Perguntaram a Osho:
Você disse que o amor pode nos tornar livres. Mas comumente nós vemos que o amor se torna
apego, e ao invés de nos libertar ele nos torna mais amarrados.
Assim, diga-nos alguma coisa sobre apego e
liberdade.
O amor se torna
apego, porque não existe nenhum amor. Você estava apenas num jogo,
enganando a si mesmo. O apego é a realidade; o amor era apenas um prelúdio.
Assim, sempre que você se apaixona, mais cedo ou mais tarde, você descobre que
você se tornou um instrumento - e, então, toda a miséria começa. Qual é o
mecanismo? Por que isso acontece?
Há alguns dias, um homem veio a mim e
ele estava se sentindo muito culpado. Ele disse: “Eu amei uma mulher, eu a amei
muito. No dia em que ela morreu, eu estava chorando e pranteando, mas de repente
eu me tornei consciente de uma certa liberdade dentro de mim, como se alguma carga tivesse me deixado. Eu
senti um profundo alívio, como se tivesse me tornado livre”.
Naquele
momento, ele se tornou consciente de uma segunda
camada de seu sentimento. Externamente ele estava chorando e
pranteando e dizendo: “Eu não posso viver sem ela. Agora será impossível, ou a
vida será apenas como a morte. Mas bem fundo” - ele disse - “eu me tomei
consciente de que estou me sentindo muito bem, que agora eu estou
livre”.
Uma terceira camada começou a sentir culpa. Ela lhe dizia: “O que
você está fazendo”? E um corpo morto estava deitado ali, bem à sua frente, ele
me contou, e ele começou a sentir uma enorme
culpa. Ele me disse: “Ajude-me. O que está acontecendo à minha mente?
Eu a traí tão cedo”?
Nada aconteceu; ninguém foi traído. Quando o amor se
torna apego, ele se torna uma carga, uma escravidão. Mas por que o amor se torna
um apego? A primeira coisa a ser entendida é que se o amor se torna um apego, você estava apenas em uma
ilusão de que aquilo era amor. Você estava apenas brincando consigo
mesmo e pensando que aquilo era amor. Na verdade, você estava necessitado de
apego. E se você for ainda mais fundo, descobrirá que você estava também necessitando de se tornar um
escravo.
Há um medo sutil da liberdade e todo mundo quer ser
um escravo. Todo mundo, naturalmente, fala sobre liberdade, mas ninguém tem a coragem de ser realmente livre,
porque quando você é realmente livre, você está só. Se você tem coragem de estar
só, somente então, você pode ser livre.
Mas ninguém é corajoso o
suficiente para estar só. Você precisa de alguém. Por que você precisa de
alguém? Você tem medo de sua própria
solidão. Você se torna entediado consigo mesmo. E na verdade, quando
você está sozinho, nada parece significativo. Com alguém, você fica ocupado e
você cria significados artificiais à sua volta.
Você não pode viver para
si mesmo; assim, você começa a viver para outra pessoa. E também é o mesmo caso
com a outra pessoa: ele ou ela não pode viver sozinho; assim, ele está na busca
para encontrar alguém. Duas pessoas que estão com medo de suas próprias
solidões, reúnem-se e começam um jogo - um jogo de amor. Mas, bem no fundo, elas estão buscando apego,
compromisso, escravidão.
Assim, mais cedo ou mais tarde, tudo o que você
deseja acontece. Essa é uma das coisas mais lamentáveis no mundo. Tudo o que
você deseja chega a acontecer. Você a terá mais cedo ou mais tarde e o prelúdio
desaparecerá. Quando a sua função for cumprida, ele desaparecerá. Quando você se
tornou uma esposa ou um marido, escravos um do outro, quando o casamento
aconteceu, o amor desaparece, porque o amor era
apenas uma ilusão na qual duas pessoas poderiam se tornar escravas
uma da outra.
Diretamente você não pode pedir por escravidão; é muito
humilhante. E diretamente você não pode dizer para alguém: “Torne-se meu
escravo”. - ...ele irá se revoltar. Nem você pode dizer: “Quero me tornar um seu
escravo”; assim, você diz: “Eu não posso viver sem você”. Mas o significado está presente; é o mesmo. E
quando isso - o desejo real - é preenchido, o amor desaparece. Então, você sente
servidão, escravidão e, então, você começa a lutar para se tornar
livre.
Lembre-se disso. Este é um dos paradoxos da mente: tudo o que você
conseguir, você irá se aborrecer com aquilo, e tudo o que você não conseguir,
você ansiará profundamente. Quando você está sozinho, você ansiará por alguma
escravidão, alguma servidão. Quando você está em uma servidão, você começará a
desejar liberdade. Na verdade, somente escravos
desejam liberdade, e pessoas livres tentam novamente ser escravas. A
mente continua como um pêndulo, movendo-se de um extremo ao outro.
O amor
não se torna apego. O apego era a necessidade; o amor era apenas uma isca. Você
estava a procura de um peixe chamado apego; o amor era apenas uma isca para
pegar o peixe. Quando o peixe é apanhado, a isca é jogada fora. Lembre-se disso
e, sempre que você estiver fazendo alguma coisa,
vá fundo dentro de si mesmo para encontrar a causa básica.
Se
existir amor real, ele nunca se tornará apego. Qual é o mecanismo para o amor se
tornar apego? No momento em que você diz para seu amante ou amada “eu só amo
você”, você começou a possuir. E no momento em que você possui alguém, você o insultou profundamente, porque você
o tornou uma coisa.
Quando eu o possuo, você não é uma pessoa então, mas
apenas um item a mais dentre a minha mobília - uma coisa. Então, eu o uso e você
é minha coisa, minha posse; assim, eu não permitirei que ninguém mais o use.
Isso é uma barganha na qual eu sou
possuído por você e você faz de mim uma coisa. Isso é uma barganha, que “agora”
ninguém mais pode usá-lo. Ambos os parceiros se sentem atados e escravizados. Eu
o tomo um escravo, então, você, em troca, faz de mim um escravo.
Então
a luta começa. Eu quero ser uma
pessoa livre e, ainda assim, eu quero que você seja possuído por mim; você quer
manter a sua liberdade e, ainda assim, me possuir — esta é a luta. Se eu o
possuo, eu serei possuído por você. Se eu não quero ser possuído por você, eu
não deveria possuí-lo.
A posse não deveria entrar no meio. Nós devemos
permanecer indivíduos e devemos nos
mover como consciências independentes e livres. Nós podemos ficar juntos, nós
podemos nos fundir um no outro, mas sem posse. Então, não há servidão e, então,
não há apego.
O apego é uma das coisas mais feias. E quando eu digo “mais
feia”, eu não quero dizer apenas religiosamente, eu quero dizer também
esteticamente. Quando você está apegado, você perdeu a sua solidão, a sua
solitude: você perdeu tudo. Apenas para se sentir bem - porque alguém precisa de
você e alguém está com você - você perdeu tudo,
perdeu a si mesmo.
Mas a armadilha é que você tenta ser
independente e você torna o outro a posse - e o outro está fazendo a mesma
coisa. Assim, não possua se você não quer ser
possuído.
Jesus disse em algum lugar: “Não julgue para não ser
julgado”. É a mesma coisa: “Não
possua para não ser possuído”. Não faça de ninguém um escravo; do contrário você
se tornará um escravo.
Os assim chamados mestres são sempre servos de
seus próprios servos. Você não pode se tornar um
mestre de alguém sem se tornar um servo - isso é
impossível.
Você só pode ser um mestre
quando ninguém é um servo para você. Isso parece paradoxal, porque
quando eu digo que você só pode se tornar um mestre quando ninguém é um servo
para você, você dirá: “Então o que é o mestrado? Como eu sou um mestre quando
ninguém é um servo para mim”? Mas eu digo que somente então, você é um mestre.
Então, ninguém é um servo para você e ninguém tentará torná-lo um
servo.
