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domingo, 8 de abril de 2018

O mecanismo do medo de ser ninguém

O mecanismo do medo de ser ninguém

PARECE-ME que, pelo mundo inteiro, há muito pouco respeito pelo indivíduo; e, sem esse respeito, vê-se o indivíduo totalmente esmagado — como de fato está acontecendo na moderna sociedade. É bem evidente a necessidade de se criar um ambiente social diferente, mas parece que não percebemos quanto é importante que o indivíduo seja livre; isto é, não percebemos a importância da investigação, da busca, da libertação individual. Só o indivíduo encontrará, finalmente, a Realidade; só ele poderá tornar-se uma força criadora, nesta sociedade que se está a desintegrar; e não parecemos compreender quanto é urgente que, como indivíduos, descubramos por nós mesmos uma maneira de vida independente das influências culturais, sociais e religiosas que nos rodeiam. Se percebêssemos a importância do indivíduo, nunca teríamos guias e nunca seríamos seus seguidores. Só seguimos, quando temos perdido a nossa individualidade. Só existem guias quando nós, como indivíduos, estamos confusos e, portanto, incapacitados para pensar claramente nos nossos problemas e sobre eles atuar. Presentemente, não somos indivíduos; somos unicamente um resíduo de influências coletivas, impressões culturais e restrições sociais. Se observardes com muita atenção e cuidado o funcionamento de vossa própria mente, vereis que o vosso pensar obedece à tradição, aos livros, aos guias ou mestres religiosos, o que significa que o indivíduo se obliterou completamente; é bem certo que só o indivíduo pode criar alguma coisa nova.

Ora, por que razão perdemos o respeito ao indivíduo? Muito se fala sobre a importância do indivíduo; todos os políticos, inclusive os da tirânica sociedade coletiva, falam dela, tal qual como os líderes religiosos falam da importância da alma. Mas, porque é que acontece que, praticamente, na vida real, o indivíduo é esmagado e se perde completamente? Não sei se isso representa um problema para algum de vós; mas se agora, nesta tarde, prestarmos suficiente atenção, talvez possamos libertar-nos da massa das influências coletivas — libertar-nos, de fato, para descobrirmos por nos mesmos o que significa sermos indivíduos reais, entes humanos completamente integrados.

Parece-me que uma das razões fundamentais por que deixamos de ser indivíduo se encontra no fato de querermos exercer um certo poder, ainda que seja apenas em nossa casa, ou no edifício de apartamentos, ou dentro de uma sala. Assim como as nações, ao se tornarem poderosas, criam tensão entre si, assim também cada indivíduo humano está perenemente ansiando por ser alguma coisa, em relação com a sociedade; cada um quer ser reconhecido como homem importante, competente burocrata, artista festejado, pessoa espiritual, etc. Todos queremos ser algo, e o desejo de ser algo emana da ânsia de poder. Se examinardes a vós mesmos, vereis que o que desejais é sucesso, não só neste mundo, mas também no próximo mundo, — se existe esse "próximo mundo". Quereis ser aplaudido, e para terdes, esse aplauso, dependeis da sociedade. A sociedade só aplaude os que têm poder, posição, prestígio; e é a vaidade, a arrogância do poder, da posição, do prestígio, o que quase todos estamos buscando. Nosso "motivo" profundo, básico, é o orgulho de realizar, e esse orgulho se afirma de diferentes maneiras.

Ora, enquanto buscamos o poder, em qualquer sentido que seja, é esmagada a verdadeira individualidade — não apenas nossa própria individualidade, mas a de outros. Este me parece um fato psicológico básico, na vida. Quando ansiamos por ser alguém, isso significa que desejamos ser reconhecidos pela sociedade; por conseguinte, nos tornamos escravos da sociedade, meros dentes da máquina social, cessando assim de ser indivíduos. Penso ser esta uma questão fundamental, a que não devemos eximir-nos apressadamente. Enquanto a mente buscar qualquer forma de poder — poder mediante uma seita, poder pelo saber, poder pela riqueza, poder pela virtude — criará invariavelmente uma sociedade que destruirá o indivíduo, porque a mente humana é então enredada e educada num ambiente que estimula à dependência psicológica do sucesso. A dependência psicológica destrói a mente esclarecida, que é sozinha, não corrompida — a única mente capaz de pensar nos problemas de maneira completa, individualmente, independente da sociedade e de seus próprios desejos.

A mente, pois, está perenemente ansiando por ser algo e aumentando, assim, o seu senso de poder, posição, prestígio. Do impulso para ser alguma coisa resultam os guias e seus seguidores, a adoração do sucesso; e por essa razão não existe uma percepção individual profunda da realidade interior. Se se percebe realmente esse mecanismo, na sua inteireza, será então possível cortar pela raiz a busca do poder? Compreendeis o significado desta palavra — "poder"? O desejo de dominar, possuir, explorar, depender de outro — tudo isso está implicado nessa busca de poder. Podem achar-se outras explicações, mais sutis, mas o fato é que a mente humana busca o poder; e, nessa busca do poder, perde-se a sua individualidade.

Ora, como eliminar esse desejo de poder, que gera arrogância, orgulho, vaidade? A mente busca constantemente a lisonja, sua preocupação é de encarecer a si própria, suas atividades são egocêntricas, e como poderá a mente cortar tudo isso pela raiz? Não sei se já pensastes no problema de como nos libertarmos totalmente da ânsia de poder, mas acho que valeria a pena examiná-lo nesta tarde.

Existe o desejo de ser pessoa importante, mundanamente ou espiritualmente. Ora bem. É possível atingirmos e desarraigarmos esta coisa, para nunca mais seguirmos um guia, não termos mais o sentido de nossa própria importância, não desejarmos mais ser alguém, no mundo político ou noutro qualquer? Podemos ser ninguém, mesmo quando a corrente de existência esteja toda a mover-se em sentido contrário e a impelir-nos, desde pequenos, a nos tornarmos alguém? Nossa educação é toda comparativa; estamos sempre a compararmos com alguém, sendo isso, também, ânsia de poder e posição. E é possível nos libertarmos desse espírito de competição, não pouco a pouco, gradualmente, através do tempo, mas completa e instantaneamente, como se destrói uma árvore, cortando-se-lhe a raiz? É possível isso, ou precisamos de tempo para anular o intervalo entre o que é e o que deveria ser?

Parece-me que todos compreendemos o significado desse desejo de ser algo, o qual produz a limitação e destrói a verdadeira individualidade, o percebimento claro; não preciso pois entrar em mais pormenores sobre este assunto, nesta tarde. Pois bem. Esse desejo pode ser destruído, apagado, instantaneamente, ou precisa-se de tempo, disso que chamamos "evolução"? Como somos educados atualmente, dizemos que precisamos de tempo, que precisamos aproximar-nos gradualmente do estado ideal, em que não existe o desejo de poder, e a mente se acha totalmente integrada. Isto é, estamos aqui e precisamos chegar lá, a uma certa parte muito distante daqui; existe pois um vão, um intervalo entre as duas situações e por isso temos de lutar, temos de sair daqui para chegarmos lá, e isso exige tempo. Para mim, essa ideia de que se pode destruir, com o tempo, a raiz do desejo, é totalmente falsa. Ou a destruímos imediatamente, ou nunca a destruiremos; se derdes toda a atenção a este assunto, vereis, por vós mesmos, que assim é de fato. Escutai, por favor, não apenas o que estou dizendo, mas também ao que se está passando em vossa mente, enquanto falo — à reação, ao "mecanismo" psicológico em vós despertado pelas minhas palavras, pela minha descrição.

É bem evidente que cada um de nós deseja ser algo; e percebemos que o desejo de ser algo gera antagonismo, arrogância, crime. Percebemos, também, que cria uma estrutura social que incita esse próprio desejo e na qual o indivíduo se apaga, porque sua mente se aprisiona na organização do poder. Percebendo-se esse processo, em sua inteireza, pode o desejo de ser algo desaparecer de todo? É bem certo que a mente só pode encontrar o real quando é capaz de pensar de maneira completa e direta, sem estar influenciada por nenhuma atividade egocêntrica; mas, se a mente está aprisionada nesse desejo tão complexo de ser algo, é-lhe possível libertar-se totalmente? Se vos está bem claro o problema e tudo o que ele implica, podemos continuar. Mas, se dizeis: "Precisa-se de tempo para nos libertarmos do desejo de ser algo" — nesse caso já estais considerando o problema com um preconceito, com uma mente supostamente educada. Vossa educação, ou o Gita, ou vosso instrutor religioso já vos ensinou que se precisa do tempo e, assim sendo, ao vos abeirardes do problema, já levais uma opinião preconcebida a seu respeito.

Ora, é possível a mente eliminar instantaneamente o desejo de ser algo e, em consequência, nunca mais criar um guia, fazendo-se seguidora de alguém? É o seguidor que cria o guia; do contrário, não existe guia nenhum. E, no momento em que vos tornais seguidor, vos tornais também uma entidade imitadora, perdendo, portanto, a individualidade criadora. Pode, pois, a mente eliminar de todo esse espírito de obediência, seu senso do tempo, seu desejo de ser algo? Tudo isso só poderá ser apagado, se se lhe der toda a atenção. Vede bem, por favor: quando prestais atenção completa à questão, observando, percebendo claramente o fato de estar a mente buscando o poder, posição, desejando ser algo — só então podeis ser livre. Vou explicar o que entendo por atenção completa.

A atenção não deve ser forçada, concentrada; a mente não deve ser impelida a prestar atenção a uma coisa. Vede isso, por favor: no momento em que tendes um "motivo" para prestar atenção, não há mais atenção, porque então é mais importante o motivo do que o prestar atenção. Para a total cessação do desejo de ser algo, é necessário prestar toda a atenção a esse desejo. Mas não se lhe pode dar atenção completa, se existe algum "motivo", alguma intenção de apagar o desejo, a fim de obter outra coisa. E nossa mente não foi educada para prestar atenção, porém, antes, para obter da atenção um certo resultado. Só prestais atenção, quando desejais ganhar alguma coisa; mas esse modo de prestar atenção é uma verdadeira obstrução; é importante compreender isso logo de início. Qualquer forma de atenção com um objetivo em vista, se torna desatenção; gera indolência; e a indolência é um dos fatores que impedem a imediata eliminação do desejo a que nos referimos. A mente só pode apagar um certo desejo dispensando-lhe atenção completa; mas não poderá dispensar-lhe atenção completa, se tiver em mira um certo resultado. Esse é um dos fatores da desatenção; outro fator é a "verbalização" ou qualquer espécie de explicação. Isto é, não pode haver atenção, quando a mente está interessada em explicações sobre porque ambiciona poder, posição, prestígio. Quando se buscam explicações da causa de uma coisa, há desatenção; por conseguinte, mediante explicações nunca se encontrará liberdade.

Não haverá atenção enquanto estiverdes comparando os ditos de várias autoridades — Sankara, Buddha, Cristo, X, Y, Z. — a respeito desse problema. Quando vossa mente está repleta do saber de outros, quando está seguindo guias, sanções, nenhuma atenção pode haver. Tampouco pode haver atenção, se estais a julgar ou a condenar; isso é bem óbvio. Se condenais uma coisa, não podeis compreendê-la. E, também nenhuma atenção pode haver quando se tem um ideal, porque o ideal cria dualidade. Percebei isso. O ideal cria a dualidade e ficamos aprisionados — como acontece principalmente neste desgraçado país, onde todos temos ideais. Só se fala sobre o ideal do guru, o ideal da não-violencia, o ideal do amor ao próximo, o ideal de "uma só vida"; e a todas as horas, pelo nosso viver, estamos negando precisamente tal ideal. Porque então não lançarmos fora todos os ideais? No momento em que temos um ideal, temos a dualidade, e no conflito gerado por essa dualidade fica aprisionada a nossa mente. O fato real é que existe o desejo de poder, o orgulho de ser algo, e isso só pode ser eliminado instantaneamente, e não no curso do tempo; isto é, só quando a mente está apercebida do fato e não se deixa distrair pelo ideal. Ideal é distração, causa de desatenção.

Espero estejais dando agora ao problema vossa atenção completa, não porque eu vos digo que o façais, mas porque percebestes por vós mesmos o exato significado do desejo de ser alguma coisa. Se a mente dá toda a atenção ao problema, não cria o oposto; portanto há nela humildade. O fato é que vossa mente anda em busca de poder, posição, mundana ou espiritualmente, causando, assim, toda essa desordem, o caos, a confusão, o sofrimento, existentes no mundo. Quando a mente percebe realmente esse fato — e isso significa dar-lhe atenção completa — vereis então que desaparecerá completamente o orgulho e a arrogância; e essa cessação é um estado todo diferente daquele produzido pelo desejo de ser humilde. A humildade não pode ser cultivada; se cultivada, deixa de ser humildade, sendo, meramente, outra forma de arrogância. Mas se puderdes considerar o problema com toda a clareza e de maneira direta — e isso significa dar-lhe atenção completa — descobrireis que para se apagar o desejo de ser algo, com sua arrogância, vaidade, desconsideração, não se precisa do tempo, porque o desejo se apaga, então, imediatamente. Sois, então, um ente humano diferente, capaz, quiçá, de criar uma sociedade diferente.

Krishnamurti, SétimaConferência em Bombaim
25 de março de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana

sábado, 7 de abril de 2018

O mecanismo do poder e da tirania


O mecanismo do poder e da tirania

PERGUNTA: Aceitais a opinião de que o comunismo é a maior das ameaças ao progresso humano? Se não, que pensais a seu respeito?

KRISHNAMURTI: Não há dúvida de que qualquer forma de tirania é um mal. Qualquer forma de poder sobre outros é coisa má — seja o modesto poder exercido por um burocrata, em pequena cidade, seja a tirania em vasta escala exercida por um grupo de pessoas que estão traçando planos para o futuro do homem, em conformidade com uma ideologia, em suposto benefício do todo. Tal poder é uma coisa má. Mas consideremos esta questão com toda a simplicidade, para vermos as dificuldades que encerra.

Uma sociedade, de toda evidência, precisa ser planejada. Mas que acontece quando se traça o plano de uma sociedade e que acontece quando se põe em execução esse plano? Torna-se necessária uma entidade administrativa investida de autoridade, para levá-lo a efeito, o que significa que uns poucos se tornam detentores do poder. E esse poder se torna um mal, quando exercido em nome de Deus, em nome da sociedade, ou em nome de uma futura Utopia. Entretanto, necessita-se de planos, porque, do contrário, a sociedade se torna caótica. Vem, assim, a existência o problema do poder conferido a uns poucos que se tornam tirânicos, cruéis, que dizem: "Prevemos o futuro e vós não o prevedes. Estamos pondo em execução um plano que irá beneficiar o homem; portanto, tendes de submeter-vos, senão vos liquidaremos". Nestas condições, é possível planejar uma sociedade em que não se exerça tirania sobre o homem? A questão é só esta. "Comunismo" é apenas um nome novo para um jogo que se vem fazendo há séculos. A Igreja Católica Romana já fez este mesmo jogo, com sua Inquisição, suas excomunhões e torturas, para salvação das almas. E várias formas de tirania se encontram na história de todas as outras religiões. Isto, portanto, não é novidade; só que agora tem um nome novo, com um novo grupo de pessoas, que pretendem prever o futuro. A tirania organizada, a tortura, a destruição, foram perpetradas no passado por sacerdotes, em nome de Deus; e são hoje perpetradas pelos ditadores e comissários, em nome do Estado ou do Partido. Nosso problema, por conseguinte, não é a palavra "comunismo" mas, sim, de saber se o homem vive para o bem da sociedade ou se a sociedade existe para o bem-estar do homem. A religião e o governo existem para educar o homem, tornando-o livre para descobrir por si mesmo o que é, verdadeiro, ensinando-o a ser bom, a ter a visão do grandioso? Ou existem para tiranizar o homem, brutalizá-lo, liquidá-lo, só porque uns poucos têm o poder de destruir?

Temos, pois, aí, uma questão muito complexa. O que tem importância não é o que vós pensais ou o que eu penso a respeito do "comunismo", porém, sim, averiguar por que razão a sociedade, comunista ou democrática, compele o homem ao conformismo, e porque o indivíduo se submete a isso. Sem dúvida, só a mente livre é capaz de investigar, e não aquela que está amarrada a um livro, uma religião organizada, uma ideologia. Uma sociedade que condiciona a mente para adorar o Estado, e uma sociedade que condiciona a mente para adorar a ideia chamada "Deus", são igualmente tirânicas.

Mas, pode existir uma sociedade que ajude efetivamente o homem, o indivíduo, a ser bom, a não ser ávido, a ser livre da inveja, da ambição? É este naturalmente o nosso maior interesse. O homem só pode ser bom quando é livre — livre, não para fazer o que entende, mas para compreender o movimento total da vida. Para isso se requer uma escola completamente diferente, uma educação completamente diferente; requerem-se pais e mestres que compreendam tudo o que a liberdade implica. De outro modo, só teremos mais tirania, e não menos, porque o Estado só quer eficiência. Precisa-se de homens eficientes, para se ter uma nação industrializada, precisa-se de homens eficientes para matar, lutar, destruir — e nisto se concentra toda a atenção dos governos atualmente existentes. E os governos se separam mais ainda dos indivíduos, pela ação das chamadas religiões. Nenhuma religião organizada ousa sacudir o jugo e dizer para o governo "Estais errado". Pelo contrário, abençoam canhões e cruzadores de batalha . Durante a última guerra apareceu um livro intitulado "God was my co-Pilot" (Deus foi meu co-piloto) de autoria de um homem que bombardeara cidades, assassinando milhares de pessoas. Naturalmente aqui em Madanapale esta questão da guerra não vos toca de perto. Mas não há dúvida de que a guerra é apenas uma expressão, uma manifestação ampliada de nossa vida de cada dia. Vivemos numa batalha sem tréguas com nós mesmos e com o nosso próximo, somos ambiciosos, queremos poder, mais prestígio, posição mais alta; e este mesmo espírito aquisitivo se manifesta no grupo e na nação. Queremos ser poderosos, para defender a nós mesmos ou para agredir a outros, e assim por diante...

Não importa, pois, o que vós pensais ou o que eu penso a respeito do comunismo ou da democracia; o que importa é descobrir como se pode libertar a mente. Porque, só a mente livre é capaz de compreender a Verdade, conhecer Deus, e sem esta compreensão a vida muito pouco significa. É a compreensão da Verdade ou Deus — a real experiência dele, não a crença nele — que tem a máxima importância, principalmente nesta hora em que o mundo se encontra em tamanha miséria e caos.

Krishnamurti, Segunda Conferência em Madanapale
19 de fevereiro de 1956, Da Solidão à Plenitude Humana


quinta-feira, 18 de julho de 2013

Podemos viver sem a fome de poder?

Pergunta: O que é “poder”?

Krishnamurti: Há o poder, a força mecânica, a força gerada pelo motor de combustão interna, pelo vapor, ou pela eletricidade. Há a força que reside numa árvore, que faz correr a seiva, que cria a folha. Há a força, o poder de pensar muito claramente, o poder de amar, o poder de odiar, o poder de um ditador, o poder de explorar os outros, em nome de Deus, em nome dos Mestres, em nome de uma nação. Tudo isso são formas de poder.

Ora, a energia que produz eletricidade ou luz, a energia atômica etc. — todas essas formas de poder são boas em si próprias, não é verdade? Mas, o poder que a mente tem de servir-se dessas forças para fins agressivos e tirânicos, para ganhar algo para si própria — esse poder, em todas as circunstâncias, é mau. O chefe de uma sociedade, igreja ou grupo religioso, que exerce poder sobre outras pessoas é um ente mau, porque está controlando, moldando guiando outros, quando ele próprio não sabe para onde está indo. Isso é verdadeiro em todo o mundo, não só em relação às grandes organizações, mas também em relação às pequenas sociedades. No momento em que uma pessoa tem clareza, em que não está confusa, nesse momento deixa de ser líder ou guia e, por conseguinte, nenhum poder exerce.

Assim, muito importa compreender por que a mente humana sente necessidade de exercer poder sobre os outros. Os pais exercem poder sobre os filhos, a mulher sobre o marido ou o marido sobre a mulher. Da pequena família o mal se estende até tornar-se tirania dos governos, dos líderes políticos e intérpretes religiosos. E pode uma pessoa viver sem essa fome de poder, sem desejar influenciar nem explorar outros, sem desejar poder para si própria, um grupo ou nação, um Mestre ou santo? Todas as formas de poder são destrutivas e acarretam aflições ao homem. Ao passo que ser verdadeiramente atencioso, bondoso, amar — eis uma coisa extraordinária, que tem seu efeito próprio, eterno. O amor “é sua própria eternidade”, e onde há amor, não há poder mau.  

Krishnamurti — A cultura e o problema humano

A falsa ideia do devido respeito à posição

A chuva que cai em solo ressecado é uma coisa maravilhosa. Lava as folhas, refresca e renova a terra. E eu acho que todos deveríamos “lavar”, purificar nossa mente, da mesma maneira como as árvores são lavadas pela chuva, tão pesada que está da poeira de muitos séculos, dessa poeira que chamamos “conhecimento”, “experiência”. Se você e eu fizéssemos todos os dias uma “limpeza” em nossa mente, livrando-a das reminiscências de ontem, cada um de nós possuiria uma mente nova, uma mente capaz de enfrentar os numerosos problemas da existência.

Ora, um dos grandes problemas que estão perturbando o mundo é o da chamada “igualdade”. Mas, em certo sentido, essa coisa chamada “igualdade” é inexistente, porque todos temos diferentes capacidades; mas estamos tratando aqui da igualdade no sentido de que todos deveriam ser tratados de igual maneira. Numa escola, por exemplo, os cargos de diretor, professor, monitor, são apenas empregos, funções; mas, como você sabe, a certos cargos ou funções está associada a ideia de posição, e  posição é uma coisa respeitada, porque supõe autoridade, prestígio, confere a um homem o poder de dar ordens a outros, de distribuir empregos entre os amigos e membros da própria família. Vemos, pois, que à função está associada a posição. Mas, se pudéssemos eliminar totalmente essa ideia de categoria, influência, posição, prestígio, poder de conferir favores a outros, a função teria então um significado muito diferente e muito simples, não acha? Então, quer se tratasse de governadores, primeiro-ministros, quer de simples cozinheiros ou pobres professores, todos seriam tratados com igual respeito, porquanto cada um está desempenhando uma diferente porém necessária função na sociedade.

Sabe o que aconteceria, principalmente numa escola, se fosse possível afastar definitivamente da função toda noção de poder, de posição, de prestígio, eliminar o sentimento de se ser “O Chefe”, o “homem importante”? Estaríamos todos vivendo numa atmosfera completamente diferente, não? Nenhuma autoridade haveria — “autoridade”, no sentido de “superior e inferior”, o homem importante e o homem sem importância — e, por conseguinte, haveria liberdade. E muito importa criar-se numa escola uma atmosfera assim, uma atmosfera de liberdade, de amor, onde cada um tenha um forte sentimento de confiança; porque, como sabe, a confiança nasce quando uma criança se sente como “em casa”, em segurança. Mas — você se sente à vontade em sua própria casa, quando seu pai, sua mãe, sua avó, está constantemente lhe dizendo o que você deve fazer, tirando-lhe gradualmente a confiança em sua própria capacidade de fazer qualquer coisa por iniciativa própria? Quando você crescer, deve ser capaz de investigar, de descobrir o que considera verdadeiro, e de se ater com firmeza ao que descobre. Deve ser capaz de sustentar o que considera justo, ainda que daí lhe advenha penas, sofrimentos, prejuízos de dinheiro, etc., e para ser assim você deve se sentir, enquanto é jovem, em perfeita segurança e livre de constrangimento.

A maioria dos jovens não se sentem em segurança, porque vivem amedrontados. Têm medo dos mais velhos, dos educadores, da mãe, do pai, e, por conseguinte, nunca se sentem perfeitamente tranquilos. Mas, quando você se sente verdadeiramente tranquilo, à vontade, acontece uma coisa extraordinária. Quando você pode se retirar para seu quarto, fechar a porta e ficar , sem ninguém a lhe observar, sem ninguém a lhe dizer o que você deve fazer, então você se sente em perfeita segurança; começa, assim, a desabrochar, a compreender, a se abrir. É função da escola ajudar-lhe a se abrir; se ela não o faz, não é digna desse nome.

Quando você se sente à vontade num lugar, isto é, quando se sente em segurança, não intimidado, não compelido a fazer isto ou aquilo; quando se sente muito feliz, perfeitamente tranquilo, não é então mau, é? Quando é verdadeiramente feliz, não tem vontade de magoar ninguém, de destruir coisa alguma. Mas é dificílimo fazer o estudante sentir-se perfeitamente feliz, porque ele já vai para a escola com a ideia de que o diretor, os educadores, os monitores vão-lhe dizer o que deve fazer, “empurrá-lo” para um lado e para o outro. Por isso há medo.

Quase todos vocês procedem de famílias ou de escolas onde foram educados para respeitar a posição. Seu pai e sua mãe têm posição, o diretor te posição, e, por conseguinte, vocês já chegam aqui com medo, com esse respeito à posição. Mas, temos de criar na escola uma atmosfera de liberdade, e isso só pode acontecer quando há função sem posição e, por conseguinte, um sentimento de igualdade. O verdadeiro encargo da educação correta é encaminhar-lhes para serem um ente humano valoroso e sensível, um ente humano sem medo e sem a falsa ideia do devido respeito à posição.  

Krishnamurti — A cultura e o problema humano

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill