KRISHNAMURTI: Gostaria de
fazer uma pergunta que poderá nos conduzir a algo: o que é preciso para o homem
transformar-se profunda, fundamental e radicalmente? Ele tem passado por crise
após crise, tem sofrido inúmeros choques, tem atravessado todos os tipos de
infortúnios, de guerras, de sofrimentos pessoais, e assim por diante. Tem tido
um pouco de afeição, um pouco de alegria, mas tudo isso não parece mudá-lo. O
que fará com que um ser humano abandone o caminho que está seguindo, e siga uma
direção completamente diferente? Esse é um dos nossos maiores problemas, você
não acha? Por quê? Se estivermos preocupados, como deveríamos estar, com a
humanidade, com todas as coisas que estão acontecendo, qual será a ação correta
para levar o homem a mudar de direção? Essa pergunta é válida? Tem algum
significado?
DAVID BOHM: Bem, a não ser que
possamos perceber essa ação, ela não terá muito significado.
K: A pergunta tem algum
significado?
DB: Significa, indiretamente,
procurar saber o que está segurando as pessoas.
K: Sim, isso é a mesma coisa.
DB: Se pudéssemos descobrir o
que está mantendo as pessoas no seu rumo atual...
K: Será o condicionamento
básico do homem, essa ação e essa atitude tremendamente egotistas, que não leva
a nada? Parece mudar, parece produzir, mas o centro permanece o mesmo. Talvez
isso possa não se enquadrar no contexto do nosso diálogo dos últimos dois ou
três dias, mas julguei que talvez pudéssemos começar assim.
DB: Você tem alguma noção do
que está segurando as pessoas? Tem idéia do que realmente poderia mudá-las?
K: Creio que sim.
DB: O que é então?
K: O que está causando o
bloqueio? Poderíamos nos aproximar através do condicionamento ambiental, do
exterior para o interior, e descobrir o interior a partir das atividades
externas do homem? E depois descobrir que o exterior representa o interior, que
é o mesmo movimento, e em seguida transcendê-lo para verificar o que é?
Poderíamos fazer isso?
DB: O que você está querendo
dizer com exterior? Está se referindo às condições sociais?
K: Ao condicionamento social,
ao condicionamento religioso, à educação, à pobreza, às riquezas, ao clima, à
alimentação; ao exterior. Isso pode condicionar a mente numa certa direção, mas
quando examinamos isso mais a fundo, percebemos que o condicionamento
psicológico também procede um pouco do exterior.
DB: É verdade que todo o
conjunto de relações de uma pessoa afetará o modo como ela pensa, mas isso não
explica porque o condicionamento é tão rígido, e porque ele se mantém.
K: É isso também que estou
querendo saber.
DB: Sim. Se fosse apenas um
condicionamento externo, poderíamos esperar que ele se alterasse mais
facilmente. Por exemplo, poderíamos ter condições exteriores diferentes.
K: Eles tentaram tudo isso.
DB: Sim, toda a crença do
comunismo era que com uma nova sociedade haveria um novo homem. Mas isso não
aconteceu! Acho que há fundamentalmente alguma coisa no interior que se mantém,
que resiste à mudança.
K: O que é isso? Será que essa
pergunta nos levará a algum lugar?
DB: A não ser que nós
efetivamente a esclareçamos, ela não nos levará a lugar algum.
K: Creio que poderíamos
descobrir, se nos dedicássemos a isso. Estou apenas querendo saber se vale a
pena fazer essa pergunta, e se ela está relacionada com o que estávamos
discutindo. Ou será que devemos abordar outra coisa que tenha relação com o que
falamos antes?
DB: Bem, acho que estivemos
falando a respeito de fazermos o tempo chegar ao fim, de terminarmos com a
transformação. Falamos também sobre entrarmos em contato com a base através da
total racionalidade; mas agora poderíamos dizer que a mente não é racional.
K: Sim, dissemos que o homem é
basicamente irracional.
DB: Isso talvez faça parte do
bloqueio. Se fôssemos completamente racionais, chegaríamos necessariamente a
essa base, não é verdade?
K: Sim. Estávamos falando
outro dia a respeito da eliminação do tempo. Os cientistas, através da
investigação da matéria, querem descobrir esse ponto. As chamadas pessoas
religiosas têm se empenhado em descobrir — não apenas verbalmente — se o tempo
pode parar. Nós entramos um pouco nisso, e chegamos à conclusão de que é
possível que um ser humano que escute, consiga encontrar, através da visão
intuitiva, o final do tempo. Pois a visão intuitiva não é memória. Memória é
tempo, memória é experiência, conhecimento, armazenados no cérebro, e assim por
diante. Enquanto ela estiver funcionando, não existirá qualquer possibilidade de
termos qualquer visão intuitiva com relação a alguma coisa. Estou me referindo
à visão intuitiva total e não à parcial. O artista, o cientista, o músico,
todos eles têm visões intuitivas parciais e, portanto, ainda estão vinculados
ao tempo.
É possível termos uma visão
intuitiva total, o que representa o fim do "mim", porque o
"mim" é o tempo? O "mim", meu ego, minha resistência,
minhas mágoas, tudo isso. Esse "mim" pode acabar? É somente quando
ele acaba que ocorre a visão intuitiva total; foi isso que descobrimos.
Depois abordamos a pergunta: é
possível a um ser humano eliminar completamente toda essa estrutura do
"mim"? Respondemos que sim e nos aprofundamos mais no assunto. Muito
poucas pessoas prestarão atenção a isso porque é por demais aterrorizante.
Surge então a pergunta: se o "mim" terminar, o que encontraremos?
Apenas o vazio? Não há interesse nisso; mas se estivermos investigando sem
qualquer sentimento de recompensa ou de punição, então existirá alguma coisa.
Dizemos que tal coisa é o vazio total, que é energia e silêncio. Bem, isso soa
bonito, mas não tem qualquer significado para um homem comum que seja sério e
que queira ir além disso, além de si mesmo. Fomos ainda mais adiante e
perguntamos:
existe alguma coisa além disso
tudo? E dissemos que há.
DB: A base.
K: A base. Será que o começo
dessa investigação é escutar? Será que eu, como um ser humano, abandonarei
completamente minha atividade egocêntrica? O que fará com que eu me afaste
dela? O que fará com que um ser humano se afaste dessa atividade destrutiva e
autocentrada? Se ele se afastar devido à recompensa ou ao castigo, isso
representará apenas outro pensamento, outro motivo. Portanto, descartemos isso.
O que fará, então, com que os seres humanos renunciem — se eu puder usar essa
palavra — renunciem completamente a ela sem qualquer motivo?
Jiddu Krishnamurti e David Bohm - A Eliminação do Tempo Psicológico