A sociedade, com suas complexas influências e seu condicionamento, molda o pensamento; e para que possa "emergir" o indivíduo — pois só o indivíduo tem a possibilidade de descobrir o Imenso — afigura-se-nos necessário compreender essa influência social, sua moralidade, seus perniciosos sistemas de ideias. Pode a mente, que de tal maneira foi condicionada — cada pensamento formado, moldado por influências de toda ordem — emergir, integral, pura, imaculada, completamente livre? Porque só a mente incorrupta — a mente não moldada pelas circunstâncias, pelas influências — pode ir muito longe na pesquisa da verdade, só ela pode descobrir se existe uma realidade transcendente às medidas mentais.
(...) Nós não compreendemos porque nossa consciência resulta de influências. Não podemos ver o fato por causa da influência que nos molda o pensamento, a influência que está moldando tanto a mente consciente como a inconsciente. Compreendeis? Os jornais, os discursos, os livros, o cinema, a alimentação, as roupas, o ambiente, os edifícios, o ar — tudo vos influencia, influencia vossa mente, consciente ou inconscientemente. Toda forma de propaganda, política ou religiosa, os chamados deuses tradicionais — tudo influencia e molda o pensamento.
(...) É possível a mente livrar-se de toda influência? Compreendeis, senhor, o que é influência? — a palavra, a família, vossa esposa, vosso marido, os livros que ledes, as coisas que, inconscientemente, vos assaltam a mente. Podeis estar cônscio de cada influência que vos acerca? É possível isso? Porque, se fordes livre, se puderdes observar a influência, isso vos aguçará a mente, tornado-a capaz de libertar-se dela. Esta é uma matéria complexa, que exige atenção, que exige toda a vossa capacidade de pensar e descobrir, porque sois o resultado de influências. Ao crerdes ser o "Eu Superior", etc., ao dizerdes que em vós habita Deus, a Divindade, o Atman — tudo isso representa influência. Quando o comunista diz não crer em Deus, está também influenciado.
Portanto, a vida de todos está sujeita a influências. E é possível libertarmo-nos totalmente delas? Do contrário, não importa o que penseis, o que negueis, o que façais — tudo resultará do passado, do vosso condicionamento; por conseguinte, em tais condições, não pode a mente, de modo nenhum, descobrir se existe a Realidade. Assim sendo,m é possível ficar-se livre da influência? O que, com efeito, significa: É possível ficar-se livre da experiência?... Por certo, não é possível ficarmos livres de todas as influências. Só podeis ficar livre daquelas de que estais cônscio. Mas só podeis estar cônscio de um pequeno número de influências — pois o inconsciente está de contínuo a ser influenciado.
(...) É possível estar-se livre de todas as influências? De outro modo, não se pode passar a investigar a questão da liberdade, e ser livre. Como disse, nunca poderemos estar livres de influências; mas poderemos manter-nos sempre vigilantes para observar cada influência que vem ao nosso encontro. Isso significa estarmos atentos, a cada minuto, ao que estamos fazendo, ao que estamos pensando, ao que estamos sentindo — não permitindo, com essa vigilância, nenhuma desfiguração, nenhuma opinião sobre nós mesmos, nem avaliações — resultado, tudo isso, de influências. Qualquer influência é má, assim como o é toda autoridade. Não há distinção de "influência boa" e "influência má", porquanto todas as influências moldam a mente, corrompem a mente.
Assim, se compreendermos o fato de que qualquer forma de influência — não importa se "boa" ou "má" — perverte, mutila, corrompe a mente; se pudermos compreender esse fato, vê-lo, tornar-nos-emos totalmente cônscios de cada influência que nos assalta a mente. Isto é: no negar, na negação, surge o fato, a verdade. Quando negais, quando dizeis "não", vós o fazeis ou com motivo ou sem motivo. Provavelmente, nunca dissestes "não". Porque em geral costumamos dizer "sim"; habituamo-nos a aceitar; nunca dizemos "não" a coisa alguma, sem termos algum motivo; e isto significa que, quando dizemos "não" sem motivo, estamos libertados da influência.
(...) Assim, a negação — e não a mente positiva — é o fim da influência. Por "mente positiva" entendo a mente que se ajusta, a mente que imita, a mente que obedece, a mente que se tornou respeitável aos olhos da sociedade — ou seja, aquela que aceitou e está observando um certo padrão de viver ditado pela sociedade, pelo ambiente, pelo meio cultural. Essa mente se chama "mente positiva"; mas de modo nenhum é positiva: é uma mente morta. Por "mente negativa" entendo a que nega sem ter nenhum motivo. Ao negardes a atitude do político que se julga capaz de alterar a ordem das coisas, de alterar o homem; ao negardes essa atitude, estais totalmente livre desse tipo de influência. O político está interessado no "imediato", projetado no futuro — que ele considera como o "prazo longo", a "perspectiva longa"; mas essa "longa perspectiva" é, em verdade, uma "perspectiva curta". Isto é, o político, como todo técnico, não está interessado no homem integral; só lhe interessa o exterior. E, se negais o exterior — a perspectiva curta — sem teres nenhum motivo, estais então completamente fora dessa esfera; o que então vos interessa é o ser total do homem.
Importa, pois compreender a mente que encara os fatos negativamente, e permanece "só com o fato". (...) Quando negais as influências, podeis mover-vos de fato para fato. Assim, da negação nasce a energia necessária para olhar o fato; e necessitais de extraordinária energia e de completa ausência de atrito. Havendo conflito, há sempre dissipação de energia. (...) Assim, só quando todo esse processo tiver sido compreendido, examinado, observado, poderá a mente "emergir" da estrutura social, ambiente e verbal, como uma mente incorrupta, clara, sã. Então ela já não está sujeita a nenhuma influência; está completamente vazia. Só essa mente pode transcender o Tempo e o Espaço. Só então desponta o Imensurável, o Incognoscível.
Krishnamurti — 28 de fevereiro de 1962
Krishnamurti — 28 de fevereiro de 1962