Escutar, não é só escutar a quem fala, mas também ao próximo, a vossa esposa ou marido, a uma ave. Ver uma flor é vê-la "botanicamente" e também não botanicamente. Escutar é estar consciente da incessante propaganda da Igreja, do Estado, da Imprensa, do anunciante — é escutar tudo isso, sem se deixar influenciar em nenhum sentido. Quase todos somos muito facilmente influenciáveis; toda a nossa estrutura psicológica baseia-se na influência, na propaganda... Somos influenciados pelos alimentos ingeridos, pelo clima em que vivemos, as roupas que usamos, os livros e jornais que lemos. O rádio, a televisão, tudo nos influencia incrivelmente; e essa influencia é consciente ou inconsciente. Na América — creio — fizeram-se várias experiências com a chamada "propaganda subliminar", a qual visa diretamente ao inconsciente, sem percebimento por parte da mente consciente. Por uma fração de segundo se projeta repetidamente, na tela ou no vídeo, um anúncio que a mente consciente "não recebe", mas que é percebido e lembrado pelo inconsciente; e, em sua próxima visita a uma loja, o espectador tende a comprar o que foi anunciado.
Em verdade, somos resultado de muitas influências; e a inteligência, segundo me parece, é a faculdade que habilita a mente a estar consciente de todas as influências, ou pelo menos do maior número possível delas, e abrir caminho por entre elas, sem se emaranhar, sem se deixar deformar ou impregnar por elas. Estar constantemente consciente da influência, e sacudi-la de si — eis, no meu sentir, a verdadeira essência da inteligência.
O importante é escutar a propaganda, escutar o que estamos dizendo agora, e perceber diretamente, por si mesmo, o que é verdadeiro e o que é falso; mas isso não podeis fazer em conformidade com vossas avaliações, vossos gostos e desgostos, que são meras reações de vosso condicionamento cultural. Certo, ver verdadeiramente é ver o fato como é; e esse ver imediato, não requer tempo.
Em geral, pensamos que a compreensão vem lentamente, pela avaliação comparativa, não é verdade? Mas a compreensão é comparativa, gradual? Ou é imediata? Ora, ou compreendo uma coisa agora ou não a compreendo absolutamente. Posso dizer a mim mesmo: "Compreenderei gradualmente o que se está dizendo; essa compreensão virá futuramente, com o tempo". Mas o futuro trará compreensão? Se não há agora uma modificação radical de meu modo de observação, de minha visão das coisas, o futuro nenhum proveito trará. Se não sacudo imediatamente o meu condicionamento, os meus preconceitos, meus gostos e aversões, eles continuarão existentes amanhã.
Se me é permitido dizê-lo, penso que a mente indolente é que tem essa ideia de "gradualidade", ela que diz: "Com o tempo compreenderei, mas não agora". Não me refiro à aquisição de conhecimentos. Esta requer tempos. Dominar uma língua, estudar matemática, aprender mecânica, etc., tudo isso exige tempo. Mas, perceber o fato de se ser ávido — tudo isso é uma percepção imediata. E escutar uma coisa sem desfiguração, isso também é imediato; escutar, não apenas o orador, mas a tudo, sem interpretação, sem interferência do processo mecânico do pensamento. Se já experimentastes isto, deveis saber que é muito... Já ia empregar a palavra "difícil". Mas não é difícil, na acepção comum da palavra. Requer tremenda energia.
Para se "viver com algo" que é muito feio, morar numa rua feia, sem uma só árvore, viajar de ônibus para o escritório todos os dias, por entre o barulho, as exalações, as imundícies de uma grande cidade — para "viver com tudo isso" e não se deixar corromper nem insensibilizar, precisa-se de uma grande soma de energia. Identicamente, "o viver com algo que é muito belo", uma montanha, uma árvore, um belo rosto, sem se acostumar — isso também demanda uma grande dose de energia.
Do mesmo modo, para escutardes, para verdes sem desfiguração, necessitais de muita energia de atenção; mas a atenção não é processo de concentração, de controlar a mente e fazê-la voltar toda vez que divaga. Não é isso, absolutamente. E espero que o muito que tenho falado a respeito disso não se esteja tornando um problema. Se se tornar um problema, por favor, largai-o das mãos. Sabe Deus quantos problemas já temos, sem acrescentar-lhes mais este.
Krishnamurti – O Homem e Seus Desejos em Conflito – 10 de junho de 1962