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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O pensamento não pode cultivar o amor

Por que a sua mente se amolda? Vocês já se fizeram essa pergunta? Vocês acaso se dão conta de que se amoldam a um padrão? Pouco importa qual seja esse padrão, se vocês mesmos o estabeleceram para si ou se ele foi estabelecido pata vocês. Por que estamos sempre nos amoldando? Onde há o amoldar-se não pode haver liberdade, e isto é óbvio. No entanto, a mente está sempre em busca de liberdade — quanto mais inteligente, quanto mais alerta, quanto mais consciente ela é, tanto maior a sua exigência de liberdade. A mente se amolda, imita, porque há mais segurança em agir assim, em seguir um padrão. Esse fato é evidente. Vocês fazem tudo o que fazem, socialmente, porque é melhor amoldar-se. Vocês podem ser educados no exterior, ser grandes cientistas, ou políticos, mas têm um temor secreto de que, se não forem ao templo ou não fizerem as coisas usuais que lhes foram ensinadas, algo de ruim possa sobrevir; por isso, se amoldam. O que acontece à mente que se amolda? Queiram, por gentileza, examinar essa interrogação. O que acontece com a sua mente quando vocês se amoldam? Antes de tudo, há uma total negação da liberdade, uma total negação do exame independente. Quando vocês se amoldam, há medo. Certo? Desde a infância a mente é treinada para imitar, para amoldar-se ao padrão que a sociedade estabeleceu — ser aprovado em exames, formar-se, se tiver sorte conseguir um emprego, casar-se, e ponto final. Vocês aceitam esse padrão e treme de medo de não segui-lo.

Em consequência, você negam interiormente a liberdade, vivem interiormente temerosos, têm a sensação interior de não ser livres para descobrir, indagar, pesquisar, questionar. E isso produz desordem nos nossos relacionamentos. Vocês e eu estamos tentando mergulhar profundamente nessa questão, ter dela uma real introvisão, perceber-lhe a verdade. E é a percepção da verdade que liberta a mente; não alguma prática, nem a atividade da indagação, mas a efetiva percepção daquilo “que é”.

Causamos a desordem nos relacionamentos, tanto interior como exterior, mediante o medo, o amoldar-se, a avaliação, que é comparação. O nosso relacionamento se acha em desordem, não apenas o relacionamento uns com os outros, por mais íntimo que seja, como também o relacionamento exterior. Se vemos essa desordem com clareza, não lá fora mas aqui dentro, no mais profundo do nosso ser, se vemos todas as implicações disso, a partir dessa percepção vem a ordem. Então não teremos de viver segundo uma ordem imposta. A ordem não tem padrão, ela não é um esquema dado; ela vem da compreensão do que é a desordem. Quanto mais vocês entendem a desordem no relacionamento, tanto maior é a ordem. Logo, temos de descobrir o que é o nosso relacionamento uns com os outros.

Como é o seu relacionamento com o outro? Você tem algum relacionamento ou o seu relacionamento é com o passado? O passado, com suas imagens, sua experiência, seu conhecimento, dá origem ao que vocês denominam relacionamento. Mas o conhecimento no relacionamento gera desordem. Estou em relação com vocês. Sou o seu filho, o seu pai, a sua mulher, o seu marido. Temos vivido juntos; vocês têm me magoado e eu a vocês. Vocês têm me perseguido, têm me importunado, têm me tiranizado, tem dito coisas duras pelas minhas costas e na minha frente. Eu tenho vivido com vocês há dez anos ou a dois dias, e essas lembranças permanecem, lembranças das ofensas, das irritações, do prazer sexual, dos aborrecimentos, das palavras brutais e assim por diante. Tudo isso está registrado nas células do cérebro que contêm a memória. Assim, meu relacionamento com vocês se baseia no passado. O passado é a minha vida. Se atentarem para isso, vocês hão de perceber como a mente, a vida, a atividade de vocês está arraigada no passado. O relacionamento arraigado no passado inevitavelmente gera desordem. Quer dizer, o conhecimento no relacionamento traz desordem. Se vocês me magoaram, eu me lembro disso; vocês me magoaram ontem ou há uma semana e isso permanece na minha mente; é o conhecimento que tenho de vocês. Esse conhecimento impede o relacionamento; esse conhecimento no relacionamento gera desordem. Portanto, a questão é: quando vocês me magoam, me lisonjeiam, quando me escandalizam, pode a mente varrer isso de si no momento sem registrá-lo? Vocês já tentaram fazer isso?

(...) Pode a mente nunca, jamais, absolutamente nunca registrar o insulto ou a bajulação? Isso é possível? Se a mente puder encontrar a resposta para essa pergunta, teremos resolvido o problema do relacionamento. Vivemos em relacionamento. O relacionamento não é uma abstração, mas um fato diário, cotidiano. Quer você vá para o escritório, volte e durma com sua mulher, quer brigue com ela, você está sempre em relacionamento. E se não há ordem nesse relacionamento entre você e outra pessoa, ou entre você e muitas pessoas ou uma única pessoa, você cria uma cultura que vai gerar, em última análise, desordem, como se faz hoje. Portanto, a ordem é absolutamente essencial. Para descobri-lo, pode a mente, embora tenha sido insultada, magoada, pisada, embora tenha ouvido palavras brutais dirigidas a si, nunca, nem mesmo por um segundo, reter essas coisas? Porque assim que essas coisas são retidas, já há o registro, e elas já deixaram uma marca nas células cerebrais. Percebam a dificuldade da questão. Pode a mente fazer isso, de modo a permanecer inteiramente inocente? A mente inocente é a mente que não pode ser magoada. Como ela não pode ser magoada, ela não vai magoar outra. Ora, isso é possível? Toda forma de influência, toda forma de incidente, toda forma de dano, de desconfiança, é lançada sobre a mente. Pode a mente nunca registrar e, assim, manter-se muito inocente e límpida? Vamos descobri-lo juntos.

Chegaremos a isso perguntando o que é o amor. Será o amor produto do pensamento? O amor se acha no campo do tempo? O amor é prazer? O amor é algo que pode ser cultivado, praticado, construído pelo pensamento? Ao investigar isso, temos de nos aprofundar na pergunta: o amor é prazer — sexual ou de alguma espécie? A nossa mente procura o prazer o tempo inteiro: ontem fiz uma boa refeição, o prazer da refeição é registrado e desejo mais, uma refeição ainda melhor ou o mesmo tipo de refeição amanhã. Encantei-me muito com o pôr-do-sol, com a observação da lua por entre as folhas ou com a visão de uma onda lá longe no mar. Essa beleza gera um enorme deleite, e isso é um prazer imenso. A mente o registra e deseja vê-lo repetir-se. O pensamento pensa sobre o sexo, pensa, detém-se longamente nele, deseja vê-lo repetir-se; e a isso vocês dão o nome de amor. Estou certo? Não se embaracem quando falamos de sexo; ele é parte de sua vida. Vocês o tornaram repulsivo porque negaram todos os tipos de liberdade exceto esta.

Então o amor é prazer? Será o amor produto do pensamento, assim como ocorre com o prazer? O amor é inveja? Pode amar aquele que é invejoso, ganancioso, ambicioso, violento, amoldável, submisso, totalmente em desordem? Então, o que é o amor? Ele não é, evidentemente, nada disso. Ele não é prazer. Entendam, por favor, a importância do prazer. O prazer é mantido pelo pensamento; em consequência, o pensamento não é amor. O pensamento não pode cultivar o amor. Ele pode cultivar, e cultiva, a busca do prazer, assim como cultiva o medo, mas não pode criar amor, nem fabricá-lo. Vejam a verdade. Vejam-na e vocês haverão de expulsar de si mesmos, de uma vez por todas, a ambição e a cobiça. Portanto, mediante a negação, vocês chegam à coisa sobremodo extraordinária chamada amor, que é a coisa mais positiva.

A desordem no relacionamento significa que não há amor, e essa desordem existe quando há o amoldar-se. Assim, a mente que se amolda a um padrão de prazer ou ao que pensa ser o amor jamais pode saber o que é o amor. A mente que compreendeu todo o processo de amadurecimento da desordem alcança uma ordem que é virtude e que é, por conseguinte, amor. É a vida de vocês, e não a minha. Se não viverem dessa maneira, vocês serão muito infelizes, ver-se-ão tomados pela desordem social e levados para sempre de roldão por essa correnteza. Só o homem que escapa dessa correnteza sabe o que é o amor, o que é a ordem.

Krishnamurti — Madras, 16 de dezembro de 1972







segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O ajustamento é a natureza da mente imatura

Pergunta: Como podemos saber o que é justo e o que é injusto, sem mandamentos ou livros?

Krishnamurti: Por que desejais saber o que é justo e o que é injusto? Pode alguém lhe dizer? Pode algum livro, algum instrutor, transmitir-vos o conhecimento do que é justo e do que é injusto? Se seguirdes a autoridade de um livro ou de um instrutor, estareis apenas copiando um padrão de pensamento, não é verdade? E pode-se descobrir alguma coisa pelo copiar e pelo ajustar-se? Seguimos um padrão quando queremos um certo resultado; e esse processo não está baseado no temor? Podemos descobrir o que é justo, sob a influência do temor, ou só podemos descobri-lo pela experiência direta?

Enquanto a mente estiver encerrada no processo dual do justo e do injusto, há de haver, obviamente, conflito incessante. Não é possível, porém, descobrir-se o que é verdadeiro, a todas as horas, sem estarmos envolvidos no conflito do justo e do injusto? Tal é o nosso problema, não é verdade?

O que é justo e o que é injusto há de variar sempre em conformidade com o condicionamento e a experiência de cada pessoa, e tem, por conseguinte, importância muito reduzida; mas saber-se a todas as horas o que é verdadeiro — isso, sem dúvida, é de grande relevância.

Tende a bondade de prestar atenção.

Enquanto estivermos envolvidos no conflito da dualidade — que significa escolhe entre o que é justo e o que é injusto — nunca haveremos de conhecer o que é sempre verdadeiro.

O que é justo e o que é injusto podem constituir simples opinião, um princípio em que se baseou a nossa educação desde a infância, o cunho de certa civilização, de determinada sociedade; e enquanto estivermos empenhados em imitar, no ajustar-nos a algum padrão, por mais nobre que seja, há de haver escolha contínua entre o justo e o injusto, haverá sempre o desejo de fazer o que é correto e, consequentemente, o receio de errar — daí resultando, apenas, respeitabilidade.

Saber, porém, a todas as horas o que é verdadeiro, conhecê-lo inteiramente, profundamente, isso não é nenhuma opinião, nem raciocínio, nem dogma. O que é verdadeiro não depende de crença alguma. Descobrir o que é verdadeiro é compreender o que é, momento por momento — e isso exige muita vigilância, isenta de julgamento ou comparação; exige uma mente aberta, para observar e para sentir.

O que é verdadeiro jamais cria conflito; mas, quando a mente está escolhendo entre o verdadeiro e o falso, essa própria escolha produz conflito.

Em geral, fomos educados para pensar corretamente e nos abstermos de certas coisas tidas por falsas e, por isso, a nossa mente está sempre a buscar uma coisa e a evitar outra; e esse processo de pensar é, em si, um conflito, não achais?

O "correto" pode ser o que diz o sacerdote, o que dizem os vossos vizinhos, os nossos líderes políticos, e, assim, cria-se o padrão a que temos de subordinar-nos; e a mente que se subordina a um padrão nunca pode achar-se em estado de revolta, jamais descobrindo, por conseguinte, aquilo que é eternamente criador.

Nessas condições, pode-se descobrir a todas as horas o que é verdadeiro? Ora, não há possibilidade de descobrimento, enquanto houver o conflito da escolha. Para descobrir, a mente tem de estar basicamente tranquila, sem medo de errar.

Entretanto, nós queremos bom êxito, não é verdade? Educam-nos, desde crianças, para ambicionar o bom êxito, e todo livro, toda revista nos dá exemplos disto: o menino pobre que chega a Presidente, etc.

Buscando a própria segurança no bom êxito, é a mente obrigada a observar o que é correto, e começa assim a batalha entre o que é correto e o que é errado, começa o eterno conflito da dualidade. Nesse conflito nunca se pode descobrir o que é verdadeiro.

O verdadeiro é o que é e a libertação que resulta da compreensão do que é. Tende a bondade de prestar atenção e de refletir a respeito disso; e se compreenderdes o que está realmente acontecendo, momento por momento, vereis como vos libertareis do conflito do justo e do injusto. Não pode manifestar-se essa compreensão, se estais a julgar ou a ordenar o que é, ou a compara-lo com a passada experiência; e quando não há compreensão do que é, não há libertação.

Para compreender o que é, deve a mente estar livre de toda condenação e julgamento; mas isso requer paciência infinita e pode produzir-vos uma extraordinária revolução na vida, coisa de que a mente tem medo. Por essa razão, nunca examinais o que é e vos limitais a dar opiniões a seu respeito. Enquanto a mente estiver toda ocupada com a escolha entre o que é correto e o que é errado, permanecerá imatura; e este é um dos nossos obstáculos, não achais?

Nossas mentes são imaturas; ensinaram-nos o que é correto e o que é errado e, consequentemente, a isso queremos ajustar-nos.

O ajustamento é a própria natureza da mente imatura, ao passo que a compreensão do que é constitui o fator revolucionário, na criação.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A educação não passa do cultivo e do fortalecimento do medo


Pergunta: O senhor disse que se os pais realmente amarem os filhos, eles não o impedirão de fazer coisa alguma. Mas se o filho não quiser lavar-se ou se ele quiser comer alguma cosia que lhe faz mal à saúde, não deverão impedir?

Krishnamurti: Não creio que jamais tenha dito que se amarem os filhos os pais os deixarão fazer exatamente o que bem entenderem. Esta é uma questão muito difícil, não é? Afinal, se amo meu filho devo cuidar para que ele não tenha motivo de ter medo — o que é uma coisa extraordinariamente difícil de fazer. Como eu disse, para libertar-se do medo, a criança não pode ser comparada com nenhuma outra, nem deve ser submetida a exames. Se amo a criança, dar-lhe-ei liberdade, não para ela fazer o que bem entender — porque meramente fazer tudo o que se quer é estúpido — mas liberdade para cultivar a inteligência; e essa inteligência depois lhe dirá o que fazer.

Para haver inteligência é preciso que haja liberdade, e não podemos ser livres se nos estão constantemente pressionando para nos tornarmos semelhantes a algum herói, porque então o herói é que é importante e não nós. Vocês não têm dor de barriga quando prestam exames? Não ficam nervosos, ansiosos? Quando, ano após ano, têm de enfrentar essa terrível provação chamada exames finais, sabem o que isto lhes faz pelo resto da vida? Os mais velhos dizem que vocês precisam crescer sem medo; mas isso não significa nada, é só um amontoado de palavras, porque eles estão cultivando o medo ao submetê-lo a exames e ao compará-los com outros.

Outra coisa que realmente deveríamos discutir é o que chamamos de disciplina. Sabem o que quero dizer com disciplina? Desde a infância os outros dizem o que fazer, e vocês o têm conseguido fazer muito bem. Ninguém se dá ao incômodo de lhes explicar por que devem levantar cedo ou porque precisam se lavar. Pais e professores não explicam estas coisas a vocês porque não têm amor, o tempo, nem a paciência necessários para tanto; limitam-se a dizer: "Faça isto ou, caso contrário, eu os castigarei". Portanto, a educação como a conhecemos, é a instilação do medo.   E como pode a mente de vocês ser inteligente quando existe o medo? Como podem sentir amor ou respeito pelas pessoas quando têm medo? Vocês podem "respeitar" as pessoas que tenham nomes famosos carros dispendiosos; mas não respeitam seus criados, aplicam-lhes pontapés. Quando aparece um grande homem todos vocês o saúdam e reverenciam, e a isso chamam respeito; mas não é respeito, é o medo que os está fazendo reverenciá-los. Vocês não reverenciam o pobre collie, não é? Não são respeitosos para com ele, porque ele não lhes pode dar nada. Portanto, toda a nossa educação não passa do cultivo e do fortalecimento do medo.  Que coisa terrível, não? E, enquanto houver medo, como poderemos criar um mundo novo? Não podemos. Eis porque é muito importante compreender este problema do medo enquanto vocês são jovens, e cuidarmos todos nós de sermos educados realmente sem medo. (1)

(...)

Pergunta: Qual deve ser o sistema de educação para levar a criança a não ter medo?

Krishnamurti: Sistemas ou métodos implicam a ideia de que nos digam o que devemos fazer e como fazê-lo; porventura isso o levará a não ter medo? Pode-se ser educado com inteligência, sem medo, mediante alguma espécie de sistema? Quando jovens, vocês devem ser livres para crescer; mas não existe nenhum sistema para torná-los livres. Um sistema implica a ideia de levar a mente a conformar-se com um modelo, não é verdade? Significa encerrá-lo num molde, não lhes dar liberdade. No momento em que se apoiam num sistema, vocês não ousam mais sair dele e, então, até mesmo o simples pensamento de sair dele provoca medo. Nessas condições, não há realmente nenhum sistema de educação. O que importa é o professor e o aluno, não o sistema. Afinal de contas, se desejo ajudá-los a libertar-se do medo, eu mesmo tenho que me livrar do medo. Devo, pois, estudá-los; devo dar-me ao trabalho de explicar-lhes tudo e dizer-lhes como é o mundo; e para fazer isso eu preciso amá-los. Como professor, devo ter a sensibilidade para fazer com que, quando vocês deixem a escola ou a faculdade, estejam sem medo. Se eu realmente tiver essa sensibilidade, poderei ajudá-los a livrar-se do medo. (2)

(1) Krishnamurti - O verdadeiro objetivo da vida - pág. 154-155
(2) Krishnamurti - O verdadeiro objetivo da vida - pág. 156-157

Você não é argila e nem geleia para se ajustar a um molde


Pergunta: Posso saber por que não devemos nos ajustar aos planos de nossos pais, já que sempre desejam nosso bem?

Krishnamurti: Por que se ajustaria você aos planos de seus pais, por mais dignos e nobres que tais planos sejam? Você não é argila e nem geleia para se ajustar a um molde. E se realmente se ajustar, que é que lhe acontece? Você se torna o que se chama uma boa menina ou um bom menino, e daí? Sabem o que quer dizer ser bom? Não é simplesmente fazer o que a sociedade manda ou o que determinam os pais. Ser bom é algo inteiramente diferente, não é mesmo? Só se pode ser bom quando se é inteligente, quando se tem amor, quando não se tem medo. Você não pode ser bom se tiver medo. Pode tornar-se respeitável por fazer o que manda a sociedade — e então a sociedade lhe dará uma grinalda e dirá quão boa pessoa você é; mas ser meramente respeitável não é ser bom.

Vejam, quando somos jovens não queremos nos ajustar, e ao mesmo tempo queremos ser bons. Queremos ser bondosos, delicados, ter consideração e fazer coisas generosas; mas não sabemos o que isso tudo significa, e somos "bons" porque temos medo. Nossos pais dizem: "Sejam bons", e a maioria de nós o faz, mas essa "bondade" equivale simplesmente a viver de acordo com o plano deles a nosso respeito.
Krishnamurti - O verdadeiro objetivo da vida - pág. 163

terça-feira, 18 de setembro de 2012

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Esteja tão ao longe que nem mesmo você possa achar a si mesmo

Nunca esteja demasiadamente próximo; esteja além, de modo que eles não possam encontrá-lo, que não possam chegar a você para conformá-lo, para moldá-lo. Esteja ao longe, como as montanhas, como o ar puro; tão longe que não possua pais, relações, família, país; tão longe que sequer saiba onde está. Não deixe que o encontrem; não crie com eles contatos por demais estreitos. Esteja tão longe que nem você possa encontrar a si mesmo; mantenha uma distância que jamais possa ser atravessada; tenha sempre aberta uma passagem através da qual ninguém possa entrar. Não feche a porta, pois não existe porta, só uma passagem aberta, infinita; se você fecha alguma porta, eles estarão perto demais, e você se perderá. Mantenha uma distância na qual eles não possam tocá-lo com seu hálito, que viaja ao longe e às profundezas; não seja contaminado por eles, por suas palavras, por seu grande conhecimento; eles têm grande conhecimento, mas esteja além de modo que nem mesmo você possa achar a si mesmo. Pois eles o estão esperando em cada esquina, cada casa, para forjá-lo, moldá-lo, para fazê-lo em pedaços e logo reuni-los segundo sua própria imagem. Os deuses deles, tanto os pequenos quanto os grandes, são sua própria imagem talhada por suas próprias mentes ou mãos. Estão esperando por você: o padre e o comunista, o crente e o ateu, pois são todos iguais; pensam que são diferentes, mas não são, pois todos o doutrinam até que você seja um deles, até que repita suas palavras, adore seus santos, tanto os antigos quanto os recentes; eles possuem exércitos para seus deuses e países, e são especialistas em matar. Guarde distância, pois estão esperando por você, tanto o educador quanto o homem de negócios; o primeiro o treinará, para que os outros o conformem às exigências de sua sociedade, que é uma coisa mortífera; (*) eles o transformarão em um cientista, um engenheiro, um especialista em quase tudo, desde culinária até arquitetura, de arquitetura à filosofia. Guarde uma grande distância; eles estão esperando por você, o político e o reformador; o primeiro o atira na sarjeta e o outro o recupera; eles manipulam as palavras, e você se perderá em tal deserto. Mantenha distância; eles estão esperando por você, os especialistas em deus e os lançadores de bombas: os primeiros o convencerão e os segundos (o ensinarão) a matar; há muitas formas para encontrar deus e muitas, tantas formas de matar. Mas, além de tudo isto, há hordas de outros que lhe dirão o que fazer e o que não fazer; mantenha-se longe de todos, tão longe que não possa achar a si ou nenhum outro. Você também encontraria prazer em jogar com todos que o estão esperando, mas o jogo se torna tão complicado e sedutor que você se perderá. Nunca esteja perto demais, esteja tão ao longe que nem mesmo você possa achar a si mesmo.

* Eles têm uma coisa chamada sociedade e família: são seus verdadeiros deuses, a teia na qual você acabará emaranhado. [adendo de Krishnamurti]

Krishnamurti’s Notebook, edição integral, p. 379-381 Copyr. 2003 - Krishnamurti Foundation Trust.

A família como fator condicionante e divisor

Você não pode aprender o amor com o pensamento, nem pode cultivar o amor com o pensamento. Só pode compreender o amor e saber o que significa amar, quando morre para o ciúme, para a estreita esfera da família, quando o pensamento não dita as ações da vida. Quando você ama, pode fazer tudo o que deseja fazer, porque a vida é sem conflito. A mente que é ambiciosa, ávida, invejosa, desejosa de autoridade – essa mente não tem amor, embora fale muito de amor, como os políticos, os gurus, que estão sempre a falar em amor, com o coração vazio, e cheios de conflitos e de ardentes desejos; nunca há um momento em que, dentro deles próprios, tudo esteja morto, e sua mente esteja inteiramente vazia. Só quando a mente está completamente vazia, é possível compreender essa coisa extraordinária chamada “amor”. Quando você diz “amo meu marido, meu filho”, não ama; porque, se o marido ou a mulher lhe vira as costas, sente ciúme, sente cólera, amargor. É isso o que você chama “amor”. O amor não têm apego. E, portanto, amor não significa “amor à família”. (1)

Quase todos vós procedeis de famílias ou de escolas onde fostes educados para respeitar a posição. Vosso pai e vossa mãe têm posição, o diretor tem posição, e, por conseguinte, já vindes para aqui com medo, com esse respeito à posição. Mas, temos de criar na escola uma atmosfera de liberdade, e isso só pode acontecer quando há função sem posição e, por conseguinte, um sentimento de igualdade. O verdadeiro encargo da educação correta é encaminhar-vos para serdes um ente humano valoroso e sensível, um ente humano sem medo e sem falsa idéia do respeito devido à posição. (2) 

Deve haver segurança física para todos, e não apenas para uns poucos; mas essa "segurança física para todos" é negada quando se busca a segurança psicológica, nas nações, nas religiões, na família... O ente humano necessita de segurança física, a qual é negada quando ele busca a segurança psicológica. Isto é um fato, e não uma opinião. Quando busco a segurança em minha família, minha mulher, meus filhos, minha casa, tenho de me opor ao mundo; tenho de separar-me das outras famílias, ficar contra o resto do mundo. (3)

No momento que você protege a sua família, sua pátria, um tecido colorido chamado bandeira, uma crença, uma idéia, um dogma, um objeto de desejo ou aquilo a que já tens apego, essa própria proteção anuncia a raiva. (4) 

(...)Nós não estamos sós. Nós somos o resultado de mil influências, mil condicionamentos, heranças psicológicas, propaganda, cultura. Nós não estamos sós, e portanto somos seres humanos de segunda mão! Quando a pessoa está só, totalmente só, não pertence a nenhuma família, embora tendo uma família, não pertence a nenhuma nação, a nenhuma cultura, não tem nenhum compromisso particular, existe a sensação de ser estranho – estranho a qualquer padrão de pensamento, ação, família, nação. E somente quando a pessoa está completamente só é que é inocente. E é esta a inocência que liberta a mente do sofrimento... Quando o homem se livra da estrutura social da ganância, inveja, ambição, arrogância, acumulação, prestígio social – quando ele mesmo se livra disso, ele se encontra completamente só. Isto é totalmente diferente! Existe então grande beleza, a percepção de grande energia. (5) 

Se lançardes as vistas para o nosso sistema atual, verificareis ser ele nada mais que uma série de explorações astutas do homem pelo homem. A família torna-se o próprio centro de exploração. Peço-vos que não compreendais mal o que entendo por família. Por família entendo o centro que vos faz sentir seguros, que exige a exploração do vosso próximo. A família, que deveria ser a própria expressão do amor e não da exclusividade, torna-se um meio da auto-perpetuação egoísta. Daí desenvolvem-se classes, as superiores e as inferiores; e os meios de adquirir riqueza acumulam-se nas mãos de uns poucos. (6) 

Se você só tivesse uma hora de vida, o que você faria? Você não organizaria tudo o que é necessário, seus negócios, sua vontade e tudo o mais? Você não chamaria junto a sua família e amigos e pediria perdão por qualquer dano que você talvez tenha feito a eles, e perdoaria todo e qualquer dano eles talvez tenham feito a você? Você não morreria completamente para as coisas da mente, para os desejos e para o mundo? E se isso pode ser feito durante uma hora, então também pode ser feito durante todos os dias e anos que se seguem ... Tente e você descobrirá. (7) 

Primeiramente, senhores, não achais também necessária uma revolução radical na vida do indivíduo? Ou estais satisfeitos com as coisas tais como são, com vossas idéias de progresso e evolução, vossos desejos de realizações, vossos anseios é vossos prazeres precários? No momento em que começardes a pensar realmente, a sentir realmente, sereis empolgados desse ardente desejo de modificação profunda, revolução radical, completa reorientação do pensar. Pois bem. Se sentirdes necessária tal coisa, então, nem família, nem amigos constituirão empecilhos Porque, nesse caso, não haverá revolução externa nem revolução interna; haverá, simplesmente, revolução, modificação. Mas, se começais a estabelecer restrições, dizendo: "não devo magoar minha família, meus amigos, meu pároco, meu explorador capitalista ou meu explorador político" - não vedes então a necessidade de mudança radical e apeteceis apenas mudança de ambiente. Isso é evidente letargia, a qual criará outro ambiente falso, fazendo continuar o conflito.

Parece-me um tanto falaz o pretexto de não devermos magoar nossas famílias e amigos. Por certo, quando desejais fazer algo de capital importância, vós o fazeis, sem considerações de família nem de amigos, não é verdade? Não receais, então, prejudicá-los. Isso já não está sob vosso controle: sentis tão intensamente, pensais tão completamente, que sois transportados para fora das limitações dos círculos de família, das obrigações de qualquer classe. Mas só começais a levar em conta a família, os amigos, os ideais, as crenças, as tradições, a ordem estabelecida - só começais a tomá-los em consideração quando ainda vos apegais a uma determinada segurança, quando vos falta aquela riqueza interior de que vos falei há pouco, e, em lugar dela, existe apenas a dependência de estímulos exteriores. Assim, pois, se existe plena consciência do sofrimento, despertada pelo conflito, não estais, então, tolhidos pelos vínculos de qualquer ortodoxia, amigos ou família: quereis achar a causa do sofrimento, quereis descobrir o significado do ambiente que recria esse conflito; apagou-se a personalidade, desapareceu a ideia limitada do "eu". É somente quando vos apegais a essa ideia limitada do "eu", que sois obrigados a considerar até onde vos podeis transportar e até onde não deveis ir.

Certo, não se pode encontrar a verdade, ou essa faculdade divina da compreensão, enquanto estivermos apegados à família, à tradição, ou ao hábito. Ela só poderá encontrar-se quando estiverdes em plena nudez, despidos de vossos desejos, esperanças e cautelas. Nessa simplicidade direta está a riqueza da vida. (8) 

Todos nós estamos colhidos nas malhas do sofrimento e do conflito, mas a maioria dos indivíduos não está consciente desse conflito porque vive a procurar substituições, soluções e refúgios. Se, entretanto, deixarem de procurar refúgio e começarem a interrogar o ambiente, que é a causa do conflito, tornar-se-á, então, a mente penetrante, ativa, inteligente. Nessa intensidade a mente se torna inteligente e capaz, portanto, de discernir o exato valor e significado do ambiente, causador do conflito... se estiverdes em conflito, é claro que deveis interrogar o ambiente, mas a mente da maioria já de tal modo se desvirtuou que não percebe que está à cata de soluções e meios de fuga, com maravilhosas teorias. É perfeito o seu raciocinar, porém, baseado, embora inconsciente, no desejo de fuga... Se há, pois, conflito e desejais descobrir-lhe a causa, deixai que a mente descubra pela intensidade do pensamento e, interrogando tudo o que o ambiente põe em torno de vós – vossa família, vossos semelhantes, vossas religiões, vossas autoridades políticas; no interrogar haverá ação contra o ambiente. Tendes a família, o semelhante, o Estado, e, interrogando o significado dessas coisas, vereis como é espontânea a inteligência, que ela não é coisa que se adquire ou cultive. Lançada a semente do percebimento, nasce a flor da inteligência. (9) 

Procuramos felicidade através das coisas, pelas relações, por meio de pensamentos e idéias. Assim as coisas, as relações e idéias tornam-se todas importantes, e não a Felicidade. Quando se procura felicidade através de alguma coisa, então, a coisa torna-se de valor superior a própria felicidade. Quando apresentado desta forma o problema parece simples e é simples. Procuramos felicidade na propriedade, na família, no nome e então, a propriedade, a família, a idéia torna-se todas importantíssimas, mas sendo a felicidade procurada por um algum meio, o meio destrói o fim. A felicidade pode ser achada por algum meio qualquer, através de qualquer coisa feita pela mão ou pela mente? As coisas, as relações e idéias são claramente não-permanentes, estamos sempre insatisfeitos com elas. As coisas são impermanentes, se acabam e são perdidas; o relacionamento é um constante atrito e a morte é o fim; idéias e convicções não têm nenhuma estabilidade, não são permanentes. Procuramos felicidade nisso e ainda não percebemos sua impermanencia. Portanto, o sofrimento se torna nossa constante companheira superando nosso problema. Para descobrir o verdadeiro sentido da felicidade, temos de explorar o rioa do autoconhecimento. Autoconhecimento não é um fim em si mesmo. Existe a fonte deste rio? Cada gota de água do seu início até o fim é que faz o rio. Imaginar que acharemos felicidade na fonte é um equivoco. Ela se encontra onde você está no rio do autoconhecimento. (10) 

Um homem que tem o propósito de descobrir a verdade deve interiormente ser um completo revolucionário. Não pode pertencer a qualquer classe, nação, grupo ou ideologia, a nenhuma religião organizada, a verdade não está no templo ou na igreja, verdade não se encontra nas coisas feitas pela mão ou pela mente. A verdade surge apenas quando as coisas da mente e da mão são abandonadas, e abandonar as coisas da mente e da mão não é uma questão de tempo. A verdade vem a quem é livre do tempo, quem não usa o tempo como um meio de auto-expansão. Tempo significa memória de ontem, a memória da sua família, da sua raça, do seu caráter particular, do acúmulo de sua experiência que torna-se o “eu” e o “meu”.” (11) 

Com que facilidade destruímos a delicada sensibilidade de nosso ser. A luta e o esforço incessantes, as fugas e os medos ansiosos logo embotam a mente e o coração; e a mente astuta rapidamente encontra substitutos para a sensibilidade da vida. Divertimentos, família, política, crenças e deuses ocupam o lugar da clareza e do amor. A clareza é perdida pelo conhecimento e pela crença, e o amor pelas sensações. (12) 

Se houvesse o amor real, não o amor ideal, sabeis como seria diferente este mundo? Seriamos todos verdadeiramente felizes. E não faríamos, portanto, a nossa felicidade depender das coisas, da família, dos ideais. Seríamos felizes, e, portanto, as coisas, a família, os ideais, não dominariam as nossas vidas. Tudo isso são coisas secundárias. Mas, porque não amamos e porque não somos felizes atribuímos importância às coisas, já que nos darão a felicidade, e uma dessas coisas a que damos importância é Deus. (13) 

Fizemos da vida um campo de batalha: cada família, cada grupo, cada nação contra as demais. Percebendo bem isso, não como idéia, porém como coisa que se está realmente observando, coisa que está à nossa frente, perguntamos a nós mesmos que sentido pode ter esse estado de coisas. Porque continuarmos a viver dessa maneira, nem vivendo nem amando, cheios de medo, cercado de terrores até à morte?

Se formulardes essa pergunta, que fareis? Ela não pode ser respondida pelos que se acham bem estabilizados em seus ideais familiais, suas casas confortáveis, seu dinheirinho, vivendo como pessoas altamente respeitáveis, burguesamente. Quando fazem perguntas, tais pessoas as traduzem em conformidade com suas necessidades individuais de satisfação. Mas, sendo este um problema muito humano, muito comum, um problema que toca a cada um de nós, ricos e pobres, jovens e velhos - porque é que vivemos esta vida tão monótona e sem significação - freqüentando um escritório ou trabalhando num laboratório ou fábrica por quarenta anos seguidos, gerando filhos educando-os de maneira absurda e, no fim, morrendo? Acho que deveis fazer esta pergunta com todo o vosso ser, a fim de descobrirdes a resposta. E então se pode fazer a pergunta subseqüente: se os entes humanos podem mesmo mudar radicalmente, fundamentalmente, e, assim, olhar o mundo de maneira nova, com olhos diferentes, com um coração novo, não mais repleto de ódio, de antagonismo, de preconceitos raciais; com uma mente perfeitamente clara, dotada de tremenda energia.

Vendo-se tudo isso - as guerras, as absurdas divisões criadas pelas religiões, a separação entre o indivíduo e a comunidade, a família oposta ao resto do mundo, cada (ente humano apegado a seu peculiar ideal, separando-se como "eu" e "vós", "nós" e "eles" - vendo-se tudo isso, tanto objetiva como psicologicamente, resta uma única questão, um único problema fundamental, ou seja se a mente humana, tão fortemente condicionada que está, pode mudar não em alguma encarnação futura, não no fim da vida, porem mudar radicalmente agora mesmo, de modo que se torne nova, revigorada, juvenil, inocente, livre de todas as cargas, e saibamos, assim, o que significa amar e viver em paz. Este me parece ser o único problema. Resolvido ele, todos os outros problemas, econômicos ou sociais, todos os fatores que conduzem à guerra, terminarão e haverá uma diferente estrutura social. (14) 

Pergunta: A família é o arcabouço do nosso amor e da nossa avidez, do nosso egoísmo e da nossa divisão. Que lugar tem ela?

Krishnamurti: A vida é uma coisa viva, uma coisa dinâmica, ativa, não podeis encerrá-la num arcabouço. São os intelectuais que põem a vida num molde (…) Em primeiro lugar, temos o fato de nossas relações com os outros, uma esposa, um marido ou um filho — as relações a que chamamos família. (15) 

Pois bem, que é isso a que chamamos família? Trata-se, obviamente, de uma relação de intimidade, de comunhão. Ora, em vossa família, em vossas relações com vossa esposa, vosso marido, há comunhão? (…) Relação significa comunhão sem temor, liberdade de mútua compreensão, de comunhão direta. (16) 

Estais em comunhão com vossa esposa? Talvez estejais, fisicamente, mas isso não é relação. Vós e vossa esposa viveis dos lados opostos de uma muralha de isolamento (…) Tendes os vossos alvos e ambições próprios e ela os seus. (17) 

Ora, se existem relações reais entre duas pessoas, o que significa que existe comunhão entre elas, o que isso implica é de extraordinária significação. Porque então não há isolamento, há amor, e não responsabilidade ou dever. Um homem que ama, porém, não fala de responsabilidade — ele ama. Por isso partilha com alguém a sua alegria, a sua tristeza, o seu dinheiro. (18)

Então, senhores, não é isso que está acontecendo? Em nossas famílias o que há é isolamento, e não comunhão; logo, não há amor. Amor e sexo são duas coisas diferentes (…) Se tivésseis interesse pelo próximo, se estivésseis em real comunhão com vossa esposa, com vosso marido, o mundo não estaria nesta desgraça. (19) 

Como, então, quebrar esse isolamento? Para quebrarmos esse isolamento, precisamos estar cônscios dele (…) Tomai nota da maneira como tratais vossa esposa, vosso marido, vossos filhos; notai a insensibilidade, a brutalidade, as asserções tradicionais, a falsa educação (…) E, por não saberdes amar vossa esposa, vosso marido, não sabeis amar a Deus. (20)

A família é um processo de identificação particularista; e quando a sociedade está baseada nessa ideia da família como unidade exclusiva, em oposição a outras (…), tal sociedade (…) há de produzir violência. (21)

Usamos a família como meio de segurança para nós mesmos. (…) Essa exclusão é chamada “amor”, e, nesse chamado estado de família ou de matrimônio, existe realmente amor? (…) Não estamos considerando o ideal do que ela deveria ser, mas (…) tal como a conhecemos. (22)

Entendeis por “família”, vossa esposa e vossos filhos (…) É uma unidade (…), e nessa unidade sois vós quem tem importância — não a vossa esposa, nem os vossos filhos ou a sociedade — mas somente vós, que estais em busca de segurança, de nome, de posição, de poder, tanto na família como fora dela. (23)

Dominais a vossa esposa, e ela vos é subserviente; vós ganhais e gastais o dinheiro, ela é vossa cozinheira e a progenitora dos vossos filhos. Criais, assim, a família, que é uma unidade exclusiva (…) Por conseguinte, não pode haver reforma do coletivo enquanto vós, como indivíduo, fordes exclusivista e buscardes o auto-isolamento em cada uma de vossas ações, limitando o vosso interesse a vós mesmos. (24)

Ora, esse processo de exclusão não é, por certo, amor. O amor não é criação da mente. O amor não é pessoal (…) O amor é algo que não pode ser compreendido enquanto existir o pensamento, que é exclusivista. O pensamento, que é reação da mente, nunca pode compreender o que é amor; o pensamento é invariavelmente exclusivista, separatista. (25) 

A família, como a conhecemos, (…) é exclusivista, é um processo de engrandecimento do “eu”, que é resultado do pensamento; (…) Dizemos que amamos a verdade, (…) a esposa, o esposo, os filhos; mas essa palavra está rodeada pelo fumo do ciúme, da inveja, da opressão, da dominação. (26)

Pergunta: Você é contra a instituição da família?

Krishnamurti: Sou, se a família for o centro de exploração, se estiver baseada na exploração. (Aplauso) Por favor, o que adianta simplesmente concordarem comigo? Têm que agir para alterar isto. Este desejo de perpetuação cria a família que se torna o centro de exploração. Portanto a pergunta é na realidade, pode-se alguma vez viver sem explorar? Não se a vida familiar está certa ou errada, não se ter filhos está certo ou errado, mas se a família, as posses, o poder, não são o resultado do desejo de segurança, de auto-perpetuação. Enquanto existir este desejo, a família torna-se o centro de exploração. Podemos alguma vez viver sem exploração? Eu digo que podemos. Tem que existir exploração enquanto houver esta luta pela auto-proteção; enquanto a mente procurar segurança, conforto, através da família, da religião, da autoridade ou da tradição, tem que existir exploração. E a exploração só cessa quando a mente discernir a falsidade da segurança e já não estiver enredada pelo seu próprio poder de criar ilusões. Se experimentarem com o que digo, compreenderão então que não estou a destruir o desejo, mas que podem viver neste mundo de uma maneira rica e sensata, uma vida sem limitações, sem sofrimento. Só podem descobrir isto experimentando, não negando, não através da resignação nem simplesmente imitando. Onde funciona a inteligência – e a inteligência cessa de funcionar quando há medo e o desejo de segurança – não pode haver exploração. (27)

Sabe, de fato não temos amor – essa é uma coisa terrível de se perceber. De fato não temos amor; temos sentimento; temos emocionalismo, sensualidade, sexualidade, temos lembranças de alguma coisa que pensamos que era amor. Mas de fato, brutalmente, não temos amor. Porque ter amor significa não ter violência, nem medo, nem competição, nem ambição. Se você teve amor, nunca dirá, “Esta é minha família.” Você pode ter uma família e lhe dar o melhor que pode; mas ela não será “sua família” que está em oposição ao mundo. Se você ama, se existe amor, existe paz. Se você amasse, educaria seu filho não para ser nacionalista, não para ter apenas uma profissão técnica e tratar apenas de seus pequenos assuntos; você não teria nacionalidade. Não haveria divisões de religião, se você amasse. Mas como essas coisas de fato existem – não teoricamente, mas brutalmente – este mundo hediondo, mostra que você não tem amor. Mesmo o amor da mãe por seu filho não é amor. Se a mãe realmente amasse seu filho, você acha que o mundo seria assim? Ela cuidaria que ele tivesse o alimento correto, a educação correta, que fosse sensível, que apreciasse a beleza, que não fosse ambicioso, ganancioso, invejoso. Então a mãe, conquanto ela possa pensar que ama seu filho, não ama. Então não temos esse amor. (28)

Pergunta: — Você disse ontem que se a pessoa se pudesse libertar do círculo de que se rodeia a família, aconteceria uma coisa extraordinária. Gostaria muito de compreender isso.

Krishnamurti: — Antes de mais, cada pessoa estará consciente — não verbalmente — de que há um muro à roda de si mesma? Cada um de nós tem um muro à sua volta, um muro de resistência, de medo e ansiedade — é o "eu" construído à minha volta a fazer essa barreira; é este  "eu" na família, cada membro da qual está também rodeado pelo seu próprio muro. Depois, é toda a família, com uma parede à sua volta, e o mesmo acontece com a comunidade e a sociedade. Ora, estaremos nós conscientes disso? Não temos nós o sentimento de que, vivendo neste mundo, isso é necessário, de outro modo o  "eu" seria destruído, assim como a família? Desse modo, mantemos o muro, como a coisa mais sagrada. Ora, se tomarmos consciência disso, que acontece? Se fizermos desaparecer completamente esse muro à volta de cada um, à volta da família, será que a família acaba? Que acontece então à competição entre o  "eu",  a família, e o resto do mundo?

Sabemos muito bem o que se passa quando há um muro — há então resistência, conflito, luta e sofrimento constantes, porque qualquer movimento separativo, qualquer atividade egocêntrica, gera de fato conflito e sofrimento. Quando se tem consciência de toda a natureza e estrutura deste círculo, deste muro, e se compreende como ele surge isto é, quando há um percebimento imediato de tudo isto — que sucede então? Quando fazemos desaparecer a divisão entre o  "eu"  e o  "tu" , o  "nós"  e o  "eles" , que acontece? Só então e não antes, se pode talvez usar a palavra amor. E o amor é que é essa coisa absolutamente extraordinária que acontece quando não há  "eu", como o seu círculo com o seu muro. (29)

A família não é um grupo autônomo, em oposição à sociedade?  Ela não é o centro de irradiação de todas as atividades, não constitui uma relação que exclui e domina todas as outras formas de relação? Não é uma entidade geradora de divisão, de separação, do superior e do inferior, do poderoso e do fraco? A família, como sistema, existe para resistir ao todo; cada família está em oposição às outras famílias, aos outros grupos. A família, com suas propriedades, seus bens, não é uma das causas da guerra?... A família, como hoje existe, é uma unidade, um centro de relações limitadas, egocêntricas e "exclusivas". Muitos reformadores e desses chamados revolucionários têm procurado eliminar esse espírito "exclusivo" da família, gerador de atividades anti-sociais de toda ordem. Entretanto, ela é um centro de estabilidade, em oposição à insegurança, e a presente estrutura social, no mundo inteiro, não pode existir sem essa segurança. A família não é uma mera unidade econômica, e é bem evidente que todo o esforço para resolver o problema desse nível, está fadado a falhar. O desejo de segurança não é apenas de natureza econômica, porém muito mais profundo e complexo. Se o homem destruir a família, encontrará outras formas de segurança, dadas pelo estado, pela coletividade, pela crença, etc. etc.; e qualquer dessas coisas gera, por sua vez, os seus problemas próprios. Temos de compreender o nosso desejo de segurança interior, psicológica, e não cuidar apenas de substituir um padrão de segurança por outro.

O problema, pois, não é a família, mas o desejo de estar em segurança. O desejo de segurança, em qualquer nível que seja, não é "exclusivo"? Esse espírito de exclusão se manifesta na família, na propriedade, no Estado, na religião, etc. Esse desejo de segurança interior não constrói formas exteriores de segurança sempre "exclusivas"? O próprio desejo de estar em segurança, destrói a segurança. A "exclusão", a separação, tem de acarretar, inevitavelmente, a desintegração, o nacionalismo; o antagonismo de classe e a guerra são os seus sintomas. A família como meio de segurança interior é uma fonte de desordens e catástrofes sociais... Compreendei, por favor, a verdade a esse respeito. É só quando não buscamos segurança interior, que podemos viver em segurança, exteriormente. Enquanto a família for um centro de segurança, haverá a desintegração social; enquanto a família servir de meio para um fim autoprotetório, terá de haver conflito e sofrimentos... Enquanto eu faço uso de vós ou de outro, para a minha própria segurança interior, psicológica, tenho de ser "exclusivo"; Eu sou importantíssimo, Eu tenho a máxima significação; esta é minha família, minha propriedade. As relações utilitárias estão baseadas na violência. A família como meio de mútua segurança interior é um fator de conflito e confusão... Fazer uso do outro como meio de satisfação e segurança, não é amor. O amor nunca é segurança; o amor é um estado em que não existe desejo de estar em segurança; é um estado de vulnerabilidade é o único estado em que a "exclusão", a inimizade e o ódio são impossíveis. Nesse estado, uma família pode tornar-se existente, mas não será "exclusiva", egocêntrica.

(...) É bom estarmos cônscios dos movimentos do nosso próprio pensar. O desejo interior de segurança se expressa exteriormente pela "exclusão" e a violência, e enquanto o seu "processo" não for perfeitamente compreendido não poderá haver amor. O amor não é um refúgio diferente, na busca de segurança. O desejo de segurança tem de cessar completamente, para que o amor possa vir. O amor não é uma coisa que possamos fazer surgir mediante compulsão. Qualquer forma de compulsão, em qualquer nível, é a negação mesma do amor. Um revolucionário com uma ideologia, não é revolucionário nenhum apenas oferece um substituto, uma segurança de qualidade diferente, uma nova esperança; e esperança é morte.  Só o amor pode promover uma revolução ou uma transformação radical nas relações; e o amor não é produto da mente. O pensamento pode planear e formular as mais estupendas e promissoras estruturas, mas, o pensamento só pode levar a mais conflito, confusão e miséria. O amor existe quando a mente astuciosa, a mente egocêntrica, não mais existe. (30)

Fonte das citações:

(1) Uma Nova Maneira de Agir - Cultrix
(2) A Cultura e o Problema Humano - Ed. Cultrix
(3) O vôo da águia - ICK - Amsterdã - 3/5/1969
(4) Liberte-se do Passado
(5) O Livro da Vida
(6) Krishnamurti no Chile e no México em 1935 - ICK
(7) Krishnamurti - sem citação da fonte - material da Net
(8) A Luta do Homem - Suas causas seus efeitos seu fim - ICK - Ojaí, Califórnia, USA, 1938
(9) A Luta do Homem
(10) O Livro da Vida
(11) O Livro da Vida
(12) Krishnamurti - sem citação da fonte - material da Net
(13) Uma Nova Maneira de Viver - 23 de novembro de 1947
(14) O vôo da águia - ICK - Amsterdã - 3/5/1969
(15) Novo Acesso à Vida, p. 40-41
(16) Novo Acesso à Vida, p. 41
(17) Novo Acesso à Vida, p. 41
(18) Novo Acesso à vida, p. 42
(19) Novo Acesso à vida, p. 42-43
(20) Novo Acesso à vida, p. 43
(21) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 248
(22) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 248
(23) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 248-249
(24) Que Estamos Buscando?, 1ª ed., p. 249
(25) Que Estamos Buscando?, p. 249
(26) Que Estamos Buscando?, p. 249-250
(27) Sobre a ação correta
(28) The Collected Works, Vol. XV Varanasi 5th Public Talk 28th November 1964
(29) O Mundo Somos Nós – Horizonte Pedagógico
(30) Reflexões sobre a vida - pág.124 à 126
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill