneira de aprender. Se não sei pilotar um avião, aprendo a fazê-lo. Recebo a necessária instrução, vou adquirindo experiência, que fica retida na memória, e, por fim, posso voar. É esse o único mecanismo de aprender familiar à maioria de nós. Aprendemos pelo estudo, pela experiência, pela instrução. O que se aprende é confiado à memória, na forma de conhecimento, e esse conhecimento funciona sempre que se apresenta um “desafio” ou todas as vezes que temos de fazer alguma coisa.

Ora, eu penso que há uma maneira de aprender completamente diferente, e sobre este assunto vou dizer algumas palavras; mas, para poderdes compreender essa maneira e por ela aprender, deveis estar totalmente livres da autoridade, porque, do contrário, estareis apenas sendo instruídos e ireis apenas repetir o que ouvistes dizer. Eis porque tanto importa compreender a natureza da autoridade. A autoridade é um empecilho ao aprender — ao aprender que não é acumulação de conhecimentos na forma de memória. A memória reage sempre por padrões; nenhuma liberdade existe. O homem que está carregado de conhecimentos, de instrução, que está curvado sob o peso das coisas que aprendeu, nunca é livre. Poderá ser um homem altamente erudito, mas sua acumulação de conhecimentos o impede de ser livre, e, por conseguinte, ele é incapaz de aprender.

Acumulamos várias formas de conhecimentos — científicos, fisiológicos, técnicos, etc. — e tais conhecimentos são necessários ao bem-estar físico do homem. Mas, também, acumulamos conhecimentos porque queremos estar em segurança, porque queremos atuar, sem perturbações, porque queremos agir dentro dos limites de nossos conhecimentos, para nos sentirmos sempre em segurança. Nunca desejamos estar na incerteza — temos horror à incerteza — e, por conseguinte, acumulamos conhecimentos. É a essa acumulação psicológica que quero referir-me, pois é ela que nos veda completamente a liberdade.

Deste modo, no momento em que se começa a inquirir o que é liberdade, é necessário contestar não só a autoridade, mas também o conhecimento. Se estais meramente sendo instruídos, se estais meramente acumulando o que ouvis, o que ledes, o que experimentais, nunca sereis livres, porquanto estareis sempre funcionando dentro do padrão do conhecido. É isso, com efeito, o que em geral nos acontece. Sendo assim, que cumpre fazer?

Sabe-se como a mente e o cérebro funcionam. O cérebro é uma coisa de natureza animal, suscetível de progredir e evolver, que vive e funciona entre as paredes de sua própria experiência, seu conhecimento, suas esperanças e temores. Está perenemente ativo com o intuito de salvaguardar-se e proteger-se; e, até certo ponto, tem de proceder assim, pois, do contrário, em breve seria destruído. Necessita de certo grau de segurança, daí prender-se ao hábito de acumular, para seu benefício, toda sorte de conhecimentos, de obedecer a toda espécie de instrução, criando um padrão ao qual adapta o seu viver, de maneira que nunca está livre. Quem quer que observe o seu próprio cérebro, o total funcionamento de si próprio, estará bem apercebido desse modo de existência “padronizada”, na qual nenhuma espontaneidade existe.

Que é, pois, aprender? Existe alguma maneira diferente de aprender, um aprender não cumulativo, que não se torne um mero fundo de memória ou de conhecimento, criador de padrões e de obstáculos à liberdade? Existe alguma qualidade de aprender que não se torne uma carga, que não tolha a mente, mas, ao contrário, lhe dê liberdade? Se alguma vez vos fizestes esta pergunta, não superficialmente, porém profundamente, deveis saber que é necessário averiguar porque a mente se apega à autoridade. Quer se trate da autoridade do instrutor, do salvador, do livro, quer da autoridade de nosso próprio saber e experiência, por que razão se apega a mente à autoridade?

A autoridade assume formas variadas. Há a autoridade dos livros, a autoridade da igreja, a autoridade do ideal, a autoridade de vossa própria experiência, e a autoridade do saber que acumulastes. Estais apegados a essas autoridades? Tecnicamente, há necessidade de autoridades; isto é simples e óbvio. Mas, estamos falando sobre o estado psicológico da pessoa; e, deixando de parte a autoridade técnica, por que razão se apega ela à autoridade, no sentido psicológico?

Apega-se à autoridade, evidentemente, porque teme a incerteza, a insegurança; teme o desconhecido, o que poderá acontecer amanhã. E podemos nós viver sem autoridade de espécie alguma — autoridade no sentido de dominação, arrogância, dogmatismo, agressividade, desejo de sucesso e de fama, desejo de vir a ser alguém? Podemos viver neste mundo, frequentando o escritório e outros mais lugares, num estado de completa humildade? Isso é muito difícil de verificar, não achais? Mas, penso que só nesse estado de humildade completa — que é o estado da mente que está sempre pronta a reconhecer que não sabe — só nesse estado há possibilidade de aprender. De outro modo, estaremos sempre acumulando e, portanto, deixando de aprender.

Pois bem; pode-se viver, dia por dia, nesse estado? Entendeis minha pergunta? Certo, a pessoa que está deveras aprendendo nenhuma autoridade reconhece, nenhuma autoridade busca. Achando-se num constante “estado de aprender”, não só das coisas exteriores, mas também das coisas interiores, não pertence a nenhum grupo, nenhuma sociedade, nenhuma raça ou cultura. Quando se está aprendendo constantemente de todas as coisas, sem nada acumular, como pode haver autoridade, instrutor? Como se pode seguir alguém? E essa é a única maneira de viver — aprendendo, não dos livros, mas de vossas próprias ânsias, dos movimentos de vosso próprio pensamento, de vosso próprio ser. A mente está, então, sempre fresca, olha todas as coisas de maneira nova, e não com os olhos cansados do saber e da experiência. Compreendendo-se isso, verdadeiramente, profundamente, cessa toda a autoridade. Então, este que vos fala nenhuma importância tem.

O extraordinário estado que a verdade revela — a imensidão da Realidade — não vos pode ser dado por outrem. Não há autoridade, não há guia. Tendes de descobri-lo por vós mesmos e dar, assim, algum sentido a esse caos que chamamos “a vida”.

É uma jornada que deveis fazer completamente só, sem companheiros, sem mulher, sem marido, sem livros. Só podeis iniciar essa jornada depois de perceberdes claramente a verdade de que tendes de viajar completamente só — e percebê-la é estar só; não por azedume, pessimismo, desespero, mas por verdes o fato de que é absolutamente necessário caminhar só. É esse fato, e o percebimento dele, que nos põe livres para viajar sós. O livro, o salvador, o instrutor — vós mesmos sois todos eles. Deveis, pois, investigar-vos, aprender a vosso respeito, o que não significa acumular conhecimentos sobre vós, para, com esses conhecimentos, observardes os movimentos de vosso próprio pensar. Estais compreendendo?

Para esse aprendizado, para conhecer-vos, deveis observar-vos num “estado de novo”, de liberdade. Nada podeis aprender sobre vós pela mera aplicação de conhecimentos, isto é, observando-vos com os conhecimentos adquiridos de algum instrutor, de algum livro, ou de vossa própria experiência. O “vós” é uma entidade extraordinária, uma coisa complexa, vital, intensamente viva, em constante mutação, a passar por experiências de todo gênero. É um vórtice de descomunal energia, e ninguém pode instruir-vos a respeito dele — ninguém! Esta é a primeira coisa que se deve compreender. Uma vez compreendida, percebida a sua verdade, já estais liberto de pesado fardo: deixastes de contar com outros, para vos dizerem o que deveis fazer. Já está então em começo a liberdade, com seu inefável perfume!

Assim, tenho de conhecer-me, pois, sem o conhecimento de mim mesmo, nunca terá fim o conflito, nunca terá fim o medo e o desespero, nunca haverá a compreensão da morte. Quando me compreendo, compreendo todos os entes humanos, as relações humanas em sua totalidade. Compreender a mim mesmo é aprender a respeito do corpo físico e das várias reações nervosas; é estar consciente de cada movimento de pensamento; é compreender a coisa denominada “ciúme”, “brutalidade”; é descobrir o que é afeição, amor. É compreender, em seu todo, aquilo que constitui o “eu”, o “vós”:

Aprender não é estabelecer uma base de conhecimentos. O aprender ocorre a cada instante; é um movimento no qual vos observais infinitamente, sem jamais condenar, sem nunca julgar, sem nunca avaliar, porém sempre e unicamente observando. Desde o momento que condenais, interpretais ou avaliais, tendes um padrão de conhecimento, de experiência, e esse padrão vos impede o aprender.

Sem vos compreenderdes não é possível uma mudança na raiz mesma da mente; e essa mutação, essa mudança, é necessária. Não emprego a palavra “mudança” no sentido de se ser influenciado pela sociedade, pelo clima, pela experiência, ou por outra qualquer espécie de pressão. As pressões e influências apenas poderão impelir-vos numa certa direção. Refiro-me à mudança que se opera sem esforço algum, em virtude de compreenderdes a vós mesmo. Há, sem dúvida, enorme diferença entre as duas coisas; entre a mudança operada mediante compulsão, e a mudança que vem espontânea, natural, livremente.

Pois bem; se estais seriamente interessados — e parece-me que seria um tanto absurdo se tivésseis feito tão longa viagem, para assistir a estas conferências, com este calor e sujeitando-vos a tantos desconfortos, sem estardes seriamente interessados — então, estas três semanas que aqui passareis vos oferecerão uma excelente oportunidade de aprender, de empenhar-vos numa real observação, numa profunda investigação. Pois, senhores, estou bem apercebido de que vossa vida é muito superficial. Sabemos e temos experimentado muitas coisas, somos capazes de falar com muita sutileza, mas, na realidade, nenhuma profundidade temos. Vivemos à superfície; e, vivendo à superfície, esforçamo-nos por tornar muito sério esse viver superficial. Mas, eu me refiro a uma seriedade que se não restringe ao mero nível superficial, uma seriedade que penetra as últimas profundezas de nosso próprio ser. A maioria de nós não é verdadeiramente livre; e, para mim, a menos que sejamos livres — livres de nossas preocupações, de nossos hábitos, de nossas deficiências psicossomáticas, livres do medo — nossa vida continua sendo terrivelmente superficial e vazia, e nessa condição vamos envelhecendo e morrendo.

