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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Como pode a mente chegar ao estado de constante ação criadora?

Afinal, que é que estamos buscando? Que é que busca, cada um de nós, não teoricamente, abstratamente, mas na realidade? E há alguma diferença entre a busca do homem que aspira à satisfação por meio do saber, de Deus, e a daquele que deseja ser rico, realizar suas ambições, ou daquele que vai buscar a satisfação na bebida? Socialmente, há diferença. O homem que vai buscar satisfação na bebida é, sem dúvida, um ser anti-social, ao passo que o que busca a satisfação ingressando numa ordem religiosa, tornando-se eremita, etc, é socialmente útil; mas a diferença é só esta. 

Mas, a coisa que buscamos — por mais interessada que seja a nossa busca, traz-nos a tranquilidade? E nós, de fato, estamos  muito interessados, pois não? O eremita, o monge, o homem que busca o prazer, de diferentes maneiras, cada um deles está muito interessado. Mas esse interesse é realmente sério? Existe sério interesse, quando empreendemos uma busca com o fim de adquiri alguma coisa? Entendeis a minha pergunta? Ou só pode haver um interesse sério quando não se está visando um fim?

Afinal, vós, aqui presentes, deveis sentir um certo interesse, pois do contrário não vos teríeis dado ao trabalho de vir. Ora, eu pergunto a mim mesmo e espero que estejais também perguntando a vós mesmos, o que significa "interesse sério"; porque eu acho que daí depende o que vou explicar mais adiante. Se aqui estais a buscar a satisfação ou um meio de compreender uma certa experiência passada, ou de cultivar um certo estado mental que pensais que vos dará tranquilidade, paz, ou de experimentar o que chamais "Realidade", "Deus", podeis estar com muito interesse; mas, não devemos duvidar desse interesse? É sério o nosso interesse ao buscarmos uma coisa porque achamos que ela nos dará prazer ou tranquilidade?

Se pudermos compreender o processo da busca, compreender porque buscamos e o que buscamos — e essa compreensão só é possível pelo autoconhecimento, pela percepção do movimento do nosso próprio pensar, nossa reações e nossos diferentes impulsos — talvez possamos então, descobrir o que é ser "virtuoso" sem nos disciplinarmos para sermos virtuosos. Pois bem, tenho a impressão que, ainda que consigamos reprimir o conflito existente em nós, ainda que procuremos fugir dele, disciplinar e controlar  a mente, moldá-la de acordo com diferentes padrões, o conflito permanecerá latente, e nossa mente nunca estará verdadeiramente tranquila. E ter uma mente tranquila, acho eu, é coisa essencial, porque nossa mente é o único instrumento de compreensão, de percepção, de comunicação, e enquanto não tivermos esse instrumento perfeitamente claro e capaz de percepção, capaz de se aplicar à busca sem ter um fim em vista, não poderá haver liberdade, tranquilidade, nem, por conseguinte, o descobrimento de coisas novas.

Assim, há possibilidade de vivermos neste mundo, — tão cheio de agitações, de ansiedades, de insegurança — sem esforço? Esse é um dos nossos problemas, não achais? Para mim, esta é uma questão muito importante, porque só é possível a ação criadora, quando a mente se acha num estado em que não existe esforço algum. Não estou empregando a palavra "criadora" no sentido acadêmico de aprender "literatura criadora", "atividade criadora", "pensamento criador", etc.; estou-a empregando num sentido muito diferente. Quando a mente se acha num estado em que o passado, com seu cultivo da virtude através da disciplina, desapareceu completamente, só então pode existir uma ação criadora atemporal, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Como pode, pois, a mente chegar a esse estado de constante ação criadora?

Que acontece quando tendes um problema? Pensais nele, de princípio ao fim, ficais engolfado nele, vos tornais nervoso e agitado por causa dele; e quanto mais o analisais, aprofundais, desbastais, quanto mais preocupados ficais a seu respeito, tanto menos o compreendeis. Mas, no momento em que deixais de dar-lhe atenção, nesse momento o compreendeis, tudo se torna, de súbito, perfeitamente claro. Tal experiência já deve ter ocorrido á maioria de vós. A mente já não se acha num estado de confusão, conflito, estando por conseguinte, capacitada para receber ou perceber uma coisa totalmente nova. É possível a mente permanecer nesse estado, de modo que não fique mais repetindo as mesmas coisas e se torne capaz de experimentar "o novo", momento por momento? Depende isso, a meu ver, de compreendermos o problema do cultivo da virtude. 

Cultivamos a virtude, disciplinamo-nos, com o fim de ajustar-nos a determinado padrão de moralidade. Por que? Não só porque desejamos tornar-nos socialmente respeitáveis, mas também porque percebemos a necessidade de pôr ordem, controlar a nossa mente, o nosso falar, o nosso pensar. Reconhecemos quanto isso é importante, mas, no processo de cultivar a virtude, estamos construindo a estrutura da memória, essa memória, que é o "eu", o "ego". Tal é a base de nossa ação, principalmente dos que pensam ser religiosos, porque praticam constantemente uma certa disciplina, pertencem a certas seitas, certos grupos, chamados coletividades religiosas. Sua recompensa poderá estar noutra parte, "no outro mundo", mas é sempre recompensa o que querem; no cultivo da virtude, que significa polir, disciplinar, controlar a mente, estão eles desenvolvendo e mantendo uma memória do "eu" e, por conseguinte, nunca há um momento em que estão livres do passado

Se realmente já disciplinastes a vós mesmos, exercitando-vos para não serdes invejosos, irritadiços, etc., não sei se já tendes notado como esse próprio exercitar, esse próprio disciplinar da mente cria uma série de lembranças, que são conhecimentos. É assaz difícil este problema, e espero me esteja fazendo claro. Esse processo que consiste em dizermos: "Não devo fazer isto" — cria ou constrói o tempo; e a mente que está aprisionada no tempo não pode, é claro, nunca, experimentar algo fora do tempo, " o desconhecido". Entretanto, devemos ter nossa mente "bem arrumada", livre de desejos contraditórios — e isso não significa ajustamento, aceitação, obediência. 

Nessas condições, se sentis um interesse muito sério, no sentido em que estou empregando a palavra, este problema tem de surgir, inevitavelmente. Vossa mente é o resultado do "conhecido". Vossa mente é o conhecido, sendo moldada pelas memórias, pelas reações, pelas impressões do "conhecido"; e a mente mantida no terreno do conhecido jamais compreenderá ou experimentará o desconhecido, aquilo que não se acha na esfera do tempo. A mente só é criadora quando está livre do conhecido; e, então, ela pode servir-se do conhecido, isto é, da técnica. Estou-me fazendo claro?

Como sabeis, nosso tédio é tão grande, que estamos constantemente a ler, a adquirir, a aprender, a frequentar, igrejas e executar rituais, sem nunca conhecermos um momento inédito, original, não corrompido, completamente livre de todas as impressões; e esse momento é o que é criador, atemporal, eterno, ou qualquer outra palavra que preferirdes. Sem essa ação criadora, a nossa vida se torna insipida e estúpida, e todas as nossas virtudes, nosso saber, nossas ocupações, nossos entretenimentos, nossas várias crenças e tradições, tudo muito pouco significa. Como disse há dias, a sociedade apenas cultiva o "conhecido", e nós somos o resultado dessa sociedade. Para encontrarmos o desconhecido, é essencial nos libertarmos da sociedade — o que não significa retirar-nos para um mosteiro e ficarmos rezando da manhã à noite, disciplinando-nos incansavelmente, ajustando-nos a certo dogma ou crença. Isto, por certo, não pode emancipar a mente do conhecido. 

A mente é resultado do conhecido, resultado do passado, que é acumulação no tempo; e tem essa mente alguma possibilidade de ficar livre do conhecido, sem fazer esforço algum, para que possa descobrir algo original? Qualquer esforço que ela faça, para libertar-se, qualquer busca que empreenda, estará sempre na esfera do conhecido. Ora, por certo, Deus ou a Verdade deve ser algo que nunca foi pensado, algo inteiramente novo, nunca formulado, descoberto ou experimentado antes. E como pode a mente resultante do conhecido, experimentar, em algum tempo, essa coisa? Percebeis o problema? Se o problema está claro, achareis então a maneira correta de o atenderdes, a qual não é um método. 

Aí está a razão por que importa descobrir se uma pessoa pode ser boa, no sentido completo desta palavra, sem se esforçar para ser boa, sem lutar para libertar-se da inveja, da ambição, da crueldade, sem se disciplinar para deixar de ser maledicente, enfim, abstendo-se de todos os rigores a que nos submetemos quando desejamos ser bons. Pode haver bondade, sem se fazer esforço para "ser bom"? Acho que só haverá, se cada um de nós souber escutar, estar atento. Só há bondade quando há atenção completa. percebei esta verdade de que não pode haver bondade mediante luta, esforço. Percebei simplesmente esta verdade — mas só podereis percebê-la se estais dando atenção completa ao que se está dizendo. Esquecei todos os livros que lestes, tudo o que vos tem ensinado, e prestai toda atenção à asserção de que não pode haver virtude, enquanto há esforço para se ser virtuoso. Enquanto luto para não ser violento, tem de haver violência; enquanto luto para não ser invejoso, tem de haver inveja; enquanto luto para ser humilde, tem e haver orgulho. Se percebo esta verdade, não intelectualmente, ou verbalmente — o que significa apenas ouvir as palavras e concordar, com elas —, se a percebo com toda simplicidade, diretamente, então, daí virá a bondade. Mas a dificuldade é que a mente diz: "Como conservar esse estado? Posso ser bom, enquanto estou aqui, ouvindo algo que sinto ser verdadeiro, mas, depois de sair daqui, ver-me-ei de novo colhido pela corrente da inveja". Acho que isso não têm importância; vós o descobrireis. 

Nossa cultura, nossa sociedade está baseada na inveja, na vontade de adquirir conhecimentos, experiência, bens materiais, etc. E para nos libertarmos disso não se requer nenhum luta ou esforço, mas só que vejamos o que significa o esforço. O homem que está adquirindo conhecimentos, não está em paz, pois está empenhado num esforço. Só quando completamente livre do esforço, pode a mente achar-se em paz , que é, na verdade, um estado extraordinário, mas que pode ser alcançado por qualquer um que a isso se aplique de coração e com toda a atenção. A mente que não está lutando, tentando "vir a ser" alguma coisa, social ou espiritualmente, a mente que está reduzida a "nada" — só ela pode receber "o novo".

Krishnamurti - Realização sem esforço, pág. 34 à 39
Ojai, Califórnia, USA - 7 de agosto de 1955

É possível não fugir da confusão, conhecer sua causa e se abster de agir?

Pergunta: É hoje um fato definitivamente estabelecido que muitas de nossas doenças são de natureza psicossomática, causadas por profundas frustrações e conflitos interiores de que muitas vezes não estamos cônscios. Devemos agora correr para psiquiatras, como antes corríamos para os médicos, ou há um caminho pelo qual o homem pode libertar-se de sua agitação interior?

KRISHNAMURTI: isto suscita a pergunta: Qual a posição dos psicoanalistas? E qual a posição daqueles de nós, portadores deste ou daquele incomodo ou doença? A doença é produzida por nossas perturbações emocionais, ou é sem significação emocional? Quase todos nós sofremos de perturbações. Quase todos estamos confusos, agitados, mesmo os mais prósperos de nós, que possuem geladeiras, automóveis, etc.; e, como não sabemos de que maneira atender às perturbações, elas reagem inevitavelmente ao nosso físico, produzindo doença, como é bastante óbvio. E a questão fica sendo: Devemos correr para os psiquiatras, para nos ajudarem a livrar-nos de nossos distúrbios e recuperar a saúde, ou é possível descobrirmos por nós mesmos como não nos deixarmos perturbar, não nos deixarmos agitar por ansiedades e temores?

Por que estamos perturbados, se o estamos? Que é uma perturbação? Desejo uma coisa, mas, como não posso obtê-la, fico num certo estado. Desejo preencher-me através de meus filhos, minha esposa, minha propriedade, minha posição, êxitos felizes, etc., mas me vejo contrariado, e isso gera um estado de perturbação. Sou ambicioso, mas outro me empurra para o lado e toma-me a frente; eis-me de novo num caos, numa agitação, que produz sua reação física própria. 

Ora bem, podemos, vós e eu, libertar-nos de toda esta agitação e confusão? Que é confusão? Compreendeis? Que é confusão? A confusão existe somente quando há o fato e mais aquilo que eu penso a respeito do fato: minha opinião relativa ao fato, minha desatenção ao fato, minha fuga ao fato, minha avaliação do fato, etc. Se eu puder considerar o fato sem adicionar-lhe alguma qualidade, não haverá confusão. Se reconheço o fato de que um certo caminho leva a Ventura —  (NT - Cidade próxima a Ojai) —, não haverá confusão. Só pode surgir confusão se me oponho a pensar ou teimar que o caminho leva a outro lugar; e é este o verdadeiro estado em que geral nos encontramos. Nossas opiniões, são tão fortes, e tão grande o seu peso, que somos capazes de olhar o fato. 

Nessas condições, o fato, mais a opinião, o julgamento, a avaliação, a ambição, etc., geram confusão. E podemos, vós e eu, que estamos confusos abster-nos de agir? Por certo, toda ação nascida da confusão há de levar, necessariamente, a mais confusão, mais agitação, e tudo isso reage no corpo, no sistema nervoso, produzindo doença. Eu estou confuso, e o admitir para mim mesmo que estou confuso não requer coragem, mas só uma certa clareza de pensamento, clareza de percepção. Em geral, nós temos medo de reconhecer que estamos confusos, e, assim, do meio de nossa confusão, escolhemos os líderes, os guias, os instrutores, os políticos; e quando de dentro da confusão escolhemos alguma coisa essa própria escolha há de ser confusa e o guia, por conseguinte, tem de ser confuso.

É possível, pois, ficarmos cônscios de nossa confusão, conhecer a causa da confusão, e abster-nos de agir? Quando a mente que está confusa, age, só pode produzir mais confusão; mas a mente que está cônscia de achar-se confusa e compreende todo esse "processo" de confusão, não tem necessidade de agir, porque essa própria claridade é ação. Isto deve ser um tanto difícil de compreender, à maioria das pessoas, pois estamos muito acostumados a agir, fazer alguma coisa; mas, se se puder observar a ação, perceber os seus resultados, observar o que se está passando no mundo, politicamente e a todos respeitos, tornar-se-á bastante evidente que a chamada ação reformadora só está produzindo mais confusão, mais caos, e mais reformas. 

Podemos, então, individualmente, ficar cônscios de nossa confusão, nossa própria agitação, e "viver com ela", compreende-la, sem procurarmos livrar-nos dela, afastá-la, fugir dela? Enquanto ficarmos a dar-lhe pontapés, condená-la, fugi-la, essa própria condenação, essa própria fuga constitui o "processo" de confusão. E, a meu ver nenhum analista pode resolver este problema. Poderá ajudar-vos temporariamente a acomodar-vos a certo padrão social, a que ele chama "existência normal", mas o problema é muito mais profundo e ninguém, senão vós mesmo, pode resolve-lo. Vós e eu fizemos esta sociedade; ela é o resultado de nossas ações, nossos pensamentos, do nosso próprio existir, e enquanto ficarmos meramente a procurar reformar o produto, sem compreensão da entidade que o produziu, teremos mais doenças, mais caos e mais delinquência. A compreensão do "eu" produz a sabedoria e a ação correta.  

Krishnamurti - Realização sem esforço, pág. 29 à 32
Ojai, Califórnia, USA - 7 de agosto de 1955

A importância da mente ser capaz de "estar só"

Pergunta: tenho andado de instrutor em instrutor, a buscar, e agora vim ter convosco, movido por esse mesmo espírito de busca. Sois em alguma coisa diferente de todos os outros, e como poderei sabê-lo? 

KRISHNAMURTI: Ora, estais realmente a buscar, e que significa "buscar"? Compreendeis esta pergunta? Estais, evidentemente, a buscar alguma coisa, mas o que? Essencialmente, buscai um espírito que nunca possa ser perturbado e a que chamais "paz", "Deus", "amor", etc. Não é assim? Nossa vida é cheia de perturbação, de ânsias, de medo, de escuridão, de agitações, de confusão, e queremos fugir de tudo isso; mas, quando um homem confuso busca, sua busca se baseia no seu estado confuso e, por conseguinte, o que ele encontra é mais confusão. Estais-me seguindo?

Em primeiro lugar, pois, devemos indagar porque buscamos, e que é que buscamos. Podeis andar de instrutor em instrutor, e cada instrutor oferecer um diferente método de disciplina ou meditação, alguma prática absurda. Nessas condições, o importante não é o instrutor e aquilo que ele oferece, mas, sim, que saibais o que é que vós mesmos estais buscando. Se sabeis com clareza o que estais buscando, encontrareis então um instrutor que vos oferecerá tal coisa. Se buscais a paz, encontrareis um instrutor que vos oferecerá a paz. Mas isso que buscais pode não ser verdadeiro, em absoluto. Compreendeis? Posso desejar uma felicidade perfeita, o que significa um inalterável estado de espírito, em que haverá tranquilidade completa, sem conflito, sem dores, sem indagação, sem dúvidas; assim sendo, ponho-me a praticar certa disciplina oferecida por algum instrutor, e tal disciplina poderá produzir seu resultado próprio, ao qual chamo "paz". Eu obteria o mesmo efeito se tomasse narcótico, uma pílula; mas tal proceder não é respeitável, e o outro é (risos). Por favor, senhores, isto não é coisa para rir, pois é o que de fato estamos fazendo. 

Pois bem, aquilo que buscais, achareis, se estais dispostos a pagar seu preço. Se vos colocais nas mãos de outro, se seguis alguma autoridade, alguma disciplina, se vos controlais, descobrireis o que desejais, o que significa que vosso desejo está ditando a vossa busca; mas o que realmente acontece é que não estais cônscios dos fatores que vos estão impelindo à busca, e vindes perguntar a mim qual é a minha posição e como podeis saber se o que estou dizendo é verdadeiro ou falso. Depois de terdes estado com vários instrutores, de terdes sido iludidos, de vos terdes queimado, vindes agora experimentar mais este. Mas eu não vos estou dando instrução nenhuma, absolutamente nenhuma. O que estou dizendo é só que conheçais a vós mesmos, mais e mais profundamente, que vos vejais exatamente como sois; e isso ninguém vos pode mostrar. Mas não vos podeis ver exatamente como sois, se estais acorrentado por crenças, por dogmas, por superstições, por temores. 

Senhores, para a mente incapaz de "estar só", a busca nenhuma significação pode ter. "Estar só" é ser incorruptível, simples, livre de toda tradição, todo dogma, toda opinião, do que outro diz, etc. etc. Essa mente não busca, porque nada há que buscar; sendo livre, ela é serena, sem desejos, imóvel. Mas, tal estado não pode ser alcançado, não é uma coisa que se compra com disciplina; ele não se manifesta pelo fato de abandonardes as atividades sexuais ou de praticardes uma certa ioga. Só se manifesta quando se tem a compreensão dos movimentos do "eu", do "ego", que se revela pela mente consciente nas atividades de cada dia, bem como no inconsciente. O importante é compreendermos por nós mesmos, e não sob a orientação de outros, todo o conteúdo de nossa consciência, que está condicionada, que é o resultado da sociedade, da religião, de choques vários, impressões, memórias — compreendermos todo esse condicionamento e nos libertarmos dele. Mas, não há "como" ser livre. Se perguntais como podeis ser livre, mão me estais escutando verdadeiramente. 

Suponhais, por exemplo, que eu vos diga que a mente tem de ser totalmente "descondicionada". Ora, como é que escutais uma declaração dessa ordem? Com que atenção a escutais? Se, como espero, estais observando a vossa própria mente, percebereis que estais dizendo, interiormente: "Que coisa impossível!", ou "isto é irrealizável", ou "O condicionamento só pode ser modificado", etc. Por outras palavras, não estais escutando atentamente aquela declaração, mas lhe estais opondo vossas próprias opiniões, vossas próprias conclusões, vossos próprios conhecimentos; por conseguinte, não há atenção nenhuma. 

O fato é que a mente está condicionada, seja como comunista, seja como católica, protestante, hinduísta, etc e, ou não estamos cônscios desse condicionamento, ou o aceitamos, ou, ainda, tentamos alterá-lo, enobrecê-lo, mudá-lo; mas nunca fazemos a pergunta: Pode a mente ficar totalmente livre de condicionamento? Antes de poderdes fazer a pergunta a vós mesmo, com toda a atenção, precisais estar cônscio de que a vossa mente está condicionada, como é bem óbvio que está. Compreendeis o que entendo por "condicionamento"? Não me refiro ao condicionamento superficial da linguagem, dos gestos, dos costumes, etc; estou falando do condicionamento num sentido muito mais profundo e fundamental. A mente está condicionada quando é ambiciosa, não só mundanamente, mas também ambiciosa de se tornar espiritual. Todo esse esforço de auto-melhoramento resulta de condicionamento; e pode a mente ficar totalmente livre de tal condicionamento? Se de fato fizerdes esta pergunta a vós mesmo, com muita atenção, não deixareis de encontrar a resposta correta, e esta resposta não é que isto é possível ou impossível, pois o que ocorre é uma coisa completamente diferente. 

Por conseguinte, é importante verificar como escutamos a estas palestras. Se não prestais atenção, asseguro-vos que é pura perda de tempo virdes aqui todos os fins de semana. Pode ser agradável vir de carro a Ojai, mas aqui faz calor. Mas, se sois capaz de prestar atenção direta ao que se diz — o que significa que não vos lembreis de nada que lestes, que não ponhais opinião contra opinião, que não tomeis notas, dizendo "Refletirei sobre isto posteriormente" — e, sim, que façais a vós mesmo a pergunta em apreço, imediatamente, enquanto estais escutando — então, essa própria existência de atenção fará vir a resposta correta.

Krishnamurti - Realização sem esforço, pág. 26 à 29
Ojai, Califórnia, USA -  7 de agosto de 1955  

O auto-aperfeiçoamento não revela a Realidade fundamental

As religiões, em toda a parte, tem sempre encarecido o aperfeiçoamento pessoal, o cultivo da virtude, a aceitação da autoridade, a obediência a certos dogmas, crenças, a necessidade de fazermos um grande esforço de ajustamento aos padrões estabelecidos. Não só religiosamente, mas também politicamente, vemos esse constante impulso de aperfeiçoamento pessoal: "Devo tornar-me mais nobre, mais delicado, mais atencioso, menos violento". A sociedade, com ajuda da religião, criou uma civilização baseada no auto-aperfeiçoamento, no sentido mais amplo da palavra. É isto que cada um de nós está tentando fazer, a todas as horas: estamos tentando melhorar a nós mesmos, o que implica esforço, disciplina, ajustamento, competição, aceitação de autoridade, senso de segurança, justificação da ambição. E o auto-aperfeiçoamento conduz, com efeito, a certos resultados óbvios: torna a pessoa mais sociável. Tem significação social, e nada mais, visto que o auto-aperfeiçoamento, não pode revelar a Realidade fundamental. Acho muito importante compreender-se isto.

As religiões que temos não nos ajudam a compreender aquilo que é real, porquanto, essencialmente, estão elas baseadas, não no abandono do "eu", mas no melhoramento, no aperfeiçoamento do "eu", o que significa: continuidade do "eu", sob diferentes formas. São pouquíssimos os que se libertam da sociedade, não das exterioridades sociais, mas de todas as influências de uma sociedade que está baseada na ambição, na inveja, na comparação, na competição. Esta sociedade condiciona a mente de acordo com certo padrão de pensamento, o padrão do auto-aperfeiçoamento, auto-sacrifício, e só os que são capazes de libertar-se de todo condicionamento, só estes podem descobrir aquilo que não é mensurável pela mente.

Agora, que entendemos por esforço? Todos estamos a fazer um esforço. Nosso padrão social está baseado no esforço de adquirir, de compreender mais, de ter mais conhecimentos para, com esse fundo de conhecimentos, agirmos. Há sempre um esforço de auto-melhoramento, auto-ajustamento, auto-correção, impulso para nos preenchermos, com todas as suas frustrações, temores e angústias. De acordo com esse padrão, que todos conhecemos e de que somos parte integrante, é uma coisa perfeitamente justificável ser ambicioso, competir, invejar, perseguir determinado resultado; e nossa sociedade, seja na América ou na Europa, seja na Índia, está essencialmente baseada em tal padrão. 

Assim sendo, pode a sociedade, a civilização, em seu sentido mais amplo, ajudar o indivíduo a descobrir a Verdade? Ou a sociedade é nociva ao homem, já que o impede de descobrir o que é a Verdade? Indubitavelmente, a sociedade, tal como a conhecemos, esta civilização em que estamos vivendo e funcionando, leva o homem a ajustar-se a um padrão determinado, a ser respeitável, e ela é produto de muitas vontades. Nós criamos esta sociedade; ela não nasceu espontaneamente. E esta sociedade ajuda o indivíduo a achar o que é a Verdade ou Deus — ou o nome que quiserdes, pois as palavras são sem importância — ou deve o indivíduo colocar de lado, totalmente, a cultura, os valores da sociedade, para descobrir a Verdade? O que não significa — e cumpre notá-lo claramente — que ele deve tornar-se anti-social, fazer o que bem entender. Pelo contrário.

A atual estrutura social baseia-se na inveja, no impulso aquisitivo, em que está implicada a conformidade aos padrões, a aceitação da autoridade, a perpétua realização da ambição — e tudo isso representa, essencialmente, o "eu", o "ego", a lutar para se tornar alguma coisa. É deste material que está feita a sociedade, e sua cultura — nos seus aspectos agradáveis e desagradáveis, belos e feios — todo o campo de empreendimentos sociais — sua cultura condiciona a mente. Vós sois o resultado da sociedade. Se tivésseis nascido na Rússia e sido educado pelos seus métodos especiais, negaríeis a Deus, aceitaríeis certos padrões, tal como aqui aceiteis outros padrões. Aqui, credes em Deus, e acharíeis horrível, se não crêsseis, pois não seríeis pessoas respeitáveis.

A sociedade, pois, em toda a parte, está condicionando o indivíduo, e esse condicionamento assume a forma de auto-melhoramento, que na realidade significa a perpetuação do "eu", do "ego", sob diferentes formas. Esse melhoramento pode ser grosseiro, ou então muito requintado, quando se torna prática da virtude, da bondade, do chamado amor ao próximo; mas, essencialmente, ele representa a continuação do "eu", que é produto das influências condicionadoras exercidas pela sociedade. Todos os vossos esforços tem sido aplicados no sentido de vos tornardes alguma coisa, neste mundo, se tiverdes sorte, ou no "outro mundo"; mas, o que vos move é sempre a mesma ânsia, o mesmo impulso para manter a continuidade do "eu".

Ao perceber-se tudo isso — e não é necessário que eu entre em todos os respectivos pormenores — é inevitável esta pergunta: a sociedade ou a cultura existe para ajudar o homem a descobrir isso que se pode chamar a Verdade, Deus? O que importa verdadeiramente é que descubramos, que experimentemos diretamente algo que se acha muito além da mente, e não apenas, que tenhamos uma crença, pois isso não tem importância nenhuma. E as chamadas religiões, o seguir vários instrutores e disciplinas, o pertencer a seitas, cultos, pode qualquer dessas coisas ajudar-vos a encontrar aquela bem-aventurança eterna, aquela realidade eterna? Se não vos limitardes a ouvir, apenas, o que se está dizendo, concordando ou discordando, mas perguntardes a vós mesmos se a sociedade vos está ajudando — não no sentido superficial de alimentar-vos, vestir-vos e dar-vos morada, mas fundamentalmente — se de fato fizerdes diretamente esta pergunta a vós mesmos, o que significa que estareis  aplicando a vós mesmos o que se está dizendo, tornando-o assim uma experiência direta, e não meramente uma repetição de coisas ouvidas ou aprendidas, vereis então que o esforço só pode existir na esfera do auto-melhoramento. E o esforço é, basicamente, parte integrante da sociedade, a qual condiciona a mente de acordo com um padrão em que o esforço é considerado um fator essencial.   

Por exemplo, se sou cientista, tenho de estudar, tenho de conhecer matemática, de saber tudo o que já se disse anteriormente, tenho de possuir um imenso cabedal de conhecimentos. Minha memória tem de ser exercitada no mais alto grau, tenho de torná-la mais forte, mais ampla. Mas a tal memória, tal saber, na realidade, impede descobrimentos mais profundos. Só quando sou capaz de esquecer tudo o que sei, todos os conhecimentos que adquiri — os quais podem ter utilidade noutras ocasiões — só então estou apto a descobrir algo novo. Não me será possível descobrir nada novo com o lastro do passado, com minha carga de conhecimentos — o que, mais uma vez, é um evidente fato psicológico. E estou dizendo isto porque queremos ir ao encontro da realidade, daquele extraordinário estado criador, com toda a carga que a sociedade nos impôs, todo o condicionamento de uma dada cultura, razão porque nunca descobrimos o novo. Por certo, aquela realidade, que constitui o sublime, o eterno, tem de ser sempre nova, estar fora do tempo, e para que o novo possa manifestar-se, nada se deve apreender no terreno em que o esforço só visa ao auto-melhoramento, ao auto-preenchimento. Só quando tal esforço cessar de todo, se tornará possível a "outra coisa"

Notai, por favor, que isso é muito importante. Não é uma questão de ficardes contemplando o umbigo, e, vos deixardes enlevar por uma ilusão qualquer, mas, sim, de compreender-se o processo total do esforço, na sociedade, esta sociedade de que somos produto, esta sociedade que nós mesmos construímos, onde o esforço é uma coisa essencial, porque, sem ele, estamos perdidos. Se não sois ambicioso, sereis destruído; se não sois ganancioso, sereis pisado; se não sois invejoso, nunca tereis cargos elevados ou grandes êxitos na vida. Por isso, estais constantemente a fazer esforços para serdes ou para não serdes, para vos tornardes algo, terdes êxitos felizes, realizardes as vossas ambições; e com tal mentalidade, que é produto da sociedade, quereis tentar achar algo que não é produto da sociedade

Ora, se desejamos descobrir o que é a Verdade, devemos estar totalmente livres de todas as religiões, de todos os condicionamentos, dogmas, crenças, de toda autoridade que nos força a ajustar-nos a padrões; e isso significa, essencialmente, "estar completamente só" — coisa muito difícil, que não é um simples entretenimento para uma manhã de domingo, para um deleitável passeio de carro e um refrescante descanso debaixo das árvores, ouvindo coisas sem sentido. O descobrimento da Verdade requer uma dose imensa de paciência, de serenidade, de incerteza. O mero estudo dos livros não tem valor algum; mas se, enquanto estais escutando, puderdes manter-vos completamente atentos, vereis que essa atenção vos libertará de todo esforço, de modo que, sem nenhum movimento em qualquer direção, a mente será capaz de receber algo extraordinariamente belo e criador, algo que não pode ser medido pelo saber, pelo passado. Só uma pessoa assim é verdadeiramente religiosa e revolucionária, porque já não faz parte da sociedade. Enquanto o indivíduo for ambicioso, invejoso, ganancioso, competidor, ele é a sociedade, Com uma mentalidade dessas, de que é dificílimo nos libertarmos, esse indivíduo busca Deus, e essa busca não tem significação alguma, já que não passa de um novo esforço que ele faz, para se tornar algo, para ganhar algo. Eis porque é de grande importância compreendermos as nossas relações com a sociedade, estarmos cônscios de todas as crenças, dogmas, doutrinas e superstições que adquirimos, e jogarmos fora tudo isso — não por meio de esforço, porque nesse caso nos veremos de novo apanhados na mesma rede, mas percebendo essas coisas no seu exato significado e soltando-as de nós, tal como as folhas do outono, que murcham e são levadas pelo vento, deixando a árvore inteiramente nua. Só quando se acha neste estado, completamente nua, a mente pode receber algo portador de uma felicidade imensa para a nossa vida.

Krishnamurti - Realização sem esforço - pág. 19 à 24 - 7 de agosto de 1955 - Ojai, Califórnia, USA

Podemos ficar livres do desejo?

Pergunta: Todas as nossas tribulações parecem provir do desejo, mas podemos ficar livres do desejo? O desejo é inerente à nossa natureza ou é produto da mente?

KRISHNAMURTI: Que é "desejo"? E porque separamos o desejo da mente? E quem é a entidade que diz: "O desejo cria problemas e, por conseguinte, devo ser livre de desejo"? Entendeis? Temos de compreender o que é o desejo, e não, perguntar como livra-nos do desejo, porque ele nos traz tribulações, ou se o desejo é produto da mente. Em primeiro lugar, precisamos saber o que é o desejo, para podermos examiná-lo com mais profundidade. Que é desejo? Como nasce o desejo? Eu vou explica-lo, e vós podereis ver, mas não vos limiteis a escutar as minhas palavras. "Experimentai" realmente a coisa sobre que estamos falando, e, desse modo, as palavras terão significação. 

Como se origina o desejo? Pode-se dizer com segurança que ele nasce do perceber ou ver, do contato, da sensação — depois, o desejo. Não é exato isso? Primeiro, vedes um automóvel, depois vem o contato, a sensação, e, por fim, o desejo de possuir o carro, conduzi-lo. Tende a bondade de acompanhar lentamente, com paciência, o que estou dizendo. A seguir, ao procurardes adquirir o carro, que é a manifestação do desejo, há conflito, há dor, sofrimento, alegria, e cada um deseja manter o prazer e livrar-se da dor. É isto o que de fato está acontecendo a cada um de nós. A entidade criada pelo desejo, a entidade que está identificada com o prazer, diz: "Preciso livrar-me daquilo que desagrada, que é doloroso". Nunca dizemos: "Quero livrar-me da dor e do prazer". Queremos reter o prazer e livrar-nos da dor; mas é o desejo que cria as duas coisas, não é verdade? O desejo, que nasce da percepção-contato-sensação, está identificado com aquele "eu" que deseja apegar-se ao que é agradável e afastar de si o que é doloroso. Mas tanto o doloroso como o agradável são igualmente produtos do desejo, que faz parte da mente, não se acha fora da mente; e enquanto existir uma entidade a dizer: "Quero conservar isto e livrar-me daquilo", será inevitável o conflito. Visto que queremos livrar-nos de todos os desejos dolorosos e apegar-nos àqueles que primariamente proporcionam prazer, vantagem, nunca consideramos no seu todo o problema do desejo.  E quando dizemos: "preciso livrar-me do desejo" — quem é essa entidade que está tentando livrar-se de alguma coisa? Essa entidade não é também filha do desejo? Estais compreendendo?

Como disse no início desta palestra, necessitamos de infinita paciência para compreender estas coisas. Para as perguntas fundamentais não há respostas absolutas, "sim" ou "não". O importante é formular a pergunta fundamental e não achar-se a resposta; e se somos capazes de considerar a pergunta fundamental, sem buscarmos uma resposta, então, esta observação da coisa fundamental cria a compreensão. 

Nosso problema, por conseguinte, não é de como libertar-nos dos desejos dolorosos, ao mesmo tempo que nos apegamos aos agradáveis; o problema é de compreender, no seu todo, a natureza do desejo. Isto sugere a pergunta: Que é conflito? E quem é a entidade que está sempre a escolher entre o que é agradável e o que é doloroso? A entidade a que chamamos "eu", "ego", a mente que diz "Isto é prazer, isto é dor, prender-me-ei ao agradável e rejeitarei o doloroso" — essa entidade não é desejo? Mas, se formos capazes de olhar com atenção todo o campo do desejo, sem o propósito de conservar alguma coisa ou livrar-nos de alguma coisa, descobriremos, então, que o desejo tem um significado completamente diferente. 

O desejo cria a contradição, e a mente que é vigilante, muito ou pouco, não gosta de viver em contradição, e por isso tenta livrar-se do desejo. Mas, se a mente puder compreender o desejo, sem tentar afastá-lo de si, sem dizer: "Este é um desejo melhor, e aquele é um desejo pior; vou ficar com este e desfazer-me daquele" — se puder conhecer todo o campo do desejo, sem rejeitar, nem escolher, nem condenar, ver-se-á, então, que a mente é desejo, não está separada do desejo. Se compreenderdes realmente isto, a mente se tornará muito tranquila; os desejos surgirão, mas não terão mais "poder de choque", já não terão muita significação, já não ficarão raízes na mente, nem criarão problemas. A mente reagirá, pois, do contrário, não estará viva, mas sua reação será superficial e não criará raízes. Eis porque é importante compreendermos, no seu todo, o processo do desejo, processo em que quase todos nós estamos aprisionados. Presos nesse processo, sentimos a contradição, a dor infinita que ele causa, e, portanto, lutamos contra o desejo, e essa luta cria dualidade. Mas, se, por outro lado, pudermos dar atenção ao desejo, sem julgamento, sem avaliação ou condenação, veremos que, então, ele não cria mais raízes na mente. A mente que faculta terreno propício aos problemas nunca encontrará o Real. A questão, por conseguinte, não é de como dissolver o desejo, mas, sim, de compreendê-lo, e só é possível compreendê-lo quando não o condenamos. Só a mente que não está ocupada pelo desejo, pode compreender o desejo. 

Krishnamurti - Realização sem desejo - pág. 14 à 17 - 6 de agosto de 1955 - Ojai, Califórnia, USA   

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Que função tem o fazer-se uma pergunta e receber-se uma resposta?

Tenho aqui muitas perguntas. Que função tem o fazer-se uma pergunta e receber-se uma resposta? Resolve-se algum problema, fazendo-se uma pergunta? Que é um problema? Tende a bondade de seguir o que estou dizendo, pensando junto comigo. Que é um problema? Só pode nascer um problema quando a mente está ocupada com alguma coisa, não é verdade? Se tenho um problema, que significa isso? Suponhamos que minha mente está ocupada, da manhã à noite, com a inveja, o ciúme, o sexo, o que quer que seja. A ocupação da mente com um objeto é que cria o problema. A inveja pode ser um fato, mas é a ocupação da mente com o fato, que cria o problema, o conflito. Não é exato isso?

Suponhamos que eu sou invejoso ou tenho paixão violenta, desta ou daquela natureza. A minha inveja se torna manifesta, e a mente fica então ocupada com o conflito por ela gerado. Como libertar-me dela, como dissolve-la, que fazer com relação a ela? É a ocupação da mente com a inveja que cria o problema, e não a própria inveja; examinaremos mais adiante esse ponto, quando apreciarmos o verdadeiro significado da inveja. Nosso problema, por conseguinte, não é o fato, mas ocupação com o fato. E pode a mente libertar-se dessa ocupação? É ela capaz de atender ao fato, sem dele se ocupar? Examinaremos essa questão relativa à ocupação, no curso destas palestras. É com efeito interessantíssimo observar a própria mente em operação. 

Assim, no estudo destas perguntas vamos tentar libertar a mente da ocupação, isso significa considerar cada fato sem se ficar ocupado com ele. Isto é, se sou atuado por determinada compulsão, posso dar atenção a essa compulsão, sem dela me ocupar? Por favor, observai o vosso caso peculiar, vossa irritabilidade ou o que quer que seja. Podeis observar essa compulsão sem que a vossa mente fique ocupada com ela? A ocupação implica que estais fazendo esforço para resolver a compulsão, não é exato? Estais a condena-la, a compara-la com outra coisa, desejando altera-la, domina-la. Por outras palavras, tentar fazer alguma coisa com relação à compulsão, é uma ocupação, pois não? Mas podeis dar atenção ao fato de que estais sob determinada compulsão, uma paixão, um desejo, dar-lhe atenção, sem comparar, sem julgar e, por conseguinte, sem colocardes a funcionar o processo da ocupação? 

Psicologicamente, é muito interessante observar como a mente é incapaz de dar atenção a um fato, tal seja a inveja, sem colocar em jogo todo o vasto complexo de opiniões, juízos, avaliações, com que a mente está ocupada; desse modo, nunca resolvemos o fato, e só multiplicamos os problemas. Espero que esteja me fazendo claro. E acho importante compreender o processo da ocupação, porque atrás dele está em ação um fator muito profundo; o medo de não se estar ocupado. Se a mente está ocupada com Deus, com a verdade, ou se está ocupada com o sexo ou com o vício de beber, sua qualidade é essencialmente a mesma. O homem que medita sobre Deus e se torna eremita poderá socialmente ter mais importância, ser de mais valor para a sociedade do que o beberrão; mas os dois se acham ocupados, e a mente que está ocupada nunca será livre para descobrir o que é a Verdade.

Por favor, não aceitei nem rejeiteis o que estou dizendo; prestai-lhe atenção, investigai. Se cada um de nós puder realmente dar atenção a essa simples coisa, prestar toda atenção ao processo de ocupação da mente a respeito de qualquer problema, sem procurar livrar a mente dessa ocupação, o que não passa de outra maneira de se estar ocupado — se pudermos compreender esse processo completamente, totalmente, acho que então o próprio problema se tornará sem importância. Quando a mente se vê livre da ocupação com um problema, livre para observa-lo, está cônscia de todas as suas particularidades, o problema pode então ser resolvido com relativa facilidade. 

Krishnamurti — Realização sem esforço — pgs. 12 à 14 — 06 de Agosto 1955, Ojai, California, USA

É possível libertar a mente de TODO E QUALQUER condicionamento?


Temos um grande número de graves problemas, no mundo inteiro, e ainda que venham a criar-se "Estados de Bem-Estar” e os políticos consigam estabelecer uma paz superficial de coexistência, com prosperidade econômica, num país como este, onde o contínuo desenvolvimento da produção industrial promete um futuro feliz, não creio que os nossos problemas possam ser resolvidos com tanta facilidade. Nós desejamos que eles sejam resolvidos, mas esperamos que os outros os resolvam: os instrutores religiosos, psicanalistas, os guias ou líderes; e também confiamos na tradição ou apelamos para os livros e filosofias. E parece-me que é por esta razão que vos achais aqui: para que vos indiquem o que deveis fazer. Ou supondes que, ouvindo explicações, ficareis aptos a compreender os problemas que desafiam a cada um de nós. Mas eu penso que estais cometendo um grave erro, se esperais que, pelo simples fato de ouvirdes uma ou duas palestras, sem prestardes muita atenção, sereis guiados à compreensão dos nossos múltiplos problemas. Não é, em absoluto,  minha intenção explicar-vos de maneira simplesmente verbal ou intelectual, os problemas que se nos apresentam; antes, pelo contrário, o que vamos tentar, durante estas palestras, é penetrar muito mais fundo na causa fundamental que torna todos esses problemas tão complicados e tão infinitamente dolorosos e aflitivos.

Peço-vos tenhais paciência para escutar, sem vos deixardes levar por palavras e sem objetardes a esta ou àquela frase ou ideia. Necessita-se de infinita paciência para descobrir o que é verdadeiro. Os mais de nós temos pressa, queremos resultado, queremos bom êxito, um objetivo, um certo estado de felicidade, ou experimentar algo a que a mente possa prender-se, apegar-se. Mas o que se necessita, penso eu, é de paciência e perseverança no buscar, sem se ter nenhum fim em vista. Quase todos nós buscamos alguma coisa, e por isso vos achais aqui; em nossa busca, porém, queremos achar algo, um resultado, um alvo, um “estado de ser” de felicidade e paz; nossa busca, por conseguinte, já está determinada e, portanto, deixa de ser uma verdadeira busca. Acho de muita importância compreender-se isto. Quando a mente busca um determinado estado, a solução de um problema, quando busca a Deus, a Verdade, ou deseja certa experiência, mística ou de outra ordem, ela já a concebeu e formulou, é infinitamente vã a sua busca. E uma das coisas mais difíceis é libertarmos a mente desse desejo de resultado.

A meu ver, os nossos incontáveis problemas só podem ser resolvidos quando ocorrer uma revolução fundamental da mente, porque só uma revolução dessa ordem pode proporcionar a compreensão do Verdadeiro. Nessas condições, importa compreendermos o funcionamento de nossa própria mente, não por um processo de autoanálise ou introspecção e, sim, pelo percebimento claro do seu processo total; e é este processo total que desejo investigar nestas palestras. Se não nos vemos como somos, se não compreendemos o “pensador” — a entidade que busca, que está perpetuamente a exigir, a interrogar, a querer descobrir, a entidade que está criando o problema, isto é, o “eu”, o “ego” — então, o nosso pensar, a nossa busca, não terá significação alguma. Enquanto o nosso “instrumento de pensar” não for lúcido, enquanto estiver pervertido, condicionado, tudo o que pensarmos há de ser, inevitavelmente, limitado, estreito.

Nosso problema, pois, é de como libertarmos a mente de todos os condicionamentos, e não “de que maneira condicioná-la melhor”. Compreendeis, senhores? Quase todos nós estamos em busca de um condicionamento melhor. Os comunistas, os católicos, os protestantes e as demais seitas, por todo o mundo, inclusive hinduístas e budistas — todos visam a condicionar a mente de acordo com um padrão mais nobre, mais virtuoso, mais abnegado, ou um padrão religioso. Cada indivíduo no mundo inteiro, está inteiramente interessado em condicionar sua mente de uma maneira melhor, e nunca se levanta a questão do libertar a mente de TODO E QUALQUER condicionamento. Mas quer-me parecer que, enquanto a mente não estiver livre de todo o seu condicionamento, isto é, enquanto estivermos condicionados como cristãos, budistas, hinduístas, comunistas, etc., não pode deixar de haver problemas.

Sem dúvida, só é possível descobrir o que é real ou se existe Deus, quando a mente está livre de todo condicionamento. A mera ocupação da mente a respeito de Deus, da verdade, do Amor, não tem realmente nenhuma significação, porquanto essa mente só pode funcionar dentro da esfera de seu condicionamento. O comunista que não crê em Deus, pensa de um modo, e o homem que crê em Deus, que está ocupado com um dogma, pensa de um outro modo; mas a mente de todos os dois está condicionada e, portanto, nem um nem outro é capaz de pensar livremente, e todos os seus protestos, suas teorias e crenças muito pouco significam. Religião, pois, não é frequentar a igreja, ter certos dogmas e crenças. Religião deve ser uma cosia de todo diversa, pode significar a total libertação da mente de toda esta vasta e secular tradição; porque só a mente livre é que pode achar a verdade, a realidade, aquilo que transcende todas as projeções mentais.

Pode-se ver que isto não é uma teoria pessoal, minha, se observarmos o que está acontecendo no mundo. Os comunistas pretendem solucionar os problemas da vida de uma maneira, os hinduístas de outra maneira, os cristãos ainda de outra maneira; a mente de todos eles, por consequência, está condicionada. Vossa mente está condicionada como cristã, quer admitais, quer não. Podeis libertar-vos superficialmente da tradição cristã, mas camadas profundas do vosso inconsciente estão cheias dessa tradição, condicionadas por séculos de educação segundo um determinado padrão; e, por certo, a mente que deseja achar algo mais além — se tal coisa existe — essa mente tem de libertar-se, em primeiro lugar, de todo condicionamento.

Fica entendido, pois, que nestas palestras não vamos de modo nenhum tratar da questão do aperfeiçoamento pessoal, nem tão pouco interessa o aperfeiçoamento de nenhum padrão; não pretendemos condicionar a mente segundo um padrão mais nobre, ou um padrão de maior alcance social. Pelo contrário, o que pretendemos é descobrir como libertar a mente, a consciência total de todo condicionamento, porque, a menos que isso aconteça, nunca haverá o experimentar da realidade. Podeis falar sobre a realidade, ler inúmeros volumes a seu respeito, ter todos os livros sagrados do Oriente e do Ocidente, mas se vossa mente não estiver cônscia de seus próprios processos, não perceber que ela própria está funcionando dentro de um determinado padrão, e não for capaz de libertar-se desse condicionamento, é bem de ver que sua busca será sempre vã.

Nessas condições, parece-me da maior importância comecemos por nós mesmos, comecemos por estar cônscios de nosso próprio condicionamento. E como é difícil uma pessoa saber que está condicionada! Superficialmente, nas camadas conscientes da mente, podemos perceber que estamos condicionados; podemos libertar-nos de um padrão e adotar outro, abandonar o Cristianismo e nos tornarmos comunistas, deixar o Catolicismo e aderir a outro grupo igualmente tirânico, e, assim fazendo, pensar que estamos volvendo para a Realidade. Mas isso, pelo contrário, é mera troca de prisões.

Todavia, isto é o que quase todos queremos: encontrar um lugar seguro, no nosso pensar. Queremos seguir um padrão fixo e não ser perturbados em nossos pensamentos, em nossas ações. Mas só a mente capaz de observar com paciência o seu condicionamento e dele libertar-se, só essa mente é capaz de uma revolução, uma transformação radical, e descobrir, assim, o que se acha infinitamente além da mente, além de todos os nossos desejos, nossas vaidades e paixões. Sem o autoconhecimento, sem nos conhecermos exatamente como somos — e não como gostaríamos de ser, que é simples ilusão, figa idealística — sem conhecermos os movimentos do nosso pensar, todos os nossos “motivos”, nossos pensamentos, nossas inumeráveis reações, não haverá possibilidade de compreendermos a ultrapassarmos o processo do pensar.

Tiveste o trabalho e o incômodo de vir aqui, nesta tarde quente, para ouvir esta palestra. Mas eu estou a me perguntar se realmente estais escutando. Que é escutar? Acho importante examinarmos isso um pouquinho, se não vos desagradar. Estais realmente escutando, ou apenas interpretando segundo o vosso próprio entender? Sois capazes de escutar a alguém? Ou dar-se-á que, no processo de escutar, estão surgindo pensamentos e opiniões vários, e por conseguinte os vossos conhecimentos e experiência própria estão intervindo, pondo-se de permeio entre o que se está dizendo e a vossa compreensão?

Acho importante se compreenda a diferença entre “atenção” e “concentração”. A concentração implica escolha, não é verdade? Estais procurando concentrar-vos no que estou dizendo e, por conseguinte, a vossa mente está focada, estreitada, e outros pensamentos estão intervindo; assim sendo, não há um verdadeiro escutar, mas, sim, uma batalha que se está travando na mente, um conflito entre o que estais escutando e o vosso desejo de traduzi-lo, de aplicar o que estou dizendo, etc. Mas, por outro lado, a atenção é uma coisa completamente diferente. Na atenção não há enfoque, não há escolha; há percebimento completo, sem interpretação. E, se somos capazes de ouvir tão atenta e completamente o que se está dizendo, esta mesma atenção produzirá o milagre da transformação, na própria mente.

Estamos falando a respeito de algo de imensa importância, porque, se não houver uma revolução fundamental em cada um de nós, não percebo como será possível operarmos uma vasta e radical transformação no mundo. E esta transformação radical, decerto, é sumamente relevante. A mera revolução econômica, de caráter comunista ou socialista, é destituída de qualquer importância. Só pdoe haver revolução de natureza religiosa; e a revolução religiosa não será possível se a mente está apenas ajustada ao padrão de um condicionamento anterior. Enquanto uma pessoa for cristã ou hinduísta, não poderá haver revolução fundamental, no sentido verdadeiramente religioso da palavra. E nós temos real necessidade desta revolução. Quando a mente estiver livre de todo condicionamento, ver-se-á surgir a ação criadora da Realidade, de Deus, ou o nome que preferirdes; e só a mente que se acha nesse estado, a mente que está a experimentar constantemente essa criação, só ela poderá criar uma perspectiva nova, valores diferentes, um mundo diferente.

É, pois, importante compreendermos nós mesmos, pois não? O autoconhecimento é o começo da sabedoria. O autoconhecimento não se consegue de acordo com algum psicólogo, livro ou filósofo; ele consiste em conhecermos a nós mesmos tais como somos, de momento a momento. Compreendeis isso? Conhecer a si mesmo é cada um observar o que pensa, o que sente, não apenas superficialmente, pois devemos estar profundamente cônscios do que é, sem condenação, sem julgamento, sem avaliação ou comparação. Experimentai-o, e vereis como é difícil a uma mente que foi exercitada durante séculos para condenar, julgar e avaliar, deter todo esse processo e ficar simplesmente a observar o que é. Entretanto, se não se fizer esta observação, não apenas no nível superficial, mas em todo o conteúdo da consciência, nunca será possível penetrarmos as profundezas da mente.

Vêde, por favor, se aqui estais realmente com o fim de compreender o que se está dizendo, que é isto que deve interessar-nos, e nada mais. Vosso problema não é o de saber a que sociedade pertencer, a que gênero de atividade entregar-vos, que livros ler, e outras superficialidades dessa ordem, mas, sim, de saber como libertar a mente do condicionamento. A mente não é apenas a consciência desperta, ocupada com as atividades diárias, mas é também as camadas profundas do inconsciente, onde se encontra todo o resíduo do passado, da tradição, dos instintos raciais. Tudo isso é a mente, e amenos que essa consciência total seja livre, de ponta a ponta, a nossa busca, nossa investigação, nosso descobrimento, será limitado, estreito, insignificante.

A mente está toda condicionada. Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada. Nosso problema, portanto, é este: Pode a mente, assim condicionada, libertar-se? E quem é a entidade que poderá libertá-la? Compreendeis o problema? A mente é a consciência total, com todas as suas camadas de conhecimentos, aquisições, tradições, instintos raciais, memórias. Esta mente pode libertar-se? Ou só pode libertar-se ao perceber que está condicionada e que todo movimento que faça para sair de seu condicionamento é outra forma de condicionamento? Espero que estejais compreendendo. Se não, continuaremos a examinar esse ponto dos próximos dias.

A mente está toda condicionada, o que é um fato evidente, se refletimos a tal respeito. Isso não é invenção minha, é um fato. Pertencemos a uma dada sociedade, fomos educados de acordo com determinada ideologia, certos dogmas, tradições, e a vasta influência da civilização, da sociedade, condiciona-nos incessantemente o espírito. Como pode esse espírito ser livre, se todo movimento para libertar-se resulta de seu condicionamento e, por conseguinte, produzirá, forçosamente, mais condicionamento? Só há uma resposta: a mente só pode ser livre quando está completamente  tranquila. Embora tenha problemas e inúmeros impulsos, conflitos, ambições, se —  mercê de autoconhecimento, da autovigilância sem aceitação ou condenação — ela estiver cônscia, imparcialmente, do seu próprio processo, então, desse percebimento há de resultar um silêncio extraordinário, uma tranquilidade de espírito em que não se observa movimento de espécie alguma. É só então que a mente é livre, porquanto nada mais deseja, nada mais busca, não visa a nenhum objetivo ou ideal — que são as projeções de toda mente condicionada. E se logrardes alcançar essa compreensão em que não há automistificação, encontrareis a possibilidade de vir surgir aquela coisa extraordinária que se chama criação. Só então a mente está apta a compreender aquela imensidade que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes — a palavra tem muito pouca importância. Podeis ser prósperos, socialmente possuir muitos bens — automóveis, casas, geladeiras — ter paz superficial, mas, sem o surgimento daquilo que é imensurável, encontrareis sempre aflições. A libertação da mente de seu condicionamento é o fim do sofrimento. 

Krishnamurti - Realização Sem Esforço - Capítulo 1 - páginas 5 à 12 - 1955, Ojaí, Califórnia, USA

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A verdadeira revolução

VERIFIQUEMOS qual é a situação do indivíduo na sociedade, se o indivíduo pode contribuir para uma transformação radical da sociedade; se a entidade transformada, o ser humano inteligente que logrou transformar-se fundamentalmente, tem alguma influência, se pode atuar de alguma maneira na corrente dos acontecimentos; ou se o indivíduo de que falo, a entidade transformada, nada pode fazer, ele próprio, mas pode, pela mera circunstância de sua existência, injetar alguma espécie de ordem na sociedade, na corrente do caos e da confusão. Vemos como no mundo inteiro a ação em massa obviamente produz resultados. Percebendo isso, vem-nos o sentimento de que a ação individual é muito insignificante, que vós e eu, ainda que transformemos a nós mesmos, muito pouca influência podemos ter; e, assim, perguntamo-nos o que valemos nós, uma vez que somos impotentes para influir na corrente.
Ora, por que pensamos com referência à massa? As revoluções fundamentais são produzidas pela, massa, ou são elas iniciadas por uns poucos indivíduos de visão que, pelo seu verbo e sua energia, influenciam grande número de pessoas? É assim que nascem as revoluções. Não é um erro julgar que nós, como indivíduos, nada podemos fazer?  Não é um engano supor que todas as revoluções fundamentais são produzidas pela massa? Por que pensamos que os indivíduos não têm importância como indivíduos? Como tal atitude mental, nunca pensaremos por nós mesmos, e reagiremos sempre automaticamente. A ação é sempre da massa? Ela não brota, essencialmente do indivíduo, comunicando-se, depois, de indivíduo a indivíduo? Não existe realmente essa coisa chamada massa. Afinal de contas, a massa é uma entidade constituída de pessoas que estão enredadas, hipnotizadas por palavras, por certas idéias. Quando não estamos hipnotizados por palavras, estamos à margem da corrente - coisa de que nenhum político haveria de gostar. Não deveríamos manter-nos à margem da corrente e tirar dela outros indivíduos, em número crescente, para, dessa maneira, influir na corrente? Não importaria muito que se realizasse uma transformação fundamental no indivíduo, em primeiro lugar, que antes de tudo vós e eu nos transformemos radicalmente, em vez de esperarmos que todo o mundo se transforme? Não é um ponto de vista "escapista", uma forma de indolência, uma maneira de fugir ao problema, pensar que vós e eu somos incapazes de influir, por pouco que seja, na sociedade como um todo?
Quando vemos tanto sofrimento, não apenas em nossas vidas, mas também na sociedade que nos cerca, que é que nos impede de nos transformarmos, de nos modificarmos fundamentalmente?  Será simples hábito, letargia, qualidade da mente, que está satisfeita com o padrão em que se acha encerrada e não deseja quebrá-lo? De certo, não é apenas isso, porque circunstâncias econômicas quebram aquele padrão; entretanto, persiste o padrão interior, o padrão psicológico. Por que persiste ele?  Para nos transformarmos fundamentalmente, radicalmente, teremos necessidade de alguma influência ou força exterior - como o sofrimento, a revolução econômica ou social, ou um guru - isto é, teremos necessidade de compulsão? Uma força exterior implica conformismo, dependência, compulsão, temor. Modificamo-nos fundamentalmente pela dependência? Não é um estorvo o dependermos, para nossa transformação, de forças exteriores, comoções econômicas, etc.? Essa dependência de uma força exterior impede a revolução radical, porque a revolução radical só pode vir, quando compreendermos o processo total de nós mesmos. Se, para a transformação, dependemos de uma força exterior de qualquer espécie, introduzimos o temor e outros fatores que impedem a transformação. Um homem que deseja deveras a transformação, não depende de nenhuma força exterior, não há luta em seu interior; ele percebe a necessidade e se transforma.
Será de fato difícil a transformação do indivíduo? É difícil ser bondoso, compassivo, amar alguém? Afinal de contas, é esta a essência de uma transformação radical. A dificuldade é que temo uma natureza dualista, na qual existe ódio, aversão, varias formas de antagonismo, etc., que nos afastam do problema central. Estamos de tal maneira entranhados nos impulsos que incitam ao ódio, à antipatia, que perdemos a chama pura, ficou-nos só fumo; e o problema fica sendo o de como nos livrarmos do fumo. Não possuímos mais, em absoluto, a chama da criação; tomamos o fumo pela chama. Não é necessário investigarmos o que é a chama, isto é, ver a s coisas de maneira nova, sem, nos subordinarmos a um padrão; olhar as coisas como são, sem, lhes darmos nomes? Será realmente difícil isso? A dificuldade é que os mais de nós estamos cheios de compromissos, assumimos inumeráveis responsabilidades, deveres, etc., e dizemos que deles não nos podemos eximir.  Positivamente, essa não é uma dificuldade real. Quando sentimos uma coisa profundamente, nós fazemos o que queremos, sem considerações de família, da sociedade, e tudo o mais. Assim, a única dificuldade resulta de não sentirmos suficientemente a importância da transformação radical do indivíduo. É imperioso que se opere essa transformação. A transformação se realizará quando vivermos sem "verbalização", quando virmos as coisas como são realmente e aceitarmos a verdade tal como é. Isso deve começar em nós, como indivíduos. Se não começa, isso se deve, simplesmente, a que não prestamos atenção suficiente, não nos entregamos, com todo o nosso ser, à compreensão dessa coisa; vemos tanto sofrimento ao redor de nós, e há tanta confusão dentro em nós, e todavia não nos dispomos a pôr cobro a essa situação.
Agora, que acontece quando tenho um problema e procuro resolvê-lo? Na solução do problema, surgem-me vários outros problemas; resolvendo um problema, multiplico-o. Por isso, desejo encontrar a solução do problema sem aumentar o problema, desejo viver feliz, desejo estar livre da aflição psicológica, sem arranjar um substituto para ela. É possível descobrir se podemos realmente dissolver a aflição, se podemos investigara sem contar com a autoridade de ninguém, examiná-la em nós mesmos, observando-nos a todas as horas e em toda espécie de relações? Não será esta a única solução do problema: observar-nos constantemente, o que pensamos, o que sentimos, o que, fazemos, conservar-nos nesse estado de vigilância em que tudo se nos revela?
Cumpre-vos experimentá-lo e não, simplesmente, dizer que não é possível, nem aceitar a minha autoridade e repeti-la, apenas. Suponhamos que sejais feliz, e eu não; e desejo ser feliz, não desejo narcotizar-me com crenças, etc., mas, sim, levar inteiramente a cabo o meu propósito.  Nessas condições, procuro-vos, investigo, e examino a questão mais e mais profundamente. - Que vos impede agora de assim proceder? Por que não tendes o sentimento da felicidade, da criação, de ver as coisas como são? Por que não operais nesse sentido profundo? Por que dizeis que o sofrimento leva à felicidade, que o sofrimento é um meio de alcançar a felicidade, aceitastes o sofrimento, ou outro substituto qualquer. Fizemo-nos de tal maneira embotados, que não percebemos a necessidade de nos modificarmos, e aí é que está a dificuldade.
Dizeis porventura, que desejais modificar-vos, mas alguma coisa há que impede a transformação. Explicações não alteram coisa alguma. Dizer que o "ego" é um obstáculo, é simples explicação, mera descrição. Desejais que eu descreva a maneira de vencer os obstáculos; mas precisamos achar um meio de saltar a barreira, se possível, precisamos lançar-nos à corrente, ousadamente, aventurosamente, em vez de ficarmos sentados na margem a especular. Que nos está impedindo de dar o salto? O que no-lo impede é a tradição, que é memória, que e experiência, - não é verdade? Tanto nos satisfazemos com palavras, com explicações, que não damos o salto, mesmo percebendo a necessidade de saltar.  Alvitra-se que não ousamos lançar-nos à corrente porque temos medo do desconhecido. Mas, é-me possível saber o que acontecerá, é-me possível conhecer o desconhecido?  Se eu o conhecesse, não haveria então temor algum - e não seria o desconhecido.  Nunca me será dado conhecer o desconhecido, se não me aventuro.
Será o temor que nos está impedindo de lançar nos à aventura? Que é temor? Só pode haver temor em relação com alguma coisa, ele não existe em isolamento. Como posso temer a morte, como posso temer uma coisa que desconheço? Só posso temer o que conheço. Quando digo que temo a morte, estarei mesmo com medo do desconhecido, ou estou com medo de perder o que me é conhecido? Meu medo não é da morte, mas sim de perder a minha associação com coisas que me pertencem. Meu temor está sempre em relação com o conhecido, e não com o desconhecido.
Assim, o que agora me cabe inquirir é como ficar livre do temor inspirado pelo conhecido, que é o temor de perder minha família, minha reputação, meu caráter, meu depósito no banco meus apetites, etc. Direis que o temor surge da consciência; mas vossa consciência é formada pelo vosso condicionamento, pode ser insensata ou sensata; a consciência, pois, também, é resultado do conhecido. Que sei eu? Saber é ter idéias, ter opiniões a respeito de coisas, ter um sentimento da continuidade do conhecido, e nada mais do que isso. Idéias são lembranças, resultados de experiências, que são reações a estímulos. Tenho medo ao conhecido, o que significa que tenho medo de perder pessoas, coisas ou idéias, tenho medo de descobrir o que sou, medo de me ver em embaraços, medo da dor que, poderia resultar de perder, ou de não ganhar, ou de não ter mais prazeres.
Há o medo á dor. A dor física é reação nervosa; a dor psicológica se manifesta quando estou apegado a coisas que me proporcionam satisfação, porque, em tal caso tenho medo de qualquer pessoa ou coisa que me proporcionam satisfação, porque em tal caso tenho medo de qualquer pessoa ou coisa que possa arrebatar. As acumulações psicológicas impedem a dor psicológica, enquanto não são perturbadas; isto é, sou um feixe de acumulações, experiências, que impedem qualquer perturbação séria - pois não desejo ser perturbado. Por isso, temo qualquer um que venha perturbá-las. Meu temor, portanto, é inspirado pelo conhecido; tenho medo, por causa das acumulações, físicas ou psicológicas, que constitui para defender-me da dor ou evitar a aflição.  Mas a aflição está presente no próprio processo de acumular para proteger-nos do sofrimento.  Também o conhecimento ajuda-nos a evitar a dor. Assim como o conhecimento da medicina nos ajuda a evitar a dor física, assim também as crenças nos ajudam a evitar a dor psicológica, e esta é a razão por que tenho medo de perder as minhas crenças, embora eu não possua um conhecimento perfeito, nem prova concreta da realidade de tais crenças. Posso rejeitar alguma das crenças tradicionais que me foram inculcadas, porque minha experiência própria me dá força, confiança, compreensão; mas tais crenças e o conhecimento que adquiri são basicamente idênticos, isto é, constituem um meio de proteção contra a dor.
Existe temor enquanto há acumulação do conhecido, que gera o medo de perder. Por conseguinte, o temor do desconhecido é, na realidade, o medo de perder o conhecido, por nós acumulado. A acumulação, invariavelmente, importa em temor, o qual por sua vez importa em sofrimento; e no minuto em que digo "não devo perder" há temor. Embora, quando acumulo, a minha intenção seja a de resguardar-me da dor, a dor é inerente ao processo de acumulação. As próprias coisas que possuo criam o temor, que é dor.
A semente da defesa encera também o ataque. Desejo segurança física; por isso crio um governo soberano, e este necessita de forças armadas, que acarretam a guerra, a qual destrói a segurança. Sempre que há o desejo de autoproteção, existe o temor. Quando percebo a falácia do desejo de segurança, desisto de acumular. Se dizeis que o reconheceis, mas não podeis deixar de acumular, é que de fato, não percebeis que na acumulação está me inerentemente, a dor.
Existe temor no processo de acumulação, e a crença em alguma coisa é parte do processo acumulativo. Morre o meu filho, e eu creio na reencarnação para, psicologicamente, preservar-me de mais sofrimento; mas no próprio "processo" do crer existe a dúvida. Exteriormente, acumulo coisas, e provoco a guerra; interiormente, acumulo crenças, e provoco a dor. Enquanto desejo estar seguro, ter depósitos nos bancos, ter prazeres, etc., enquanto desejo tornar-me alguma coisa, fisiológica ou psicologicamente haverá dor, necessariamente. As mesmas coisas que estou fazendo para proteger-me da dor, geram o temor e a dor.
Nasce o temor quando desejo permanecer num determinado padrão. Viver sem temor significa viver sem padrão algum. Quando desejo determinada maneira de viver, esse desejo, em si, é uma fonte de temor. A dificuldade está no meu desejo de viver segundo um certo molde. Não posso quebrar o molde? Só posso quebrá-lo ao perceber esta verdade: que o molde está causando temor, e que o temor está reforçando o molde. Se digo que preciso quebrar o molde, porque desejo ficar livre do temor estou seguindo outro padrão, o qual será a causa de outros temores. Toda ação de minha parte, baseada no desejo de quebrar o molde, há de sempre criar outro padrão, e, portanto, temor. Como posso quebrar o padrão sem causar temor, isto é, sem nenhuma ação, consciente ou inconsciente, de minha parte; em relação a ele? Significa isso que não devo agir, não devo fazer movimento algum para quebrar o molde. Que me acontece, então, quando fico apenas observando o padrão sem nada fazer em relação a ele? Percebo que a mente é, ela própria, o molde, o padrão; ela vive no padrão habitual, que criou para si. Por conseguinte, a mente é, ela própria, temor. Tudo o que a mente faz é no sentido ou de reforçar um velho padrão ou de por em vigor o um padrão novo.  Significa isso que tudo o que a mente faça para livrar-se do temor, há de gerar temor. Ao percebermos a verdade disso, ao percebermos o "processo" respectivo, que acontece? A mente se torna sensível, tranqüila.
Ora, por que não está a mente sempre tranqüila? Toda vez que o padrão se cristaliza, por que não percebe a mente a verdade a esse respeito? Porque a mente deseja permanência, estabilidade, um refúgio de onde lhe seja possível operar. A mente quer estar segura. Dá-se a quebra de um determinado padrão, e poucos minutos depois observa-se uma nova cristalização; e, em vez de examinar essa nova cristalização e compreendê-la por completo, a mente volve à antiga experiência e diz “percebi a verdade, e isso deve continuar”. Na busca de continuação, a mente cria um novo padrão e a ele se apega. Toda vez que ocorre cristalização, esta deve ser observada e compreendida; e a repetição ocorre por causa da deficiência da compreensão.
A verdade é não-continuidade. A verdade de ontem não é a verdade de hoje. A verdade não é do tempo e, portanto, não é da memória; não é algo que se possa experimentar, lembrar, ganhar, perder, ou realizar. Perseguimos a verdade, porque desejamos ganhá-la e dar-lhe continuidade; e logo que percebemos isso, realmente o padrão se quebrará, pois a mente, então, já cortou todas as amarras.
 Krishnamurti – Madrasta, 29 de janeiro de 1950


* * * 

Em todas as nossas relações - com pessoas, com a natureza, com idéias, com coisas - parece que criamos cada vez mais problemas. Se tentamos resolver um problema - econômico, político, social, coletivo ou individual - fazemos surgir grande número de novos problemas. De algum modo, parece que criamos cada vez mais conflito, e estamos cada vez mais necessitados de reforma. É bem evidente que toda reforma torna necessárias novas reformas, sendo, por conseguinte, um verdadeiro retrocesso. Enquanto a revolução, seja da esquerda, seja da direita, for apenas a continuidade do que foi, em referência ao que será, ela também é retrocesso. Só pode haver uma revolução fundamental, uma constante transformação interior, quando nós, como indivíduos, compreendermos nossas relações com a coletividade. A revolução deve começar em cada um de nós, e não nas influências exteriores, nas influências ambientes. Nós, afinal, somos a, coletividade; tanto o nosso consciente, como o inconsciente são o resíduo de todas as influências políticas, sociais e culturais do homem.  Por conseguinte, para se realizar, exteriormente, uma revolução fundamental, torna-se necessária uma transformação radical em nosso interior, uma transformação independente de qualquer modificação do ambiente. A revolução deve começar em vós e em mim. Todas as grandes coisas começam em escala pequena, todos os grandes movimentos começam em vós e em mim como indivíduos; e se esperamos pela ação coletiva, essa ação coletiva, se vem a realizar-se, é destrutiva e conducente a mais sofrimentos.
Vemos, pois, que a revolução deve começar, em vós e em mim. Essa revolução, essa transformação individual, só pode realizar-se quando compreendemos as nossas relações, que constituem o "processo" do autoconhecimento. Sem conhecer integralmente o "processo" das minhas relações, nos seus diferentes níveis, o que penso e o que faço nenhum valor têm. Que base tenho eu para pensar, se não conheço a mim, mesmo? Temos tanto desejo de agir, tanto empenho em fazer, alguma coisa, em realizar alguma espécie de revolução, alguma espécie de melhoria, alguma modificação no mundo; mas sem conhecermos o nosso próprio funcionamento (processo), tanto na periferia como no interior falta-nos toda base para a ação e o que fazemos não pode deixar de criar mais sofrimento e mais luta. A compreensão de nós mesmos não se consegue pelo processo de nos retirarmos da sociedade, ou de nos recolhermos a uma torre de marfim. Se vós e eu nos dedicarmos a estudar o assunto com toda a atenção e de maneira inteligente, veremos que só podemos compreender a nós mesmos em relação e não no isolamento. Ninguém pode viver no isolamento. Viver é estar em relação. É só no espelho das relações que compreendo a mim mesmo - o que significa que devo estar sempre sobremodo atento, em todos os meus pensamentos, sentimentos e ações, na vida de relação. Não constitui isso um processo difícil nem empresa sobre-humana; e, como acontece com todos os rios, se bem que a nascente seja quase imperceptível, as águas vão ganhando ímpeto, no seu curso, à medida que se vão aprofundando. Se, neste mundo louco e caótico, vos empenhardes naquele processo, avisadamente, com atenção, e com paciência, sem condenar, vereis como ele começa a ganhar ímpeto, independentemente da questão de tempo.
A verdade existe minuto por minuto, na vida de relação, e temos de vê-la em cada ato, cada pensamento e cada sentimento que surge, em nossas relações. A verdade não é coisa que se possa acumular, armazenar; temos de achá-la de novo, no pensamento e no sentimento, a cada instante - o que não representa um processo acumulativo e, por conseguinte, não depende do tempo. Quando dizeis que, com o tempo, compreendereis, graças à experiência ou ao saber, estais justamente impedindo a compreensão, porque esta não resulta de acumulação alguma. Podeis acumular saber, mas isso não é compreensão. A compreensão surge quando a mente está livre do conhecimento.  Quando a mente não exige a satisfação de desejos, quando não procura experiência, há tranqüilidade; e quando a mente está tranqüila, só então haverá compreensão. Só quando vós e eu estamos verdadeiramente dispostos a ver claramente as coisas tais como são, é que se nos oferece a possibilidade de compreensão. A compreensão vem, não por meio de disciplinamento, não por meio da compulsão, de coerção, mas, sim, quando a mente está tranqüila e disposta a ver as coisas com lucidez. A serenidade da mente nunca se pode conseguir por meio da compulsão, sob qualquer forma, consciente ou inconsciente; tem de ser espontânea. A liberdade não está no fim, mas no começo; porque o fim e o começo não são diferentes, o meio e o fim são idênticos. O começo da sabedoria é a compreensão do processo total de nós mesmos, e esse autoconhecimento, essa compreensão, é meditação.
 Krishnamurti – Madrasta, 5 de fevereiro de 1950

A verdade libertadora - 1ª conferência em Estocolmo



CONSIDERO importante compreender a relação que deve estabelecer-se entre um orador e seus ouvintes, entre mim e vós, porquanto eu não estou representando a Índia nem filosofia indiana, e tampouco vou falar sobre os ideais e doutrinas do Oriente. A meu ver, nossos problemas humanos, quer sejamos orientais, quer ocidentais, são idênticos. Cada um de nós pode ter costumes diferentes, diferentes hábitos, diferentes valores e pensamentos, mas, fundamentalmente, sinto que temos todos os mesmos problemas.
Muitos são os nossos problemas, não é verdade? - problemas sociais, econômicos e, mais especialmente, talvez, problemas religiosos; e atualmente todos nos aplicamos a eles de diferentes maneiras. Consideramo-los, apenas, parcialmente, como cristãos, como hinduístas, comunistas ou seja o que for, ou os separamos como problemas orientais ou ocidentais. E, por considerarmos os nossos problemas parcialmente, com essas diferentes formas de condicionamento, parece-me que não os estamos compreendendo. Creio que a maneira de considerar o problema é muito mais significativa do que o próprio problema e que, se pudéssemos aplicar-nos às nossas numerosas dificuldades sem nenhuma espécie de condicionamento ou preconceito, chegaríamos, provavelmente, a compreendê-los a fundo.
Assim sendo, permito-me salientar quanto é importante descobrirmos por nós mesmos, cada um de nós, a maneira como estamos tentando resolver os numerosos problemas humanos que nos assediam; porque, se a esse respeito não estivermos bem esclarecidos, então, penso eu, por mais que nos empenhemos para compreender os complexos problemas da vida e toda a confusão e contradição em que nos vemos envolvidos, nunca o conseguiremos. Por isso mesmo, bem valeria a pena, parece-me, examinarmos as crenças, os preconceitos, os dogmas e as idéias que, de diferentes maneiras, estão agora corrompendo a mente e impedindo-a de ser livre para descobrir o que é a verdade, a realidade, Deus, ou como quiserdes chamá-lo. E devo afiançar-vos que se necessita de um interesse extraordinário para tal fazer - para descobrirmos, no decorrer desta palestra, os numerosos obstáculos à compreensão e percebermos como a mente - o único instrumento de descobrimento com que contamos - está embotada em virtude de tantos pensamentos, emoções, temores, hábitos e condicionamentos que, compõem a sua estrutura.
Para descobrirmos tudo isso, considero essencial não escutar o que se está dizendo como se se tratasse de mera conferência ou discurso - pois não é nada disso - porém, antes, acompanhar, cada um, enquanto vou falando, as reações de sua própria mente. Pois o importante, naturalmente, é compreendermos o verdadeiro funcionamento de nossa mente. O mero concordar ou discordar não cria a compreensão; cria só confusão e contradição, não é verdade? Mas se, ao contrário, pudermos acompanhar, paciente e inteligentemente, o que se está dizendo, sem julgar, sem comparar, sem concordar ou discordar, de modo que vejamos a mente funcionar, então, talvez, descobriremos por nós mesmos a maneira de considerarmos os nossos inúmeros problemas.
Nosso pensar se tornou dependente de nosso ambiente, porque estamos manietados por inúmeros preconceitos - preconceitos nacionalistas, ideológicos, religiosos, etc. Estamos sempre a buscar segurança, a buscar algum meio de confiarmos em nós mesmos, tanto interior como exteriormente, não é exato? E quer-me parecer que enquanto estivermos empenhados nessa busca de segurança, de confiança em nós mesmos, de certeza, não estaremos livres para examinar os nossos problemas e descobrir se é possível dar-lhes solução definitiva. Por certo, só quando compreendemos a nós mesmos, quando observamos o nosso próprio processo mental - o que, afinal, é autoconhecimento - só então existe a possibilidade de descobrirmos por nós mesmos o que é verdadeiro, o que é a realidade. Para isso, não há necessidade de instrutor, de guia, de escrituras, de nenhuma autoridade, enfim. O descobrir e compreender os movimentos de nosso pensar e de nosso sentir dá-nos a possibilidade de resolver nossos próprios problemas, que são também problemas sociais.
Mas é muito difícil pensarmos sem ser de determinada maneira, sem ser de acordo com determinado conjunto de valores, dogmas, crenças ou teorias. Tanto ansiamos por uma solução aos nossos problemas, que nunca nos detemos para considerar se o instrumento de que nos estamos servindo - a mente, minha e vossa - está verdadeiramente livre para investigar. A mente repleta de conhecimentos, crenças, teorias, não está, por certo, livre para investigar o verdadeiro. Mas, se pudermos compreender e dissolver o condicionamento, os preconceitos e dogmas que nos estão enevoando a mente, talvez então esta se torne livre para descobrir, pois, assim, a própria verdade atuará sobre o problema, em vez de ficar a mente lutando por uma solução por meio de seu próprio condicionamento - que não pode levá-la a parte alguma.
Eis porque acho tão importante saber escutar. Mui poucos de nós somos capazes de escutar verdadeiramente; mui poucos dentre nós ouvimos ou vemos as coisas com verdadeira clareza, porque tudo o que observamos ou ouvimos é imediatamente interpretado, traduzido pela mente, de acordo com nossas próprias idéias e idiossincrasias. Pensamos estar compreendendo mas não estamos, por certo. De tal maneira estamos sendo distraídos por nossas opiniões e conhecimentos, pelo aprovar ou reprovar, que nunca vemos o problema como ele de fato é. Mas, se pudermos desembaraçar-nos de nossos peculiares pontos-de-vista e, escutando, seguindo o funcionamento da mente, perceber o fato tal qual é, acho que veremos então manifestar-se um processo completamente diferente, o qual nos habilitará a considerar os nossos problemas com plena liberdade, e clareza.
Por essa razão, creio necessário escutar totalmente.  Atualmente, escutamos apenas com uma parte de nossa mente, sendo-nos dificílimo dispensar atenção completa não só ao que se está dizendo agora, mas a tudo que se nos depara na vida. Temos problemas inúmeros - os problemas religiosos, sociais, econômicos, e mais os problemas da vida, da subsistência, da morte; e quer-me parecer que o próprio processo de nosso pensar está aumentando esses problemas. O modo como funciona o nosso pensar - nossa mente - é condicionado, não? Condicionado pela religião em que fomos criados, por nossa nacionalidade, nossos pontos-de-vista políticos, nossas circunstâncias econômicas, e inumeráveis outras influências. Tudo isso concorreu para moldar a nossa mente de uma determinada maneira; e, se desejarmos libertar-nos dessa pressão, dessa influência, então, decerto, é inútil tratarmos meramente de abandonar uma dada forma de autoridade para procurarmos uma forma nova, um método novo, uma nova crença. É isso, no entanto, o que sempre estamos fazendo. Por certo, só a mente que está livre, por inteiro, de toda e qualquer autoridade, consciente ou inconsciente, é capaz de descobrir se existe uma realidade que transcende as meras concepções mentais. A mente livre é aquela que se libertou de toda crença, de todos os padrões de pensamento, conscientes ou inconscientes. Na atualidade, todo o nosso pensar resulta de nosso especial condicionamento, nossas experiências, lembranças, temores, esperanças, acumulados através do tempo. Em tais condições, é bem óbvio que a mente não está livre. Só existe liberdade quando o processo do pensamento, no seu todo, foi compreendido e transcendido; e só então se torna possível o surgir de uma mente nova regenerada.
Assim sendo, pode a mente libertar-se de seu próprio condicionamento, para considerar de maneira nova os seus problemas? Pode ser livre a mente? - não como cristã, hinduísta, sueca, comunista, ou seja, o que for, nem puramente no sentido de abandonar um dado ideal, crença ou hábito, porém livre para descobrir o que significa transcender todas as influências e contradições, mentais e sociais.
Como está reagindo agora a mente? Reagir, concordando ou discordando, é de todo vão, uma vez que tal reação é produzida por nosso próprio fundo, nosso acervo de saber e de crença.  Mas, "experimentar" o que se está passando em nós mesmos, isso parece-me verdadeiramente proveitoso. Ora, pode-se investigar inteligentemente, pacientemente, para descobrir se há alguma possibilidade de libertarmos a nossa mente de todo parcialismo, toda influência, habilitando-a, assim, a transcender suas próprias atividades? Do contrário, nossa vida será sempre muito superficial, vazia - e talvez quase todos estejamos nesse caso. Temos um enorme acervo de informações, conhecimentos, inumeráveis crenças, credos, dogmas, mas na realidade somos muito superficiais e infelizes. Embora, em certos países, externamente, se haja estabelecido a segurança econômica, contudo, interiormente, psicologicamente, o indivíduo permanece incerto, inseguro. E a segurança exterior, física, que todos os entes humanos, sem distinção de nacionalidade, desejam e necessitam, torna-se impossível para todos nós, em virtude de nossa ânsia de segurança interior, psicológica. A própria ânsia de segurança interior impede a compreensão. Só quando a mente já não é ambiciosa, já não busca nem exige nada, está livre para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus.
É por esta razão que tanto importa compreendermos a nós mesmos - não analiticamente, ou seja uma parte da mente analisando outra parte, pois daí só pode resultar mais confusão - porém verdadeiramente cônscios, sem julgar nem condenar, da maneira como agimos, das palavras que empregamos, de todas as nossas variadas emoções, nossos recônditos, pensamentos. Se formos capazes de nos olharmos sem paixão, de modo que as emoções ocultas não sejam recalcadas, porém  trazidas à luz e compreendidas, nossa mente se tornará então deveras serena; e só aí encontraremos a possibilidade de viver a pleno a vida.
São essas as coisas que penso devemos sondar juntos. Podemos ajudar-nos uns aos outros a achar a porta da Realidade, mas cada um tem de abrir a si mesmo essa porta; tal é, a meu ver, a única ação positiva.
Assim sendo, urge operar-se, em cada um de nós, uma revolução interior, uma revolução religiosa; porque só esta revolução religiosa poderá mudar a direção de nosso pensar. E para que possa produzir-se esta revolução, é necessária a silenciosa observação das reações da mente, sem julgamento, condenação ou comparação. A mente é agora estéril, não criadora, no lídimo sentido da palavra, não é exato? Ela é uma coisa artificial, constituída das acumulações da memória. Enquanto existir inveja, ambição, busca interesseira, não pode haver o estado criador. Parece-me, por conseguinte, que o mais que podemos fazer é compreendermos a nós mesmos, as operações de nossa mente; e esse processo de compreensão representa uma ingente tarefa. Não é coisa que se faz esporadicamente, que se deixa para mais tarde, para amanhã, mas que deve ser feita todos os dias, a cada momento, continuamente. Compreender a si mesmo é estar cônscio, espontaneamente, naturalmente, dos movimentos do pensar. Começa-se, assim, a perceber todos os ocultos motivos e intenções que nutrem os nossos pensamentos, e resulta, daí, a libertação da mente dos processos que a tolhem e limitam. Ela está então tranqüila; nessa tranqüilidade pode manifestar-se, de modo espontâneo, algo que não é produto da mente.
Há algumas perguntas para responder e acho que seria bem proveitoso apurarmos o que se entende por "fazer uma pergunta" e o que se entende por "obter uma resposta". Afinal de contas, existem respostas para as momentosas e fundamentais questões do amor, da vida, da morte, da existência futura? Só fazemos perguntas quando nos vemos confusos, não é verdade? Por conseguinte as respostas, também, terão de ser confusas. Assim sendo, muito importa não ficarmos dependendo das respostas de outros, e examinarmos o problema diretamente, por nós mesmos. A dificuldade, pois, não está em fazer a pergunta ou obter a resposta, mas, sim, em ver o problema claramente. E quando há clareza, já não há necessidade de perguntas nem de respostas.

PERGUNTA: Nós, suecos, em geral não gostamos de aplicar-nos à solução dos problemas da vida tão só com a mente, deixando de lado as emoções. É possível resolver algum problema só com a mente ou só com as emoções?

KRISHNAMURTI:   Achais tão fácil separar da mente as emoções? Ou queremos referir-nos, não às emoções, porém ao sentimento? Todos somos sentimentais - não é verdade? - e todos gostamos das respostas que nos dão um sentimento de satisfação, de segurança; mas isso, decerto, é uma maneira muito superficial de apreciar as coisas. Para a compreensão de qualquer problema, necessita-se de uma mente penetrante; e quando a mente está embotada por opiniões, juízos, tradições, temores, é incapaz de penetração. Não é só com a mente ou só com as emoções que se pode apreciar uma coisa de maneira completa; é com a totalidade do nosso ser. E isto é dificílimo: apreciar uma coisa totalmente, plenamente, livremente. Dificílimo considerarmos com todo o nosso ser o problema da morte, do amor, do sexo, etc. - porque estamos sempre construindo alguma resposta, crença ou teoria. Se a resposta nos agrada, aceitamo-la; se desagrada, rejeitamo-la. E nunca podemos apreciar um problema de maneira total, se nossa mente só está interessada numa resposta, buscando uma maneira de viver, uma segurança interior.
Os mais de nós estamos forcejando por compreender nossos problemas com a mente confusa; nós estamos confusos, embora, em geral, não queiramos admiti-lo. Quando um homem está confuso, todas as suas ações só poderão conduzi-lo a uma confusão, a uma angústia ainda maior. Se, portanto, nos interessa dissipar a confusão reinante no mundo, devemos, em primeiro lugar, descobrir e reconhecer, perante nós mesmos, que estamos confusos, completamente. Mas, ao percebermos nossa confusão, em geral desejamos atuar imediatamente contra ela, fazer alguma coisa para dissolvê-la, reformar-nos, alterar-nos - e isso só tem o efeito de acentuar a confusão. E é difícil em extremo determos essa estéril atividade, que representa uma mera fuga da realidade, de o que é. Só quando desistimos da fuga e, com a totalidade de nosso ser, enfrentamos o fato, que é nossa confusão, só então temos a possibilidade de dissolvê-la. Ninguém pode fazer isso em nosso lugar; temos de fazê-lo nós mesmos.

PERGUNTA: A delinqüência juvenil está aumentando. Por que razão, e qual o remédio?

KRISHNAMURTI: As raízes deste problema não estão profundamente cravadas na estrutura da moderna sociedade? E a sociedade não é o produto de nós mesmos?
Vivemos em guerra uns com os outros - não é verdade? - porque desejamos ser importantes nesta sociedade; estamos todos lutando para alcançar sucesso, chegar a certa parte, adquirir virtude, tornar-nos algo. Política, econômica, social e religiosamente, queremos atingir um objetivo, ter do melhor ou ser o melhor de todos, e nesse processo existe temor, inveja, avidez, ambição, crueldade.  Toda a nossa sociedade está assentada nesse processo. E queremos forçar nossos filhos a adaptar-se à sociedade, a ser iguais a nós, a ajustar-se ao padrão da chamada cultura. Mas dentro desse padrão existe a revolta, tanto entre os pequenos como entre os adultos.
O problema se torna mais complexo ainda, se consideramos atentamente o nosso sistema de educação. Cumpre-nos averiguar o que se entende por educação. Qual a finalidade da educação?  Obrigar-nos a nos submetermos, a nos ajustarmos à sociedade? É isso justamente o que agora estamos fazendo aos nossos filhos. Ou consiste a educação em ajudar o jovem, o estudante, a tornar-se cônscio de todas as influências condicionadoras - nacionalistas, religiosas, etc. - para delas libertar-se? Se temos verdadeiro empenho a esse respeito - e deveríamos tê-lo - nesse caso cumpre-nos estudar a criança realmente, não achais? Não a sujeitaremos a nenhuma influência ou autoridade, para moldá-la de acordo com um padrão, mas, sim, ajudá-la a se tornar cônscia de todas as influências, para que cresça em liberdade. Observá-la constantemente, atentamente - notando os livros que lê, os heróis que cultua, observá-la quando trabalha, quando, brinca, quando repousa, e ajudá-la a ser não condicionada, livre.
Ajudar o jovem a se tornar cônscio de todas as tendências nacionalistas, dos preconceitos, das crenças religiosas que condicionam a mente - isso significa, realmente, que devemos, em primeiro lugar, tornar-nos cônscios de nossas próprias maneiras de pensar, não achais?
Afinal de contas, nós, os adultos, não sabemos viver juntos; vivemos numa eterna batalha uns com os outros e dentro em nós mesmos. Esta batalha, esta luta se projeta na sociedade; e a tal sociedade queremos ajustar o nosso filho. Não se pode alterar a sociedade; só o indivíduo pode alterar-se. Mas nós não somos indivíduos, somos? Estamos engolfados na massa, na sociedade; e se não compreendermos a nós mesmos, se não libertarmos a mente das limitações que a si mesma impôs, como poderemos ajudar a criança?

Pergunta: Pode-se viver no mundo sem ambição?  O não ter ambição não nos leva ao isolamento?

KRISHNAMURTI: Esta me parece uma questão fundamental. Podem-se ver no mundo os efeitos da ambição. Todos querem ser algo. O artista aspira a ser famoso, o colegial a ser presidente, o padre a ser bispo, etc. Cada um, neste mundo inteiro, está tentando, está lutando, forcejando, para se tornar importante. Mesmo em nosso sistema de educação, o aluno não inteligente é comparado com o aluno inteligente - e isso é uma coisa sumamente estúpida. E vemos o resultado dessa ambição projetado no mundo. Cada nação quer manter a todo custo a própria soberania.
Pois bem: o interrogante deseja saber se podemos libertar-nos dessa ambição e, se o pudermos, se não ficaremos isolados da sociedade. Porque esse medo de estar libertado da ambição, porque esse medo de estar sozinho? Podem coexistir a ambição e o amor? A mente que a todos os momentos está lutando para ser algo, para se tornar notável, essa mente, por certo, não sabe o que é amor. Enquanto estivermos cultivando a ambição, estaremos isolados. Nós já estamos isolados, não achais? Mas, como sabeis, admitimos a ambição. Se um homem vive numa aldeiola distante ou se vive numa cidade populosa, desde que possa intitular-se alguma coisa - sueco, hindu, dinamarquês, isto ou aquilo - sente ele, então, que é alguém. Ser respeitável, ser notável, ter poder, posição, dinheiro, virtude - todas essas coisas nos dão um sentimento de importância. Por isso, é muito difícil não ser ambicioso.
O homem que é como se nada fosse, esse homem é sem medo, sem ambição; está só, mas não está isolado. O libertar-se da ambição exige muita penetração, inteligência e amor; mas o homem que se acha num tal estado, que é mesmo que nada, não está isolado.
14 de maio de 1956.
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill