A visão mecanicista da vida consiste no seguinte: já que o homem é um mero produto do meio e das várias reações somente perceptíveis através dos sentidos, tanto o meio como essas reações devem ser controlados por um sistema racionalizado que permita ao indivíduo atuar dentro dessa estrutura. Compreendam, por favor, o pleno significado dessa visçao mecanicista da vida, incapaz de conceber uma entidade suprema, transcendental, incapaz de conceber algo que tenha continuidade; esta visão da vida não admite nenhuma forma de sobrevivência após a morte — a existência não passa de um breve período de tempo que antecede o aniquilamento. O homem não é senão o resultado de reações ambientais. Preocupado com a conquista de sua própria segurança egoísta, ajudou a criar um sistema de exploração, crueldade e guerra. Sendo assim, suas ações devem ser moldadas e orientadas no sentido de alterar e manipular o meio ambiente.
Existem também aqueles que acreditam ser o homem essencialmente divino; que seu destino é controlado e dirigido por alguma inteligência suprema. Eles afirmam que estão em busca de Deus, da perfeição, da libertação, da felicidade, de um estado de ser no qual todo conflito subjetivo tenha chegado ao fim. Sua crença numa entidade suprema que guia o destino dos homens baseia-se na fé. Dizem que essa entidade transcendetal, ou inteligência suprema, criou o mundo e que o "eu", o ego, o indivíduo, constitui algo permanente em si mesmo, algo que tem uma qualidade eterna.
Algumas vezes você considera a vida mecânica; outras vezes, quando reina tristeza e confusão, volta-se para a fé, em busca de um ser supremo que o guie e ampare. Oscila entre opostos quando, somente através do entendimento de que esses opostos não passam de ilusão, você poderá se libertar de seus percalços e limitações. Você se imagina, com frequencia, livre deles, mas só estará radicalmente livre quando compreender plenamente o processo pelo qual constrói suas limitações e as extingue. Você não pode, em absoluto, chegar à compreensão do real, daquilo que é, enquanto esse eterno processo de ignorância perpetuar. Quando esse processo, que se sustenta às custas da própria atividade volitiva dos seus desejos, cessa, surge o que podemos chamar de realidade, verdade, bem-aventurança.
Krishnamurti - Eddington, Pensylvania, 12 de junho de 1936