Assim, no decorrer destas três semanas, tratemos de averiguar se poderemos quebrar as paredes desta existência superficial que tão zelosamente temos cultivado, para penetrarmos em algo muito mais profundo. E esse mecanismo de penetração não depende de nenhuma autoridade, não depende de sermos instruídos por outro sobre como fazê-lo — porque ninguém vo-lo pode ensinar. O que aqui temos de fazer é aprender juntos o que há de verdade em tudo o que vamos examinar e, uma vez tenhais realmente compreendido o verdadeiro, estará terminada toda dependência da autoridade. Não necessitareis, então, de livro nenhum, não necessitareis de ir à igreja ou ao templo; já não sereis um seguidor. Há na liberdade grande beleza, grande profundeza, grande amor, que desconhecemos completamente porque ainda não somos livres. Assim, o que primeiramente nos deve interessar parece-me ser a investigação dessa liberdade, não só por meio da análise verbal, discursiva, mas também independentemente da palavra.

Está fazendo muito calor, mas devo dizer que todo o possível se fez para tornar bem fresco o interior deste pavilhão. Não podemos realizar mais cedo as reuniões, porque há muitos que vêm de longe; assim sendo, teremos de sujeitar-nos ao calor como uma parte dos inevitáveis desconfortos.

Como sabeis, há necessidade de nos disciplinarmos — não mediante rigoroso controle, porém, sim, pela integral compreensão da questão da disciplina, pelo aprender o que ela é. Consideremos, por exemplo, esta coisa imediata; o calor. Podemos sentir o calor que está fazendo, sem nos deixarmos importunar por ele, visto ser o nosso interesse, a nossa investigação — que constitui o próprio movimento do aprender — muito mais importantes do que o calor e o desconforto do corpo. O aprender, pois, requer disciplina; e o próprio ato de aprender é disciplina; por conseguinte, não há necessidade de impor-nos disciplina alguma, nenhum controle artificial. Isto é, eu quero escutar, não só o que se está dizendo, mas também todas as reações que as palavras provocam em si mesmo. Quero conscientizar-me de cada pensamento, de cada gesto. Isso, em si, é disciplina, e tal disciplina é extremamente, flexível.

Assim, penso eu, a primeira coisa que vos cumpre descobrir é se — como ente humano que está vivendo em determinada “cultura” ou comunidade — realmente necessitais de liberdade, tanto quanto necessitais de alimento, de satisfação sexual, de conforto; e até onde e até que profundidade estais disposto a ir, a fim de serdes livre. Acho que é só isto o que podemos fazer nesta primeira palestra — ou, melhor, a única coisa que podemos fazer durante estas três semanas, visto ser esta a única coisa que podemos ter em comum — só ela, e nada mais. Entendeis? Porque tudo o mais se torna mera sentimentalidade, devoção, emocionalismo — coisas muito infantis. Mas, se vós e eu estivermos, conjuntamente, buscando, investigando, aprendendo o que significa ser livre, então, nessa abundância todos poderemos comungar.

Como disse no início, aqui não há instrutor e não há discípulo. Cada um de nós está aprendendo, mas não a respeito de outrem. Não estais aprendendo a respeito do orador, ou de vosso companheiro ao lado. Aprendeis sobre vossa pessoa. E se estais aprendendo acerca de vós mesmo, sois então o orador, sois o vosso companheiro ao lado, sois capaz de amar o vosso próximo; de outro modo, não podeis amá-lo, e tudo o que se está dizendo ficará sendo meras palavras. Não podeis amar o próximo se tendes o espírito de competição. Toda a nossa estrutura social — econômica, política, moral, religiosa — se alicerça na competição, e ao mesmo tempo dizemos que devemos amar o próximo. Isso é uma impossibilidade, visto que onde há competição não pode haver amor.

Assim, para se compreender o que é o amor, o que é a verdade, necessita-se de liberdade — e esta ninguém vos pode dar. Tendes de encontrá-la por vós mesmo, com diligente trabalho.

Krishnamurti, Saanen, 12 de julho de 1964,
A mente sem medo

sábado, 7 de abril de 2018

É possível o indivíduo emergir do coletivo?

É possível o indivíduo 
emergir do coletivo?

Estivemos falando no último domingo sobre a questão de o indivíduo libertar-se de todas as limitações que lhe são impostas pela sociedade, e sobre o condicionamento religioso; porque, só quando está livre de seu condicionamento pode o indivíduo ser criador.

Entendo por "criação" o "estado de ser" libertado do tempo, porque é só neste estado que se pode produzir a correta transformação social e o bem-estar total do homem.

Não parecemos compreender o pleno significado da libertação individual do "coletivo", nem perceber a sua importância. É possível o indivíduo emergir do coletivo? Afinal, embora tenhamos nomes diferentes, depósitos particulares no banco, residências particulares, características pessoais, etc., não somos realmente indivíduos e sim, meramente, um resultado do "coletivo". Séculos e séculos de valores tradicionais, de crenças e dogmas, conscientes ou depositados no inconsciente, indicam-nos o caminho que devemos seguir e impelem-nos a mente, que temos por individual. Mas a mente é um resultado da totalidade dessas compulsões, impulsos e desejos, e embora lhe seja atribuído um nome especial, como Sr. X, ela não tem real individualidade. E não me parece que compreendemos quanto é necessário, essencial, o emergir do indivíduo desse total condicionamento do homem. É no instante em que nos libertamos do "coletivo" que surge o indivíduo criador, e a libertação desse estado criador é a questão fundamental, já que só então se pode descobrir se existe uma realidade atemporal, um estado a que se pode chamar "Deus". A mera asserção de que há ou não um tal estado, nenhum valor tem; o que tem valor é a experiência direta, não contaminada pelo passado.

Como estive explicando em nossa última reunião, a libertação deve estar no começo e não no fim. A liberdade deve vir em primeiro lugar, e não por último; e só pode haver liberdade quando a mente começa, no ponto de partida exato, a libertar-se de seu próprio condicionamento.

Importa pois a cada um de nós "realizar" essa liberdade em nós mesmos e exigi-la para nossos filhos, pela educação correta, etc. É sobre isto que desejo falar nesta tarde.

Ora, evidentemente, não estamos livres quando estamos seguindo a outro. É preciso estar-se livre do instrutor religioso, e isso significa que cada um tem de ser a luz de si mesmo e não depender da luz de nenhum outro. E pode-se realmente "experimentar" esse aliviar, esse libertar da mente do líder, do instrutor, do guru? Podemos experimentar realmente esse estado agora, que estamos falando sobre ele, de modo que a mente não dependa de nenhuma autoridade, não dependa de ninguém, para orientá-la e guiá-la?

Todas as vossas chamadas doutrinas religiosas criam um ideal, que seguis; e este ideal se torna uma nova espécie de instrutor. E, por certo, esta total libertação da ideia do guia, do instrutor, do seguir, sob qualquer forma que seja, esta libertação é essencial. Porque o seguir um instrutor implica acumulação de conhecimentos, e a libertação só é possível pela completa renúncia ao conhecimento. Afinal, são só conhecimentos o que estamos verdadeiramente buscando, na nossa vida de cada dia, não é verdade? Precisamos de conhecimentos para executar trabalhos, conhecimentos para agir, conhecimentos para nos guiarem ao alvo, ao sucesso, à realização de algo. E esse próprio conhecimento se torna o fator de nosso cativeiro. Mas pode a mente liberta-se do conhecimento? Acho muito importante considerar esta questão e, portanto, tratemos de investigá-la e não a ponhamos de parte, dizendo que a mente não pode libertar-se do conhecimento ou afirmando, meramente, que isso é possível.

O seguir implica sempre acumulação de conhecimentos, não é verdade? E onde há acumulação de conhecimentos tem de haver imitação. Afinal, quando se vos faz uma pergunta sobre questão que conheceis bem, vossa resposta é imediata. Se vos perguntam onde morais, qual a vossa profissão, vosso nome, etc., a memória responde instantaneamente, porque são coisas com que estais bem familiarizado. Mas se se faz uma pergunta mais complexa, há então hesitação — isso implica que a mente está dando uma busca nos arquivos da memória, para achar a resposta correta. E se se pergunta uma coisa sobre a qual praticamente nada sabeis, recorreis a um livro ou buscais mais profundamente naquela parte da consciência que é a memória. Assim sendo, sois sempre guiados pela memória. Memória deve haver, porque do contrário não poderíeis voltar à vossa casa, executar o vosso trabalho, construir uma ponte, etc. Aprendemos uma multidão de coisas necessárias e esses conhecimentos naturalmente não devem ser esquecidos. Mas eu me refiro a conhecimentos de ordem completamente diferente: os conhecimentos que a psique acumula, com o fim de proteger-se no futuro e realizar qualquer coisa que deseje realizar, psicologicamente, espiritualmente. É esse conhecimento que nos faz,egocêntricos, porque a mente dele se serve como meio de dar continuidade a si mesma, como meio de expansão do "eu". É a esse conhecimento que cumpre renunciar totalmente. Esta é que é a verdadeira renúncia — e não o abandonar uns poucos bens, uma casa, um pedaço de terra, e cingir uma tanga.

Temos, pois, esse conhecimento acumulado, sobre o qual a psique se forma e se mantém. E pode a mente, que é resultado do passado, renunciar a esse conhecimento? Decerto, enquanto a mente não se descartar desse conhecimento, nunca encontrará o que é novo, jamais conhecerá o instante atemporal, que é o "estado criador". Vede, o de que necessitamos neste momento não é mais físicos, mais cientistas, engenheiros, burocratas, políticos, porém indivíduos que conheceram esse "estado criador"; porque esses indivíduos é que são as pessoas verdadeiramente religiosas — o que significa que não pertencem a nenhuma sociedade, nenhum grupo, nenhuma classificação. Eis porque muito importa compreender todo esse mecanismo da acumulação de conhecimentos, que subentende identificação e senso de avaliação. Pode a mente estar livre, para observar sem avaliação nem julgamento? Não resta dúvida de que suas avaliações, suas comparações, suas condenações, baseiam-se todas no conhecimento, e essa mente é incapaz de compreender o que é verdadeiro.

Se observardes o processo de vosso próprio pensar, vereis que a mente só tem interesse em acumular mais e mais conhecimentos, e por essa razão nunca há um momento de liberdade, para explorar. E acho muito importante compreender, isto é, "experimentar", real e instantaneamente, esse estado de liberdade do passado, sem continuidade, — e não apenas asseverar que a mente pode ou que a mente não pode ser livre. Isso se tornará bastante simples, se soubermos escutar realmente o que se está dizendo; porque isso é uma coisa que se tem de experimentar, que se tem de sentir, e não discutir a seu respeito.

A mente, em verdade, é resultado do passado, de muitos dias pretéritos, o que é um fato bem óbvio. Ela é o resíduo do conhecido — sendo o conhecido a coisa experimentada, a palavra, o símbolo, o nome, o inteiro processo de reconhecimento. Essa mente, de certo, é incapaz de descobrir ou "experimentar" o desconhecido. Ela poderá especular, mas sua especulação estará baseada no conhecido, nas coisas que leu, Só poderá a mente experimentar aquele estado, quando o conhecimento — e por este termo entendo a memória de muitas experiências, — o inteiro processo de reconhecimento, que é "eu", "meu" — houver terminado.

Pois bem. Se puderdes, não apenas escutar o que se está dizendo, mas também afastar de vós tudo o que conheceis — as conclusões, as avaliações, as determinações, os ideais — vereis então surgir um estado sem continuidade, como memória, mas que é, instantaneamente, a totalidade do Ser. Esse momento é que é o Sublime, o Supremo, e ele precisa ser experimentado. Mas só se pode experimentá-lo, quando a mente está completamente tranquila, compreendendo a totalidade de sua própria estrutura. E pelo autoconhecimento que vem a quietude da mente, e não por meio de disciplina, por meio de compulsão. E nessa tranquilidade total encontrareis um momento que não está relacionado com o passado, um instante em que se verifica a criação. E esse estado é essencial, porque liberta a mente do "coletivo" e dá existência à individualidade.

O "coletivo" é a mente condicionada pela sociedade, por influências inúmeras, pelos valores e crenças a que se apega a multidão e de que uns poucos se livram, mas só para lhe acrescentarem mais uma crença. Em vista de tudo isso, é possível à mente, sem esforço algum, renunciar ao passado? Enquanto o não fizer, continuará a haver a observância, da tradição, de ontem ou de há milhares de anos. E a mente que segue a tradição é imitativa, dependente de um instrutor, com o que mantém a desigualdade, não apenas no nível físico, mas também no nível psicológico. Para essa mente, "criação" é apenas uma palavra sem sentido. Para se produzir um estado diferente, uma cultura diferente, uma diferente maneira de vida, é de todo necessária a libertação do indivíduo, a libertação dessa força criadora interior que produzirá sua sociedade própria, seus valores próprios.

Krishnamurti, Segunda Conferência em Bombaim
7 de maio de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana


sábado, 28 de março de 2015

A liberdade para comandar a vida à sua própria maneira

À medida que desenvolve mais inteligência e percepções mais sutis, ele deixa de ser mero fantoche convencional e se transforma, finalmente, numa pessoa real.

Se o que busca não encontra ninguém em suas relações, contatos ou sociedade próximo o bastante de seu nível de interesses espirituais, deve aceitar sua solidão, pois escolheu afastar-se da preocupação comum. Porque, para ser um filósofo atuante, o homem deve seguir seu próprio caminho. Essa exigência de individualidade requer coragem e sabedoria. Se lhe faltar conhecimento superior, percepção intuitiva e intelecto — cuja combinação é sabedoria — deverá então procurar desenvolvê-los, e isso exige trabalho. No meio tempo, pode obter ajuda de guias pessoais e livros superiores. Sem sabedoria, ou, ao menos, sem um esforço genuíno em direção a ela, sua trajetória será mal estabelecida, e ele pode chegar ao desastre.

Afastar-se da vida comunitária sectária e caminhar sozinho requer qualidades que só uns poucos possuem. Há, nessa vida, segurança, conforto, apoio moral e material. Para ser capaz de abandonar essas coisas o homem deve ter um forte anseio anterior, assim como uma percepção clara e permanente do significado da filosofia.

O fraco não pode trilhar esse caminho. O homem precisa de força para seguir o que sua intuição profunda lhe diz para seguir, principalmente quando isso se afasta do supostamente racional e do socialmente convencional. Se sua atitude ou ação defronta-se com a crítica ou com a oposição, o que isso significa para ele? Não lhe cabe responder pelo que as outras pessoas pensam a seu respeito. Isso é de responsabilidade delas. Cabe-lhe responder apenas por aquilo que ele mesmo pensa ou faz.

Apenas o homem que tem a paixão de chegar à certeza da verdade, que tem a coragem de sustentar pontos de vista não-ortodoxos e de chegar a conclusões independentes, que vive num clima de pensamento original, e para quem a acusação de heresia não é acusação alguma, está apto a encontrar o caminho da verdade.

Seu dever é agir como pioneiros; mas, para serem pioneiros bem-sucedidos, precisam de coragem para esquecer ideias gastas e libertar-se de tradições moribundas, para ficar à altura das novas condições que estão surgindo. Nesse sentido, a sugestão de que seria também um dever cooperar com movimentos espirituais existentes seria aceitável se fosse praticável; mas a experiência mostrará que a maioria desses movimentos é incapaz de penetrar aquela profunda unidade de corações, a única que pode garantir o êxito de qualquer união externa. Tal plano terminaria em fracasso, e é melhor que elas sigam o seu caminho independente, do que desperdicem tempo e energia tentando o que não pode ser conseguido e não é realmente necessário.

A liberdade para comandar a vida à sua própria maneira é conquistada apenas quando ele consegue o destemor de desconsiderar a crítica e ignorar as expectativas de outras pessoas.

O que queremos dizer é que o homem moderno tem que se tornar mais auto-confiante, tem que jogar fora os restos da consciência tribal que ainda o regem, tem que aprender a pensar por si mesmo.
Seu desejo de expressar personalidade, caráter e pontos de vista individuais deve ser respeitado desde que não os tente impor aos demais de maneira agressiva ou tirânica.

Não é necessário ser grosseiro ou irritável para ser um individualista. Pode-se ser afável, bem-humorado, educado e gentil — e até mesmo radiante de boa vontade. É toda uma questão de equilíbrio interior.

Ele deve recusar-se a violar sua integridade intelectual ou a sacrificar sua independência espiritual.

Se ele é incapaz de continuar nesse busca sem a associação, o encorajamento ou a simpatia de outros que também a seguem, então é melhor não a iniciar, pois é óbvio que ainda não está preparado para ela e não sabe apreciar suficientemente seus valores.

Ele deve tentar manter sua vida em suas mãos se quer mantê-la livre das influências que afastariam os ideais que ele se propôs, especialmente, a seguir. Se ele dá valor à liberdade, deve recusar-se a se colocar numa posição em que seja obrigado a fazer eco aos pontos de vista daqueles que não compartilham de suas ideias. Pode ter que escolher entre as provações de uma independência resoluta e as tentações de uma segurança debilitante.

É preciso força mental ou poder mental para recusar o apoio gregário da massa — seja ela uma igreja sectária, um grupo místico ou alguma outra combinação. É preciso fé em si mesmo e coragem para resistir à influência dos outros e ser um indivíduo.

Ele não pode adequar-se mentalmente a nenhuma das categorias aceitas, que a sociedade local e de seu tempo fornece, e então um caminho independente e solitário o atrai. Fisicamente, pode fazer um acordo incômodo com a sociedade, de forma que ambos se beneficiem de serviços mútuos. Assim, sem cometer violência contra seus princípios mais importantes, ele pode descobrir uma maneira de viver entre os que não veem nenhuma utilidade neles.


Paul Brunton

sábado, 1 de junho de 2013

Temos de ser nossa própria luz

Uma consciência e uma moralidade totalmente novas são necessárias para realizar uma mudança radical na cultura de hoje e na estrutura social. Isto é evidente, embora à esquerda, direita e os revolucionários pareçam desconsiderar esse fato. Qualquer dogma, qualquer formula, qualquer ideologia é parte da antiga consciência; são invencionices do pensamento cuja atividade está fragmentada - a esquerda, a direita e o centro. Esta atividade irá conduzir inevitavelmente ao derramamento de sangue dos da esquerda, a direita ou do totalitarismo. É o que vem acontecendo a nossa volta! Percebemos a necessidade de uma mudança social, econômica moral, porém a resposta nos vem da antiga consciência, sendo a reflexão a personagem principal A balburdia, a confusão e o sofrimento pelo qual o ser humano está passando encontram-se na dimensão da antiga consciência, e sem uma mudança profunda, qualquer atividade humana, seja política, econômica ou religiosa, só nos conduzirá a nossa própria destruição e a da Terra. Isto é obviamente claro!

Temos de ser nossa própria luz; esta luz é a lei! Não existe outra lei. Todas as outras leis são produtos do pensamento e, portanto, fragmentadas e contraditórias. Ser nossa própria luz não é seguir a luz de outrem, por mais racional, lógica, interessante e até convincente que possa ser. Não podemos ser nossa própria luz se estamos nas trevas da autoridade, do dogma e da decisão. A moralidade não se origina no pensamento; não é resultado da pressão da meio ambiente, não está na tradição. A moralidade é filha do amor, e o amor não é desejo nem gozo. O prazer sexual ou sensorial não é amor. 

Liberdade é sermos nossa própria luz; então, não é algo abstrato, algo que surge do pensamento como que por encanto. A verdadeira liberdade é ser livre da dependência, do apego, do anseio pela experiência. Ser livre da própria estrutura do pensamento e sermos nossa própria luz. Nessa luz toda, a ação se realiza e, assim, não se torna contraditória. A contradição só existe quando a luz está separada da ação, quando a personagem está separada da ação. O ideal, o principio, é movimento estéril do pensamento e não pode coexistir com a luz, pois um é a negação do outro. Essa luz e esse amor não podem estar onde se encontra o observador. A estrutura do observador é produto do pensamento, que nunca é novo, nunca é livre. Não há nenhum "como", nenhum sistema, nenhuma experiência. Existe apenas a observação do que está sendo feito. Temos de ver por nós mesmos, não através dos olhos do outro. Esta luz e esta lei não são suas nem de ninguém. Só há uma luz. Isto é o amor!

Krishnamurti - 24 de setembro de 1973

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Onde há o seguir, há medo


Para compreenderem a causa da autoridade, precisam seguir o processo mental e emocional que a cria.
Para mim, o homem que está limitado por uma lei externa ou interna está confinado numa prisão, está preso numa ilusão. Desse modo, tal homem não pode compreender a ação espontânea, natural e sã.
(...)
Se um homem deseja obedecer e seguir a um outro, ninguém o pode impedir; porém é o superlativo da falta de inteligência e leva a grande infelicidade e frustração.

Se aqueles de vocês que estão me ouvindo, começarem a pensar real e profundamente a respeito da autoridade, não mais seguirão a ninguém, inclusive a mim mesmo. Como disse, porém, é muito mais fácil seguir e imitar do que, realmente, libertar o pensamento da limitação do medo, e bem assim, da compulsão e da autoridade. Admitir a autoridade é se abandonar à influência de outro, o que implica sempre o propósito, o desejo de se obter algo em retorno; ao passo que na outra há absoluta insegurança; e como as pessoas preferem a ilusão do conforto, da segurança, seguem a autoridade com sua frustração. Se, porém, a mente discerne a ilusão de conforto ou da segurança, nasce a inteligência, o desconhecido, a essência da vida.
(...)
O seguir a outrem não é aconselhável, nem tão pouco o é a aceitação da autoridade, pois que nestas coisas há medo; e o medo destrói todo o discernimento.
(...)
Quase todas as pessoas são inconscientes tanto da inteligência como da estupidez que a cerca. Porém, como poderá cada indivíduo averiguar o que é estupidez e o que é inteligência, se seu pensamento e ação estão baseados no medo e na autoridade? Individualmente, temos de nos tornar percebidos, conscientes dessas condições de limitadoras.
(...)
Por meio da ansiedade, do desejo, gera-se o medo, e deste surge a busca de conforto e segurança, encontrados na autoridade da experiência.
(...)
Esta autoridade em suas várias formas sustenta o processo do "eu", que se baseia no medo.

Considerai os pensamentos, atividades e a natureza da moral de vocês, e verão que estão baseados no medo que se quer proteger a si próprio com suas autoridades sutis e confortadoras. Deste modo, a ação nascida do medo está sempre limitando a si própria e, portanto, esse processo do "eu" é mantenedor de si mesmo, por meio de suas atividades desejantes.
(...)
Se a autoridade deve existir ou não, na escola ou na família, é coisa que terá resposta, quando vocês próprios compreenderem o inteiro significado da autoridade.

O que eu entendo por autoridade é a conformação, pelo medo, a um molde particular, seja o padrão do ambiente, o da tradição, o do ideal ou o da memória. Tomai a religião tal qual ela é. Nela observam que, por meio da fé e da crença, o homem foi aprisionado numa prisão de autoridade, porque cada um está buscando a sua própria segurança, através daquilo que ele chama imortalidade. Isto nada mais é que egoísta ânsia de continuidade, e o homem que afirma existir a imortalidade proporciona uma garantia à sua segurança.

Assim, gradualmente, por meio do medo, ele chega a aceitar a autoridade, a autoridade das ameaças religiosas, dos temores, das superstições, das esperanças e das crenças. Ou então, rejeita as autoridades externas e desenvolve os seus próprios ideias pessoais, que se tornam autoridades próprias, apegando-se a elas, na esperança de não ser ferido pela vida. Assim, a autoridade torna-se um meio de própria defesa contra a vida, contra a inteligência.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK

terça-feira, 12 de março de 2013

A autoridade espiritual impede a busca da verdade

Pergunta: Todos nós, os teosofistas, estamos fundamentalmente interessados na Verdade e no Amor, tanto como vós estais. Não podíeis ter ficado na nossa Sociedade, ajudando-nos, em vez vos separardes de nós e fazer-nos acusações?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, muitos de vós estais achando isso divertido; outros estão um tanto ou quanto agitados, outros apreensivos. Não o estais sentindo? Vamos investigar.

Fundamentalmente, estamos, vós e eu, procurando a mesma coisa? Pode-se procurar a verdade no seio de uma organização qualquer? Podeis colocar um rótulo em vós mesmos, e procurar a verdade? Podeis ser hinduísta e dizer "Estou procurando a verdade"? Porque, então, o que estais procurando não é a verdade, mas a confirmação de uma crença. Podeis pertencer a qualquer organização, a qualquer grupo espiritual, e procurar a verdade? Pode-se achar a verdade coletivamente? Conheceis o amor, quando credes? Não sabeis que quando credes fortemente numa coisa e eu creio no contrário, não existe amor entre nós? Quando credes em certos princípios hierárquicos e em certas autoridades, e eu não creio, pensais que existe comunhão entre nós? Quando toda estrutura do vosso pensar é o futuro, o vir-a-ser por meio da virtude, quando ides ser alguém no futuro, quando o processo do vosso pensar está baseado na autoridade e em princípios hierárquicos, pensais que existe amor entre nós? Podeis servir-vos de mim, por conveniência, e eu servir-vos de vós, por conveniência. Mas isso não é amor. Vejamos com clareza. Não vos agiteis a respeito destas questões. Não as compreendereis, se vos agitais por causa delas.

Para descobrir se realmente estais em busca da verdade e do amor, deveis investigar, não achais? Se investigásseis, se descobrísseis, interiormente, e, portanto, agísseis exteriormente, que aconteceria? Ficaríeis fora (da vossa sociedade) não é verdade? Se duvidásseis de vossas crenças, não estaríeis de fora? — Enquanto houver sociedades e organizações, — as chamadas organizações espirituais, com direitos adquiridos", na propriedade, na crença, no saber — as pessoas a elas pertencentes, evidentemente não estão em busca da verdade. Podem dizer que estão. Cabe-vos, pois, averiguar se estamos fundamentalmente, buscando a mesma coisa. Podeis ver a verdade por intermédio de um Mestre, por intermédio de um guru? Pensai bem nisso, senhores. É problema vosso. Pode-se descobrir a verdade por intermédio do Mestre, do discípulo, do guru? Que podem eles dizer-vos, fundamentalmente? Só podem aconselhar-vos a dissolver o "eu". Estais fazendo isso? Se não estais, então, evidentemente, não estais procurando a verdade. Não sou eu que vos estou dizendo que não estais procurando a verdade, mas o fato é que se dizeis: "Vou ser alguém", se ocupais uma posição de autoridade espiritual, não podeis estar em busca da verdade. Sou muito claro, a respeito desses assuntos e não procurando persuadir-vos a aceitar ou rejeitar — o que seria estupidez. Não posso fazer-vos acusações, como diz o interrogante. Apesar de me ouvir há vinte anos, continuais com as vossas crenças; porque é uma coisa muito reconfortante sabermos que temos quem cuide de nós, que temos mensageiros especiais para o futuro, que ides ser algo belo, agora, no final dos tempos. Assim continuareis, porque tendes os vossos "direitos adquiridos", em vossa propriedade, vosso emprego, crença, saber. Não duvidais deles. A mesma coisa acontece no mundo inteiro. Não é só este ou aquele grupo de indivíduos, mas todos os grupos — católicos, protestantes, comunistas, capitalistas — se acham nas mesmas condições. Todos têm os seus direitos adquiridos. O homem que é deveras revolucionário, que interiormente está percebendo a verdade sobre todas essas coisas, esse homem achará a verdade. Saberá o que é o amor, não numa data futura, porque isso nenhum valor tem. Quando um homem tem fome, quer comer agora e não amanhã. Mas vós tendes cômodas teorias, sobre o tempo, sobre o correr do tempo, a que estais presos. Por conseguinte, onde há ligação, onde há relação entre vós e mim, ou entre vós e aquilo que estais tentando descobrir? E, no entanto, todos falais de amor, de fraternidade, e tudo o que fazeis é o contrário. É um fato evidente, senhores, que no momento em que há organização, há necessariamente intrigas para a conquista de postos, de autoridade; conheceis muito bem tudo isso.

Assim, o necessário não é que eu vos acuse ou que vós me acuseis e me expulseis. O problema não é este. É claro que tendes de repelir um homem que vos diz que o que credes, o que fazeis é errado; ou, interiormente, deveríeis fazê-lo, porque eu digo que me oponho aquilo que desejais. Se realmente desejais procurar, se realmente desejais achar a verdade e o amor, deve haver uma unidade de propósitos, abandono completo de todos os vossos direitos adquiridos; o que significa que deveis ficar interiormente vazios, pobres, sem estar buscando, sem estar conquistando posições de autoridade, como expoentes ou portadores de mensagens dos Mestres. Precisais estar despojados de tudo. Como, entretanto, não desejais isso, naturalmente adquiris rótulos, crenças e várias formas de segurança. Senhores, não rejeiteis o que digo; averiguai se de fato estais — como dizeis — fundamentalmente em busca da verdade. Tenho minhas dúvidas. Duvido, realmente, quando vos ouço dizer "estou em busca da verdade". Não podeis procurar a verdade, porque a vossa busca é uma projeção de vós mesmos, de vossos próprios desejos; vosso "experimentar" dessa projeção é uma experiência que desejais. Mas quando não estais a buscar, quando a mente se acha quieta e serena, sem nenhum desejo, nenhum motivo, nenhuma compulsão, vereis então que vem o êxtase. Para que o êxtase venha, precisais estar despojados de tudo, vazios, sós. A maioria das pessoas ingressa em tais organizações porque são gregárias, porque elas são grêmios e o ingressar em grêmios tem suas vantagens, socialmente falando. Pensais que ides achar a verdade, enquanto estais em busca de conforto, de satisfação, de segurança social? Não, senhores; deveis ficar sós, sem arrimo algum, sem amigos, sem guru, sem esperança, de todos desnudos, e vazios, interiormente. Só então, assim como se pode encher uma taça vazia, pode o vazio interior encher-se com aquilo que é eterno.

Krishnamurti — 20 de janeiro de 1952
Quando o pensamento cessa - ICK  

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Nem fácil nem difícil, só natural

O amor é um estado natural da consciência. Não é nem fácil nem difícil, essas palavras de forma nenhuma se aplicam a ele. Ele não é um esforço; por isso não pode ser fácil nem pode ser difícil.

É como respirar! É como as batidas do coração, é como o sangue circulando no nosso corpo.

O amor é o nosso próprio ser... mas esse amor ficou quase impossível. A sociedade não o permite. A sociedade condiciona você de tal forma que o amor fica impossível e o ódio passa a ser a única coisa possível.

Então o ódio é fácil, e o amor não só é difícil como impossível.

O homem tem sido deturpado. Ele não pode ser reduzido à escravidão se não for primeiro deturpado. Os políticos e os padres têm participado de uma profunda conspiração ao longo das eras. Eles têm reduzido a humanidade a uma multidão de escravos.

Estão destruindo qualquer possibilidade de rebelião no homem — e o amor é uma rebelião, porque o amor ouve só o coração e não dá a mínima para o resto.

O amor é perigoso porque ele faz de você um indivíduo. E o Estado e a Igreja... eles não querem indivíduos, de jeito nenhum. Não querem seres humanos, querem ovelhas. Querem pessoas que só pareçam seres humanos, mas cuja alma tenha sido esmagada de tal maneira, tenha sido danificada a tal ponto, que o estrago pareça quase irremediável.

E a melhor maneira de destruir o homem é destruir sua espontaneidade de amar. Se o homem tiver amor, não poderá haver nações; as nações existem no ódio. Os indianos odeiam os paquistaneses e os paquistaneses odeiam os indianos — só assim esses dois países podem existir.

Se o amor surgir, as fronteiras vão desaparecer.

Se o amor surgir, então quem vai ser cristão e quem vai ser judeu? Se o amor surgir, as religiões desaparecerão. Se o amor surgir, quem irá ao templo? Para quê?

É porque está faltando amor que você sai em busca de Deus. Deus não é nada mais do que um substituto para o amor que está faltando. Como você não é bem-aventurado, não está em paz, não está em êxtase, você está em busca de Deus.

Se a sua vida é uma dança, Deus já está no seu coração. O coração amoroso está cheio de Deus. Não há necessidade de mais nenhuma busca, não há necessidade de mais nenhuma prece, não há necessidade de ir a templo nenhum, de procurar padre nenhum.

Por isso o padre e o político, esses dois, são inimigos da humanidade. Eles estão conspirando, pois o político quer governar seu corpo e o padre quer governar sua alma. E o segredo é o mesmo: destruir o amor. Então o homem passa a ser nada além de uma vacuidade, de um vazio, uma existência sem sentido.

Então você pode fazer o que quiser com a humanidade e ninguém se rebelará, ninguém terá coragem suficiente para se rebelar.

O amor dá coragem, o amor leva todo o medo embora — e os opressores dependem do seu medo. Eles criam medo em você, mil e um tipos de medo. Você fica cercado de medos, toda a sua psicologia é cheia de medos.

Lá no fundo você está tremendo. Só na superfície você mantém uma certa fachada; mas, dentro de você, existem camadas e camadas de medo.

Um homem cheio de medo só pode odiar — o ódio é uma consequência natural do medo. Um homem cheio de medo é também cheio de raiva, e um homem cheio de medo é mais contra a vida do que a favor dela. A morte parece um estado repousante para ele.

O homem temeroso é suicida, tem uma visão negativa da vida. A vida lhe parece perigosa, pois viver significa que você terá de amar — como você poderá viver?

Exatamente como o corpo precisa respirar para viver, a alma precisa de amor para viver. E o amor está definitivamente envenenado.

Envenenando a sua energia de amor, eles criaram uma cisão em você; criaram um inimigo dentro de você, dividiram-no em dois. Eles criaram uma guerra civil, e você está sempre em conflito. E, no conflito, sua energia é dissipada; por isso sua vida não tem sabor, alegria. Não transborda de energia; ela é sem graça, insípida, falta-lhe inteligência.

O amor aguça a inteligência, o medo a embota.

Quem quer que você seja inteligente? Não aqueles que estão no poder. Como eles podem querer que você seja inteligente? — porque, se for inteligente, você começará a ver toda a estratégia, os jogos que eles fazem. Eles querem que você seja burro e medíocre.

Certamente querem que você seja eficiente no que diz respeito ao trabalho, mas não inteligente; por isso a humanidade vive o seu potencial mínimo.

Osho, em "Coragem: O Prazer de Viver Perigosamente"

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A exposição de brilhantismo apenas cega

Pergunta: Em vez de dirigir-se a multidões heterogêneas em vários lugares e deslumbrá-las e confundi-las com seu brilhantismo e sutileza, por que não dá início a uma comunidade ou colônia e cria uma referência para seu modo de pensar? Você receia que isso nunca possa ser feito?

Krishnamurti: Senhor, brilhantismo e sutiliza deveriam ser sempre mantidos encobertos porque muita exposição de brilhantismo apenas cega. Não é minha intenção cegar ou demonstrar inteligência, isso é muito estúpido, mas quando a pessoa vê as coisas muito claramente não pode evitar de expô-las muito claramente. Você pode pensar que isto é brilhante e sutil. Para mim o que estou dizendo não é brilhante: é óbvio. Esse é um fato. O outro é, você quer que eu funde um 'ashram' ou uma comunidade. Ora, por quê? Por que quer que eu funde uma comunidade? Você diz que isso atuará como uma referência, ou seja, uma coisa que pode ser apontada como uma experiência bem sucedida. É isso que implica uma referência, não é? - uma comunidade onde todas estas coisas são levadas a cabo. É isso que você quer. Eu não quero fundar um 'ashram' ou comunidade, mas você quer. Ora, por que você quer tal comunidade? Eu lhe direi por quê. É muito interessante, não é? Você quer porque gostaria de juntar-se a outras pessoas e criar uma comunidade, mas não quer começar uma comunidade com você mesmo, quer alguma outra pessoa para fazê-lo, e quando estiver pronta, você se juntará a ela. Em outras palavras, senhor, você tem medo de começar por sua conta portanto quer uma referência. Ou seja, você quer uma coisa que lhe dará autoridade de um tipo que pode ser levada a cabo. Em outras palavras, você mesmo não é confiante e daí diz, “Funde uma comunidade e me juntarei a ela.”. Senhor, onde você está pode fundar uma comunidade mas só pode fundar a comunidade quando tiver confiança. O problema é que você não tem confiança. Por que você não é confiante? O que quero dizer com confiança? O homem que quer obter um resultado, que consegue o que quer, está cheio de confiança – o homem de negócios, o advogado, o policial, o general, todos são cheios de confiança. Ora, aqui você não tem confiança. Por que? Pela simples razão que você não experimentou. No momento em que experimentar isso, terá confiança. Ninguém mais pode lhe dar confiança. Nem livro, nem professor podem lhe dar confiança. Encorajamento não é confiança; o encorajamento é meramente superficial, infantil, imaturo. A confiança vem quando você experimenta e quando você experimenta com nacionalismo, com a mínima coisa, então experimentando terá confiança, porque sua mente estará viva, flexível; e então onde você estiver haverá um 'ashram', você mesmo fundará a comunidade. Está claro, não está? Você é mais importante que qualquer comunidade. Se você aderir a uma comunidade, será como você é – terá alguém para chefiá-lo, terá leis, regulamentos e disciplina, será um outro senhor Smith ou senhor Rao nesta comunidade desagradável. Você quer uma comunidade apenas quando quer ser dirigido, que lhe digam o que fazer. O homem que quer ser dirigido está cônscio de sua falta de confiança em si mesmo. Você pode ter confiança, não falando sobre autoconfiança, mas só quando você experimente, quando tenta. Senhor, a referência é você, então, experimente, quem quer que seja você, em qualquer nível de pensamento. Você é a única referência, não a comunidade; e quando a comunidade se torna a referência, você está perdido. Espero que haja muitas pessoas se juntando e experimentando, tendo completa confiança e portanto, ficando juntas, mas você sentar do lado de fora e dizer, “Por que você não forma uma comunidade para eu aderir?”, é obviamente uma pergunta tola.

J. Krishnamurti The Collected Works, Vol. V

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Podemos nos manter despertos, livres de toda dependência?

Pensamos ter necessidade de instrutores, de gurus, de guias, para sermos ajudados a conservar-nos despertos. E esta é provavelmente a razão da presença, aqui, da maioria de vós: desejais que um outro vos ajude a manter-vos despertos. Se alguém pode ajudar-vos a ficar desperto, ficais na dependência dessa pessoa, que se torna vosso instrutor, vosso guia, vosso líder. Ela poderá estar desperta — não sei — mas se estais dependendo dela, estais dormindo. (Risos). Por favor, não riais, porque o caso é sério; pois é isso mesmo o que todos nós fazemos na vida. Se não estamos dependendo de um guia, dependemos de um grupo, dos nossos filhos, dum livro, ou dum disco de gramofone. 

Assim sendo, há possibilidade de nos mantermos despertos, livres de toda dependência, — dependência de drogas, de gurus, de disciplinas, de imagens, de qualquer coisa, emfim? Quando experimentais isso, podeis cometer algum erro, mas dizeis: "Não importa, quero continuar desperto". Entretanto, isso é dificílimo, já que dependemos tanto dos outros! Precisamos de ser estimulados por um amigo, um livro, música, ritos, pelo frequentar com regularidade certas reuniões; e tal estímulo poderá manter-vos desperto, temporariamente. Mas, tanto vale tomar um copo de bebida. Quanto mais uma pessoa depende de estímulos, tanto mais embotada se torna sua mente, e a mente que está embotada precisa de ser guiada, precisa seguir, precisa de uma autoridade, porque do contrário ficará desorientada. 