Amar a liberdade, tentar ser livre, significa basicamente que você chegou a uma profunda
compreensão de si mesmo. Agora, você sabe que você é suficiente para
si mesmo. Você pode compartilhar com os outros, mas você não é dependente. Eu
posso compartilhar a mim mesmo com alguém. Eu posso compartilhar o meu amor, eu
posso compartilhar minha felicidade, eu posso compartilhar minha alegria, meu
silêncio com alguém. Mas isso é um compartilhar,
não uma dependência. Se não houver ninguém, eu estarei igualmente
feliz, igualmente alegre. Se alguém está presente, isso também é bom e eu posso
compartilhar.
Quando você perceber sua consciência interior, seu centro,
somente então, o amor não se tornará um apego. Se você não conhecer seu centro
interior, o amor se tornará um apego. Se você conhecer o seu centro interior, o
amor se tornará uma devoção. Mas você deve
primeiro estar presente para amar, e você não está.
Buda
estava passando por um vilarejo. Um jovem veio até a ele e disse: “Ensine-me
algo: como eu posso servir aos
outros”?
Buda riu para ele e disse: “Primeiramente, seja. Esqueça os outros.
Primeiramente, seja você mesmo e, então, todas as coisas se
seguirão”.
Exatamente agora você não é. Quando você diz “quando eu amo
alguém isso se torna um apego”, você está dizendo que você não é; assim, tudo o
que você faz dá errado, porque o fazedor está ausente. O ponto interior de
consciência não está presente; assim, tudo o que você faz, dá errado. Primeiro
seja e, então, você pode compartilhar seu ser. E esse compartilhar será amor.
Antes disso, tudo o que você fizer se tornará um
apego.
E, por último: se você
está lutando contra o apego, você tomou uma direção errada. Você pode
lutar. Assim, muitos monges - reclusos, saniássins - estão fazendo isso.
Eles sentem que estão apegados às suas casas, às suas propriedades, às suas
esposas, aos seus filhos e eles se sentem engaiolados, aprisionados.
Eles
fogem, deixam suas casas, deixam as suas esposas, deixam seus filhos e posses e
eles se tornam mendigos e escapam para a floresta, para a solidão. Mas vá lá e
observe-os. Eles se tornaram apegados
aos seus novos arredores.
Eu estive visitando um amigo que estava em uma
vida reclusa embaixo de uma árvore em uma floresta densa, mas havia outros
ascetas também. Um dia, aconteceu de eu estar com esse recluso embaixo de sua
árvore e um novo buscador ter vindo enquanto meu amigo estava ausente. Ele tinha
ido ao rio tomar um banho. Embaixo de sua árvore o novo saniássin começou
a meditar.
O homem voltou do rio e empurrou o novato da árvore, e disse:
“Esta é minha árvore. Vá e encontre
outra, em algum outro lugar. Ninguém pode se sentar sob a minha árvore”. E esse
homem tinha deixado a sua casa, a sua esposa, os seus filhos. Agora a árvore se
tornou uma posse - você não pode meditar embaixo da árvore dele.
Você não
pode escapar tão facilmente do apego. Ele tomará novas formas, novos contornos.
Você será enganado, mas ele estará presente. Assim, não lute com o apego, apenas tente entender por que ele
existe. E, então, conheça a causa profunda: devido a você não ser,
esse apego existe.
Dentro de você, o seu
próprio ser está tão ausente, que você tenta se apegar a qualquer coisa a fim de
se sentir a salvo. Você não está enraizado; assim, você tenta fazer
de qualquer coisa às suas raízes. Quando você está enraizado em seu ser, quando
você sabe quem você é, o que é esse ser que está dentro de você e o que é essa
consciência que está em você, então, você não se apegará a ninguém.
Isso
não significa que você não amará. Na verdade, somente então, você pode amar, porque então o
compartilhar é possível - e sem nenhuma condição, sem nenhuma
expectativa. Você simplesmente compartilha, porque você tem uma abundância,
porque você tem tanto que está transbordando.
Esse transbordamento de si mesmo é amor. E
quando esse transbordamento se torna uma enchente, quando, por seu próprio
transbordamento, o universo inteiro é preenchido e seu amor toca as estrelas, em
seu amor a terra se sente bem e em seu amor todo o universo é banhado; então,
isso é devoção.
Osho, em "O Livro dos Segredos"