Um dos maiores desafios no processo de autoconhecimento e transformação pessoal é saber lidar com o vazio existencial que emerge, especialmente, em momentos de crise. Um dia acordamos e ele simplesmente está lá, instalado em nós. Não sabemos nem queremos saber de onde veio nem por quê nem pra quê, mas sabemos que queremos que ele desapareça o mais rápido possível. E para isso estamos dispostos a pagar qualquer preço, fazer qualquer loucura, consumir qualquer besteira, desatinar qualquer absurdo usando as 3 táticas clássicas - anestesiar, escapar ou entupir o vazio com todo tipo de lixo.
Ignorado nas mídias sociais, inexistente no "show business", negado no mundo corporativo e incompreendido pela maioria, o vazio e seus afluentes esvaziantes foram amaldiçoados pela nossa cultura liquefeita e hiperacelerada que tanto valoriza a superfície, o banal, o instantâneo, o virtual e o fake. Segundo esta visão distorcida da realidade, se permitir estar no vazio é um crime a ser punido, uma doença a ser curada, um estado a ser evitado. Porém, o mais curioso deste processo é constatar que não importa o que façamos, nem a potência da droga que consumimos, o maldito vazio teima em escapar pelas frestas invisíveis da psique e sempre retorna sorrateiro para nos mostrar que há algo errado neste pantomima.
Não sei quando começou este processo de domesticação e negação do vazio, mas suspeito que começou no dia em que deixamos de nos aceitar como seres humanos que, as vezes, em meio à complexidade escaldante da vida, se estraçalham por aí, se perdem sem rumo na vida, desentendem o que lhes está acontecendo, colapsam, choram e sofrem suas dores e tremores variados, com seus percalços descalços, com seus medos bobos e imaturidades constantes. Sim, ser humano é um caos, as vezes criativo, as vezes dramático e quase sempre os dois juntos, e o vazio, sim, o vazio existencial está justamente aí para nos ajudar, para nos alertar, para nos mostrar que está na hora de sair da psicomatrix de mentiras e ilusões, que precisamos respirar, caminhar, dar um abraço, rir, sorrir, tomar sol e não fazer nada para resgatar o fio da meada de nós mesmos esquecido lá no fundo do poço da alma debaixo da montanha de lixo emocional que acumulamos desde sempre.
O vazio é um estado-portal que tem o poder de nos reconectar a n ós mesmos; é entre, através e além dele que podemos resgatar nosso caminho perdido, nossa vontade adormecida, nossos sonhos soterrados e nossa criatividade embotada. O vazio é um canal de resgate, de reencontro de reparo e reconexão. Estar, aceitar, ficar e sustentar o vazio pode ser, no começo, desesperador, angustiante, ansiolítico e enlouquecedor, mas negá-lo, fugi-lo ou entupi-lo sistematicamente é a mais vil das traições, a traição a nós mesmos, ao nosso melhor futuro e ao fluxo natural de verdades que desliza silenciosamente em nós esbanjando beleza e sabedoria.
Holoplex
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