Se percebermos esse extraordinário fenômeno psicológico, não será possível ficarmos livres, interiormente, de qualquer espécie de dependência, de qualquer estímulo a nos mantermos despertos? Por outras palavras, a mente não será capaz de nunca se escravizar a um hábito? Isso, com efeito, significa, abandonar tudo o que temos aprendido, abandonar todas as coisas que acumulamos de ontem para hoje, para que a mente possa, mais uma vez, ser fresca, nova. A mente não é nova, se não morrer para todas as coisas de ontem, todas as experiências, invejas, ressentimentos, amores, paixões, pois só assim ela poderá de novo ser fresca, ardorosa, desperta e, portanto, capaz de atenção. Não há dúvida de que, só quando está livre de todo sentimento de dependência interior, a mente poderá se encontrar com o Imensurável. 

Krishnamurti — Realização sem esforço - pág. 74-75 - 20 de ahosto de 1955 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A importância da mente ser capaz de "estar só"

Pergunta: tenho andado de instrutor em instrutor, a buscar, e agora vim ter convosco, movido por esse mesmo espírito de busca. Sois em alguma coisa diferente de todos os outros, e como poderei sabê-lo? 

KRISHNAMURTI: Ora, estais realmente a buscar, e que significa "buscar"? Compreendeis esta pergunta? Estais, evidentemente, a buscar alguma coisa, mas o que? Essencialmente, buscai um espírito que nunca possa ser perturbado e a que chamais "paz", "Deus", "amor", etc. Não é assim? Nossa vida é cheia de perturbação, de ânsias, de medo, de escuridão, de agitações, de confusão, e queremos fugir de tudo isso; mas, quando um homem confuso busca, sua busca se baseia no seu estado confuso e, por conseguinte, o que ele encontra é mais confusão. Estais-me seguindo?

Em primeiro lugar, pois, devemos indagar porque buscamos, e que é que buscamos. Podeis andar de instrutor em instrutor, e cada instrutor oferecer um diferente método de disciplina ou meditação, alguma prática absurda. Nessas condições, o importante não é o instrutor e aquilo que ele oferece, mas, sim, que saibais o que é que vós mesmos estais buscando. Se sabeis com clareza o que estais buscando, encontrareis então um instrutor que vos oferecerá tal coisa. Se buscais a paz, encontrareis um instrutor que vos oferecerá a paz. Mas isso que buscais pode não ser verdadeiro, em absoluto. Compreendeis? Posso desejar uma felicidade perfeita, o que significa um inalterável estado de espírito, em que haverá tranquilidade completa, sem conflito, sem dores, sem indagação, sem dúvidas; assim sendo, ponho-me a praticar certa disciplina oferecida por algum instrutor, e tal disciplina poderá produzir seu resultado próprio, ao qual chamo "paz". Eu obteria o mesmo efeito se tomasse narcótico, uma pílula; mas tal proceder não é respeitável, e o outro é (risos). Por favor, senhores, isto não é coisa para rir, pois é o que de fato estamos fazendo. 

Pois bem, aquilo que buscais, achareis, se estais dispostos a pagar seu preço. Se vos colocais nas mãos de outro, se seguis alguma autoridade, alguma disciplina, se vos controlais, descobrireis o que desejais, o que significa que vosso desejo está ditando a vossa busca; mas o que realmente acontece é que não estais cônscios dos fatores que vos estão impelindo à busca, e vindes perguntar a mim qual é a minha posição e como podeis saber se o que estou dizendo é verdadeiro ou falso. Depois de terdes estado com vários instrutores, de terdes sido iludidos, de vos terdes queimado, vindes agora experimentar mais este. Mas eu não vos estou dando instrução nenhuma, absolutamente nenhuma. O que estou dizendo é só que conheçais a vós mesmos, mais e mais profundamente, que vos vejais exatamente como sois; e isso ninguém vos pode mostrar. Mas não vos podeis ver exatamente como sois, se estais acorrentado por crenças, por dogmas, por superstições, por temores. 

Senhores, para a mente incapaz de "estar só", a busca nenhuma significação pode ter. "Estar só" é ser incorruptível, simples, livre de toda tradição, todo dogma, toda opinião, do que outro diz, etc. etc. Essa mente não busca, porque nada há que buscar; sendo livre, ela é serena, sem desejos, imóvel. Mas, tal estado não pode ser alcançado, não é uma coisa que se compra com disciplina; ele não se manifesta pelo fato de abandonardes as atividades sexuais ou de praticardes uma certa ioga. Só se manifesta quando se tem a compreensão dos movimentos do "eu", do "ego", que se revela pela mente consciente nas atividades de cada dia, bem como no inconsciente. O importante é compreendermos por nós mesmos, e não sob a orientação de outros, todo o conteúdo de nossa consciência, que está condicionada, que é o resultado da sociedade, da religião, de choques vários, impressões, memórias — compreendermos todo esse condicionamento e nos libertarmos dele. Mas, não há "como" ser livre. Se perguntais como podeis ser livre, mão me estais escutando verdadeiramente. 

Suponhais, por exemplo, que eu vos diga que a mente tem de ser totalmente "descondicionada". Ora, como é que escutais uma declaração dessa ordem? Com que atenção a escutais? Se, como espero, estais observando a vossa própria mente, percebereis que estais dizendo, interiormente: "Que coisa impossível!", ou "isto é irrealizável", ou "O condicionamento só pode ser modificado", etc. Por outras palavras, não estais escutando atentamente aquela declaração, mas lhe estais opondo vossas próprias opiniões, vossas próprias conclusões, vossos próprios conhecimentos; por conseguinte, não há atenção nenhuma. 

O fato é que a mente está condicionada, seja como comunista, seja como católica, protestante, hinduísta, etc e, ou não estamos cônscios desse condicionamento, ou o aceitamos, ou, ainda, tentamos alterá-lo, enobrecê-lo, mudá-lo; mas nunca fazemos a pergunta: Pode a mente ficar totalmente livre de condicionamento? Antes de poderdes fazer a pergunta a vós mesmo, com toda a atenção, precisais estar cônscio de que a vossa mente está condicionada, como é bem óbvio que está. Compreendeis o que entendo por "condicionamento"? Não me refiro ao condicionamento superficial da linguagem, dos gestos, dos costumes, etc; estou falando do condicionamento num sentido muito mais profundo e fundamental. A mente está condicionada quando é ambiciosa, não só mundanamente, mas também ambiciosa de se tornar espiritual. Todo esse esforço de auto-melhoramento resulta de condicionamento; e pode a mente ficar totalmente livre de tal condicionamento? Se de fato fizerdes esta pergunta a vós mesmo, com muita atenção, não deixareis de encontrar a resposta correta, e esta resposta não é que isto é possível ou impossível, pois o que ocorre é uma coisa completamente diferente. 

Por conseguinte, é importante verificar como escutamos a estas palestras. Se não prestais atenção, asseguro-vos que é pura perda de tempo virdes aqui todos os fins de semana. Pode ser agradável vir de carro a Ojai, mas aqui faz calor. Mas, se sois capaz de prestar atenção direta ao que se diz — o que significa que não vos lembreis de nada que lestes, que não ponhais opinião contra opinião, que não tomeis notas, dizendo "Refletirei sobre isto posteriormente" — e, sim, que façais a vós mesmo a pergunta em apreço, imediatamente, enquanto estais escutando — então, essa própria existência de atenção fará vir a resposta correta.

Krishnamurti - Realização sem esforço, pág. 26 à 29
Ojai, Califórnia, USA -  7 de agosto de 1955  

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Que significa "estar só"?

Em primeiro lugar, estamos sós alguma vez? Você costuma passear a só no bosque? Se o faz, está só? Fisicamente, pode estar só, mas na verdade não está só, porque está acompanhado de todas as lembranças, todos os seus conflitos, todas as suas preocupações; porque você é o passado. Você só está só quando o passado desapareceu de todo, quando não há família, quando não há deuses feitos pelo pensamento, quando você não está sendo perseguido por lembranças. Só então você está só. E só essa solidão é capaz de ver. Porque só ela é inocente. Só os inocentes podem ver a plena beleza da vida.

(...) O espaço e o silêncio são necessários, porque é quando a mente está , livre de influências, de conhecimentos, de seus milhares de experiências, e já não está funcionando no limitado e insignificante campo de sua monótona existência de cada dia — é apenas quando a mente está livre de tudo isso, , em silêncio, que ela é capaz de descobrir ou de encontrar uma coisa totalmente nova.

(...) É possível á nossa mente, tão fortemente condicionada que está, libertar-se e ficar só, intacta? — libertar-se, não só do moderno condicionamento tecnológico, mas também do fundo racial e cultural em que tão obviamente foi condicionada, dos dois ou três milhões de anos de profundo condicionamento que a humanidade já viveu? Somos o resultado de tantas influências, de tantas experiências, de tantos temores e ansiedades, que não podemos deixar de perguntar: Pode essa mente, sob esse enorme peso de condicionamento, libertar-se e ficar só, intacta?

(...) Como pode a mente, que está sempre tão ativa, ativa em seu interesse próprio, em suas ocupações egocêntricas, como pode essa mente ficar quieta? Compreende? Ela tem de ficar quieta, porque é só quando a mente está tranquila que se pode descobrir alguma coisa nova.

(...) o silêncio é absolutamente necessário para descobrirmos, compreendermos e transcendermos as nossas limitações psicológicas. Como é possível isso à mente que está sempre tão ativa, egocentricamente? Esse é um problema que sempre desafiou o homem.

(...) Pode-se tentar quietar a mente, disciplinando-a, controlando-a, moldando-a, mas tal tortura não a torna quieta; pelo contrário, torna-a mais embotada. É, pois, evidente que nem o controle, nem o cultivo de um ideal para ter uma mente quieta, tem algum valor, porque, quanto mais controlamos a mente, quanto mais a forçamos, tanto mais estreita, tanto mais estacionária e embotada a tornamos.(1)

Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe "motivo" algum. A própria jornada representa o "motivo", e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo - e não os reformadores sociais, os "beneméritos", os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Estes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitores. O "homem da paz" é aquele que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade - ou como quiserem chamá-lo - não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.(2)

Um homem nunca indaga por que razão depende psicologicamente de outrem. Se examinar bem isso, verá o quanto é infeliz. Você não sabe o que fazer com essa solidão, esse isolamento, que é uma forma de suicídio. E, assim, não sabendo o que fazer, você depende. Essa dependência proporciona consolação, uma relação de companheirismo, mas, se esse companheirismo se altera ligeiramente, você fica enciumado, furioso.(3)

Só a mente que está completamente só pode achar a realidade. E existe uma realidade - não uma realidade teórica, não uma certa coisa inventada pelos cristãos ou pelos hinduístas ou experimentada por uns poucos santos, conforme o peculiar condicionamento de cada um, porém uma realidade, uma imensidade que só pode ser descoberta pela mente que percebeu seus próprios movimentos e compreendeu a si própria.(4)

Já alguma vez você esteve só, sentiu o que significa “estar só”? Provavelmente nunca, porque você está rodeado de sua família, está sempre ocupado, em seu emprego, a ler um livro, a escutar o rádio e na incessante tagarelice dos jornais. Assim, provavelmente, nunca conheceu o estranho sentimento de completo isolamento. Ocasionalmente, pode ter tido sugestões dele, mas, é provável que nunca tenha estado em contato direto com ele, como com a dor, com a fome, com o sexo. Entretanto, se não compreender essa solidão que é a causa do medo, nunca compreenderá o medo e dele se libertará.(5)

Eu não sei se você alguma vez esteve isolado, quando de repente percebe que não tem nenhuma relação com qualquer pessoa – não um percebimento intelectual, mas uma percepção real... que você está completamente afastado. Toda forma de pensamento e emoção está bloqueada, você não pode se virar para lugar algum, não existe ninguém para lhe apoiar, os deuses, os anjos, esconderam-se além das nuvens e, como desaparecem as nuvens, eles também se foram, você está completamente abandonado – não usarei a palavra só. Solidão tem um significado muito diferente, a solidão tem beleza. Estar só significa algo diferente. E você deve estar só. Quando o homem se livra da estrutura social da ganância, inveja, ambição, arrogância, acumulação, prestígio social – quando ele mesmo se livra disso, ele se encontra completamente só. Isto é totalmente diferente! Existe então grande beleza, a percepção de grande energia.(6)

A maioria de nós nunca está só. Você pode se retirar nas montanhas e viver como um monge, mas enquanto fisicamente independente, você terá consigo todas as suas idéias, suas experiências, suas tradições, seu conhecimento do que foi. O monge cristão em uma cela do mosteiro não está só, ele está com o seu conceito de Jesus, com a sua teologia, com as crenças e os dogmas do seu condicionamento pessoal. Do mesmo modo, o sannyasi na Índia, que se retira do mundo e vive em isolamento, não está só, porque também ele vive com as suas memórias. Eu estou falando de uma solidão na qual a mente é totalmente livre do passado, e só tal mente é virtuosa, pois apenas na solidão existe inocência. Talvez você diga, "Isso é pedir muito, uma pessoa não pode viver assim neste mundo caótico, onde tem de ir ao escritório todo dia, ganhar o sustento, suportar as crianças, agüentar as impertinências da esposa ou do marido, e tudo o mais". Mas eu penso que o que está sendo dito está diretamente relacionado à vida diária e ação, caso contrário, não tem nenhum valor. Você vê, desta solidão surge uma virtude que é vigorosa e que traz um senso extraordinário de pureza e bondade. Não importa se a pessoa comete erros, isso é de muito pouca importância. O que importa é ter esta percepção de estar completamente só, incontaminado, pois é tão somente uma mente assim pode conhecer ou pode estar atenta ao que está além da palavra, além do nome, além de todas as projeções da imaginação.(7)

Estar só, sem se retirar da sociedade, sem se tornar eremita, é um estado extraordinário. A pessoa está só porque compreendeu a influência, a autoridade. Compreendeu inteiramente a questão da memória, do condicionamento e, (…) torna-se existente uma solidão inatingível pela influência. E você não tem idéia de quanta beleza há nessa solidão, e que extraordinário sentimento de virtude, que é vitalidade, virilidade, força. Mas isso requer imensa compreensão de todo o nosso condicionamento.(8)

Requer isso (…) estejamos livres de toda autoridade; que não estejamos a seguir, a imitar, a ajustar-nos interiormente. (…) Nós cedemos, ajustamo-nos, aceitamos, por que, profundamente, temos medo de ser diferentes, de estar sozinhos, de investigar. Interiormente, queremos, sentir-nos em segurança, (…) ser bem sucedidos, (…) estar do lado certo. Por conseguinte, criamos várias formas de autoridade, (…) padrões de pensamento, tornando-nos assim seres imitativos, ajustando-nos exteriormente.(9) 

Esse “estar só”, esse “desprendimento”, não é de modo nenhum contrário às nossas relações com a coletividade. Se somos capazes de “estar sós”, é bem provável, então, que possamos ajudar a coletividade. Mas se somos apenas uma parte do corpo coletivo, é bem óbvio que só seremos capazes de fazer reformas, (…) alterações no padrão da coletividade. Ser verdadeiramente individual é estar completamente fora da coletividade (…) Um indivíduo assim é capaz de realizar uma transformação no coletivo.(10)

Tendo medo, necessitamos de guias, autoridades, escrituras, salvadores (…) - com o que tornamos a mente incapaz de descobrir alguma coisa sozinha. E nós precisamos estar sós, para descobrirmos o que é verdadeiro. (…) Porque a Verdade só pode ser descoberta pela mente que está só - não no sentido de solidão, isolamento.(11)

Porque o rejeitarmos todas as coisas que nos foram impostas, e abandonarmos as várias (…) crenças, equivale a rejeitarmos a sociedade, opormo-nos à sociedade (…) Aquele que está fora da sociedade, que já não está na sujeição da sociedade - só esse é capaz de descobrir o que é Deus, (…) a Verdade.(12)

Para acharmos por nós mesmos o que é verdadeiro, não devemos rejeitar toda e qualquer autoridade? Não devemos repudiar a autoridade do livro, (…) do sacerdote, (…) dos Mestres, dos Salvadores, dos vários instrutores religiosos, daqueles que praticam a ioga, etc? Isso, na verdade, significa que devemos ser capazes de estar sós, desamparados, sem dependermos de ninguém para nenhuma espécie de estímulo. Isso é como fazer uma viagem desacompanhado de um guia. Quando não tem guia, a mente precisa estar atenta, no mais alto grau, para toda forma de ilusão, e e só quando nos emancipamos completamente da idéia da autoridade, que estamos aptos a examinar-nos sem medo. É o medo que nos faz recorrer a outros, para sermos por eles guiados.(13)

O fato de você não ter encontrado refúgio pode ser sua salvação. Pelo medo que têm de ficarem sós, de se sentirem isoladas, certas pessoas dão para beber, outras para tomar drogas, enquanto muitas outras se lançam na política (…) Os que a evitam causam muito dano no mundo; são pessoas realmente nocivas, porquanto atribuem importância a coisas que não são da mais alta significação.(14)

Que entendemos por medo? Medo de quê? Medo de não ser? Medo do que você é? Medo de perder, de ter prejuízo? O medo, quer consciente quer inconsciente, não é abstrato: ele só existe em relação com alguma coisa. O que tememos é o estarmos inseguros (…) Isto é, tememos a solidão, (…) o ser nada, (…) o sentimento de completo desnudamento.(15)

Mas, quando vemos o que é a solidão, quando conhecemos o que significa estar só, sem fugir, temos então possibilidade de superá-la; porque estar só é inteiramente diferente de solidão. É necessário “estarmos sós”; mas hoje (…) nunca estamos sós. Não somos indivíduos, somos apenas um feixe de reações coletivas.(16)

Pois bem, para compreendermos o que é “estarmos sós”, precisamos compreender todo o processo do temor. A compreensão do temor traz, no fim, esse estado no qual nos vemos completamente vazios, (…) sós; isto é, ficais, frente a frente com uma solidão insaciável, impreenchível, da qual não há possibilidade de fuga. Você verá então que é possível superar a solidão - e, então, não existe nem esperança nem desesperança, porém um estado de solidão isento de temor.(17)

Mas, se há verdadeiro empenho (…) em descobrir a verdade, (…) ou Deus, temos (…) de nos libertar (…) de todos os nossos condicionamentos. Significa isso que precisamos ser capazes de estar totalmente sós e de encarar a verdade relativa ao que é, sem fuga.(18)

Se você experimentar isso, verá que a mente (…) disposta a examinar o seu próprio vazio, (…) totalmente, sem desejo de fuga - verá que essa mente se torna muito tranqüila, só, livre, criadora. (…) Esse estado pode ser (…) o Real.(19)

“Estar só” tem significação inteiramente diferente; tem beleza. Quando o homem se liberta da estrutura social - de avidez, inveja, ambição, arrogância, sucesso, posição - quando de tudo isso se liberta, está então completamente só. (…) Há então grande beleza, sentimento de grande energia.(20)

Senhores, para a mente incapaz de “estar só”, a busca nenhuma significação pode ter. “Estar só” é ser incorruptível, simples, livre de toda tradição, todo dogma, toda opinião, do que os outros dizem, etc., etc. Essa mente não busca, porque nada há que buscar; sendo livre, ela é serena, sem desejos, imóvel.(21)

Acho que (…) sabemos o que é solidão - esse medo extraordinário, essa ansiedade resultante do processo egocêntrico da mente. Você nunca teve, na vida, o sentimento de completo isolamento? (…) Vendo-nos sozinhos, queremos ser amados; sentimo-nos solitários, ligamos o rádio, vamos ao cinema, buscamos distrações (…) Não queremos fazer frente ao estado de solidão e escapamo-nos, pomo-nos em fuga daquela solidão. Buscamos companhias, (…) amor, (…) marido ou esposa, (…) etc.; pomo-nos, de alguma forma, na dependência de outrem, porque então não temos de enfrentar, dentro de nós mesmos, aquele estado de solidão, de vazio, em torno do “eu”.(22)

Agora, se você puder enfrentar o vazio, esse estado de isolamento de todas as relações, (…) enfrentá-lo sem fugir, (…) sem medo, sem fazer esforço algum para preenchê-lo ou alterá-lo, estará então só, num estado de completo abandono da sociedade; e esse “estar só” não é fuga à sociedade, (…) não necessita de reconhecimento por parte da sociedade.(23)

A sociedade é um “processo” de reconhecimento; sou reconhecido como santo, como escritor, (… ) homem bom (…) Tornando-se independente de tudo isso, a mente fica completamente só - não solitária, porém só.(24)

Não está mais sendo influenciada pela sociedade - está completamente dissociada de qualquer espécie de reconhecimento, e é capaz, portanto, de “estar só”. Ora, é necessário o “estar só”, para que a realidade tenha existência na nossa mente.(25)

Só a mente que está só, não corrompida, que é pura, (…) só essa mente é capaz de perceber o que é Deus, a Verdade. E essa possibilidade nos é dada apenas quando enfrentamos a solidão.(26)

Quando (…) a mente se deixa ficar em presença desse processo (…) egocêntrico, limitante, vazio, então esse próprio vazio lhe dá a oportunidade de “estar só”. A mente é então nova, única, pura; só nesse estado, a mente é capaz de receber o “eterno”.(27)

Não pode haver um imenso espaço para a mente funcionar, se ela não está inteiramente só. “Estar só” e “estar isolado” são, naturalmente, dois e diferentes estados. Sabemos muito bem o que é isolamento: esse estado em que nos vemos insulados, sem companheiros, sem relações, mesmo que estejamos cercados de nossa família e vivendo ativa e prosperamente. Apesar de tudo isso, manifesta-se um estranho sentimento de isolamento.(28)

Nunca estamos sós; estamos rodeados de pessoas e de nossos próprios pensamentos. Mesmo na ausência de pessoas, vemos as coisas através do crivo dos nossos pensamentos. Não há momento, ou o há muito raramente, de ausência do pensamento. Não sabemos o que é “estar só”, livre de toda associação, continuidade, palavra e imagem. Somos solitários, mas não sabemos o que significa “estar só”. A dor da solidão enche-nos o coração, e a mente é abafada com o medo. A solidão, esse profundo isolamento, é a sombra que nos entenebrece a vida.(29)

O “viver só” requer muita inteligência; (…) e ser ao mesmo tempo flexível (…) Viver só, sem as muralhas das satisfações egocêntricas, requer extrema vigilância; porque uma vida solitária favorece a indolência, hábitos confortantes (…) Uma vida solitária favorece o isolamento, e só os sábios podem viver sós, sem causarem mal a si próprios e a outros. (…) O retirar-se ou isolar-se, com o fim de achar, é pôr fim ao descobrimento. (…) Precisamos de uma solidão que não seja aquela em que a mente se fecha em torno de nós, mas a solidão da liberdade. O que está completo está sozinho, e o incompleto busca o caminho do isolamento.(30)

Verbalmente, você poderá concordar (…) Assim sendo, consciente ou inconscientemente, sua mente se rebela contra a idéia de ficar completamente só, a fim de descobrir. Estar completamente só é estar livre de contaminação pela sociedade - a sociedade, que é constituída de inveja, avidez, vaidade, desejo de poder e prestígio, ânsia das coisas mundanas e das chamadas extramundanas - e só essa mente está livre para investigar e descobrir a verdade ou a falsidade daquilo que a supera. Assim, o autoconhecimento é o começo da sabedoria.(31)

Não sei se você já experimentou o que é estar completamente só, sem nenhuma pressão, (…) motivo ou influência, sem a idéia do passado e do futuro. Estar inteiramente só é muito diferente do estado de solidão. Há solidão quando o “centro de acumulação” se sente isolado em suas relações com os outros. (…) Falo daquela solitude em que a mente não está contaminada, porque compreendeu o processo da contaminação, que é a acumulação. Quando a mente se acha de todo só porque, pelo autoconhecimento, compreendeu o “centro de acumulação”, vê-se então que, por estar vazia, não influenciada, ela é capaz de ação não relacionada com a ambição, a inveja ou com qualquer dos conflitos que conhecemos.(32)

Como você sabe, para a maioria de nós “estar só” é uma coisa terrível. Não me refiro aqui à solidão, que é coisa diferente. Refiro-me ao “estar só”: estar só com alguém ou com o mundo; estar só com um fato. Só, no sentido de que a mente não está sujeita a influências, já não se acha presa ao passado, nem tem futuro, nem busca, nem teme: está só. O que é puro está só; a mente que está só conhece o amor, porque já não se enreda nos problemas do conflito, do sofrimento e do preenchimento. Só essa mente é nova, (…) religiosa.(33)

Negar é estar só, livre da influência, da tradição, da carência psicológica, do apego, da dependência. Estar só é negar o condicionamento e o passado conteúdo da consciência. Observar sem discriminar e a renúncia ao condicionamento conduzem à solidão, que não é isolamento ou atividade egocêntrica. Tampouco significa fuga da existência. Pelo contrário, é a libertação total do sofrimento e do conflito, do medo e da morte. Essa solidão é a própria mutação da consciência, a completa transformação daquilo que foi. Ela é o vazio e a ausência do ser e do não-ser. A mente se renova, a cada instante, na chama desse vazio. Apenas à mente vulnerável é acessível o infinito, em que da destruição surge o novo, a criação e o amor.(34)

O homem deve ser só, mas esse “ser só” não é isolamento. Significa estar libertado do mundo da avidez, do ódio e da violência, de seus métodos sutis, e da dolorosa solidão e desespero humano. Estar só é estar “de fora”, não pertencer a nenhuma religião ou nação, a nenhuma crença ou dogma.

É essa solidão que alcança uma inocência completamente imune à maldade do homem. Só a inocência pode viver no mundo, com toda a desordem nele existente, e ao mesmo tempo não pertencer a ele. Ela não se reveste de galas especiais. A flor da bondade não se encontra ao longo de nenhum caminho, porque não há caminho para a Verdade.(35)

Esse estar só não é a dolorosa e temível solidão. É o recolhimento do ser, em si mesmo - um estado não corrompido, rico, completo. (…) O estar só é o expurgo de todos os motivos, todas as atividades do desejo, todos os fins. O estar só não é um produto final da mente. Não se pode desejar estar só. Tal desejo é meramente fuga à dor de se não poder comungar.(36)

A solidão, com seus temores e tormentos, é isolamento (…) Esse processo de isolamento, quer amplo, quer estreito, é gerador de confusão, conflito, sofrimento. Do isolamento nunca pode nascer o estar só; um tem de desaparecer, para que o outro possa existir. O estar só é indivisível, e o isolamento é separação. Aquilo que está só é flexível (…) Unicamente o que está só pode estar em comunhão com aquilo que é sem causa, o imensurável. Para o que está só, a vida é eterna; (…) não existe a morte.(37)

O homem que deseja realmente descobrir se há, ou não, um estado além da estrutura do tempo, deverá estar livre da civilização; (…) da “vontade coletiva”; deverá estar só.(38)

Pergunta: Você tem estado em retiro (…) Podemos saber se há nisso alguma significação?

Krishnamurti: Você não deseja, também, às vezes, recolher-se à quietude, para fazer um balanço das coisas, a fim de não se tornar simples máquina de repetição, um discursador, um explicador, um expositor?(39)

Julgo essencial que você entre, de vez em quando, em recolhimento, deixando tudo o que está fazendo, detendo por completo as suas crenças e experiências, e olhando-as de maneira nova, em vez de ficar a repetir, como máquinas, o que crê ou o que não crê. Você deixaría, assim, entrar ar fresco em sua mente (…) Isso significa que você tem de estar inseguro.(40)

Se vocês forem capazes de tanto, estarão abertos aos mistérios da natureza e para as coisas que sussurram ao redor de nós, (…) encontrarão o Deus que aguarda o momento de vir, a verdade que não pode ser chamada, mas vem por si mesma. Não estamos abertos ao amor e a outros processos mais delicados que se verificam dentro de nós, porque vivemos fechados em nossas ambições, (…) realizações, (…) desejos.(41)

Nesse retiro, não mergulhe noutra coisa qualquer, não abra livro algum, absorvendo-se em novos conhecimentos e novas aquisições. Rompe completamente com o passado, e verá o que acontece. Faça-o (…) e conhecerá o deleite. Descortinará as imensidões do amor, da compreensão, da liberdade. Quando seu coração está aberto, então é possível a vinda da realidade. (…) Eis por que é salutar entrarmos em retiro, recolher-nos e fazer parar a rotina - não só a rotina da existência exterior, mas também a rotina que a mente estabelece para sua própria segurança e conveniência.(42)

(1) A essência da maturidade
(2) Da solidão à Plenitude Humana
(3) Fora da Violência
(4) Experimente Um Novo Caminho
(5) Uma Nova Maneira de Agir
(6) O Livro da Vida
(7) O Livro da Vida
(8) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 138
(9) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 112
(10) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 112
(11) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 88-89
(12) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 89
(13) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 30
(14) Diálogos sobre a Vida, pág. 206
(15) Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 32
(16) Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 33
(17) Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 33
(18) Verdade Libertadora, pág. 24
(19) Verdade Libertadora, pág. 24-25
(20) A Suprema Realização, pág. 63
(21) Realização sem Esforço, pág. 28
(22) Visão da Realidade, pág. 181-182
(23) Visão da Realidade, pág. 182-183
(24) Visão da Realidade, pág. 183
(25) Visão da Realidade, pág. 183
(26) Visão da Realidade, pág. 183
(27) Visão da Realidade, pág. 183
(28) O Descobrimento do Amor, pág. 129
(29) Reflexões sobre a Vida, pág. 98-99
(30) Reflexões sobre a Vida, pág. 114
(31) O Homem Livre, pág. 76
(32) O Homem Livre, pág. 168
(33) O Passo Decisivo, pág. 115
(34) Diário de Krishnamurti, pág. 92
(35) A Outra Margem do Caminho, pág. 45-46
(36) Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 15-16
(37) Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 16
(38) A Cultura e o Problema Humano, pág. 45
(39) Quando o Pensamento Cessa, pág.19
(40) Quando o Pensamento Cessa, pág.20
(41) Quando o Pensamento Cessa, pág. 20
(42) Quando o Pensamento Cessa, pág. 20-21
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill