Se minha mente é incapaz de resolver um problema, e eu atuo, o problema se multiplica, não é verdade? Este é um fato óbvio. E, ao ver que tudo quanto faça em relação ao problema só tem o efeito de multiplicá-lo, o que deve a mente fazer? Você compreende a questão? O problema — seja o problema de Deus, seja o da fome, o problema da tirania coletiva em nome do governo, etc. — existe em diferentes níveis de nosso ser, e a ele nos aplicamos esperando resolvê-lo; mas eu acho que esta é uma maneira de proceder completamente errônea, porquanto estamos assim atribuindo a principal importância ao problema. Parece-me que o problema real é a própria mente, e não o problema que ela mesma criou e estou tentando resolver. Se a mente é mesquinha, pequena, estreita, limitada, ela se aplica ao problema — por maior e mais complexo que seja — com suas próprias e pequeninas medidas. Se tenho uma mente pequenina e penso em Deus, o Deus de meu pensar será um Deus pequenino, ainda que eu o revista de grandeza, beleza, sabedoria, etc.
O mesmo acontece com o problema da existência, do sustento, do amor, do sexo, das relações, o problema da morte. Todos estes problemas são enormes, e a eles nos aplicamos com uma mente pequena, tentamos resolvê-lo com uma mente muito limitada. Ainda que tenha capacidades extraordinárias e seja capaz de invenção, de pensamentos sutis e sagazes, a mente continua pequena; e uma mente pequena, ao enfrentar um problema complexo, só poderá traduzi-lo em seus próprios termos e, por conseguinte, o problema cresce e crescem os novo conflitos. A questão, por conseguinte, é esta: Pode a mente pequena, vulgar, ser transformada em algo não restrito pelas suas próprias limitações?
(...) Considere, por exemplo, o complexo problema do amor. Ainda que eu seja casado e tenha filhos, a menos que exista aquele senso de beleza, a profundeza e a claridade do amor, a vida é superficial, sem significação; e eu me aproximo da questão do amor com uma mente bem limitada. Desejo saber o que ele é, mas tenho suposições de toda espécie a seu respeito, já lhe vesti as roupagens de minha mente pequenina. O problema, pois, não é de como compreender o amor, porém de libertar de sua própria vulgaridade a mente que se aproxima do problema; e a mente da maioria das pessoas é vulgar.
Por "mente vulgar" entendo a mente que está sempre ocupada. Você compreende? A mente ocupada com Deus, com planos, com a virtude, ou sobre como colocar em prática o que certas autoridades dizem a respeito de finanças ou de religião; uma mente que se ocupa consigo, com seu próprio desenvolvimento, com a cultura, com o seguir um certo modo de existência; a mente que está ocupada com uma identidade, uma nação, crença ou ideologia — essa é a mente vulgar.(...) A pessoa que tenta aprimorar-se pela aquisição de conhecimento, que procura tornar-se mais inteligente, mais poderosa, obter um emprego melhor — tal pessoa é vulgar. Ela pode ocupar-se com Deus, com a Verdade, com o Atman, ou com o desejo de sentar-se entre os poderosos — mas é sempre uma pessoa vulgar.
Assim, o que acontece? Sua mente vulgar e ocupada começa com certas conclusões, suposições, emite certas ideias — e é com essa mente ocupada que você tenta resolver o problema. Quando uma mente vulgar se encontra com um problema descomunal, ela age, evidentemente, e esta ação produz um resultado: o crescimento do problema. Se você observar, poderá ver que é isso exatamente o que está acontecendo no mundo. Os que estão nos altos postos ocupam-se consigo, em nome da nação; como eu e você, querem posição, poder, prestígio. Estamos todos navegando no mesmo barco e, com nossas mentes pequeninas, tentamos resolver os extraordinários problemas do viver, problemas que exigem uma mente não ocupada. A vida é algo fundamental e sempre em movimento, não é? Por conseguinte, temos de chegar-nos a ela com vigor, com uma mente que não esteja inteiramente ocupada, que contenha um certo espaço, um certo vazio.
Ora, qual é o estado da mente que sabe que está ocupada e percebe que essa ocupação é vulgar? Isto é, ao perceber que minha mente está ocupada e que mente ocupada é mente vulgar, o que acontece?
Parece que não percebemos com suficiente clareza que uma mente ocupada é vulgar. Quer a mente esteja ocupada com o melhoramento de si própria, quer com Deus, com bebidas, com a paixão sexual ou o desejo de poder, tudo isso é essencialmente a mesma coisa, embora sociologicamente essas ocupações possam ter uma diferença. Ocupação é ocupação, e a mente ocupada é vulgar porque se acha interessada em si mesma. Se você vê, se realmente experimenta a verdade desse fato, então, certamente, sua mente já não se preocupa consigo mesma, com seu próprio melhoramento; existe, pois, para a mente que está aprisionada, a possibilidade de eliminar sua clausura.
Como simples experiência, observe por si mesmo como sua vida está baseada em alguma suposição: que há Deus ou que não há Deus, que um certo padrão de vida é melhor do que outro padrão, etc. A mente ocupada começa sempre com uma suposição, abeira-se da vida com uma ideia, uma conclusão. Pode a mente acercar-se de um problema de maneira total, afastando as suas conclusões, suas prévias experiências que são também formas de conclusão? Afinal de contas, um desafio é sempre novo, não é verdade? Se a mente é incapaz de compreender adequadamente ao desafio, , há deterioração, retrocesso; e a mente não pode corresponder adequadamente se, consciente ou inconscientemente, está ocupada — sendo que toda ocupação se baseia em alguma ideologia ou conclusão. Se você perceber a verdade a este respeito, descobrirá que a mente já não será vulgar, porque se achará num estado de investigação, num estado de sadio ceticismo — que não significa ter dúvidas a respeito de alguma coisa, porque isso também se torna uma ocupação. A mente que investiga de verdade não acumula. Vulgar é a mente que acumula, quer esteja acumulando conhecimentos, quer dinheiro, poder, posição. Com o total percebimento desta verdade, verifica-se a real transformação da mente, e essa é que é a mente capaz de atender aos nossos numerosos problemas.
Krishnamurti — Nova Deli, 31 de outubro de 1956
Krishnamurti — Nova Deli, 31 de outubro de 1956