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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Amor, liberdade e iluminação


Poucas personalidades espirituais contemporâneas exerceram maior influência sobre a busca de sentido do homem moderno do que Krishnamurti. Há sessenta anos ele tem estado em evidência. Suas viagens frequentes levaram-no a correr o mundo; seus escritos e palestras publicadas têm sido traduzidos para diversas línguas.

A mensagem de Krishnamurti é ao mesmo tempo simples e complexa. Sua merecidamente famosa declaração de 1929, pronunciada quando ele dissolveu a Ordem da Estrela do Oriente, que queria "entronizá-lo" como mestre mundial da nossa época, foi a seguinte: "A Verdade é uma terra sem caminhos. Não é preciso buscá-la por meio de uma hierarquia oculta, um guru, uma doutrina." "O importante é libertar a mente da inveja, do ódio e da violência; e para isso você não precisa de organização".

Entrevistei Krishnamurti — ou Krishnaji, como ele é chamado na intimidade — em abril de 1984. A entrevista mostra que ele não abandonou a postura de quase seis décadas atrás. Krishnamurti continua a exortar ardentemente as pessoas a examinarem seus corações e suas mentes a fim de perceber o egotismo e a ignorância que estão na origem de todo sofrimento e de todos os problemas; é exatamente isso que impede a iluminação. Mas ele faz essa exortação da maneira mais educada e cortês, com graça e bom humor, mesmo quando submete seus ouvintes e interpeladores ao "rolo compressor" do seu diálogo seco mas totalmente impessoal. O contato direto com Krishnamurti é a um tempo exaustivo e revigorante. Não se sai de sua esfera de influência quando se sai de sua presença.

White: O senhor, parece, utiliza a palavra "mente" em diversos sentidos. Sua visão da mente corresponde ao conceito zen da Grande Mente e da Pequena Mente, cujo significado é a mente e o ego de Buda?

Krishnamurti: Eu não leio livros, salvo ocasionais histórias de detetives. Por isso não sei o que o senhor quer dizer com Grande Mente e Pequena Mente. Antes de mais nada, há o cérebro...

White: ...que é diferente da mente.

Krishnamurti: Sim. A mente está fora do cérebro. Não tem relação alguma com o cérebro. O cérebro tem uma capacidade enorme, mas é limitado.

White: Capacidade enorme para que?

Krishnamurti: Para questões tecnológicas. Mas o cérebro é limitado pelo pensamento, pelas respostas sensoriais, pelo condicionamento biológico e psicológico. Ele é condicionado pela religião. É condicionado pela educação. É condicionado pela sociedade. Ora, a sociedade é criada pelos seres humanos que usam o pensamento, que é limitado, e assim a sociedade, sendo atividade psicológica e atividade externa, é criada pelo pensamento. O pensamento é limitado porque nasce da memória, do conhecimento e da experiência. Sem a experiência não há conhecimento. Todo o campo científico se baseia no conhecimento e na experiência, não é mesmo?

White: Se é assim, como ocorre o novo, especialmente no mundo científico?

Krishnamurti: O que há é inovação, que nada tem a ver com criação.

White: Eis uma distinção interessante. Gostaria de ouvir mais a respeito.

Krishnamurti: O conhecimento é limitado porque se baseia na experiência. Acumulamos conhecimento — por conseguinte, ele sempre será limitado.

White: A esfera do conhecimento está em constante expansão, mas cada nova resposta suscita uma dúzia de perguntas novas.

Krishnamurti: Sim. O conhecimento é limitado. O pensamento é limitado. O pensamento está contido nas células do cérebro como memória. Memória é conhecimento.  O pensamento é sempre limitado, seja no passado, no presente ou no futuro. Não existe conhecimento completo. Nunca poderá existir. E mesmo o atributo tradicional da onisciência de Deus ainda deriva do pensamento.

White: O pensamento concebe o conceito de infinidade, mas não o abrange.

Krishnamurti: Claro. Posso imaginar o que quer que seja. Posso conceber um deus com dez braços e um olho. Ou posso conceber Deus como um ente compassivo. Posso conceber Deus como um ente injustíssimo.

White: E colérico...

Krishnamurti: O que o senhor quiser!

White: Então, como estabelecer a diferença entre conhecimento, imaginação e fantasia?

Krishnamurti: É muito simples. A maior parte dos pintores imagina. A poesia, os romances, a literatura se baseiam essencialmente na imaginação e no pensamento, romantismo e pensamento, sensação e pensamento.

White: Mas os artistas criativos trazem para a realidade os produtos de sua imaginação.

Krishnamurti: Sim, mas em si mesmos eles são limitados. Tudo o que se manifesta na tela ou no papel é limitado... tudo.

White: Sem dúvida, mas os artistas não pretendem ser infinitos ou oniscientes... apenas criativos.

Krishnamurti: Sim. Do contrário seriam motivo de riso.

White: Mas se forem criativos...

Krishnamurti: Vamos investigar o que é "criação" e o que é "inovação". Todas as ciências se baseiam no conhecimento e, portanto, são inventivas: computadores, aviões, luz elétrica, bombas atômicas, mísseis. Toda a tecnologia se baseia no pensamento.

White: Mas o senhor diz que ela não é criativa nem inovadora.

Krishnamurti: Ela é invenção.

White: Está dizendo, então, que inventar não é o mesmo que criar ou inovar. Estou interessado em saber qual é a diferença.

Krishnamurti: Chegaremos lá num instante. Ora, quando se percebe que o pensamento é limitado — nunca completo, total ou holístico —, então o pensamento começa a imaginar que existe Deus, anjos e assim por diante, com todos os rituais criados pela religião.

White: Por que o senhor atribui isso ao simples pensamento, e não a uma expressão da própria experiência pessoal?

KrishnamurtiA experiência é limitada.

WhiteAdmitindo-se que a nossa concepção ou conhecimento de Deus é limitada, isto não significa que ela seja apenas um produto da imaginação.

KrishnamurtiNão, eu não disse isso. Disse: Primeiro vem a experiência; em seguida a experiência produz o conhecimento; e esse conhecimento é limitado, quer esteja no passado, no presente ou no futuro. Mesmo o chamado conhecimento divino das pessoas religiosas é limitado. Assim, sem o conhecimento completo, o pensamento é sempre limitado. Ora, com base no pensamento criam-se as tecnologias mais maravilhosas, os engenhos tecnológicos mais destrutivos, assim como todas as coisas das igrejas, das mesquitas e dos templos — tudo com base no pensamento. O senhor pode dizer: "Não, é uma revelação divina.."

White: Mas ainda assim ela é filtrada através do pensamento.

Krishnamurti: Sim. Portanto, o pensamento não pode entender realmente o que é a criação. Pode especular a respeito dela.

White: Mas pode haver diferentes formas de pensamento?

Krishnamurti: Sim, mas ele continua a ser pensamento!

White: Existem outras formas de conhecer, além do pensamento?

Krishnamurti: Ah, eis uma boa pergunta — completamente diferente. A compreensão nada tem a ver com o pensamento. Se a compreensão é um produto do pensamento, então essa compreensão é parcial.

WhiteDe fato. Esse é o caso por definição, se não tivermos onisciência...

Krishnamurti: Nunca podemos tê-la. O pensamento nunca poderá capturá-la. Podemos ser um astrofísico e investigar o universo, mas a compreensão sempre estará na esfera do pensamento. Portanto, o universo pode ser freqüentemente capturado pelo pensamento. Podemos compreender isso logicamente, podemos compreender de que é feito o universo — gases e assim por diante. Mas isso não é o universo.

WhiteEstá dizendo que compreendemos até certo ponto os constituintes do universo, mas não podemos compreender o universo na sua totalidade.

KrishnamurtiSim. Não podemos compreender a imensidão e a beleza do universo. Podemos especular, podemos imaginar. Posso imaginar uma linda montanha e pintar o que imagino, mas a montanha é diferente da minha imaginação. Assim, pode haver compreensão parcial ou total. Porém, a compreensão total não se baseia no conhecimento. Não se chega a ela através do pensamento. A compreensão não é produto do tempo.

WhiteEssa compreensão total é outro nome para a iluminação?

Krishnamurti: Deixe-me entender o que o senhor quer dizer com iluminação. O senhor está perguntando: "O que é iluminação?" Não sei exatamente o que quer dizer com essa palavra.

White: Estou falando da compreensão radical da natureza última de nós mesmos e da criação — para além de todo pensamento, para além de todo raciocínio lógico, discursivo, intelectual. É a percepção direta e imediata da realidade.

KrishnamurtiPercepção imediata da verdade — não da realidade.

White: Em que a verdade é diferente da realidade?

Krishnamurti: Mostrar-lhe-ei em um minuto. Realidade é esta mesa. Podemos tocá-la e vê-la. Mas esta mesa é criada pelo pensamento. Que também é realidade. O pensamento cria muitas ilusões; isso também é realidade. Posso pensar que sou Napoleão, e isso também é realidade. Tudo o que o pensamento cria é realidade. Mas a natureza não é criada pelo pensamento. Um tigre não é criado pelo pensamento.

White: Alguns poderiam argumentar que o tigre é um pensamento de Deus.

Krishnamurti: Não, não. O senhor, eu e outros chamamos esse animal de extraordinária beleza e força de "tigre". Poderíamos chamá-lo de qualquer outra coisa, se quiséssemos. Mas a natureza — as árvores, as flores, os campos — não é criada pelo pensamento. No entanto, ela é uma realidade. Assim, os objetos físicos são realidades. As ilusões são realidades. E posso dizer, por exemplo: "Acredito em Jesus."

White: Sendo assim, a crença também é realidade.

Krishnamurti: Sim. Tudo o que o pensamento cria é realidade, mas a natureza não é produto do pensamento. Portanto, realidade é tudo isso, mas a verdade não é tudo isso. Assim, de que estamos falando? O senhor está perguntando: "O que é iluminação ", e diz: "Percepção imediata da verdade — aquilo que é eterno." Ora, o que o senhor quer dizer com percepção? Ou somos lógicos, racionais, sensatos — psicologicamente saudáveis — e então vamos além disso — ou pregamos todos os tipos de peças em nós mesmos.

White: Perdemo-nos na fantasia e na ilusão.

Krishnamurti: Sim, no romantismo e tudo o mais. Bem, o senhor diz que iluminação é a percepção instantânea da verdade. Que quer dizer com "percepção"? Existe um observador que percebe a verdade instantaneamente?

White: Se está pedindo a minha resposta, ediria que esta é uma situação paradoxal de sim-e-não.

Krishnamurti: Não! Não é realmente assim. Quem é o observador?

White: Tomemos eu como exemplo. Eu sou o observador.

Krishnamurti: O senhor é o observador que percebe a verdade.

White: Exato.

Krishnamurti: O que o senhor é? Quem é o observador?

White: Existe o aspecto orgânico-biológico de mim mesmo. Existe a herança genética. Existe a aculturação social e o condicionamento...

Krishnamurti: Continue. Existe o medo, o prazer, a dor...

White: Todas as dimensões emocionais. E existe a aptidão para o pensamento racional, lógico, analítico.

Krishnamurti: Pode ser que não. O senhor poderia estar perturbado.

White: Sim, isso também é possível.

Krishnamurti: Senhor, o observador não é o passado?

White: Não completamente.

Krishnamurti: Que quer dizer?

White: Assim como temos a capacidade de estar conscientes, temos também a capacidade de nos libertar para assumir uma postura mental sobre e contra aquilo que é percebido.

KrishnamurtiMas o senhor não está respondendo à minha pergunta. Quem é o observador?

WhiteEm última análise, o observador é o processo cósmico atuando através de mim.

KrishnamurtiAh, agora sim! "Processo cósmico atuando através de mim" — está percebendo o que disse? O "mim" é muito limitado! É egoísta, egotista, sofredor. O observador é aquilo em que tudo isso está incluído. Ele inclui suas respostas biológicas, suas ilusões, suas teorias prediletas — certo? —, as conclusões e os ideais pelos quais vive, e assim por diante. Todo esse feixe é basicamente memória. Sem a memória o senhor não poderia pensar, não poderia dizer tudo isso.

WhiteSem dúvida.

KrishnamurtiEntão as memórias inventaram tudo isso.

White: Se o senhor iguala pensamento e percepção, sim. Mas eu não faço isso.

KrishnamurtiMas o senhor disse que existe um observador que é tudo isso.

White: Mas que não é só isso.

Krishnamurti: Como sabe? O senhor gosta de pensar que não é só isso.

White: Minha experiência direta me diz que não é só isso.

Krishnamurti: A experiência como avaliador é a mais perigosa das coisas.

White: Não, porque embora o conhecimento, em última análise, seja subjetivo, ele é posto à prova na comunidade...

Krishnamurti: Sim, e esta é sempre limitada.

White: Sem dúvida, ela é limitada, mas isso não significa que seja falsa.

Krishnamurti: Não, seja ela falso conhecimento ou verdadeiro conhecimento, ambos são conhecimento. Estamos falando de conhecimentoseja ele bom ou mau.

White: Bem, o senhor acabou de dizer que o meu conhecimento ou a minha experiência podem não ser verdadeiros.

Krishnamurti: Não, eu disse que o observador é o passado atuando no presente.

White: O que se depreende daí?

Krishnamurti: Enquanto o passado está observando, percebendo, ele não é verdadeiro. Enquanto o observador é o passado, e concordamos em que é, ele percebe aquilo que considera a verdade, mas que na realidade não é a verdade, pois ele está avaliando, julgando a verdade de acordo com o seu passado, que é memória.

WhitePermita-me testar sua perspectiva com um exemplo simples. Se eu observo um lindo pôr-do-sol e simplesmente me deixo envolver por ele, não existe pensamento, memória, comparações mentais. Há apenas a apreciação direta...

Krishnamurti: Não, não, nem mesmo apreciação. A experiência é tão grandiosa que nada existe além disso — imersão na experiência do pôr-do-sol. Que acontece então? O senhor não a deixa. O pensamento irrompe e diz: "Que maravilha! Que lindo! Tenho que voltar para rever este pôr-do-sol amanhã.

White: Isso é errado?

Krishnamurti: Então o senhor já criou uma imagem na sua mente. Ela é registrada no cérebro. No momento em que se manifesta, ela é limitada. Quando o senhor estava apenas observando, não havia prazer nem lembrança, mas um segundo depois o pensamento aflora e diz: "Vou falar ao meu amigo sobre o pôr-do-sol." Pronto! A simples experiência de observar se foi. Então o senhor pinta o pôr-do-sol, escreve um poema ou o que quer que seja.

White: Qual é a sua resposta?

Krishnamurti: Enquanto existir o observador, aquilo que ele percebe será limitado e, por conseguinte, não é verdadeiro.

White: É real, mas não necessariamente verdadeiro.

Krishnamurti: Não digo que necessariamente não seja verdadeiro. Mas pode-se perceber todos os tipos de coisas. Enquanto permanece o observador, o observador é ilusão.

White: Existe um eu ilimitado que pode perceber?

Krishnamurti: Ah! Está vendo? No momento em que diz isso, o senhor já inventou um super eu.
White: Não, só estou perguntando.

Krishnamurti: Não existe um super eu. Existe apenas o eu. Superconsciente — tem-se brincado com essa ideia há muito tempo, há séculos. Mas, quer o chamemos de supereu, superconsciencia, atman ou seja o que for, ele permanece na esfera do pensamento. O senhor pode dizer que existe um eu superior, ou poder dizer que o seu guru afirma que ele existe, mas não há autoridade nessas questões. A autoridade tem de ser totalmente negada. Essa ideia só pode acontecer quando existe muito ceticismo, dúvida. Ela não é permitida no mundo, exceto para a ciência. O mundo religioso é um autoritarismo total.

White: Mas se formos além desse autoritarismo que tanto condiciona a mente, as percepções e o conhecimento...

Krishnamurti: Não podemos, a não ser que realmente o façamos.

White: Sim. Digamos que uma pessoa ouse, arrisque-se, seja o que for. Nesse processo, menospreza-se totalmente a autoridade, ou ela só e posta à prova?

Krishnamurti: A autoridade dos policiais, ou do chamado governo eleito, ou a autoridade dos governos totalitários — são todos autoridade. Somos forçados a obedecer, quer gostemos, quer não.

White: Estou falando de autoridade na esfera do conhecimento.

Krishnamurti: Na esfera do conhecimento o senhor pode saber muito mais do que eu. Mas por que deve haver autoridade? O senhor pode usar a autoridade para me controlar.

White: O verdadeiro mestre não usa o conhecimento dessa maneira.

Krishnamurti: Portanto existe a autoridade do policial, da lei, do governo. Mas na esfera — o senhor usa a palavra "espiritual" — não existe autoridade.

White: Exceto nós próprios.

Krishnamurti: Não. Nós próprios também somas criados pelo pensamento.

White: Incluindo o senhor?

Krishnamurti: Oh, tudo! Para os que vão além do eu, não existe autoridade.

White: Quer dizer que eles não têm uma consciência de si próprios como uma autoridade para os demais.

Krishnamurti: Sim. Não existe autoridade neles mesmos.

White: Há uma verdadeira consciência.

Krishnamurti: Não. Um momento. Humildade não é o contrário de autoridade ou orgulho.

White: Explique isso, por favor.

Krishnamurti: Tomemos as palavras "bom" e "mau". Dizemos "Isso é mau e aquilo é bom." Odiar as pessoas é mau, amar é bom. O mau e o bom estão relacionados?

White: Parece que sim.

Krishnamurti: Então não é o bem.

White: O bem não é o bem se está relacionado com o mal?

Krishnamurti: Não é o bem porque contém o mal. Veja bem: amor e ódio — se estão relacionados, então não é o amor.

White: Pode-se dizer que é amor maculado, ou amor impuro, mas ainda assim é amor.

Krishnamurti: Não é amor.

White: Como atingir o amor puro, verdadeiro? E qual a sua relação com a iluminação?

Krishnamurti: Ele tem relação com a iluminação. O senhor declarou que iluminação é a percepção direta e imediata da verdade — não da "minha", da "sua" verdade, da verdade "cristã" ou outra qualquer, mas a Verdade. Enquanto existir o observador, aquele que percebe, quando percebe, a verdade não existe. A verdade só pode existir quando não existe observador, mas apenas percepção. Isso é totalmente diferente.

White: Quer dizer que não existe percepção mental de limite ou divisão entre sujeito e objeto?

Krishnamurti: E qual é a relação entre a percepção sem observador e o amor? Que é o amor? É desejo? Prazer? É uma coisa criada pelo pensamento? Pode existir amor onde existe ambição? Onde existe ciúme, ódio, medo — tudo isso? Claro que não. Então, se não existe liberdade do medo, não existe amor.

White: E liberdade da ambição, da luxúria e assim por diante?

Krishnamurti: Naturalmente. Mas o que quer dizer com "luxúria"?

White: Estou falando de uma das formas tradicionais de comportamento não-virtuoso.

Krishnamurti: Uma forma tradicional de comportamento não é comportamento — é seguir um padrão.

White: Pode existir conformismo inteligente.

Krishnamurti: Não. Se é conformismo, não é bom.

White: Mas o conformismo voluntário é liberdade.

Krishnamurti: Um instante, senhor. O conformismo jamais pode trazer a liberdade.

White: Estou dizendo que a liberdade pode levar ao conformismo — ao conformismo inteligente.

Krishnamurti: Quando vou à Índia, uso roupas indianas. Quando estou na Europa, uso roupas europeiasMas isso não é conformismo.

White: Mas é nesse sentido que estou usando a palavra. Quero dizer sujeitar-se aos costumes de um lugar ou de uma sociedade.

Krishnamurti: Isso é muito insignificante. Veja, levanto-me quando uma senhora chega à porta. Isto são apenas boas maneiras.

White: Mas estou falando de mais do que isso. A questão envolve os costumes codificados pela lei e também pela política.

Krishnamurti: Senhor, a política está criando cada vez mais problemas. Mal começa a solucionar uma coisa e a solução suscita uma dúzia de outros problemas.

White: Estamos falando de amor, liberdade e iluminação. Estou afirmando que na liberdade e possível adaptar-se voluntariamente a certos costumes e que isto pode ser um ato de amor.

Krishnamurti: Um momento, senhor. Que quer dizer com liberdade?

White: Estou usando a palavra no sentido que depreendo da forma como a utiliza: além de todo pensamento e comportamento biológica, hereditária e socialmente condicionado.

Krishnamurti: Seu cérebro é condicionado pela educação, pela tradição, pela televisão, pelos jornais — toda a sociedade em que o senhor vive — e pelo ambiente. E, enquanto perdurar esse condicionamento, não haverá liberdade.

White: Concordo.

Krishnamurti: (risos) Você pode concordar com tudo.

White: No interesse da nossa discussão, isso me parece perfeitamente sensato.

Krishnamurti: Isto não é uma discussão. O que está havendo é um diálogo. O significado dessa palavra, "diálogo", é uma conversa entre duas pessoas. O senhor já analisou toda a questão do diálogo? É muito interessante. Estamos travando uma conversa — há um diálogo entre nós. O senhor me faz uma pergunta, eu respondo. O senhor questiona a resposta e eu respondo, e vice-versa. O senhor responde, eu pergunto. Neste processo, gradativamente, o senhor desaparece; só fica a pergunta. E o mesmo se dá comigo. Pois o questionamento é mais importante que a minha ou a sua resposta.

Veja: o senhor pergunta "O que é o amor?" Eu respondo; o senhor dá uma contra-resposta. Eu pergunto; o senhor replica. À minha réplica o senhor faz uma pergunta; e a uma pergunta, eu replico. Nesse processo, que acontece? O senhor desaparece por completo. Existe apenas a pergunta e a resposta, até chegarmos a um ponto no qual existe apenas a pergunta e o senhor não pode respondê-la, nem eu tampouco. Deixe a pergunta fluir, de modo que não haja respostas pessoais...

White: Isto é uma investigação a dois?

Krishnamurti: Mais do que isso, senhor. É penetrar, expandir, expandir, expandir até chegar a um ponto cm que não se pode mais expandir. Quando alcança esse ponto, o senhor desaparece. Eu desapareço. Existe apenas isto.

White: E que nome o senhor dá a isto?

Krishnamurti: Não, não, não! Está vendo, o senhor já está pronto para dar nome à coisa.

White: (risos) Mas meus leitores estão esperando...

Krishnamurti: Deus existe? Faço esta pergunta e o senhor diz: "Sim, Deus existe." Então eu questiono esta pergunta e digo que Deus é uma invenção do pensamento. Enquanto permanecer em estado de medo, o homem inventará Deus. Assim prosseguimos, eu e o senhor, alternadamente, até chegarmos a um ponto: Deus existe? O senhor não sabe. Eu não sei, realmente.

White: Eu responderia que sei, que este é o fato primordial de minha experiência, para além de todo pensamento e discussão.

Krishnamurti: Um momento. Os cientistas afirmam que os seres humanos começaram de uma pequena célula e são o resultado da evolução dessa pequena célula. Isto é um fato. Mas o que o senhor está dizendo é algo particular, é uma invenção do homem. A evolução não é uma invenção... Toda a vida começou no mar.

Science of ManBem, o que o senhor está dizendo é uma interpretação...

Krishnamurti: Seus próprios pensamentos são uma interpretação! (risos) O que estou tentando mostrar é o seguinte: Pergunta-e-resposta é um movimento extraordinário de investigação até o senhor chegar a um ponto em que o seu cérebro não pode responder. Então essa pergunta possui sua própria vitalidade, sua própria energia. Não é o senhor que responde a ela. Ela responde a si mesma.

White: Então, nessa experiência de auto-resposta, a pessoa...

Krishnamurti: O senhor está usando palavras! Não é uma pergunta; a coisa está mostrando a resposta. O senhor não está respondendo; essa pergunta produz por si só a sua resposta. Tal é o verdadeiro diálogo. Assim, o senhor está dizendo que iluminação é a percepção imediata ou compreensão imediata da verdade. E eu replicaria que, enquanto existir observador no passado, aquilo que ele percebe não é a verdade. É limitado. Se sou cristão, budista, muçulmano, hindu ou seja o que for, acredito em Deus, Alá ou Brahman, em quem quer que seja. Basicamente, para mim esta é uma realidade imensa. Naturalmente, cresci com ela e portanto acredito nela. O senhor pode dizer: "Isso é ilusão." Para mim não é ilusão. Portanto, quando acredito numa coisa, ela se toma realidade para mim. Está vendo, o pensamento está atuando ai.

Ora, estamos falando de amor. Não é ele desejo, prazer? O amor contém ou tem relação com o ciúme, a ambição, a cobiça, o medo e assim por diante? Nesse caso não é amor, evidentemente. Como posso ser compassivo se estou apegado a determinada crença ou dogma? Suponhamos que eseja um católico que acredita piamente num certo salvador e se considera compassivo. Na realidade, enão sou compassivo porque essa crença me limita, dá forma ao meu pensamento.

White: É possível fazer a coisa certa se não existe necessariamente o motivo correto, ou a razão correta por trás dela? É possível, ainda assim, praticar uma ação correta?

Krishnamurti: Enquanto o seu motivo não for puro, ela não pode ser a coisa certa.

White: Digamos que o mundo decida acabar com as armas nucleares por medo, e não por amor. Mesmo assim não seria uma ação correta?

Krishnamurti: Mas a bomba atômica, e todo o resto, foi criada pelo medo, pelo nacionalismo, etc.

White: Independentemente dos motivos, o desarmamento nuclear é uma ação correta?

Krishnamurti: É claro. Mas se acabarmos com essas armas, inventaremos outras.

White: Mesmo que isso possa acontecer, o desarmamento em si seria...

Krishnamurti: Benéfico.

White: Portanto é possível realizar uma ação correta mesmo que o motivo não seja correto.

Krishnamurti: Um momento. Que quer dizer com "ação correta"?

White: O senhor acabou de dizer que o desarmamento nuclear seria benéfico, ainda que motivado pelo medo, e não pelo amor.

Krishnamurti: Não, eu não disse isso. Essa ação baseia-se em conveniência, segurança.

White: Mas isso não é necessariamente errado.

Krishnamurti: Eu não disse que é errado.

White: O senhor acabou de dizer que é benéfico.

Krishnamurti: Naturalmente, se ajudar a humanidade a viver mais cinqüenta anos... antes que inventem outra coisa! (risos)

White: Mente-bomba...

Krishnamurti: O amor só pode despontar quando existe liberdade.

White: Mas para mim a questão é a seguinte: é possível realizar um ato amoroso ou compassivo em sentido parcial, embora...

Krishnamurti: O senhor percebe que enquanto existir ódio não existirá amor? Enquanto existir medo não existirá amor? Enquanto eu estiver limitado por uma crença particular não existirá amor? Enquanto estiver lutando por meu próprio eu não existirá amor? Enquanto estiver apegado à minha individualidade não existirá amor? Sendo assim, tudo isso pode ser removido, posto de lado?

White: Eis a questão.

Krishnamurti: Claro que pode!

White: Como?

Krishnamurti: Quando o senhor pergunta como, está querendo um mapa, um sistema.

White: Eu só quero sua resposta para a minha pergunta.

Krishnamurti: Quando o senhor pergunta "como?", está pedindo um sistema, um mapa. Onde existe um sistema, existe intrinsecamente um fator de deterioração. Qualquer sistema!

White: Mas a deterioração pode estar fora dos limites desse sistema, e não dentro do sistema em si.

Krishnamurti: Oh, sim, o sistema em si está em decadência. Qualquer sistema.

White: Estamos então em um dilema.

Krishnamurti: Não! Não peça um sistema.

White: Eu não pedi um sistema. Só perguntei "como?"

Krishnamurti: Estou respondendo à palavra como. Quando o senhor usa a palavra, isto significa que quer saber como fazê-lo. Significa que está querendo um método.

White: Pode ser metódico, pode ser caótico, pode ser aleatório. Estou simplesmente pedindo a sua orientação sobre como solucionar o dilema a que chegamos em nosso diálogo.

Krishnamurti: E qual é ele?

White: Como amar quando somos constantemente afastados do amor por todo o condicionamento que nos influência?

Krishnamurti: Deixe o amor em paz e descondicione-se. Descondicionamento. Pode haver liberdade do condicionamento?

White: Pode?

Krishnamurti: Eu digo que sim. Isso significa que o senhor precisa descobrir ou tomar consciência por si próprio, e não de acordo com algum psiquiatra ou filósofo. O senhor está condicionado — como americano, russo, britânico e assim por diante. Pode ter consciência de tudo isso? Será que alguém percebe como o senhor é limitado, como é destrutivo, como é venenoso? Isso é que está criando as guerras! Como pode a liberdade resultar disso tudo? Claro que pode. Um ser humano assim não pertence a nenhum país, a nenhuma religião organizada.

White: Isso é parte de sua resposta à minha pergunta?

Krishnamurti: É.

White: Ou seja, não pertencer a nenhum país.

Krishnamurti: Claro! Tenha uma visão global.

White: O senhor está falando de fidelidade mental, e não de cidadania.

Krishnamurti: Que quer dizer com fidelidade mental?

White: Quero dizer: sou cidadão dos Estados Unidos mas...

Krishnamurti: Sim, tenho passaporte indiano.

White: Então o senhor está falando de uma visão global que vai além do patriotismo, do nacionalismo, tudo isso.

Krishnamurti: E o senhor tem problemas econômicos — problemas de riqueza e pobreza, problemas de vários tipos, porque cada país quer apenas para si e não procura solucionar o problema econômico como um todo.

White: Então, se não for adotada uma perspectiva global...

Krishnamurti: Adotar não! Veja isso! Viva isso! Caso contrário, o senhor destruirá a si mesmo.

White: Então, se uma pessoa vê e vive isso, isso é amor?

Krishnamurti: Um instante! Dissemos que amor é estar livre do medo. Tomemos essa faceta da liberdade. Que é liberdade? Liberdade de quê? Ou liberdade para quê? Se é apenas liberdade de algo, não é liberdade. Se sou prisioneiro em uma prisão — seja ela uma prisão imaginária ou real —, tudo o que quero é me libertar dessa limitação que é a prisão. Isso não é liberdade! É apenas uma reação. Assim sendo, existe uma liberdade per si

White: Não neste caso. A ânsia de liberdade é apenas uma resposta condicionada.

Krishnamurti: Sim, só existe liberdade quando não existe resposta condicionada.

White: O que equivale à ausência de medo, o que equivale ao amor. Ora, o senhor criou aqui uma equação que eu gostaria de ver apresentada explicitamente. Está dizendo que a liberdade de todo condicionamento é o mesmo que a liberdade em relação ao medo, que é o mesmo que amor.

Krishnamurti: Claro. A origem etimológica da palavra "liberdade" é, creio eu, a mesma da palavra "amor".

White: Continuo com a mesma pergunta: Como alguém se torna amor ou é o amor?

Krishnamurti: Não se pode ser o amor. O amor está fora do cérebro.

White: Então, como se vive como amor?

Krishnamurti: Como uma pequena mente insignificante pode amar? Como uma mente condicionada produz amor? Ela não pode fazê-lo. Quando existe liberdade do condicionamento, a outra coisa simplesmente existe. Não é uma questão de como vivê-la.

White: Talvez eu pudesse dizer que ele vive através de mim.

Krishnamurti: Não! O "mim" é limitado.

White: O organismo é limitado, mas a mente...

Krishnamurti: A mente também é limitada. O cérebro também é limitado.

White: Então este estado que chamamos de amor deve ser a realidade última.

Krishnamurti: Não, não! Agora o senhor está usando a palavra "estado" num sentido diferente. O cérebro humano é condicionado pela cultura, pela nacionalidade, pela educação e assim por diante. Enquanto existir esse condicionamento, o amor não pode existir. Porque esse condicionamento é medo e tudo o mais. Assim, quando acabar esse condicionamento, o outro existe. Como posso ser ambicioso, ganancioso, invejoso e falar de amor? Não posso. Desejo não é amor. Mas reduzimos o amor a um significado tão pequeno e lamentável que é difícil falar a respeito dele. Se digo que amo a minha esposa, eu realmente a amo? Ou é desejo, prazer, identificação?

Ora, o senhor perguntou a respeito da iluminação. Fico pensando por que estamos todos interessados em iluminação?

White: Este é um termo que denota um estado de ser a que todas as pessoas aspiram — embora inconscientemente, a princípio.

Krishnamurti: Sem dúvida. Iluminação significa liberdade total, completa.

White: Concordo.

Krishnamurti: É a liberdade total em relação ao eu — liberdade do medo, da ansiedade, dos apegos, da tristeza. Assim, se o senhor publicar um artigo sobre iluminação, as pessoas vão ler e dizer: "Sim, concordo com isso", e continuarão com a sua vida diária, inalterada.

White: O senhor está interessado rm mudar vidas.

Krishnamurti: Sim, mas isso exige muita atenção, muita investigação de si mesmo, e não apenas ler alguma coisa e dizer: "Concordo." Existem muito poucas pessoas que dizem: "Vou mudar." As pessoas não percebem o perigo do nacionalismo e tudo o mais.

White: Embora seja cada vez maior a consciência desse perigo...

Krishnamurti: O que significa libertar-se, compreende?... não pertencer a nenhum país. A Terra é nossa para que vivamos nela, e não para ser dividida, dividida, dividida. E o pensamento fez isso! Americanos, ingleses, russos, chineses, indianos — tudo isso é produto da atividade do pensamento. Sendo o pensamento limitado, toda ação resultante do pensamento também será limitada. Mas a ação global, o sentimento global, é algo totalmente diferente. O conteúdo de nossa consciência — o raciocínio e as reações biológicas c filosóficas, o medo, tudo isso — é comum a todos os seres humanos. O senhor pode sofrer com a solidão, o desespero, a depressão. Vá para outra parte da Terra e verá que as pessoas ali sentem a mesma coisa, talvez com termos diferentes para designá-la — mas a tendência subjacente é a mesma.

White: E essa tendência é o pensamento condicionado?

Krishnamurti: Não. Tomemos um exemplo. A América sofre — tem os seus desgostos. Vá para a índia, o Japão, a Rússia — lá também existe sofrimento. Partilhamos algo comum.

White: Ou seja, a experiência humana comum que não depende de fronteiras nacionais.

Krishnamurti: Exato. A tendência comum é partilhada por todos nós. Portanto, não existe individualidade, psicologicamente. Veja bem. O senhor vai para índia e vê pobreza, muita pobreza, que é degradante e causa sofrimento. Esse sofrimento é comum a toda a humanidade. Então o senhor é a humanidade, e não o Sr. Smith ou a Sra. Jones. Interiormente, psicologicamente, somos seres humanos. Somos a humani­dade.

White: E o senhor está dizendo às pessoas: "Vejam, tome consciência de sua humanidade comum."

Krishnamurti: Sim. E quando o senhor se torna realmente cônscio da humani­dade, veja o que lhe acontece.

White: Isso é parte de sua resposta à minha pergunta de como... olhar para a nossa humanidade comum, rejeitar todos os rótulos?

Krishnamurti: Primeiro olhe para ela, sinta-a, veja-a com os seus olhos, com o seu sangue, ouça tudo — que o senhor não é um indivíduo lutando por si mesmo, embora todas as religiões digam que o senhor é uma alma individual.

White: Mas muitas religiões proclamam a humanidade comum como a base para um mundo pacífico.

Krishnamurti: Mas elas não vivem isso.

White: Mas isso é culpa da religião ou da pessoa?

Krishnamurti: É culpa da religião e culpa dos seres humanos. O que é importante? Não é a palavra impressa, não é o que alguém disse...

White: ...mas a experiência vivida.

Krishnamurti: Sim. Mas vivê-la sem medo.

White: O senhor disse que nenhum guru, nenhuma filosofia, nenhum método é suficiente para compreender o discernimento, a liberdade — para compreender a si mesmo.

Krishnamurti: Os gregos antigos diziam "Conhece-te a ti mesmo", e antes deles os hindus diziam a mesma coisa. Mas ninguém disse: "Bem, eu vou descobrir."

White: Muitas pessoas disseram isso.

Krishnamurti: Elas não fizeram isso.

White: Ah, mas isso é outra coisa.

Krishnamurti: Estou falando de se observar a si mesmo — os medos, a solidão, os ciúmes, as ansiedades — e, ao ver tudo isso, o senhor se liberta. Puf!

White: Muita gente pode sair em busca de um tesouro escondido. A maioria não o encontrará. Mas digamos que uma ou algumas pessoas o encontrem. Pode citar os indivíduos na história a quem o senhor...

KrishnamurtiNão posso mencionar personalidades.

White: O senhor vê alguém...

Krishnamurti: Talvez sim. Mas isso não tem importância.

White: Ah, mas o exemplo dessas pessoas...

Krishnamurti: O exemplo dessas pessoas. Isso significa que o senhor segue um exemplo.

White: Não necessariamente de maneira rígida e autoritária.

Krishnamurti: O senhor é mais importante do que qualquer outra coisa — exemplos, salvadores. Compreenda a si mesmo e liberte-se do medo.

White: Mas se existe uma humanidade comum e essas pessoas a realizaram em sua essência, então pode-se aprender com elas.

Krishnamurti: O que o senhor pode aprender? Veja. O senhor está aprendendo comigo? Está realmente aprendendo? Não está memorizando?

White: Sim, compreendo o que está dizendo.

Krishnamurti: Ótimo. Muita gente compreende. O monge que acorda às três horas da manhã para orar é tão condicionado quanto o homem comum.

White: O senhor tem esperança de que sua mensagem esteja sendo ouvida, apreendida e vivida?

Krishnamurti: Tenho falado nos últimos sessenta anos ou mais.

White: Como avalia a situação do mundo atualmente? Como vê o mundo de hoje? Tem havido algum despertar para o amor?

Krishnamurti: Algumas pessoas têm despertado. Algumas interrompem a jornada na metade do caminho. Muito poucas empreendem toda a jornada.

White: Acha que a sua mensagem teria obtido melhor resposta dos egípcios de 4000 a.C. ou dos homens de Neanderthal de 50 000 a.C. do que das pessoas de hoje? Em outras palavras, o mundo está em declínio ou existe alguma evolução na nossa capacidade de compreensão e amor?

Krishnamurti: Acho que agora está ficando mais difícil. As pressões são demasiado grandes.

White: Mas este pode ser o terreno para um desenvolvimento magnífico. Acha isso possível em escala global?

Krishnamurti: Talvez.

White: As pessoas estão falando da vinda de um Mestre Mundial e do desenvolvimento de uma sociedade unificada, baseada no amor e na sabedoria. Vê isso acontecendo agora?

Krishnamurti: Creio que está acontecendo num ritmo muito lento, em escala bastante reduzida. Em escala muito, muito reduzida. A maior parte do mundo está se preparando para a guerra.

White: Mas existe uma contracorrente tentando criar a paz.

Krishnamurti: Eles não combatem a guerra — combatem uma guerra particular. Percebe o que isso significa? Eles não dizem: "Vamos parar com as guerras e com a preparação para a guerra." Todas as indústrias baseiam-se nas guerras. Então isso significa: os seres humanos precisam acordar.

White: E estou perguntando se o senhor percebe isso acontecendo no mundo com força suficiente para ocasionar uma mudança.

Krishnamurti: Esporadicamente.

WhiteO senhor espera que o processo sc acelere.

Krishnamurti: Sim.

WhiteMas parece-lhe que isso está realmente acontecendo? Que a Nova Era ou Era de Aquário está chegando?

Krishnamurti: Não tenho certeza. Os que falam disso... suas próprias vidas o negam. Suas próprias vidas não são pacíficas. Não sei se o cérebro humano não está se deteriorando. Neste país existem especialistas em tudo. Especialistas em sexo, especialistas em beleza, especialistas em cabelo, especialistas em biologia, especialistas em como se vestir, especialistas em guerra e em como matar.

White: Está falando da fragmentação cada vez maior em nossas vidas.

Krishnamurti: Os americanos aceitam esses especialistas. Se querem embelezar- se, dizem ao especialista: "Diga-me como e copiarei." O que está acontecendo aos seres humanos que são dominados pelos especialistas, o que está acontecendo a este país? Estão perdendo a liberdade.

White: Então seria justo afirmar que o senhor está dizendo às pessoas: "Amem, sejam livres, mas não me perguntem como fazer isso — descubram sozinhos"?

Krishnamurti: Não, não! Eu já falei do "como". Eu disse: "Não existe como. Observe. Olhe. Fique com isso. Veja todas as implicações — e não fuja." Para mim, o "como" significa sistema, método. Intrinsecamente, em qualquer sistema há deca­dência. Não importa qual seja o sistema — ideológico, prático, político. Qualquer sistema contém inevitavelmente a sua própria decadência. Esta é a lei, e isso é óbvio.

White: Posso fazer-lhe algumas perguntas a esse respeito?

Krishnamurti: Pois não.

White: Existem sistemas biológicos e sistemas físicos que aumentam sua energia e complexidade.

Krishnamurti: Naturalmente. Estou falando sobretudo de sistemas psicológicos. IBM baseia-se num sistema formidável. É um dos maiores sistemas do mundo, excetuando a Igreja católica romana. Há decadência se o sistema não mudar constan­temente, como faz a IBM. Existem poucas, pouquíssimas pessoas no mundo que fizeram uma mudança em seu estado, mas são elas que mudam a consciência da humanidade. Quanto mais pessoas desse tipo, melhor — compreende?

White: É precisamente isto que me interessa.

Krishnamurti: Elas são poucas, pouquíssimas, mas podem mudar toda a cons­ciência da humanidade.

White: Mas se isso não acontecer, quais são as perspectivas?

Krishnamurti: Assustadoras. O senhor pode ver o que está acontecendo. Leia os jornais, as revistas.

White: Outros vêem correntes ou tendências ocultas de mudança e transforma­ção, e esperam vê-las florescer em escala global muito em breve. Chamam-na de Conspiração Aquariana ou Era de Aquário ou mudança da consciência.

Krishnamurti: A palavra "mudança" significa mudar de uma forma em outra. Estamos falando, não de uma simples mudança, mas de uma mudança radical, de uma mudança psicológica — não de passar de uma coisa para outra, mas do fim de alguma coisa e do começo de algo totalmente novo.

White: Para o indivíduo; mas em escala global.

Krishnamurti: Não! Eu disse que se existirem poucas pessoas já será o suficiente para afetar toda a consciência.

White: Isto soa como se um salvador milagroso fizesse isso por nós.

Krishnamurti: Não, não, não! Acabamos de concordar em que partilhamos uma consciência humana comum, certo? Se algumas pessoas põem fim ao sofrimento, então toda a consciência é afetada.

White: Por intermédio das pessoas que descobrem isso, que estudam e aprendem isso?

Krishnamurti: Sim.

White: Mas esse processo é gradual.

KrishnamurtiNão. É por isso que o tempo é inimigo do homem. Não vamos entrar na questão do que é o tempo agora.

White: Posso insistir nesse ponto por um instante? O senhor passou sessenta anos tentando despertar a raça humana para a verdade.

Krishnamurti: Primeiro para o perigo, depois para a verdade.

White: Outras pessoas afirmariam que estão fazendo a mesma coisa, e outras ainda diriam que o senhor e aqueles outros mestres estão realizando algo, que  uma mudança acontecendo no mundo de hoje, embora ela não seja visível de imediato.

Krishnamurti: Talvez.

White: Mas o senhor não concorda com a idéia de que uma transformação da consciência está acontecendo no mundo neste momento?

Krishnamurti: O senhor sabe o que está acontecendo na Europa? A cultura desse povo está soçobrando; a indústria está soçobrando; tudo está em declínio.

White: O mesmo está acontecendo na América?

Krishnamurti: Não tanto. Não obstante, o materialismo — o desejo de dinheiro, de posição — tornou-se mais importante.

White: É algo que está conosco há muito tempo, mas vejo indícios de que um número significativo de pessoas está começando a ir além do materialismo.

Krishnamurti: Que indícios?

White: Uma Madre Teresa de Calcutá, por exemplo.

KrishnamurtiNão quero discutir personalidades.

White: Está bem. Sem citar nomes, direi apenas que existem muitas pessoas e organizações humanitárias alimentando os famintos, tratando dos doentes, vestindo os pobres e assim por diante.

Krishnamurti: O humanitarismo não está modificando a consciência dos homens.

White: Isso significa que as obras humanitárias não são boas?

Krishnamurti: Não, elas em parte ajudam a aliviar o sofrimento. Mas não alteram a consciência humana. Estamos falando de uma mudança radical da consciência.

White: É precisamente isto que me interessa, e eu gostaria de ouvir um comentário a respeito. Isso é possível e, nesse caso, como?

Krishnamurti: Já lhe disse: livrando-se do condicionamento do cérebro humano — pondo fim a esse condicionamento — o que significa estar consciente, prestar atenção a esse estado, estar cônscio de que somos condicionados, de que todos os seres humanos estão sendo condicionados por várias coisas, e livrar-se desse condicionamento, totalmente, e não em parte, aqui e ali, mas ser completamente livre. Caso contrário, vamos destruir-nos. A grande maioria da humanidade não se importa com isso. Ouve um pouco, lê um pouco, mas apenas algumas pessoas prestam atenção. No entanto, essas poucas pessoas podem alterar toda a consciência da humanidade. Porém, essas poucas pessoas estão se tornando cada vez mais raras. E a pressão do mundo é muito forte. O mundo está exigindo demais.

White: Supondo-se que o mundo esteja exigindo demais...

Krishnamurti: O mundo sou eu, com minhas exigências. O mundo não é diferente de mim. Quero prazer, quero posição, quero status, quero ter um carro, quero isso, quero aquilo. Compreende?

White: Sim, mas tudo isso são aspectos diferentes do "quero", do "desejo". E quando esses desejos forem satisfeitos — como estão sendo satisfeitos nos Estados Unidos no nível físico, materialista...

Krishnamurti: Sim, o senhor diz que elas exigirão mais.

White: Alguns, e incluo-me entre esses, diriam que isso está acontecendo neste momento. Existem pesquisas de opinião que indicam que a sociedade americana está começando a colocar a satisfação psicológica acima dos benefícios materiais.

Krishnamurti: Espero que sim. É o que se deseja. Não estou deprimido com isso. Falo desse tema há sessenta anos. Lanço sementes em solo fértil e em solo árido. Algumas sementes produzem flores, outras murcham e morrem. Assim é a vida. 

Entrevista dada por J. Krishnamurti à John White
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill