Ela era uma escritora e seus livros tinham uma circulação bem ampla. Contou que só conseguira vir à Índia depois de muitos anos. Quando começou, não tinha a ideia de onde iria parar; mas agora, depois desse tempo todo, seu destino tornara-se claro. O marido e a família toda estavam interessados em assuntos religiosos, não de forma superficial, mas muito seriamente; entretanto, ela tomara a decisão de deixar a todos e viera na esperança de encontrar alguma paz de espírito. Ela não conhecia ninguém neste país quando chegou, e foi muito difícil no primeiro ano. Ela veio, primeiro, para determinado ashram, ou retiro, sobre o qual havia lido. O guru de lá era um velho tranquilo que tivera certas experiências religiosas das quais ele agora vivia, e que constantemente repetia algum ditado sânscrito que seus discípulos entendiam. Ela foi bem recebida nesse retiro e achou fácil ajustar-se às regras. Ficou lá por vários meses, mas não encontrou a paz, então, um dia, anunciou sua partida. Os discípulos ficaram horrorizados que ela pudesse sequer pensar em deixar tal mestre de sabedoria; mas ela foi embora. Então, foi para um ashram no meio das montanhas e ficou lá por algum tempo, feliz no início, pois era lindo, com árvores, riachos e vida selvagem. A disciplina era bastante rigorosa, o que não a incomodava; mas novamente os vivos eram os mortos. Os discípulos estavam venerando conhecimento morto, tradição morta, um mestre morto. Quando ela foi embora, eles também ficaram chocados, e a ameaçaram com trevas espirituais. Ela, então, foi para um retiro bem conhecido, onde se repetia várias afirmações religiosas e se praticava meditações com regularidade, mas gradualmente descobriu que estava entrando numa armadilha e sendo destruída. Nem o mestre nem os discípulos queriam liberdade, embora falassem sobre ela. Estavam todos preocupados em manter o centro, em manter os discípulos em nome do guru. De novo ela fugiu, e foi para outro lugar, sempre a mesma história, com um padrão religioso diferente.
“Eu lhe garanto, estive na maioria dos ashram sérios, e eles todos querem controlar as pessoas, enfraquece-las para se encaixarem no padrão do pensamento que eles denominam a verdade. Por que todos eles querem que as pessoas se conformem a uma disciplina específica, ao modo de vida estabelecido pelo mestre? Por que eles apenas prometem liberdade mas nunca a oferecem?”
A conformidade é gratificante; ela garante a segurança do discípulo, e dá poder tanto ao discípulo quanto ao mestre. Pela conformidade, há o fortalecimento da autoridade, secular ou religiosa; e a conformidade gera entorpecimento, que eles chamam de paz. Se alguém deseja evitar o sofrimento através de alguma forma de resistência, por que não buscar esse caminho, embora ele envolva uma determinada quantidade de dor? A conformidade anestesia a mente para o conflito. Queremos que nos deixem entorpecidos, insensíveis; tentamos barrar o feio e, desse modo, também nos tornamos entorpecidos ao bonito. A conformidade à autoridade dos mortos ou dos vivos dá uma profunda satisfação. O mestre sabe e você não sabe. Seria tolo você tentar descobrir qualquer coisa por si mesmo quando seu mestre confortador já sabe; então você se torna escravo dele, e escravidão é melhor que confusão. O mestre e o discípulo ganham força na exploração mútua. Você realmente não vai para um ashram por liberdade, não é? Você vai para ser confortada, para ter uma vida de disciplina e crenças fechadas, para venerar e, por sua vez, ser venerada — tudo isso é chamado de busca da verdade. Eles não podem lhe oferecer liberdade, pois isso seria a própria destruição. A liberdade não pode ser encontrada em qualquer retiro, em qualquer sistema ou crença, nem pela conformidade nem pelo medo denominados disciplina. As disciplinas não podem oferecer liberdade; elas podem prometer, mas esperança não é liberdade. A imitação como meio para a liberdade é a própria negação da liberdade, pois o meio é o fim; a cópia gera mais cópias, não liberdade. Mas gostamos de nos enganar, e é por isso que a compulsão ou a promessa de recompensa existem em formas sutis e diferentes. A esperança é a negação da vida.
“Agora estou evitando todos os ashram, como a peste. Fui até eles por paz e recebi compulsões, doutrinas autoritárias e promessas vãs. Com que ansiedade aceitamos a promessa do guru! Como somos cegos! Finalmente, depois desses anos todos, estou totalmente desprovida de qualquer desejo de buscar suas recompensas prometidas. Fisicamente, estou exausta, como você pode ver; pois, muito insensatamente, eu de fato provei suas formulas. Em um desses lugares, onde o mestre está em ascensão e é muito popular, quando disse a eles que estava vindo vê-lo, eles aceitaram a derrota, e alguns tinham lágrimas nos olhos. Essa foi a gota d’água! Eu vim aqui por que quero falar sobre algo que está apertando meu coração. Indiquei isso a um dos meus mestres e sua resposta foi que eu precisava controlar meu pensamento. É isso. A dor da solidão é mais do que posso suportar; não a solidão física, que é benvinda, mas a profunda dor interior de estar sozinha. O que posso fazer a respeito? Como devo considerar esse vazio?”
Quando você pergunta o caminho, torna-se um seguidor. Como há essa dor da solidão, você quer ajuda, e a própria solicitação por orientação abre a porta para a compulsão, a imitação e o medo. O “como” não é absolutamente importante, então vamos entender a natureza dessa dor, em vez de tentar superá-la, evita-la ou ir para longe dela. Até que haja total entendimento dessa dor da solidão, não haverá paz, nem quietude, mas somente luta incessante; e, quer estejamos conscientes disso ou não, a maioria de nós está tentando fugir desse medo, seja de forma violenta ou sutil. Essa dor só existe em relação ao passado, e não em relação ao que é. O que é tem de ser descoberto, não verbal ou teoricamente, mas diretamente experienciado. Como pode haver descoberta do que realmente é se você abordar isso com um sentido de dor ou de medo? Para entender isso você não precisa abordá-lo livremente, despojada de conhecimento passado em relação a isso? Você não precisa chegar a uma mente nova, limpa de lembranças, das respostas habituais? Não pergunte como a mente pode libertar-se para ver o novo, mas ouça a verdade disso. Só a verdade liberta, e não seu desejo de ser livre . O próprio desejo e esforço de ser livre é um estorvo para a libertação.
Para entender o novo, a mente não precisa, com todas as suas conclusões e garantias, cessar suas atividades? Ela não precisa estar silenciosa, sem buscar um modo de fugir dessa solidão, um remédio para isso? A dor da solidão não precisa ser observada, com seu movimento de desespero e esperança? Não é esse mesmo movimento que produz a solidão e seu medo? Não é a própria atividade da mente um processo de isolamento, de resistência? Não é toda a forma de relacionamento da mente um modo de separação, de recolhimento? Não é a própria experiência um processo de autoisolamento? Então o problema não é a dor da solidão, mas a mente que projeta o problema. O entendimento da mente é o início da liberdade. A liberdade não é algo no futuro, é o próprio primeiro passo. A atividade da mente só pode ser entendida no processo de resposta de cada tipo de estímulo. Estímulo e resposta formam um relacionamento em todos os níveis. O acúmulo em qualquer forma, como conhecimento, experiência ou crença, impede a liberdade; e é somente quando há liberdade que a verdade pode existir.
“Mas o esforço não é necessário, o esforço para entender?”
Nós entendemos alguma coisa por meio da luta, por meio do conflito? O entendimento não vem quando a mente está totalmente silenciosa, quando a ação do esforço cessou? A mente que é silenciada não é uma mente tranquila; ela é uma mente morta, insensível. Quando o desejo existe, a beleza do silêncio não existe.
Krishnamurti
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