A proposta dos princípios
espirituais dos grupos anônimos, baseado na ajuda mútua, é muito mais do que o
deter diário de um específico padrão comportamental compulsivo; isso nos deixou
bem claro, Bill W., um dos fundadores do modelo pioneiro de 12 Passos de
Alcoólicos Anônimos, o qual foi posteriormente adaptado para o deter de outros
padrões comportamentais compulsivos; em
suas palavras:
"A sobriedade é tudo o que devemos esperar de um despertar espiritual?
Não, a sobriedade é apenas o começo; é somente a primeira dádiva do primeiro
despertar. Se temos que receber outras dádivas, nosso despertar tem que
continuar. E com o tempo, descobrimos que pouco a pouco vamos nos despojando da
vida velha — a vida que não funcionou — por uma nova vida que pode e funciona
sob quaisquer condições.
Não obstante o êxito ou o fracasso do mundo, não obstante a dor ou
alegria, não obstante a doença ou a saúde ou ainda a morte, uma nova vida de
possibilidades intermináveis pode ser vivida se estamos dispostos a continuar
nosso despertar, através das prática dos Doze Passos de A.A.¹".
Tal qual um
caminho místico iniciático, ele nos convida para a proposta daquilo que Joseph Campebell nomeou como sendo a
"Jornada do Herói", ou o
que M. Scoth Peck referenciou em seu
livro "A Trilha Menos Percorrida",
trilha essa que, uma vez devidamente compreendida, em suas entrelinhas, nos
direciona para aquilo que os grandes místicos, poetas e artistas, entre várias
palavras, simbolizaram como sendo o "Cálice
Sagrado", a "sintonia com a
Alma", a "Síntese do Amor",
ou o "Contato Consciente"
com a Realidade que somos, expressa na vivência direta da chama quente e suave
que se manifesta no Sopro que nos habita em nosso sutil corpo interior.
Em vista
disso, claro que não podemos nos conformar em apenas fazer "morada"
na consciência alcançada em razão direta de nossa primeira experiência de
"despertamento do espírito"; como nos dizeres de Bill W., precisamos
ousar ir muito mais além, buscando sempre pela experiência do grande despertar
espiritual, o qual é uma promessa expressa no preceito do 12º Passo: "Tendo tido um despertar espiritual por
meio da prática destes passos, procuramos transmitir nossa mensagem àqueles que
ainda sofrem." É por meio desse despertar que somos brindados com um
estado de bem-estar comum e de unidade interna entre mente e coração, através
do qual, torna-se possível a percepção direta de outras "moradas de
consciência"
Em nossa
experiência, tanto os princípios espirituais dos grupos anônimos como a
essência das observações provenientes de Jiddu Krishanamurti, ambos nos
apresentam um "processo iniciático", tendo por única diferenciação, o
fato de não ter tido por parte de Jiddu Krishnamurti, a preocupação de
codificá-los num formato fixo. Através desse processo expresso por ambas
percepções, dá-se a possibilidade de conscientização quanto as nossas
inconfessáveis tendências, manias, neuroses, compulsões, conscientização essa
pela qual é em nós instalado um "estado
de prontificação", onde sem que nos apercebamos, incrustados condicionamentos
são milagrosamente dissolvidos e espalhados no solo fecundo do terreno do
discernimento e, com isso, tendo por resgatado o necessário e sutil "Espaço Interno", capaz de dar vazão
aos ecos da amorosa expressão da "Consciência
que somos".
Nesse "processo",
vamos momento a momento, aqui e agora, nos tornando cada vez mais conscientes
da irrealidade das imagens que trazemos
conosco, escondidas em nosso fundo psicológico, seja de nós mesmos ou das
demais "pessoas" com quem
"pensamos" nos relacionar,
bem como do mundo que diante de nós se apresenta, de forma totalmente
adulterada pela ação dos embaçados filtros representado por essas imagens. Esse
"processo", para nós os primeiros membros, é o que demos o nome de
"ego-conhecimento", o qual nos proporciona a ampliação de
um contato consciente com a Realidade
que somos, bem como com a sutileza do lado oculto de nossa vida. Em razão
direta da total entrega, de forma incondicionada, sem escolhas de resultados, à
esse descondicionante processo, é que fomos descobrindo uma "Voz" em
nossa voz; uma "Mente" em nossa mente; um novo "Olhar" em
nosso olhar; é que fomos resgatando — sem ação do exercício do desejo — de
forma natural, sem esforço, a originalidade, a autenticidade, a sensibilidade
criativa, ferramentas essas, que são de extrema importância para a revelação de
nossa única e intransferível "vocação",
capaz de ajudar a consciência humana ao alcance de um novo limiar, de uma nova
"morada consciencial". Como nos dizeres de Trigueirinho, extraído de
seu livro, "Aos que Despertam",
da Editora Pensamento:
"Assim, aqueles que são receptivos aos estímulos espirituais, vão sendo
conduzidos a uma maior acuidade em cada palavra e em cada pensamento que
emitem"
Nesse
"processo", aquilo que inicialmente era superado através de enorme
esforço de nossa parte, o qual resultava numa enorme perda de energia vital,
aqui e agora, se faz possível por meio da observação sem escolhas, com ajuda da
prática da meditação, pela prática da "Presença" e de períodos de
inativo silêncio, o que tem por resultado, um maior acúmulo de energia vital ,
a qual influência de forma direta a "clarificação"
de nossa mente e "visão perceptiva".
É por meio dessa "clarificação" que dá-se a interrupção do
inconsciente processo de identificação reativa, o qual se manifestava sempre de
forma mecânica, sem a observação de nossa parte, e que se mostrou sempre ser
uma fonte de incontáveis, desgastantes e fragmentadores conflitos, com seu
processo divisor. Pelo resultado direto dessa interrupção do inconsciente,
mecânico e autômato processo de identificação com as vozes e imagens
provenientes do governo da rede do pensamento condicionado é que foi se dando a
ampliação do fecundo "Espaço Interno", espaço esse que, quando menos
se espera, começa a nos apresentar os amorosos ecos da Presença que nos habita
e na qual somos.
Nossa
experiência tem demonstrado que, aqueles que se encontram em grande avanço
neste "processo consciencial", por vezes, são fortemente acometidos
por nebulosos ataques cerrados de infundado conteúdo mental, os quais produzem
aquilo que amorosamente foi convencionado por um dos nossos primeiros membros
como sendo as "Saidinhas do Ser".
No entanto, ao contrário de estágios anteriores, raros são aqueles que se
entregam por longos momentos, de forma infantil, ao antigo processo de
identificação reativa. Sua capacidade de retomada e de centramento no "Ser
que são", apresenta-se agora, de forma muito mais rápida e consciente. Os
antigos melindres, as antigas manifestações de birras infantis, que antes nos
aprisionavam por anos e, por vezes décadas, são agora rapidamente consumidos
pela chama da observação e do discernimento entre o falso e o verdadeiro. No
entanto, foi pela vivência consciente dessas "Saidinhas do Ser" é que foi testada a nossa "sinceridade de propósito", é que
foi confirmada a consciência de nosso "propósito primordial", onde aplicamos nossa reencontrada
capacidade de discernimento não influenciado e nossa capacidade de reorientação
da energia vital que somos, a qual vai, momento à momento, permeando
qualitativamente, nossa percepção e ação consciente, em "todas as nossas atividades".
Em vista
deste novo estado de ser, dotado de tal movimento interno, passamos então a
experienciar e a testemunhar aos outros, a "Presença de uma nova
Energia", expressa por uma capacidade de clareza mental e de impulsos
criativos, nunca antes sequer imaginados. Quanto mais nos prontificamos à
escuta atenta dessa poderosa energia do Ser que somos, mais suscetíveis nos
tornamos às novas "moradas de consciência". Isto, de fato, não tem
nada de misticismo, muito ao contrário, sua praticidade torna-se facilmente
percebível em nossa vida de relação, momento à momento, onde passamos a encontrar
em nossa vida diária, pelo contato consciente com "Presença que
somos", um novo sentido de direção e poderoso e energético
significado. Isso traz uma beleza
funcional, a qual pode muito bem ser descrita nas palavras expressas por
Trigueirinho, extraídas do mesmo livro, acima citado:
"Quando o descobrimento do mundo interior tem início, geralmente o
indivíduo é levado a reconhecer sua própria energia, a interagir com ela, a
absorvê-la em seu corpo e a exprimi-la na vida externa com uma perfeição que
dia a dia deve ir se aprimorando. No decorrer desse processo, esse contato
atingirá um ponto tal que as disparidades entre o lado humano e o interno
diminuem, estabelecendo maior comunhão entre aspectos aparentemente
contraditórios.
Quando essa comunhão está para acontecer, transformações prenunciam a
fase futura em que o indivíduo partilhará mais integralmente da unidade da vida
cósmica, em que ele verá sua energia característica, pessoal, ceder lugar à
neutralidade, e verá sua consciência ampliar-se, levando à dissolução a
tendência de identificar-se com uma outra manifestação de núcleos superiores...
Ele terá então de adquirir grande mobilidade diante das situações que lhe forem
apresentadas, transcendendo manifestações isoladas da energia e unindo-se à
essência da vida.
Deixará portando, de ter preferências. Sua sintonia passará a ser
regida não mais por afinidades, mas pela necessidade planetária... Seu trabalho
abrangerá âmbitos cada vez maiores, como decorrência e como reflexo da
ampliação que vai ocorrendo em sua própria consciência... Seu empenho estará em
alimentar a chama interior, atraindo para a Terra a luz que revela os mistérios
da existência e demonstra serem todos os homens chispas de um único fogo
transmutador, renovador e que permite a continuidade do cosmos."
Em outras
palavras, essa nos parece ser a essência ampliada e devidamente clarificada do
objetivo de redirecionamento de nosso desejo para a consagração de novas
moradas de consciência, resultante de novos e poderosos "despertares
espirituais" e de sua capacidade de transmissão de uma mensagem realmente
curativa, capaz de fazer frente, ao poderoso estado de sonambulismo, expresso
num enorme rede de condicionamentos humanos.
Em vista
disso, bem haja excelência no agora!
Um
fraterabraço e um beijo em seu coração!
Outsider44
¹ Grapevive de dezembro de 1957