O medo não pode existir por si
mesmo; ele vem em relação a algo. Você está realmente com medo do conhecido na
relação dele com a morte, não é? Como você se prende ao conhecido, a uma
experiência, tem medo do que o futuro possa ser. Mas "o que pode ser",
o futuro, é simplesmente uma reação, uma especulação, o oposto do que é. É isso, não é?
"Sim, parece que é
isso."
E você conhece o que é? Você o entende? Você abriu o armário
do conhecido e olhou para ele? Você também não tem medo do que pode descobrir
lá? Você já investigou o conhecido, o que você possui?
"Não, ainda não. Sempre vi o
conhecido como natural. Aceitei o passado como se aceitam a luz do sol ou a
chuva. Nunca considerei isso; a pessoa é quase inconsciente dele, como o é de
sua sombra. Agora que você mencionou isso, acho que também tenho medo de
descobrir o que pode haver lá."
A maioria de nós não tem medo de
olhar para si mesmo? Podemos descobrir coisas desagradáveis, então achamos
melhor não olhar, preferimos ser ignorantes ao que é. Não temos medo apenas do que pode ser no futuro, mas também do
que pode ser no presente. Temos medo de conhecer a nós mesmos como somos, e
essa evitação do que é está fazendo
com que tenhamos medo do que possa ser. Abordamos o suposto conhecido com medo,
e também o desconhecido, a morte. A evitação do que é, é o desejo por gratificação. Nós estamos buscando segurança,
exigindo constantemente que não haja perturbação; e esse desejo de não sermos
perturbados nos faz evitar o que é e
temer o que poderia ser. Medo é a ignorância do que é, e nossa vida se passa em um constante estado de medo.
"Mas como alguém se livra
desse medo?"
Para se livrar de algo você
precisa entender esse algo. Há medo ou apenas o desejo de não ver? É o desejo
de não ver que causa medo; e quando você não quer entender o total significado
do que é, o medo atua como uma
defesa. Você pode viver uma vida gratificante ao evitar deliberadamente toda a
investigação do que é, e muitos fazem
isso; mas eles não são felizes nem o são aqueles que se divertem com um estudo
superficial do que é. Somente aqueles
que são sinceros em sua investigação podem estar conscientes da felicidade; só
para eles há libertação do medo.
"Então, como a pessoa vem a
entender o que é?
O que é deve ser visto no espelho do relacionamento, em relação a todas
as coisas. O que é não pode ser
entendido em recolhimento, em isolamento; ele não pode ser entendido se houver
o intérprete, o tradutor que nega ou aceita. O que é só pode ser entendido quando a mente está completamente passiva,
quando ela não está atuando sobre o que é.
"Não é extremamente difícil
ser passivamente consciente?"
É, enquanto há pensamento.
Krishnamurti – Comentários sobre
o viver