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terça-feira, 17 de julho de 2018

Qual a qualidade do seu mundo?


sábado, 28 de março de 2015

A liberdade para comandar a vida à sua própria maneira

À medida que desenvolve mais inteligência e percepções mais sutis, ele deixa de ser mero fantoche convencional e se transforma, finalmente, numa pessoa real.

Se o que busca não encontra ninguém em suas relações, contatos ou sociedade próximo o bastante de seu nível de interesses espirituais, deve aceitar sua solidão, pois escolheu afastar-se da preocupação comum. Porque, para ser um filósofo atuante, o homem deve seguir seu próprio caminho. Essa exigência de individualidade requer coragem e sabedoria. Se lhe faltar conhecimento superior, percepção intuitiva e intelecto — cuja combinação é sabedoria — deverá então procurar desenvolvê-los, e isso exige trabalho. No meio tempo, pode obter ajuda de guias pessoais e livros superiores. Sem sabedoria, ou, ao menos, sem um esforço genuíno em direção a ela, sua trajetória será mal estabelecida, e ele pode chegar ao desastre.

Afastar-se da vida comunitária sectária e caminhar sozinho requer qualidades que só uns poucos possuem. Há, nessa vida, segurança, conforto, apoio moral e material. Para ser capaz de abandonar essas coisas o homem deve ter um forte anseio anterior, assim como uma percepção clara e permanente do significado da filosofia.

O fraco não pode trilhar esse caminho. O homem precisa de força para seguir o que sua intuição profunda lhe diz para seguir, principalmente quando isso se afasta do supostamente racional e do socialmente convencional. Se sua atitude ou ação defronta-se com a crítica ou com a oposição, o que isso significa para ele? Não lhe cabe responder pelo que as outras pessoas pensam a seu respeito. Isso é de responsabilidade delas. Cabe-lhe responder apenas por aquilo que ele mesmo pensa ou faz.

Apenas o homem que tem a paixão de chegar à certeza da verdade, que tem a coragem de sustentar pontos de vista não-ortodoxos e de chegar a conclusões independentes, que vive num clima de pensamento original, e para quem a acusação de heresia não é acusação alguma, está apto a encontrar o caminho da verdade.

Seu dever é agir como pioneiros; mas, para serem pioneiros bem-sucedidos, precisam de coragem para esquecer ideias gastas e libertar-se de tradições moribundas, para ficar à altura das novas condições que estão surgindo. Nesse sentido, a sugestão de que seria também um dever cooperar com movimentos espirituais existentes seria aceitável se fosse praticável; mas a experiência mostrará que a maioria desses movimentos é incapaz de penetrar aquela profunda unidade de corações, a única que pode garantir o êxito de qualquer união externa. Tal plano terminaria em fracasso, e é melhor que elas sigam o seu caminho independente, do que desperdicem tempo e energia tentando o que não pode ser conseguido e não é realmente necessário.

A liberdade para comandar a vida à sua própria maneira é conquistada apenas quando ele consegue o destemor de desconsiderar a crítica e ignorar as expectativas de outras pessoas.

O que queremos dizer é que o homem moderno tem que se tornar mais auto-confiante, tem que jogar fora os restos da consciência tribal que ainda o regem, tem que aprender a pensar por si mesmo.
Seu desejo de expressar personalidade, caráter e pontos de vista individuais deve ser respeitado desde que não os tente impor aos demais de maneira agressiva ou tirânica.

Não é necessário ser grosseiro ou irritável para ser um individualista. Pode-se ser afável, bem-humorado, educado e gentil — e até mesmo radiante de boa vontade. É toda uma questão de equilíbrio interior.

Ele deve recusar-se a violar sua integridade intelectual ou a sacrificar sua independência espiritual.

Se ele é incapaz de continuar nesse busca sem a associação, o encorajamento ou a simpatia de outros que também a seguem, então é melhor não a iniciar, pois é óbvio que ainda não está preparado para ela e não sabe apreciar suficientemente seus valores.

Ele deve tentar manter sua vida em suas mãos se quer mantê-la livre das influências que afastariam os ideais que ele se propôs, especialmente, a seguir. Se ele dá valor à liberdade, deve recusar-se a se colocar numa posição em que seja obrigado a fazer eco aos pontos de vista daqueles que não compartilham de suas ideias. Pode ter que escolher entre as provações de uma independência resoluta e as tentações de uma segurança debilitante.

É preciso força mental ou poder mental para recusar o apoio gregário da massa — seja ela uma igreja sectária, um grupo místico ou alguma outra combinação. É preciso fé em si mesmo e coragem para resistir à influência dos outros e ser um indivíduo.

Ele não pode adequar-se mentalmente a nenhuma das categorias aceitas, que a sociedade local e de seu tempo fornece, e então um caminho independente e solitário o atrai. Fisicamente, pode fazer um acordo incômodo com a sociedade, de forma que ambos se beneficiem de serviços mútuos. Assim, sem cometer violência contra seus princípios mais importantes, ele pode descobrir uma maneira de viver entre os que não veem nenhuma utilidade neles.


Paul Brunton

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Vitória pela Auto-Suficiência

Quem pouco fala, encontra atitude certa
Em todos os acontecimentos.
Não desespera quando rugem tufões,
Porque sabem que não tardam a passar;
Sabem que um chuveiro não dura o dia todo,
É produzido pelo céu e pela terra.
Se tudo é tão inconstante,
Como não o seria o homem?
Por isto o que importa
É a atitude interna,
Isto é : adaptar-se em silêncio
A todos os acontecimentos.
Quem harmoniza os seus atos
Com o Tao da Realidade
Se torna um com ele.
Quem, no seu agir, é determinado
Por seu próprio ego,
Identifica-se com o ego.
Quem identifica o seu agir com coisa qualquer,
É identificado com esta coisa.
Quem sintoniza com a alma do Infinito,
Se assemelha em tudo ao Infinito.
E quem assim se harmoniza com o Infinito,
Recebe os benefícios do Infinito.
Tanta confiança recebe cada um,
Quanta confiança ele der.

........................

Aqui é enunciado o antiquíssimo princípio hermético: o homem só pode receber algo na medida em que dá. O receber na vertical é diretamente proporcional ao dar horizontal. A receptividade é proporcional à datividade. O segredo de enriquecer não está no receber, mas sim no dar. As águas da Fonte Cósmica só enchem os canais humanos na medida em que estes se esvaziam. 

Lao Tsé - Tao Te King

sábado, 1 de junho de 2013

Temos de ser nossa própria luz

Uma consciência e uma moralidade totalmente novas são necessárias para realizar uma mudança radical na cultura de hoje e na estrutura social. Isto é evidente, embora à esquerda, direita e os revolucionários pareçam desconsiderar esse fato. Qualquer dogma, qualquer formula, qualquer ideologia é parte da antiga consciência; são invencionices do pensamento cuja atividade está fragmentada - a esquerda, a direita e o centro. Esta atividade irá conduzir inevitavelmente ao derramamento de sangue dos da esquerda, a direita ou do totalitarismo. É o que vem acontecendo a nossa volta! Percebemos a necessidade de uma mudança social, econômica moral, porém a resposta nos vem da antiga consciência, sendo a reflexão a personagem principal A balburdia, a confusão e o sofrimento pelo qual o ser humano está passando encontram-se na dimensão da antiga consciência, e sem uma mudança profunda, qualquer atividade humana, seja política, econômica ou religiosa, só nos conduzirá a nossa própria destruição e a da Terra. Isto é obviamente claro!

Temos de ser nossa própria luz; esta luz é a lei! Não existe outra lei. Todas as outras leis são produtos do pensamento e, portanto, fragmentadas e contraditórias. Ser nossa própria luz não é seguir a luz de outrem, por mais racional, lógica, interessante e até convincente que possa ser. Não podemos ser nossa própria luz se estamos nas trevas da autoridade, do dogma e da decisão. A moralidade não se origina no pensamento; não é resultado da pressão da meio ambiente, não está na tradição. A moralidade é filha do amor, e o amor não é desejo nem gozo. O prazer sexual ou sensorial não é amor. 

Liberdade é sermos nossa própria luz; então, não é algo abstrato, algo que surge do pensamento como que por encanto. A verdadeira liberdade é ser livre da dependência, do apego, do anseio pela experiência. Ser livre da própria estrutura do pensamento e sermos nossa própria luz. Nessa luz toda, a ação se realiza e, assim, não se torna contraditória. A contradição só existe quando a luz está separada da ação, quando a personagem está separada da ação. O ideal, o principio, é movimento estéril do pensamento e não pode coexistir com a luz, pois um é a negação do outro. Essa luz e esse amor não podem estar onde se encontra o observador. A estrutura do observador é produto do pensamento, que nunca é novo, nunca é livre. Não há nenhum "como", nenhum sistema, nenhuma experiência. Existe apenas a observação do que está sendo feito. Temos de ver por nós mesmos, não através dos olhos do outro. Esta luz e esta lei não são suas nem de ninguém. Só há uma luz. Isto é o amor!

Krishnamurti - 24 de setembro de 1973

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Onde há o seguir, há medo


Para compreenderem a causa da autoridade, precisam seguir o processo mental e emocional que a cria.
Para mim, o homem que está limitado por uma lei externa ou interna está confinado numa prisão, está preso numa ilusão. Desse modo, tal homem não pode compreender a ação espontânea, natural e sã.
(...)
Se um homem deseja obedecer e seguir a um outro, ninguém o pode impedir; porém é o superlativo da falta de inteligência e leva a grande infelicidade e frustração.

Se aqueles de vocês que estão me ouvindo, começarem a pensar real e profundamente a respeito da autoridade, não mais seguirão a ninguém, inclusive a mim mesmo. Como disse, porém, é muito mais fácil seguir e imitar do que, realmente, libertar o pensamento da limitação do medo, e bem assim, da compulsão e da autoridade. Admitir a autoridade é se abandonar à influência de outro, o que implica sempre o propósito, o desejo de se obter algo em retorno; ao passo que na outra há absoluta insegurança; e como as pessoas preferem a ilusão do conforto, da segurança, seguem a autoridade com sua frustração. Se, porém, a mente discerne a ilusão de conforto ou da segurança, nasce a inteligência, o desconhecido, a essência da vida.
(...)
O seguir a outrem não é aconselhável, nem tão pouco o é a aceitação da autoridade, pois que nestas coisas há medo; e o medo destrói todo o discernimento.
(...)
Quase todas as pessoas são inconscientes tanto da inteligência como da estupidez que a cerca. Porém, como poderá cada indivíduo averiguar o que é estupidez e o que é inteligência, se seu pensamento e ação estão baseados no medo e na autoridade? Individualmente, temos de nos tornar percebidos, conscientes dessas condições de limitadoras.
(...)
Por meio da ansiedade, do desejo, gera-se o medo, e deste surge a busca de conforto e segurança, encontrados na autoridade da experiência.
(...)
Esta autoridade em suas várias formas sustenta o processo do "eu", que se baseia no medo.

Considerai os pensamentos, atividades e a natureza da moral de vocês, e verão que estão baseados no medo que se quer proteger a si próprio com suas autoridades sutis e confortadoras. Deste modo, a ação nascida do medo está sempre limitando a si própria e, portanto, esse processo do "eu" é mantenedor de si mesmo, por meio de suas atividades desejantes.
(...)
Se a autoridade deve existir ou não, na escola ou na família, é coisa que terá resposta, quando vocês próprios compreenderem o inteiro significado da autoridade.

O que eu entendo por autoridade é a conformação, pelo medo, a um molde particular, seja o padrão do ambiente, o da tradição, o do ideal ou o da memória. Tomai a religião tal qual ela é. Nela observam que, por meio da fé e da crença, o homem foi aprisionado numa prisão de autoridade, porque cada um está buscando a sua própria segurança, através daquilo que ele chama imortalidade. Isto nada mais é que egoísta ânsia de continuidade, e o homem que afirma existir a imortalidade proporciona uma garantia à sua segurança.

Assim, gradualmente, por meio do medo, ele chega a aceitar a autoridade, a autoridade das ameaças religiosas, dos temores, das superstições, das esperanças e das crenças. Ou então, rejeita as autoridades externas e desenvolve os seus próprios ideias pessoais, que se tornam autoridades próprias, apegando-se a elas, na esperança de não ser ferido pela vida. Assim, a autoridade torna-se um meio de própria defesa contra a vida, contra a inteligência.

Krishnamurti — O medo — 1946 — ICK

terça-feira, 12 de março de 2013

A autoridade espiritual impede a busca da verdade

Pergunta: Todos nós, os teosofistas, estamos fundamentalmente interessados na Verdade e no Amor, tanto como vós estais. Não podíeis ter ficado na nossa Sociedade, ajudando-nos, em vez vos separardes de nós e fazer-nos acusações?

Krishnamurti: Em primeiro lugar, muitos de vós estais achando isso divertido; outros estão um tanto ou quanto agitados, outros apreensivos. Não o estais sentindo? Vamos investigar.

Fundamentalmente, estamos, vós e eu, procurando a mesma coisa? Pode-se procurar a verdade no seio de uma organização qualquer? Podeis colocar um rótulo em vós mesmos, e procurar a verdade? Podeis ser hinduísta e dizer "Estou procurando a verdade"? Porque, então, o que estais procurando não é a verdade, mas a confirmação de uma crença. Podeis pertencer a qualquer organização, a qualquer grupo espiritual, e procurar a verdade? Pode-se achar a verdade coletivamente? Conheceis o amor, quando credes? Não sabeis que quando credes fortemente numa coisa e eu creio no contrário, não existe amor entre nós? Quando credes em certos princípios hierárquicos e em certas autoridades, e eu não creio, pensais que existe comunhão entre nós? Quando toda estrutura do vosso pensar é o futuro, o vir-a-ser por meio da virtude, quando ides ser alguém no futuro, quando o processo do vosso pensar está baseado na autoridade e em princípios hierárquicos, pensais que existe amor entre nós? Podeis servir-vos de mim, por conveniência, e eu servir-vos de vós, por conveniência. Mas isso não é amor. Vejamos com clareza. Não vos agiteis a respeito destas questões. Não as compreendereis, se vos agitais por causa delas.

Para descobrir se realmente estais em busca da verdade e do amor, deveis investigar, não achais? Se investigásseis, se descobrísseis, interiormente, e, portanto, agísseis exteriormente, que aconteceria? Ficaríeis fora (da vossa sociedade) não é verdade? Se duvidásseis de vossas crenças, não estaríeis de fora? — Enquanto houver sociedades e organizações, — as chamadas organizações espirituais, com direitos adquiridos", na propriedade, na crença, no saber — as pessoas a elas pertencentes, evidentemente não estão em busca da verdade. Podem dizer que estão. Cabe-vos, pois, averiguar se estamos fundamentalmente, buscando a mesma coisa. Podeis ver a verdade por intermédio de um Mestre, por intermédio de um guru? Pensai bem nisso, senhores. É problema vosso. Pode-se descobrir a verdade por intermédio do Mestre, do discípulo, do guru? Que podem eles dizer-vos, fundamentalmente? Só podem aconselhar-vos a dissolver o "eu". Estais fazendo isso? Se não estais, então, evidentemente, não estais procurando a verdade. Não sou eu que vos estou dizendo que não estais procurando a verdade, mas o fato é que se dizeis: "Vou ser alguém", se ocupais uma posição de autoridade espiritual, não podeis estar em busca da verdade. Sou muito claro, a respeito desses assuntos e não procurando persuadir-vos a aceitar ou rejeitar — o que seria estupidez. Não posso fazer-vos acusações, como diz o interrogante. Apesar de me ouvir há vinte anos, continuais com as vossas crenças; porque é uma coisa muito reconfortante sabermos que temos quem cuide de nós, que temos mensageiros especiais para o futuro, que ides ser algo belo, agora, no final dos tempos. Assim continuareis, porque tendes os vossos "direitos adquiridos", em vossa propriedade, vosso emprego, crença, saber. Não duvidais deles. A mesma coisa acontece no mundo inteiro. Não é só este ou aquele grupo de indivíduos, mas todos os grupos — católicos, protestantes, comunistas, capitalistas — se acham nas mesmas condições. Todos têm os seus direitos adquiridos. O homem que é deveras revolucionário, que interiormente está percebendo a verdade sobre todas essas coisas, esse homem achará a verdade. Saberá o que é o amor, não numa data futura, porque isso nenhum valor tem. Quando um homem tem fome, quer comer agora e não amanhã. Mas vós tendes cômodas teorias, sobre o tempo, sobre o correr do tempo, a que estais presos. Por conseguinte, onde há ligação, onde há relação entre vós e mim, ou entre vós e aquilo que estais tentando descobrir? E, no entanto, todos falais de amor, de fraternidade, e tudo o que fazeis é o contrário. É um fato evidente, senhores, que no momento em que há organização, há necessariamente intrigas para a conquista de postos, de autoridade; conheceis muito bem tudo isso.

Assim, o necessário não é que eu vos acuse ou que vós me acuseis e me expulseis. O problema não é este. É claro que tendes de repelir um homem que vos diz que o que credes, o que fazeis é errado; ou, interiormente, deveríeis fazê-lo, porque eu digo que me oponho aquilo que desejais. Se realmente desejais procurar, se realmente desejais achar a verdade e o amor, deve haver uma unidade de propósitos, abandono completo de todos os vossos direitos adquiridos; o que significa que deveis ficar interiormente vazios, pobres, sem estar buscando, sem estar conquistando posições de autoridade, como expoentes ou portadores de mensagens dos Mestres. Precisais estar despojados de tudo. Como, entretanto, não desejais isso, naturalmente adquiris rótulos, crenças e várias formas de segurança. Senhores, não rejeiteis o que digo; averiguai se de fato estais — como dizeis — fundamentalmente em busca da verdade. Tenho minhas dúvidas. Duvido, realmente, quando vos ouço dizer "estou em busca da verdade". Não podeis procurar a verdade, porque a vossa busca é uma projeção de vós mesmos, de vossos próprios desejos; vosso "experimentar" dessa projeção é uma experiência que desejais. Mas quando não estais a buscar, quando a mente se acha quieta e serena, sem nenhum desejo, nenhum motivo, nenhuma compulsão, vereis então que vem o êxtase. Para que o êxtase venha, precisais estar despojados de tudo, vazios, sós. A maioria das pessoas ingressa em tais organizações porque são gregárias, porque elas são grêmios e o ingressar em grêmios tem suas vantagens, socialmente falando. Pensais que ides achar a verdade, enquanto estais em busca de conforto, de satisfação, de segurança social? Não, senhores; deveis ficar sós, sem arrimo algum, sem amigos, sem guru, sem esperança, de todos desnudos, e vazios, interiormente. Só então, assim como se pode encher uma taça vazia, pode o vazio interior encher-se com aquilo que é eterno.

Krishnamurti — 20 de janeiro de 1952
Quando o pensamento cessa - ICK  

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Nem fácil nem difícil, só natural

O amor é um estado natural da consciência. Não é nem fácil nem difícil, essas palavras de forma nenhuma se aplicam a ele. Ele não é um esforço; por isso não pode ser fácil nem pode ser difícil.

É como respirar! É como as batidas do coração, é como o sangue circulando no nosso corpo.

O amor é o nosso próprio ser... mas esse amor ficou quase impossível. A sociedade não o permite. A sociedade condiciona você de tal forma que o amor fica impossível e o ódio passa a ser a única coisa possível.

Então o ódio é fácil, e o amor não só é difícil como impossível.

O homem tem sido deturpado. Ele não pode ser reduzido à escravidão se não for primeiro deturpado. Os políticos e os padres têm participado de uma profunda conspiração ao longo das eras. Eles têm reduzido a humanidade a uma multidão de escravos.

Estão destruindo qualquer possibilidade de rebelião no homem — e o amor é uma rebelião, porque o amor ouve só o coração e não dá a mínima para o resto.

O amor é perigoso porque ele faz de você um indivíduo. E o Estado e a Igreja... eles não querem indivíduos, de jeito nenhum. Não querem seres humanos, querem ovelhas. Querem pessoas que só pareçam seres humanos, mas cuja alma tenha sido esmagada de tal maneira, tenha sido danificada a tal ponto, que o estrago pareça quase irremediável.

E a melhor maneira de destruir o homem é destruir sua espontaneidade de amar. Se o homem tiver amor, não poderá haver nações; as nações existem no ódio. Os indianos odeiam os paquistaneses e os paquistaneses odeiam os indianos — só assim esses dois países podem existir.

Se o amor surgir, as fronteiras vão desaparecer.

Se o amor surgir, então quem vai ser cristão e quem vai ser judeu? Se o amor surgir, as religiões desaparecerão. Se o amor surgir, quem irá ao templo? Para quê?

É porque está faltando amor que você sai em busca de Deus. Deus não é nada mais do que um substituto para o amor que está faltando. Como você não é bem-aventurado, não está em paz, não está em êxtase, você está em busca de Deus.

Se a sua vida é uma dança, Deus já está no seu coração. O coração amoroso está cheio de Deus. Não há necessidade de mais nenhuma busca, não há necessidade de mais nenhuma prece, não há necessidade de ir a templo nenhum, de procurar padre nenhum.

Por isso o padre e o político, esses dois, são inimigos da humanidade. Eles estão conspirando, pois o político quer governar seu corpo e o padre quer governar sua alma. E o segredo é o mesmo: destruir o amor. Então o homem passa a ser nada além de uma vacuidade, de um vazio, uma existência sem sentido.

Então você pode fazer o que quiser com a humanidade e ninguém se rebelará, ninguém terá coragem suficiente para se rebelar.

O amor dá coragem, o amor leva todo o medo embora — e os opressores dependem do seu medo. Eles criam medo em você, mil e um tipos de medo. Você fica cercado de medos, toda a sua psicologia é cheia de medos.

Lá no fundo você está tremendo. Só na superfície você mantém uma certa fachada; mas, dentro de você, existem camadas e camadas de medo.

Um homem cheio de medo só pode odiar — o ódio é uma consequência natural do medo. Um homem cheio de medo é também cheio de raiva, e um homem cheio de medo é mais contra a vida do que a favor dela. A morte parece um estado repousante para ele.

O homem temeroso é suicida, tem uma visão negativa da vida. A vida lhe parece perigosa, pois viver significa que você terá de amar — como você poderá viver?

Exatamente como o corpo precisa respirar para viver, a alma precisa de amor para viver. E o amor está definitivamente envenenado.

Envenenando a sua energia de amor, eles criaram uma cisão em você; criaram um inimigo dentro de você, dividiram-no em dois. Eles criaram uma guerra civil, e você está sempre em conflito. E, no conflito, sua energia é dissipada; por isso sua vida não tem sabor, alegria. Não transborda de energia; ela é sem graça, insípida, falta-lhe inteligência.

O amor aguça a inteligência, o medo a embota.

Quem quer que você seja inteligente? Não aqueles que estão no poder. Como eles podem querer que você seja inteligente? — porque, se for inteligente, você começará a ver toda a estratégia, os jogos que eles fazem. Eles querem que você seja burro e medíocre.

Certamente querem que você seja eficiente no que diz respeito ao trabalho, mas não inteligente; por isso a humanidade vive o seu potencial mínimo.

Osho, em "Coragem: O Prazer de Viver Perigosamente"

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A exposição de brilhantismo apenas cega

Pergunta: Em vez de dirigir-se a multidões heterogêneas em vários lugares e deslumbrá-las e confundi-las com seu brilhantismo e sutileza, por que não dá início a uma comunidade ou colônia e cria uma referência para seu modo de pensar? Você receia que isso nunca possa ser feito?

Krishnamurti: Senhor, brilhantismo e sutiliza deveriam ser sempre mantidos encobertos porque muita exposição de brilhantismo apenas cega. Não é minha intenção cegar ou demonstrar inteligência, isso é muito estúpido, mas quando a pessoa vê as coisas muito claramente não pode evitar de expô-las muito claramente. Você pode pensar que isto é brilhante e sutil. Para mim o que estou dizendo não é brilhante: é óbvio. Esse é um fato. O outro é, você quer que eu funde um 'ashram' ou uma comunidade. Ora, por quê? Por que quer que eu funde uma comunidade? Você diz que isso atuará como uma referência, ou seja, uma coisa que pode ser apontada como uma experiência bem sucedida. É isso que implica uma referência, não é? - uma comunidade onde todas estas coisas são levadas a cabo. É isso que você quer. Eu não quero fundar um 'ashram' ou comunidade, mas você quer. Ora, por que você quer tal comunidade? Eu lhe direi por quê. É muito interessante, não é? Você quer porque gostaria de juntar-se a outras pessoas e criar uma comunidade, mas não quer começar uma comunidade com você mesmo, quer alguma outra pessoa para fazê-lo, e quando estiver pronta, você se juntará a ela. Em outras palavras, senhor, você tem medo de começar por sua conta portanto quer uma referência. Ou seja, você quer uma coisa que lhe dará autoridade de um tipo que pode ser levada a cabo. Em outras palavras, você mesmo não é confiante e daí diz, “Funde uma comunidade e me juntarei a ela.”. Senhor, onde você está pode fundar uma comunidade mas só pode fundar a comunidade quando tiver confiança. O problema é que você não tem confiança. Por que você não é confiante? O que quero dizer com confiança? O homem que quer obter um resultado, que consegue o que quer, está cheio de confiança – o homem de negócios, o advogado, o policial, o general, todos são cheios de confiança. Ora, aqui você não tem confiança. Por que? Pela simples razão que você não experimentou. No momento em que experimentar isso, terá confiança. Ninguém mais pode lhe dar confiança. Nem livro, nem professor podem lhe dar confiança. Encorajamento não é confiança; o encorajamento é meramente superficial, infantil, imaturo. A confiança vem quando você experimenta e quando você experimenta com nacionalismo, com a mínima coisa, então experimentando terá confiança, porque sua mente estará viva, flexível; e então onde você estiver haverá um 'ashram', você mesmo fundará a comunidade. Está claro, não está? Você é mais importante que qualquer comunidade. Se você aderir a uma comunidade, será como você é – terá alguém para chefiá-lo, terá leis, regulamentos e disciplina, será um outro senhor Smith ou senhor Rao nesta comunidade desagradável. Você quer uma comunidade apenas quando quer ser dirigido, que lhe digam o que fazer. O homem que quer ser dirigido está cônscio de sua falta de confiança em si mesmo. Você pode ter confiança, não falando sobre autoconfiança, mas só quando você experimente, quando tenta. Senhor, a referência é você, então, experimente, quem quer que seja você, em qualquer nível de pensamento. Você é a única referência, não a comunidade; e quando a comunidade se torna a referência, você está perdido. Espero que haja muitas pessoas se juntando e experimentando, tendo completa confiança e portanto, ficando juntas, mas você sentar do lado de fora e dizer, “Por que você não forma uma comunidade para eu aderir?”, é obviamente uma pergunta tola.

J. Krishnamurti The Collected Works, Vol. V

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Podemos nos manter despertos, livres de toda dependência?

Pensamos ter necessidade de instrutores, de gurus, de guias, para sermos ajudados a conservar-nos despertos. E esta é provavelmente a razão da presença, aqui, da maioria de vós: desejais que um outro vos ajude a manter-vos despertos. Se alguém pode ajudar-vos a ficar desperto, ficais na dependência dessa pessoa, que se torna vosso instrutor, vosso guia, vosso líder. Ela poderá estar desperta — não sei — mas se estais dependendo dela, estais dormindo. (Risos). Por favor, não riais, porque o caso é sério; pois é isso mesmo o que todos nós fazemos na vida. Se não estamos dependendo de um guia, dependemos de um grupo, dos nossos filhos, dum livro, ou dum disco de gramofone. 

Assim sendo, há possibilidade de nos mantermos despertos, livres de toda dependência, — dependência de drogas, de gurus, de disciplinas, de imagens, de qualquer coisa, emfim? Quando experimentais isso, podeis cometer algum erro, mas dizeis: "Não importa, quero continuar desperto". Entretanto, isso é dificílimo, já que dependemos tanto dos outros! Precisamos de ser estimulados por um amigo, um livro, música, ritos, pelo frequentar com regularidade certas reuniões; e tal estímulo poderá manter-vos desperto, temporariamente. Mas, tanto vale tomar um copo de bebida. Quanto mais uma pessoa depende de estímulos, tanto mais embotada se torna sua mente, e a mente que está embotada precisa de ser guiada, precisa seguir, precisa de uma autoridade, porque do contrário ficará desorientada. 

Se percebermos esse extraordinário fenômeno psicológico, não será possível ficarmos livres, interiormente, de qualquer espécie de dependência, de qualquer estímulo a nos mantermos despertos? Por outras palavras, a mente não será capaz de nunca se escravizar a um hábito? Isso, com efeito, significa, abandonar tudo o que temos aprendido, abandonar todas as coisas que acumulamos de ontem para hoje, para que a mente possa, mais uma vez, ser fresca, nova. A mente não é nova, se não morrer para todas as coisas de ontem, todas as experiências, invejas, ressentimentos, amores, paixões, pois só assim ela poderá de novo ser fresca, ardorosa, desperta e, portanto, capaz de atenção. Não há dúvida de que, só quando está livre de todo sentimento de dependência interior, a mente poderá se encontrar com o Imensurável. 

Krishnamurti — Realização sem esforço - pág. 74-75 - 20 de ahosto de 1955 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Que significa "estar só"?

Em primeiro lugar, estamos sós alguma vez? Você costuma passear a só no bosque? Se o faz, está só? Fisicamente, pode estar só, mas na verdade não está só, porque está acompanhado de todas as lembranças, todos os seus conflitos, todas as suas preocupações; porque você é o passado. Você só está só quando o passado desapareceu de todo, quando não há família, quando não há deuses feitos pelo pensamento, quando você não está sendo perseguido por lembranças. Só então você está só. E só essa solidão é capaz de ver. Porque só ela é inocente. Só os inocentes podem ver a plena beleza da vida.

(...) O espaço e o silêncio são necessários, porque é quando a mente está , livre de influências, de conhecimentos, de seus milhares de experiências, e já não está funcionando no limitado e insignificante campo de sua monótona existência de cada dia — é apenas quando a mente está livre de tudo isso, , em silêncio, que ela é capaz de descobrir ou de encontrar uma coisa totalmente nova.

(...) É possível á nossa mente, tão fortemente condicionada que está, libertar-se e ficar só, intacta? — libertar-se, não só do moderno condicionamento tecnológico, mas também do fundo racial e cultural em que tão obviamente foi condicionada, dos dois ou três milhões de anos de profundo condicionamento que a humanidade já viveu? Somos o resultado de tantas influências, de tantas experiências, de tantos temores e ansiedades, que não podemos deixar de perguntar: Pode essa mente, sob esse enorme peso de condicionamento, libertar-se e ficar só, intacta?

(...) Como pode a mente, que está sempre tão ativa, ativa em seu interesse próprio, em suas ocupações egocêntricas, como pode essa mente ficar quieta? Compreende? Ela tem de ficar quieta, porque é só quando a mente está tranquila que se pode descobrir alguma coisa nova.

(...) o silêncio é absolutamente necessário para descobrirmos, compreendermos e transcendermos as nossas limitações psicológicas. Como é possível isso à mente que está sempre tão ativa, egocentricamente? Esse é um problema que sempre desafiou o homem.

(...) Pode-se tentar quietar a mente, disciplinando-a, controlando-a, moldando-a, mas tal tortura não a torna quieta; pelo contrário, torna-a mais embotada. É, pois, evidente que nem o controle, nem o cultivo de um ideal para ter uma mente quieta, tem algum valor, porque, quanto mais controlamos a mente, quanto mais a forçamos, tanto mais estreita, tanto mais estacionária e embotada a tornamos.(1)

Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe "motivo" algum. A própria jornada representa o "motivo", e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo - e não os reformadores sociais, os "beneméritos", os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Estes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitores. O "homem da paz" é aquele que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade - ou como quiserem chamá-lo - não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.(2)

Um homem nunca indaga por que razão depende psicologicamente de outrem. Se examinar bem isso, verá o quanto é infeliz. Você não sabe o que fazer com essa solidão, esse isolamento, que é uma forma de suicídio. E, assim, não sabendo o que fazer, você depende. Essa dependência proporciona consolação, uma relação de companheirismo, mas, se esse companheirismo se altera ligeiramente, você fica enciumado, furioso.(3)

Só a mente que está completamente só pode achar a realidade. E existe uma realidade - não uma realidade teórica, não uma certa coisa inventada pelos cristãos ou pelos hinduístas ou experimentada por uns poucos santos, conforme o peculiar condicionamento de cada um, porém uma realidade, uma imensidade que só pode ser descoberta pela mente que percebeu seus próprios movimentos e compreendeu a si própria.(4)

Já alguma vez você esteve só, sentiu o que significa “estar só”? Provavelmente nunca, porque você está rodeado de sua família, está sempre ocupado, em seu emprego, a ler um livro, a escutar o rádio e na incessante tagarelice dos jornais. Assim, provavelmente, nunca conheceu o estranho sentimento de completo isolamento. Ocasionalmente, pode ter tido sugestões dele, mas, é provável que nunca tenha estado em contato direto com ele, como com a dor, com a fome, com o sexo. Entretanto, se não compreender essa solidão que é a causa do medo, nunca compreenderá o medo e dele se libertará.(5)

Eu não sei se você alguma vez esteve isolado, quando de repente percebe que não tem nenhuma relação com qualquer pessoa – não um percebimento intelectual, mas uma percepção real... que você está completamente afastado. Toda forma de pensamento e emoção está bloqueada, você não pode se virar para lugar algum, não existe ninguém para lhe apoiar, os deuses, os anjos, esconderam-se além das nuvens e, como desaparecem as nuvens, eles também se foram, você está completamente abandonado – não usarei a palavra só. Solidão tem um significado muito diferente, a solidão tem beleza. Estar só significa algo diferente. E você deve estar só. Quando o homem se livra da estrutura social da ganância, inveja, ambição, arrogância, acumulação, prestígio social – quando ele mesmo se livra disso, ele se encontra completamente só. Isto é totalmente diferente! Existe então grande beleza, a percepção de grande energia.(6)

A maioria de nós nunca está só. Você pode se retirar nas montanhas e viver como um monge, mas enquanto fisicamente independente, você terá consigo todas as suas idéias, suas experiências, suas tradições, seu conhecimento do que foi. O monge cristão em uma cela do mosteiro não está só, ele está com o seu conceito de Jesus, com a sua teologia, com as crenças e os dogmas do seu condicionamento pessoal. Do mesmo modo, o sannyasi na Índia, que se retira do mundo e vive em isolamento, não está só, porque também ele vive com as suas memórias. Eu estou falando de uma solidão na qual a mente é totalmente livre do passado, e só tal mente é virtuosa, pois apenas na solidão existe inocência. Talvez você diga, "Isso é pedir muito, uma pessoa não pode viver assim neste mundo caótico, onde tem de ir ao escritório todo dia, ganhar o sustento, suportar as crianças, agüentar as impertinências da esposa ou do marido, e tudo o mais". Mas eu penso que o que está sendo dito está diretamente relacionado à vida diária e ação, caso contrário, não tem nenhum valor. Você vê, desta solidão surge uma virtude que é vigorosa e que traz um senso extraordinário de pureza e bondade. Não importa se a pessoa comete erros, isso é de muito pouca importância. O que importa é ter esta percepção de estar completamente só, incontaminado, pois é tão somente uma mente assim pode conhecer ou pode estar atenta ao que está além da palavra, além do nome, além de todas as projeções da imaginação.(7)

Estar só, sem se retirar da sociedade, sem se tornar eremita, é um estado extraordinário. A pessoa está só porque compreendeu a influência, a autoridade. Compreendeu inteiramente a questão da memória, do condicionamento e, (…) torna-se existente uma solidão inatingível pela influência. E você não tem idéia de quanta beleza há nessa solidão, e que extraordinário sentimento de virtude, que é vitalidade, virilidade, força. Mas isso requer imensa compreensão de todo o nosso condicionamento.(8)

Requer isso (…) estejamos livres de toda autoridade; que não estejamos a seguir, a imitar, a ajustar-nos interiormente. (…) Nós cedemos, ajustamo-nos, aceitamos, por que, profundamente, temos medo de ser diferentes, de estar sozinhos, de investigar. Interiormente, queremos, sentir-nos em segurança, (…) ser bem sucedidos, (…) estar do lado certo. Por conseguinte, criamos várias formas de autoridade, (…) padrões de pensamento, tornando-nos assim seres imitativos, ajustando-nos exteriormente.(9) 

Esse “estar só”, esse “desprendimento”, não é de modo nenhum contrário às nossas relações com a coletividade. Se somos capazes de “estar sós”, é bem provável, então, que possamos ajudar a coletividade. Mas se somos apenas uma parte do corpo coletivo, é bem óbvio que só seremos capazes de fazer reformas, (…) alterações no padrão da coletividade. Ser verdadeiramente individual é estar completamente fora da coletividade (…) Um indivíduo assim é capaz de realizar uma transformação no coletivo.(10)

Tendo medo, necessitamos de guias, autoridades, escrituras, salvadores (…) - com o que tornamos a mente incapaz de descobrir alguma coisa sozinha. E nós precisamos estar sós, para descobrirmos o que é verdadeiro. (…) Porque a Verdade só pode ser descoberta pela mente que está só - não no sentido de solidão, isolamento.(11)

Porque o rejeitarmos todas as coisas que nos foram impostas, e abandonarmos as várias (…) crenças, equivale a rejeitarmos a sociedade, opormo-nos à sociedade (…) Aquele que está fora da sociedade, que já não está na sujeição da sociedade - só esse é capaz de descobrir o que é Deus, (…) a Verdade.(12)

Para acharmos por nós mesmos o que é verdadeiro, não devemos rejeitar toda e qualquer autoridade? Não devemos repudiar a autoridade do livro, (…) do sacerdote, (…) dos Mestres, dos Salvadores, dos vários instrutores religiosos, daqueles que praticam a ioga, etc? Isso, na verdade, significa que devemos ser capazes de estar sós, desamparados, sem dependermos de ninguém para nenhuma espécie de estímulo. Isso é como fazer uma viagem desacompanhado de um guia. Quando não tem guia, a mente precisa estar atenta, no mais alto grau, para toda forma de ilusão, e e só quando nos emancipamos completamente da idéia da autoridade, que estamos aptos a examinar-nos sem medo. É o medo que nos faz recorrer a outros, para sermos por eles guiados.(13)

O fato de você não ter encontrado refúgio pode ser sua salvação. Pelo medo que têm de ficarem sós, de se sentirem isoladas, certas pessoas dão para beber, outras para tomar drogas, enquanto muitas outras se lançam na política (…) Os que a evitam causam muito dano no mundo; são pessoas realmente nocivas, porquanto atribuem importância a coisas que não são da mais alta significação.(14)

Que entendemos por medo? Medo de quê? Medo de não ser? Medo do que você é? Medo de perder, de ter prejuízo? O medo, quer consciente quer inconsciente, não é abstrato: ele só existe em relação com alguma coisa. O que tememos é o estarmos inseguros (…) Isto é, tememos a solidão, (…) o ser nada, (…) o sentimento de completo desnudamento.(15)

Mas, quando vemos o que é a solidão, quando conhecemos o que significa estar só, sem fugir, temos então possibilidade de superá-la; porque estar só é inteiramente diferente de solidão. É necessário “estarmos sós”; mas hoje (…) nunca estamos sós. Não somos indivíduos, somos apenas um feixe de reações coletivas.(16)

Pois bem, para compreendermos o que é “estarmos sós”, precisamos compreender todo o processo do temor. A compreensão do temor traz, no fim, esse estado no qual nos vemos completamente vazios, (…) sós; isto é, ficais, frente a frente com uma solidão insaciável, impreenchível, da qual não há possibilidade de fuga. Você verá então que é possível superar a solidão - e, então, não existe nem esperança nem desesperança, porém um estado de solidão isento de temor.(17)

Mas, se há verdadeiro empenho (…) em descobrir a verdade, (…) ou Deus, temos (…) de nos libertar (…) de todos os nossos condicionamentos. Significa isso que precisamos ser capazes de estar totalmente sós e de encarar a verdade relativa ao que é, sem fuga.(18)

Se você experimentar isso, verá que a mente (…) disposta a examinar o seu próprio vazio, (…) totalmente, sem desejo de fuga - verá que essa mente se torna muito tranqüila, só, livre, criadora. (…) Esse estado pode ser (…) o Real.(19)

“Estar só” tem significação inteiramente diferente; tem beleza. Quando o homem se liberta da estrutura social - de avidez, inveja, ambição, arrogância, sucesso, posição - quando de tudo isso se liberta, está então completamente só. (…) Há então grande beleza, sentimento de grande energia.(20)

Senhores, para a mente incapaz de “estar só”, a busca nenhuma significação pode ter. “Estar só” é ser incorruptível, simples, livre de toda tradição, todo dogma, toda opinião, do que os outros dizem, etc., etc. Essa mente não busca, porque nada há que buscar; sendo livre, ela é serena, sem desejos, imóvel.(21)

Acho que (…) sabemos o que é solidão - esse medo extraordinário, essa ansiedade resultante do processo egocêntrico da mente. Você nunca teve, na vida, o sentimento de completo isolamento? (…) Vendo-nos sozinhos, queremos ser amados; sentimo-nos solitários, ligamos o rádio, vamos ao cinema, buscamos distrações (…) Não queremos fazer frente ao estado de solidão e escapamo-nos, pomo-nos em fuga daquela solidão. Buscamos companhias, (…) amor, (…) marido ou esposa, (…) etc.; pomo-nos, de alguma forma, na dependência de outrem, porque então não temos de enfrentar, dentro de nós mesmos, aquele estado de solidão, de vazio, em torno do “eu”.(22)

Agora, se você puder enfrentar o vazio, esse estado de isolamento de todas as relações, (…) enfrentá-lo sem fugir, (…) sem medo, sem fazer esforço algum para preenchê-lo ou alterá-lo, estará então só, num estado de completo abandono da sociedade; e esse “estar só” não é fuga à sociedade, (…) não necessita de reconhecimento por parte da sociedade.(23)

A sociedade é um “processo” de reconhecimento; sou reconhecido como santo, como escritor, (… ) homem bom (…) Tornando-se independente de tudo isso, a mente fica completamente só - não solitária, porém só.(24)

Não está mais sendo influenciada pela sociedade - está completamente dissociada de qualquer espécie de reconhecimento, e é capaz, portanto, de “estar só”. Ora, é necessário o “estar só”, para que a realidade tenha existência na nossa mente.(25)

Só a mente que está só, não corrompida, que é pura, (…) só essa mente é capaz de perceber o que é Deus, a Verdade. E essa possibilidade nos é dada apenas quando enfrentamos a solidão.(26)

Quando (…) a mente se deixa ficar em presença desse processo (…) egocêntrico, limitante, vazio, então esse próprio vazio lhe dá a oportunidade de “estar só”. A mente é então nova, única, pura; só nesse estado, a mente é capaz de receber o “eterno”.(27)

Não pode haver um imenso espaço para a mente funcionar, se ela não está inteiramente só. “Estar só” e “estar isolado” são, naturalmente, dois e diferentes estados. Sabemos muito bem o que é isolamento: esse estado em que nos vemos insulados, sem companheiros, sem relações, mesmo que estejamos cercados de nossa família e vivendo ativa e prosperamente. Apesar de tudo isso, manifesta-se um estranho sentimento de isolamento.(28)

Nunca estamos sós; estamos rodeados de pessoas e de nossos próprios pensamentos. Mesmo na ausência de pessoas, vemos as coisas através do crivo dos nossos pensamentos. Não há momento, ou o há muito raramente, de ausência do pensamento. Não sabemos o que é “estar só”, livre de toda associação, continuidade, palavra e imagem. Somos solitários, mas não sabemos o que significa “estar só”. A dor da solidão enche-nos o coração, e a mente é abafada com o medo. A solidão, esse profundo isolamento, é a sombra que nos entenebrece a vida.(29)

O “viver só” requer muita inteligência; (…) e ser ao mesmo tempo flexível (…) Viver só, sem as muralhas das satisfações egocêntricas, requer extrema vigilância; porque uma vida solitária favorece a indolência, hábitos confortantes (…) Uma vida solitária favorece o isolamento, e só os sábios podem viver sós, sem causarem mal a si próprios e a outros. (…) O retirar-se ou isolar-se, com o fim de achar, é pôr fim ao descobrimento. (…) Precisamos de uma solidão que não seja aquela em que a mente se fecha em torno de nós, mas a solidão da liberdade. O que está completo está sozinho, e o incompleto busca o caminho do isolamento.(30)

Verbalmente, você poderá concordar (…) Assim sendo, consciente ou inconscientemente, sua mente se rebela contra a idéia de ficar completamente só, a fim de descobrir. Estar completamente só é estar livre de contaminação pela sociedade - a sociedade, que é constituída de inveja, avidez, vaidade, desejo de poder e prestígio, ânsia das coisas mundanas e das chamadas extramundanas - e só essa mente está livre para investigar e descobrir a verdade ou a falsidade daquilo que a supera. Assim, o autoconhecimento é o começo da sabedoria.(31)

Não sei se você já experimentou o que é estar completamente só, sem nenhuma pressão, (…) motivo ou influência, sem a idéia do passado e do futuro. Estar inteiramente só é muito diferente do estado de solidão. Há solidão quando o “centro de acumulação” se sente isolado em suas relações com os outros. (…) Falo daquela solitude em que a mente não está contaminada, porque compreendeu o processo da contaminação, que é a acumulação. Quando a mente se acha de todo só porque, pelo autoconhecimento, compreendeu o “centro de acumulação”, vê-se então que, por estar vazia, não influenciada, ela é capaz de ação não relacionada com a ambição, a inveja ou com qualquer dos conflitos que conhecemos.(32)

Como você sabe, para a maioria de nós “estar só” é uma coisa terrível. Não me refiro aqui à solidão, que é coisa diferente. Refiro-me ao “estar só”: estar só com alguém ou com o mundo; estar só com um fato. Só, no sentido de que a mente não está sujeita a influências, já não se acha presa ao passado, nem tem futuro, nem busca, nem teme: está só. O que é puro está só; a mente que está só conhece o amor, porque já não se enreda nos problemas do conflito, do sofrimento e do preenchimento. Só essa mente é nova, (…) religiosa.(33)

Negar é estar só, livre da influência, da tradição, da carência psicológica, do apego, da dependência. Estar só é negar o condicionamento e o passado conteúdo da consciência. Observar sem discriminar e a renúncia ao condicionamento conduzem à solidão, que não é isolamento ou atividade egocêntrica. Tampouco significa fuga da existência. Pelo contrário, é a libertação total do sofrimento e do conflito, do medo e da morte. Essa solidão é a própria mutação da consciência, a completa transformação daquilo que foi. Ela é o vazio e a ausência do ser e do não-ser. A mente se renova, a cada instante, na chama desse vazio. Apenas à mente vulnerável é acessível o infinito, em que da destruição surge o novo, a criação e o amor.(34)

O homem deve ser só, mas esse “ser só” não é isolamento. Significa estar libertado do mundo da avidez, do ódio e da violência, de seus métodos sutis, e da dolorosa solidão e desespero humano. Estar só é estar “de fora”, não pertencer a nenhuma religião ou nação, a nenhuma crença ou dogma.

É essa solidão que alcança uma inocência completamente imune à maldade do homem. Só a inocência pode viver no mundo, com toda a desordem nele existente, e ao mesmo tempo não pertencer a ele. Ela não se reveste de galas especiais. A flor da bondade não se encontra ao longo de nenhum caminho, porque não há caminho para a Verdade.(35)

Esse estar só não é a dolorosa e temível solidão. É o recolhimento do ser, em si mesmo - um estado não corrompido, rico, completo. (…) O estar só é o expurgo de todos os motivos, todas as atividades do desejo, todos os fins. O estar só não é um produto final da mente. Não se pode desejar estar só. Tal desejo é meramente fuga à dor de se não poder comungar.(36)

A solidão, com seus temores e tormentos, é isolamento (…) Esse processo de isolamento, quer amplo, quer estreito, é gerador de confusão, conflito, sofrimento. Do isolamento nunca pode nascer o estar só; um tem de desaparecer, para que o outro possa existir. O estar só é indivisível, e o isolamento é separação. Aquilo que está só é flexível (…) Unicamente o que está só pode estar em comunhão com aquilo que é sem causa, o imensurável. Para o que está só, a vida é eterna; (…) não existe a morte.(37)

O homem que deseja realmente descobrir se há, ou não, um estado além da estrutura do tempo, deverá estar livre da civilização; (…) da “vontade coletiva”; deverá estar só.(38)

Pergunta: Você tem estado em retiro (…) Podemos saber se há nisso alguma significação?

Krishnamurti: Você não deseja, também, às vezes, recolher-se à quietude, para fazer um balanço das coisas, a fim de não se tornar simples máquina de repetição, um discursador, um explicador, um expositor?(39)

Julgo essencial que você entre, de vez em quando, em recolhimento, deixando tudo o que está fazendo, detendo por completo as suas crenças e experiências, e olhando-as de maneira nova, em vez de ficar a repetir, como máquinas, o que crê ou o que não crê. Você deixaría, assim, entrar ar fresco em sua mente (…) Isso significa que você tem de estar inseguro.(40)

Se vocês forem capazes de tanto, estarão abertos aos mistérios da natureza e para as coisas que sussurram ao redor de nós, (…) encontrarão o Deus que aguarda o momento de vir, a verdade que não pode ser chamada, mas vem por si mesma. Não estamos abertos ao amor e a outros processos mais delicados que se verificam dentro de nós, porque vivemos fechados em nossas ambições, (…) realizações, (…) desejos.(41)

Nesse retiro, não mergulhe noutra coisa qualquer, não abra livro algum, absorvendo-se em novos conhecimentos e novas aquisições. Rompe completamente com o passado, e verá o que acontece. Faça-o (…) e conhecerá o deleite. Descortinará as imensidões do amor, da compreensão, da liberdade. Quando seu coração está aberto, então é possível a vinda da realidade. (…) Eis por que é salutar entrarmos em retiro, recolher-nos e fazer parar a rotina - não só a rotina da existência exterior, mas também a rotina que a mente estabelece para sua própria segurança e conveniência.(42)

(1) A essência da maturidade
(2) Da solidão à Plenitude Humana
(3) Fora da Violência
(4) Experimente Um Novo Caminho
(5) Uma Nova Maneira de Agir
(6) O Livro da Vida
(7) O Livro da Vida
(8) O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 138
(9) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 112
(10) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 112
(11) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 88-89
(12) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 89
(13) Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 30
(14) Diálogos sobre a Vida, pág. 206
(15) Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 32
(16) Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 33
(17) Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 33
(18) Verdade Libertadora, pág. 24
(19) Verdade Libertadora, pág. 24-25
(20) A Suprema Realização, pág. 63
(21) Realização sem Esforço, pág. 28
(22) Visão da Realidade, pág. 181-182
(23) Visão da Realidade, pág. 182-183
(24) Visão da Realidade, pág. 183
(25) Visão da Realidade, pág. 183
(26) Visão da Realidade, pág. 183
(27) Visão da Realidade, pág. 183
(28) O Descobrimento do Amor, pág. 129
(29) Reflexões sobre a Vida, pág. 98-99
(30) Reflexões sobre a Vida, pág. 114
(31) O Homem Livre, pág. 76
(32) O Homem Livre, pág. 168
(33) O Passo Decisivo, pág. 115
(34) Diário de Krishnamurti, pág. 92
(35) A Outra Margem do Caminho, pág. 45-46
(36) Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 15-16
(37) Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 16
(38) A Cultura e o Problema Humano, pág. 45
(39) Quando o Pensamento Cessa, pág.19
(40) Quando o Pensamento Cessa, pág.20
(41) Quando o Pensamento Cessa, pág. 20
(42) Quando o Pensamento Cessa, pág. 20-21

Deixando de se apropriar para encontrar propriedade em si


Áudio da reunião de estudos on-line realizada pelo Paltalk, em 07/08/2012. 
Para saber como participar acesse:
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Muitas vezes, no intuito de ensinar, alguns instrutores vendem ensinamentos de outros - sejam esses ensinamentos adquiridos através de livros, palestras, cursos etc.- como se fossem seus. Ou seja, reproduzem a experiência alheia, comportando-se como o autêntico experimentador. Abriu mão da própria experiência, apropriou-se de um conhecimento de segunda mão e passa a ensiná-lo. Nesse plágio, os ensinamentos passam de mente em mente, como se viessem do último instrutor. Isso não passa de viagens imaginárias. Só uma mente inocente e silenciosa é capaz de absorver e expressar o inimaginável. Como estudantes e inquiridores de nós mesmos, precisamos estar cônscios dessas manobras mentais na busca da auto-afirmação e da segurança psicológica. Pois, essas coisas impedem a reta percepção e o correto pensar.(1)

Somos o resultado de uma formidável propaganda religiosa, política, comercial, etc... resultado da propaganda, propaganda do Gita, da Bíblia, do Alcorão ou das teorias de Marx e de Lenin. Eis o que somos, sem nada de original, nada de verdadeiro: entes humanos de "segunda mão". Isso é um fato: é a nossa vida.(2) 

Atualmente, vocês não são indivíduos, e sim meras máquinas de imitar, produto de um certo meio cultural, um certo sistema educativo. São o corpo coletivo, não são um indivíduo, sendo isto muito óbvio. Todos vocês são hinduístas ou cristãos, isto ou aquilo, com certos dogmas, crenças, o que significa que são produto da massa. Por conseguinte, não são indivíduos. Vocês precisam estar totalmente descontentes, para poderem descobrir. Mas a sociedade não deseja lhes ver descontentes, porque teriam então vitalidade, começariam inquirir, a investigar, a descobrir e, consequentemente, se tornariam perigosos para ela.(3)

Uma das coisas mais estranhas é a facilidade com que nos deixamos influenciar. Desde pequenos somos educados como católicos, protestantes, americanos, etc. Somos o resultado de uma propaganda incessantemente repetida, e que continuamos a repetir. Somos entes humanos de "segunda mão". Por conseguinte, guardem-se de serem influenciados por este orador, já que se trata da vida de vocês, e não da vida dele.(4)

Aceita-se a palavra, a explicação, porque ela conforta; a crença conforta quando há sofrimento ou um estado de ansiedade. As explicações dadas por filósofos, psicólogos, sacerdotes, gurus, professores - é nessas coisas que as pessoas se baseiam para viver; o que significa que se vive uma vida de segunda mão e estão satisfeitas... Lê-se muito sobre o que outras pessoas pensaram, vê-se pela televisão o que está acontecendo. É sempre outrem, alguém lá fora, que diz o que se deve fazer. Com isso, a mente atrofia-se e está-se sempre vivendo uma vida de segunda mão.(5)

Nenhum livro, seja o Gita ou o Upanishads, nenhum professor ou filósofo pode lhes ensinar o que vocês são. O que os professores e filósofos podem lhes ensinar é o que eles pensam que vocês são ou deveriam ser, ou seja, a opinião deles. Por séculos e séculos vocês aceitaram a autoridade de outros, de seu guru, de sua tradição, as coisas ditas por outrem, e eis a razão por que carecem de energia, eis a razão por que estão embotados, insensibilizados e são entes humanos de segunda mão.(6

No momento, somos meros gramofones repetidores, eventualmente trocando gravações quando pressionados mas, em geral, tocando as mesmas melodias para todas as ocasiões. E é esse repetir constante, esse perpetuar da tradição, a origem do problema com todas as suas complexidades. Parecemos incapazes de escapar da conformidade, embora saibamos substituir a atual conformidade por uma outra, ou até mesmo sejamos capazes de tentar mudar o modelo atual. Trata-se de um processo constante de repetição, de imitação... e a repetição, seguramente, não irá solucionar os problemas humanos... por meio do autoconhecimento, é possível livrar-se desse eterno repetir.(7)

Permanecemos presos nas rotinas do embotamento, porque pensar com muita seriedade significa estar descontente, o que é muito doloroso; e a maioria de nós não deseja atrair tristezas. Desejamos fugir da tristeza, e por isso toda a nossa estrutura de pensamento é confusão, distração... Ser sensível significa dor; mas precisamos ser dolorosamente sensíveis, para compreender. Entretanto, procuramos nos manter do lado de fora da dor, e, evitando-a, reduzimo-nos a simples máquinas de imitação.(8)

Para a maioria dos velhos, e para as pessoas internamente deficientes e vazias, a tradição importa muitíssimo. Já observaram isso entre seus amigos, entre seus pais, seus professores? Já o terão observado em si mesmos? Logo que aparece o medo, o medo interior, vocês procuram cobri-lo com a respeitabilidade, seguindo uma tradição; e desse modo perdem a iniciativa própria. Porque não têm iniciativa e estão apenas seguindo os outros, a tradição torna-se muito importante - a tradição do que as pessoas dizem, a tradição que nos foi legada do passado, a tradição que não tem vitalidade, que é sem alma, porque é mera repetição desprovida de sentido.

Quando alguém está com medo, sempre tem a tendência a imitar. Já notaram? Pessoas que têm medo imitam outras; apegam-se à tradição, aos pais, às esposas, aos irmãos, aos maridos. E a imitação destrói a iniciativa própria.(9)

Temos exemplos, disciplinas, técnicas maravilhosas e, no entanto, os nossos corações estão vazios, porque repletos das coisas da mente. E quando vazios os nossos corações, as nossas soluções para tantos problemas são também vazias. Só a mente capaz de atenção completa sabe amar, porque esta atenção é ausência do "eu".(10)

É muito estranha esta nossa adoração dos exemplos, modelos, dos ídolos. Não queremos o que é puro, verdadeiro em si mesmo; queremos intérpretes, exemplos, mestres, gurus, para, por seu intermédio, alcançarmos alguma coisa - e tudo isso é puro absurdo, um meio de explorar a outros. Se cada um de nós fosse capaz de pensar claramente desde o começo, ou de se reeducar para pensar claramente, todos esses exemplos, mestres, gurus, sistemas, se tornariam completamente desnecessários, como realmente são.(11)

Uma palestra gravada em fita pode ser apagada e a fita utilizada novamente; mas, infelizmente, o que está gravado na "fita" do cérebro, nela vem sendo impresso há tanto tempo que se tornou dificílimo apaga-lo, para começar coisa nova. Vivemos a repetir e a repetir o mesmo padrão, as mesmas idéias e os mesmos hábitos físicos, e por essa razão nunca estamos receptivos para o que é novo.(12)

Não citem ninguém. Viver das idéias de outros é uma das coisas mais terríveis que se podem fazer. Idéias não são a verdade.(13)

Por estarmos, na maioria, condicionados por influências sociais, econômicas, religiosas, etc., somos copistas, imitadores, e por isso não ligamos importância ao que é novo, chamamo-lo revolucionário (…) Mas se pudermos examiná-lo, se o observarmos com inteira isenção de preconceitos, de limitações, então talvez seja possível nos compreender mutuamente e comungar uns com os outros. Só há comunhão quando não existe barreira alguma.(14)

Visto que a nossa mente está, em geral, narcotizada pelas idéias de outras pessoas e pelos livros, e visto que está constantemente a repetir o que outro disse, nos tornamos repetidores e não pensadores. Se citam o Bhagavad-Gita, ou a Bíblia, ou os livros sagrados chineses, por certo não fazem mais do que repetir. Não acham? E o que repetem não é a Verdade. É uma mentira, pois a Verdade não pode ser repetida. Uma mentira pode ser ampliada, encarecida e repetida, mas a Verdade não pode; e enquanto repetem a Verdade, deixa ela de ser a Verdade, e por isso são destituídos de importância os livros sagrados, uma vez que através do autoconhecimento, através de si mesmos, podem descobrir o eterno.(15)

Ignorância não significa a falta de conhecimentos técnicos, a falta de leitura de muitos livros filosóficos: ignorância é a falta de conhecimento próprio. Ainda que uma pessoa tenha lido muitos livros filosóficos e sagrados e seja capaz de citá-los, essas citações, que representam uma acumulação de palavras e experiências alheias, não libertam a mente da ignorância.(16)

A imitação jamais pode atingir a beleza, por ser contrária a vida. Toda imitação é mecânica; pertence ao mundo, da ortodoxia, da tradição, e da limitação, - ao mundo da corrupção.(17)

Só quando a mente é capaz de se livrar de todas as influências, todas interferências, de estar completamente só... existe criatividade. No mundo, cada vez mais a técnica está sendo desenvolvida – técnica de como influenciar as pessoas pela propaganda, por compulsão, pela imitação, por exemplos, pela idolatria, pela adoração do herói. Há livros inúmeros sobre como fazer uma coisa, como pensar eficientemente, como construir uma casa, como montar máquinas, e de forma que gradualmente perdemos a iniciativa, a iniciativa de pensar de forma original algo por nós mesmos. Em nossa educação, em nosso relacionamento com governo, por vários meios, somos influenciados ao conformismo e a imitação. E quando permitimos a influência que nos convença a uma atitude particular ou ação, naturalmente nós criamos resistência com outras influências. E neste processo de criar uma resistência à outra influência, nós não cedemos a isso negativamente? A mente não deve estar permanentemente em revolta a fim de entender as influências que estão sempre colidindo, interferindo, controlando, amoldando? Não é isso uma das causas da mente medíocre que é sempre medrosa e, está num estado de confusão, quer ordem, quer coerência, quer uma fórmula, uma forma que possa ser guiada, possa ser controlada, e, mas estas fórmulas, estas várias influências criam contradições no indivíduo, cria confusão no indivíduo. Qualquer escolha entre as influências é seguramente ainda um estado de mediocridade... Não deve ter a mente à capacidade, não de imitar, não de se acomodar e ser sem medo? Tal mente não deve estar só e, portanto ser criativa? Essa criatividade não é sua nem minha, é anônima!(18)

O seguir a autoridade gera temor; e o temor gera a mediocridade da mente superficial. Somos criados com base nessa idéia de que o exemplo, o herói, o santo, o guia, o guru, é necessário; e nos tornamos, assim, seguidores, sem iniciativa própria, discos de gramofone, a repetir o mesmo velho padrão. Quando nos limitamos a seguir, perdemos todo o sentimento de individualidade, a plenitude da compreensão individual, e isso, muito evidentemente, não resolve os nossos problemas... E quando submetidos à tirania do exemplo, nossa mente está apenas a se ajustar a um padrão. O padrão pode ser amplo ou estreito, mas é sempre padrão, molde, e a mente que segue um padrão é, sem dúvida, muito superficial.(19)

Alguém já se perguntou: "Posso ser uma luz para mim mesmo - não a luz de outrem, a luz de Jesus ou de Buda? Pode-se ser a luz para si mesmo? Isso quer dizer que não há sombra, pois ser uma luz para si mesmo significa que esta não é apagada por nenhum meio artificial, por circunstâncias, por tristeza, por acidente. Pode-se ser isso para si mesmo? Sim, mas só quando a mente não é desafiada porque está completamente desperta. A maioria de nós, entretanto, necessita de desafios, porque a maioria de nós está adormecida - adormecida porque fomos adormecidos por todos os filósofos, por todos os santos, por todos os deuses, sacerdotes e políticos. Adormece-se uma pessoa e ela não sabe que está adormecida: pensa que isso é normal. Um homem que quer ser a luz para si mesmo tem que se libertar disso tudo. Pode-se ser a luz para si mesmo somente quando não há "eu". Então, essa luz é a luz eterna, perene, imensurável.(20)

O que se necessita no mundo, não são meros imitadores, nem meros guias, com seguidores cada vez mais numerosos. O que se necessita atualmente são indivíduos, como vocês e eu, dispostos a pensar continuadamente em todos esses problemas, não de maneira superficial ou fortuita, porém profundamente, a fim de que a mente seja livre, para criar, para pensar, para amar.(21)

Observa-se que a maioria de nós funciona, vive e atua no campo dos padrões, dos conceitos e fórmulas, dos ideais, etc. Nossa vida se tornou mecânica, "imitativa" e um terreno de cultura da contradição entre o que é e o que pensamos que deveria ser

Em nossa vida há conflito e desperdício de energia, energia de que necessitamos, em grande abundância, para resolvermos cabalmente os nossos problemas. Considere o enorme desperdício de energia que há no falar incessante a respeito de nada, no distrair-se continuamente com leituras; e, exteriormente, quanto desperdício de energia na produção de armamentos, viagens à lua, etc. etc.!

Cada ente humano tem problemas enormes e complexos, que cada um deve resolver sozinho, pois a solução dada por outrem não tem significação nem valor algum. Cada um tem de resolver os seus problemas e, para tal, necessita de energia que está desperdiçando em tantas atividades inúteis, vãs, estéreis; essa energia é necessária para resolver os problemas do amor, viver e da morte... Em geral, somos entes sem originalidade; vivemos do que nos dizem, somos guiados por nossas inclinações ou tendências, impelidos ou forçados pelas circunstâncias, pelo ambiente, a aceitar uma maneira condicionada de viver. Nada de original, de inédito, de claro! Sendo como somos, o resultado de influências de toda ordem, não há em nós nada de novo, coisa nenhuma por nós mesmos descoberta. O descobrimento é um processo vivo, constante; não temos de descobrir, para guardar o que descobrimos e ficar vivendo de acordo com isso.(22)

Cada um de nós tem de ser ao mesmo tempo instrutor e seguidor, isto é, tem de aprender, não dos livros, nem de outra pessoa, porém, pela compreensão de seu próprio processo pensante. E, para compreendê-lo profundamente, descobrir a verdade respectiva, temos de rejeitar toda espécie de autoridade e de concordância ou discordância; porque, quando estamos examinando alguma coisa, não pode haver opiniões a seu respeito, baseadas na concordância ou na discordância. Estamos tratando de fatos, e não de opiniões, que só levam a debates dialéticos, sem valor nenhum. Temos de compreender como é que pensamos e qual é a natureza do pensar... Compreendendo o pensamento, talvez compreendamos a natureza do tempo e alcançaremos aquele estado de amor e de beleza. Porque, sem o amor e a beleza, não existe verdade... Temos que descobrir por nós mesmos, porque, então, o descobrimento será autêntico, real. Há uma enorme diferença entre aprender e acumular conhecimentos. É relativamente fácil acumular conhecimento;... Temos de aprender sem a preocupação de acumular.(23) 

(1) Krishnamurti
(2) Viagem por um mar desconhecido
(3) Da solidão à Plenitude Humana
(4) Fora da Violência
(5) Perguntas e Respostas
(6) O Novo Ente Humano
(7) Sobre Relacionamentos
(8) Da Insatisfação à Felicidade
(9) O Verdadeiro Objetivo da Vida
(10) Da solidão à Plenitude Humana
(11) Da solidão à Plenitude Humana
(12) Krishnamurti
(13) Fora da Violência
(14) Que Estamos Buscando?, pág. 115-116
(15) Uma Nova Maneira de Viver
(16) A arte da libertação
(17) O Senhor do Dia de Amanhã
(18) O Livro da Vida
(19) Da solidão à Plenitude Humana
(20) Perguntas e Respostas
(21) Novos Roteiros em Educação
(22) A Essência da Maturidade
(22) A Essência da Maturidade

Você nada sabe, apenas conhece livros

As pessoas estão sendo treinadas como atores; em todo este vasto mundo você encontrará todas as pessoas representando papéis. Todo mundo é educado para encenar... Belos nomes – etiquetas, boas maneiras – mas por trás, escondido, está uma psicologia sutil para fazê-lo esquecer a sua originalidade e absorver algum papel que os interesses ocultos querem que você seja.(1) 

O homem tem sido perturbado. Todos, de seus pais a seus professores, a escola, a faculdade, a universidade, sua religião, seus pregadores, seus vizinhos, todos estão tentando fazer de você uma outra pessoa, alguém que você não pode ser. Você pode somente se tornar você mesmo, e se não o fizer, se tornará apenas um idiota... As pessoas que estão no poder, as pessoas que são eruditas, e isso é outro tipo de poder, as pessoas que são ricas, e isso é outro tipo de poder, nenhuma delas gostaria que cada um fosse centrado em si mesmo. Porque um homem centrado em si mesmo não pode ser explorado, não pode ser escravizado, não pode ser humilhado, não pode ser forçado a desenvolver um sentimento de culpa cancerígeno. Essas são as razões pelas quais à humanidade não foi permitido crescer... Condene o homem que estiver tentando levantar-se sobre os próprios pés, e aprecie o homem que for apenas um imitador. Naturalmente, sua semente interior, sua potencialidade, jamais terá uma chance de crescer.(2) 

Há algo de imensa importância sobre a verdade: A menos que você a encontre, ela jamais se torna a verdade para você. Se ela é verdade de uma outra pessoa e você a emprestou, nesse próprio empréstimo, ela não mais é verdadeira - tornou-se mentira.(3)

É tão barato se tornar culto! Escrituras, bibliotecas e universidades estão aí; é tão fácil se tornar culto! E quando você se torna culto você fica num espaço muito sensível, pois o ego gostaria de acreditar que aquele é seu conhecimento - não somente instrução, mas sua sabedoria. O ego gostaria de transformar conhecimento em sabedoria. Você começará a acreditar que sabe.

Você nada sabe, apenas conhece livros e o que está escrito neles. Talvez esses livros foram escritos por pessoas como você. Noventa e nove por cento dos livros foram escritos por outras pessoas livrescas. Na verdade, se você ler dez livros, sua mente se tornará tão repleta de lixo que você desejará despejá-lo no décimo-primeiro livro. O que mais você vai fazer com isso? Você precisa descarregar.(4) 

Não se inspire em mim; caso contrário você nunca se tornará uma fonte de inspiração. Você será apenas uma cópia carbono, você não terá a sua autêntica e original face. Você será um hipócrita: você dirá uma coisa e fará outra. Você mostrará a sua face em situações diferentes com máscaras diferentes, e aos poucos você se esquecerá qual é a sua face verdadeira; são tantas máscaras...(5)

Os verdadeiros grandes mestres têm sido apenas amigos, uma mão que ajuda, dedos apontando para a lua; eles nunca criaram uma escravidão.(6)

(1) Osho - Beyond Psychology
(2) Osho - A Nova - Pág. 8
(3) Osho - Palavras de um homem silencioso - Ed. gente
(4) Osho - Palavras de um homem silencioso - Ed. gente
(5) Osho - Beyond Psychology
(6) Osho - Beyond Psychology

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A Libertação da autoridade

A pergunta sobre se há Deus, verdade, ou realidade — ou como se queira chamá-lo — jamais será respondida pelos livros, pelos sacerdotes, filósofos ou salvadores. Ninguém e nada pode responder a essa pergunta, porém, somente vós mesmo, e essa é a razão por que deveis conhecer-vos. Só há falta de madureza na total ignorância de si mesmo. A compreensão de si próprio é o começo da sabedoria.
E, que é vós mesmo, o vós individual? Penso que há uma diferença entre o ente humano e o indivíduo. O indivíduo é a entidade local, o habitante de qualquer país, pertencente a determinada cultura, uma dada sociedade, uma certa religião. O ente humano não é uma entidade local. Ele está em toda parte. Se o indivíduo só atua num certo canto, isolado do vasto campo da vida, sua ação está totalmente desligada do todo. Portanto, é necessário ter em mente que estamos falando do todo e não da parte, porque no maior está contido o menor, mas o menor não contém o maior. O indivíduo é aquela insignificante entidade condicionada, aflita, frustrada, satisfeita com seus pequeninos deuses e tradições; já o ente humano está interessado no bem-estar geral, no sofrimento geral e na total confusão em que se acha o mundo.
Nós, entes humanos, somos os mesmos que éramos há milhões de anos — enormemente ávidos, invejosos, agressivos, ciumentos, ansiosos e desesperados, com ocasionais lampejos de alegria e afeição. Somos uma estranha mistura de ódio, medo e ternura; somos a um tempo a violência e a paz. Têm-se feito progressos, exteriormente, do carro de boi ao avião a jato, porém, psicologicamente, o indivíduo não mudou em nada, e a estrutura da sociedade, em todo o mundo, foi criada por indivíduos. A estrutura social, exterior, é o resultado da estrutura psicológica, interior, das relações humanas, pois o indivíduo é o resultado da experiência, dos conhecimentos e da conduta do homem, englobadamente. Cada um de nós é o depósito de todo o passado. O indivíduo é o ente humano que representa toda a humanidade. Toda a história humana está escrita em nós.
Observai o que realmente está ocorrendo dentro e fora de vós mesmo, na cultura de competição em que viveis, com seu desejo de poder, posição, prestígio, nome, sucesso etc.; observai as realizações de que tanto vos orgulhais, todo esse campo que chamais viver e no qual há conflito em todas as formas de relação, suscitando ódio, antagonismo, brutalidade e guerras intermináveis. Esse campo, essa vida, é tudo o que conhecemos, e como somos incapazes de compreender a enorme batalha da existência, naturalmente lhe temos medo e dela tentamos fugir pelas mais sutis e variadas maneiras. Temos também medo ao desconhecido — temor da morte, temor do que reside além do amanhã. Assim, temos medo ao conhecido e medo ao desconhecido. Tal é a nossa vida diária; nela, não há esperança alguma e, por conseguinte, qualquer espécie de filosofia, qualquer espécie de teologia representa meramente uma fuga à realidade — do que é. Todas as formas exteriores de mudança, produzidas pelas guerras, revoluções, reformas; pelas leis e ideologias, falharam completamente, pois não mudaram a natureza básica do homem e, portanto, da sociedade. Como seres humanos, vivendo neste mundo monstruoso, perguntemos a nós mesmos: "Pode esta sociedade, baseada na competição, na brutalidade e no medo, terminar? — terminar, não como um conceito intelectual, como uma esperança, porém como um fato real, de modo que a mente se torne vigorosa, nova, inocente, capaz de criar um mundo totalmente diferente?" Creio que isso só ocorrerá se cada um de nós reconhecer o fato central de que, como indivíduos, como entes humanos — seja qual for a parte do universo em que vivamos, não importando a que cultura pertençamos — somos inteiramente responsáveis por toda a situação do mundo.
Somos, cada um de nós, responsáveis por todas as guerras, geradas pela agressividade de nossas vidas, pelo nosso nacionalismo, egoísmo, nossos deuses, preconceitos, ideais — pois tudo isso está a dividir-nos. E só quando percebemos, não intelectualmente, porém realmente, tão realmente como reconhecemos que estamos com fome ou que sentimos dor, bem como quando vós e eu percebemos que somos os responsáveis por todo este caos, por todas as aflições existentes no mundo inteiro, porque para isso contribuímos em nossa vida diária e porque fazemos parte desta monstruosa sociedade, com suas guerras, divisões, sua fealdade, brutalidade e avidez — só então poderemos agir.
Mas, que pode fazer um ente humano, que podeis vós e que posso eu fazer para criar uma sociedade completamente diferente? Estamos fazendo a nós mesmos uma pergunta muito séria. É necessário fazer alguma coisa? Que podemos fazer? Alguém no-lo dirá? Muita gente no-lo tem dito. Os chamados guias espirituais, que supõem compreender essas coisas melhor do que nós, no-lo disseram, tentando modificar-nos e moldar-nos em novos padrões, e isso não nos levou muito longe; homens sofisticados e eruditos no-lo têm dito, e também eles não nos levaram mais longe. Disseram-nos que todos os caminhos levam à verdade; vós tendes o vosso caminho, como hinduísta, outros o tem como cristão, e outros, ainda, o têm como muçulmano; mas, todos esses caminhos vão encontrar-se diante da mesma porta. Isso, quando o consideramos bem, é um evidente absurdo. A verdade não tem caminho, e essa é sua beleza; ela é viva. Uma coisa morta tem um caminho a ela conducente, porque é estática, mas, quando perceberdes que a verdade é algo que vive, que se move, que não tem pouso, que não tem templo, mesquita ou igreja, e que a ela nenhuma religião, nenhum instrutor, nenhum filósofo pode levar-vos — vereis, então, também, que essa coisa viva é o que realmente sois — vossa irascibilidade, vossa brutalidade, vossa violência, vosso desespero, a agonia e o sofrimento em que viveis. Na compreensão de tudo isso se encontra a verdade. E só o compreendereis se souberdes como olhar tais coisas de vossa vida. Mas não se pode olhá-las através de uma ideologia, de uma cortina de palavras, através de esperanças e temores.
Como vedes, não podeis depender de ninguém. Não há guia, não há instrutor, não há autoridade. Só existe vós, vossas relações com outros e com o mundo, e nada mais. Quando se percebe esse fato, ou ele produz um grande desespero, causador de pessimismo e amargura; ou, enfrentando o fato de que vós e ninguém mais sois o responsável pelo mundo e por vós mesmo, pelo que pensais, pelo que sentis, pela maneira como agis, desaparece de todo a autocompaixão. Normalmente, gostamos de culpar os outros, o que é uma forma de autocompaixão.
Poderemos, então, vós e eu, promover em nós mesmos — sem dependermos de nenhuma influência exterior, de nenhuma persuasão, sem nenhum medo de punição — poderemos promover em nossa própria essência uma revolução total, uma mutação psicológica, para que não sejamos mais brutais, violentos, competidores, ansiosos, medrosos, ávidos, invejosos — enfim, todas as manifestações de nossa natureza que formaram a sociedade corrompida em que vivemos nossa vida de cada dia?
Importa compreender desde já que não estou formulando nenhuma filosofia ou estrutura de idéias ou conceitos teológicos. Todas as ideologias se me afiguram totalmente absurdas. O importante não é uma filosofia da vida, porém que observemos o que realmente está ocorrendo em nossa vida diária, interior e exteriormente. Se observardes muito atentamente o que se está passando, se o examinardes, vereis que tudo se baseia num conceito intelectual. Mas o intelecto não constitui o campo total da existência; ele é um fragmento, e todo fragmento, por mais engenhosamente ajustado, por mais antigo e tradicional que seja, continua a ser uma parte insignificante da existência, e nós temos de interessar-nos pela totalidade da vida. Quando consideramos o que está ocorrendo no mundo, começamos a compreender que não há processo exterior nem processo interior; há só um processo unitário, um movimento integral, total, sendo que o movimento interior se expressa exteriormente, e o movimento exterior, por sua vez, reage ao interior. Ser capaz de olhar esse fato — eis o que é necessário, só isso; porque, se sabemos olhar, tudo se torna claríssimo. O ato de olhar não requer nenhuma filosofia, nenhum instrutor. Ninguém precisa ensinar-vos como olhar. Olhais, simplesmente.
Assim, vendo todo esse quadro, vendo-o não verbalmente porém realmente, podeis transformar-vos, natural e espontaneamente? Esse é que é o verdadeiro problema. Será possível promover uma revolução completa na psique?
Eu gostaria de saber qual é a vossa reação a uma pergunta dessas. Direis, porventura: "Não desejo mudar" — e a maioria das pessoas não o deseja, principalmente aqueles que se acham em relativa segurança, social e economicamente, ou que conservam crenças dogmáticas e se satisfazem em aceitar a si próprios e às coisas tais como são ou em forma ligeiramente modificada. Tais pessoas não nos interessam. Ou talvez digais, mais sutilmente: "Ora, isso é dificílimo, está fora do meu alcance". Nesse caso, já fechastes o caminho, já cessastes de investigar e será completamente inútil prosseguir. Ou, ainda, direis: "Percebo a necessidade de uma transformação interior, fundamental, em mim mesmo, mas como empreendê-la? Peço-vos me mostreis o caminho, me ajudeis a alcançá-la". Se assim falardes, então o que vos interessa não é a transformação em si, não estais realmente interessado numa revolução fundamental: estais, meramente, a buscar um método, um sistema capaz de efetuar a mudança.
Se fôssemos tão sem juízo que vos déssemos um sistema, e vós tão sem juízo que o seguísseis, estaríeis meramente a copiar, a imitar, a ajustar-vos, a aceitar, e, fazendo tal coisa, teríeis estabelecido em vós mesmo a autoridade de outrem, do que resultaria conflito entre vós e essa autoridade. Pensais que deveis fazer tal e tal coisa porque vo-la mandaram fazer e, no entanto, sois incapaz de fazê-la. Tendes vossas peculiares inclinações, tendências e pressões, que colidem com o sistema que julgais dever seguir e,' por conseguinte, existe uma contradição. Levareis, assim, uma vida dupla, entre a ideologia do sistema e a realidade de vossa existência diária. No esforço para ajustar-vos à ideologia, recalcais a vós mesmo e, no entanto, o que é realmente verdadeiro não é a ideologia, porém aquilo que sois. Se tentardes estudar-vos de acordo com outrem, permanecereis sempre um ente humano sem originalidade.
O homem que diz: "Desejo mudar, dizei-me como consegui-lo" — parece muito atento, muito sério, mas não o é. Deseja uma autoridade que ele espera estabelecerá a ordem nele próprio. Mas, pode algum dia a autoridade promover a ordem interior? A ordem imposta de fora gera sempre, necessariamente, a desordem. Podeis perceber essa verdade intelectualmente, mas sereis capaz de aplicá-la de maneira que vossa mente não mais projete qualquer autoridade — a autoridade de um livro, de um instrutor, da esposa ou do marido, dos pais, de um amigo, ou da sociedade? Como sempre funcionamos segundo o padrão de uma fórmula, essa fórmula torna-se em ideologia e autoridade; mas, assim que perceberdes realmente que- a pergunta "como mudar?" cria uma nova autoridade, tereis acabado com a autoridade para sempre.
Repitamo-lo claramente: Veio que tenho de mudar completamente, desde as raízes de meu ser; não posso mais depender de nenhuma tradição, porque foi a tradição que criou essa colossal indolência, aceitação e obediência; não posso contar com outrem para me ajudar a mudar, com nenhum instrutor, nenhum deus, nenhuma crença, nenhum sistema, nenhuma pressão ou influência externa. Que sucede então?
Em primeiro lugar, podeis rejeitar toda autoridade? Se podeis, isso significa que já não tendes medo. E então que acontece? Quando rejeitais algo falso que trazeis convosco há gerações, quando largais uma carga de qualquer espécie, que acontece? Aumentais vossa energia, não? Ficais com mais capacidade, mais ímpeto, maior intensidade e vitalidade. Se não sentis isso, nesse caso não largastes a carga, não vos livrastes do peso morto da autoridade.
Mas, uma vez vos tenhais livrado dessa carga e tenhais aquela energia em que não há medo de espécie alguma — medo de errar, de agir incorretamente — essa própria energia não é então mutação? Necessitamos de grande abundância de energia, e a dissipamos com o medo; mas, quando existe a energia que vem depois de nos livrarmos de todas as formas do medo, essa própria energia produz a revolução interior, radical. Nada tendes que fazer nesse sentido.
Ficais então a sós com vós mesmo, e esse é o estado real que convém ao homem que considera a sério estas coisas. E como já não contais com a ajuda de nenhuma pessoa ou coisa, estais livre para fazer descobertas. Quando há liberdade, há energia; quando há liberdade, ela não pode fazer nada errado. A liberdade difere inteiramente da revolta. Não há agir correta ou incorretamente, quando há liberdade. Sois livre e, desse centro, agis. Por conseguinte, não há medo, e a mente sem medo é capaz de infinito amor. E o amor pode fazer o que quer.
O que agora vamos fazer, por conseguinte, é aprender a conhecer-nos, não de acordo comigo ou de acordo com um certo analista ou filósofo; porque, se o fazemos de acordo com outras pessoas, aprendemos a conhecer essas pessoas e não a nós mesmos. Vamos aprender o que somos realmente.
Tendo percebido que não podemos depender de nenhuma autoridade exterior para promover a revolução total na estrutura de nossa própria psique, apresenta-se a dificuldade infinitamente maior de rejeitarmos nossa própria autoridade interior, a autoridade de nossas próprias e insignificantes experiências e opiniões acumuladas, conhecimentos, idéias e ideais. Digamos que tivestes ontem uma experiência que vos ensinou algo, e isso que ela ensinou se torna uma nova autoridade, e vossa autoridade de ontem é tão destrutiva quanto a autoridade de um milhar de anos. A compreensão de nós mesmos não requer nenhuma autoridade, nem a do dia anterior nem a de há mil anos, porque somos entidades vivas, sempre em movimento, sempre a fluir e jamais se detendo. Se olhamos a nós mesmos com a autoridade morta de ontem, nunca compreenderemos o movimento vivo e a beleza e natureza desse movimento.
Livrar-se de toda autoridade, seja própria, seja de outrem, é morrer para todas as coisas de ontem — para que a mente seja sempre fresca, sempre juvenil, inocente, cheia de vigor e de paixão. Só nesse estado é que se aprende e observa. Para tanto, requer-se grande capacidade de percebimento, de real percebimento do que se está passando no interior de vós mesmo, sem corrigirdes o que vedes, nem dizerdes o que deveria ou não deveria ser. Porque, tão logo corrigis, estais estabelecendo outra autoridade, um censor.
Vamos, pois, investigar juntos a nós mesmos; ninguém ficará explicando enquanto ides lendo, concordando ou discordando do explicador ao mesmo tempo que ides seguindo as palavras do texto, porém vamos fazer juntos uma viagem, uma viagem de exploração dos mais secretos recessos de nossa mente. Para empreender essa viagem, precisamos estar livres; não podemos transportar uma carga de opiniões, preconceitos e conclusões — todos os trastes imprestáveis que juntamos no decurso dos últimos dois mil anos ou mais. Esquecei-vos de tudo o que sabeis a respeito de vós mesmo. Esquecei-vos de tudo o que pensastes a vosso respeito; vamos iniciar a marcha como se nada soubéssemos.
A noite passada choveu torrencialmente e agora o céu está começando a limpar-se; é um dia novo, fresco. Encontremo-nos com este dia novo como se fosse nosso único dia. Iniciemos juntos a jornada, deixando para trás todas as lembranças de ontem, e comecemos a compreender-nos pela primeira vez.
Krishnamurti
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill