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quinta-feira, 19 de abril de 2018

Despertando a chama pura da paixão sem causa

[...] o medo, o sofrimento e aquilo que chamamos amor andam sempre juntos. Se não compreendemos o medo, não podemos compreender o sofrimento, nem tampouco conhecer aquele estado de amor isento de contradição e atrito. Extinguir o sofrimento é dificílimo, porque o sofrimento está sempre conosco, numa ou noutra forma. Desejo, pois, aprofundar este problema; mas pouco significarão minhas palavras se cada um de nós não examinar o problema dentro de si próprio, sem concordar nem discordar, porém simplesmente observando o fato. Se o pudermos fazer, realmente e não apenas teoricamente, então talvez nos seja possível compreender o imenso significado do sofrimento e, dessa maneira, pôr-lhe fim.

Através dos séculos o amor e o sofrimento sempre andaram de mãos dadas, predominando ora um, ora outro. Aquele estado a que chamamos “amor” depressa passa e de novo nos vemos enredados em nossos ciúmes, nossas vaidades, nossos temores, nossas angústias. Sempre houve essa batalha entre o amor e o sofrimento; e, antes de examinar a questão de pôr fim ao sofrimento, impende compreender o que é paixão.

[...] Aqui estamos para descobrir, por nós mesmos, se é realmente possível deixarmos de sofrer, de modo que a mente fique desanuviada, clara, penetrante, capaz de pensar sem ilusão. E isso não é possível, se vivemos meramente no nível das palavras — como provavelmente em regra acontece. Conceitos, padrões, ideais, palavras, símbolos — tudo isso tem extraordinário significado para a maioria de nós, e aí nos deixamos ficar. Parecemos incapazes de romper o nível verbal e penetrar além dele; mas, para compreendermos o sofrimento, temos de ultrapassar as palavras. Assim, enquanto eu estiver examinando esse problema, espero que também o examinareis intensa e claramente, sem sentimentalidade ou emocionalismo.

Ora, a menos que compreendamos a paixão, acho que não seremos capazes de compreender o sofrimento. A paixão é algo que mui poucos de nós realmente já experimentaram. Poderemos ter experimentado entusiasmo, que significa envolver-se completamente num estado emocional a respeito de alguma coisa. Nossa paixão é sempre por alguma coisa: pela música, pela pintura, pela literatura, por um país, por uma mulher ou um homem; é sempre o efeito de uma causa. Quando vos apaixonais por alguém, sempre ficais num estado de grande emoção, o qual é o efeito daquela causa; e a paixão de que falo é paixão sem causa. É estar apaixonado por tudo, e não simplesmente por uma certa coisa; nós em geral nos apaixonamos por uma certa pessoa ou coisa; e acho necessário perceber claramente esta distinção.

No estado de “paixão sem causa” há uma intensidade livre de todo apego; mas, quando a paixão tem causa, há apego, e apego é o começo do sofrimento. Em geral, temos apego — a uma pessoa, um país, uma crença, uma ideia — e quando o objeto de nosso apego nos é retirado ou, ainda, quando perde o seu significado, vemo-nos vazios, incompletos. Esse vazio nós procuramos preenchê-lo apegando-nos a outra coisa, a qual por sua vez se torna o objeto de nossa paixão.

Enquanto vou falando, tende a bondade de examinar vosso próprio coração, vossa própria mente. Eu não sou mais do que um espelho no qual estais vendo a vós mesmo. Se não desejais olhar, está perfeitamente certo; mas, se desejardes olhar, então olhai-vos claramente, “impiedosamente”, com intensidade — sem nenhuma esperança de dissolverdes vossas angústias, vossas ansiedades, vosso sentimento de “culpa”, porém com o propósito de compreender essa extraordinária paixão que sempre leva ao sofrimento.

Quando a paixão tem causa, torna-se luxúria. Quando há paixão por alguma coisa — por uma pessoa, por uma ideia, por uma certa espécie de preenchimento — então, dessa paixão resulta contradição, conflito, esforço. Lutais para alcançar ou para conservar um certo estado, ou para recuperar outro estado que existiu e se foi. Mas a paixão a que me refiro não dá nascimento à contradição, ao conflito. Não está em relação com nenhuma causa e, por conseguinte, não é um efeito. Deixai-me sugerir-vos que escuteis, simplesmente; não tenteis alcançar esse estado de intensidade, essa paixão que não tem causa. Se pudermos escutar atentamente, com aquela naturalidade que se verifica quando a atenção não é forçada por meio de disciplina, porém nascida do simples impulso para compreender, penso que então descobriremos por nós mesmos o que é paixão.

Há, na maioria de nós, pouquíssima paixão. Podemos ser lascivos, podemos estar ansiando por alguma coisa, desejando fugir de alguma coisa, e tudo isso nos confere uma certa intensidade. Mas, se não estamos despertos e não buscamos acesso a essa chama da “paixão sem causa”, nunca seremos capazes de compreender aquilo que chamamos sofrimento. Para compreender algo precisamos de paixão, da intensidade da atenção completa. Onde há paixão por alguma coisa, a qual produz contradição, conflito, não pode existir aquela chama pura da paixão; e aquela chama pura da paixão precisa existir, para que possamos pôr fim ao sofrimento, dissipá-lo completamente.

Sabemos que o sofrimento é um resultado, o efeito de uma causa. Amo alguém e essa pessoa não me ama — esta é uma espécie de sofrimento. Desejo preencher-me num certo sentido, mas para tanto não possuo capacidade; ou, se tenho capacidade, o mau estado de saúde ou outro fator qualquer impede-me o preenchimento — eis outra forma de amargura. Existe o sofrer da mente medíocre, da mente que está sempre em conflito íntimo, incessantemente lutando, ajustando-se, tateando, submetendo-se. Há o sofrimento ocasionado pelo conflito nas relações, e o motivado pela morte de alguém. Bem conhecemos essas diferentes formas de sofrer, e todas elas resultam de uma causa.

Ora, nós nunca enfrentamos o próprio sofrimento; sempre tratamos de racionalizá-lo, explicá-lo; ou temos um dogma, um padrão de crença que nos satisfaz, que nos dá momentâneo conforto. Alguns tomam uma certa droga, outros dão para beber ou para rezar — qualquer coisa que sirva para diminuir a intensidade, a agonia do sofrimento. O sofrimento e a perpétua luta para fugirmos dele — eis o fado de todos nós. Jamais pensamos em extingui-lo, de modo que a mente nunca se prenda na rede da autopiedade, nunca se veja nas sombras do desespero. Não encontrando possibilidade de terminar o sofrimento, passamos, se somos cristãos, a divinizá-lo, em nossas igrejas, simbolizado nas agonias do Cristo. E, se vamos à igreja para adorar o símbolo do sofrimento, ou se tentamos racionalizá-lo ou esquecê-lo tomando uma bebida — tudo é a mesma coisa: estamos fugindo à realidade de que sofremos. Não me refiro à dor física, que a ciência moderna pode debelar com relativa facilidade. Refiro-me à de natureza psicológica, que impede a clareza, a beleza, que destrói o amor e a compaixão. É possível eliminar o sofrimento?

Acho que essa eliminação depende da intensidade da paixão. Só pode haver paixão quando há total abandono do “eu”. Nunca poderá uma pessoa “apaixonar-se” se não houver a completa ausência disso que chamamos “pensamento”. Como já vimos, o que chamamos pensamento é a reação de vários padrões e experiências da memória, e onde existe essa reação condicionada, não há paixão, não há intensidade. Só pode haver intensidade com a completa ausência do “eu”.

Há um sentimento da beleza que não está ligado ao que é belo e ao que é feio. Não quero dizer que a montanha não seja bela ou que não haja edifícios feios; mas há uma beleza que não é o oposto do feio, há um amor que não é o contrário do ódio. E a renúncia de que falo é aquele estado de beleza sem causa, o qual, por essa razão, é um estado de paixão. E pode-se transcender o que resulta de causa?

Escutai isto com toda a atenção. Posso não ser capaz de explicar-me com muita clareza, mas procurai apreender a significação das palavras, em vez de vos cingirdes apenas às palavras. Na generalidade, estamos sempre reagindo; a reação constitui o inteiro padrão de nossa vida. Nossa maneira de corresponder ao sofrimento é uma reação. “Reagimos”, tentando explicar a causa do sofrimento, ou dele fugir; mas nosso penar não tem fim. Só termina quando realmente o enfrentamos, quando compreendemos e transcendemos tanto a causa como o efeito. Procurar livrar-se do sofrimento pela prática de certos exercícios, ou pelo pensar deliberado, ou pelo recorrer a qualquer das várias modalidades de fuga à amargura — por nenhuma dessas maneiras se desperta na mente a extraordinária beleza, a vitalidade, a intensidade daquela paixão que inclui e transcende o sofrimento.

Que é sofrimento? Ao ouvirdes esta pergunta, como respondeis? Vossa mente trata logo de explicar porque sofremos, e essa busca de explicação desperta lembranças de passadas aflições. Dessa maneira, reverteis sempre, verbalmente, ao passado ou saltais para o futuro, num esforço para explicar a causa do efeito que chamamos sofrimento. Julgo, porém, que devemos ultrapassar tudo isso.

Bem sabemos o que nos faz pensar: pobreza, doença, frustração, não ser amado, etc. E, quando terminamos de explicar as várias causas do sofrimento, não lhe pusemos fim; não apreendemos realmente a extraordinária profundeza e significação do sofrimento, e muito menos compreendemos aquele estado que se chama amor. A meu ver, as duas coisas se relacionam mutuamente — o sofrer e o amor. E, para compreendermos o que é o amor, precisamos sentir a imensidade do sofrimento.

Os antigos falavam a respeito da terminação do sofrimento, tendo estabelecido um método de viver com que supunham extingui-lo. Muitos têm praticado esse “método de viver”. Monges do Oriente e do Ocidente o têm praticado, apenas com o resultado de terem endurecido a si próprios; a mente e o coração deles se fecharam. Vivem atrás das paredes de seu próprio pensamento ou atrás de paredes de tijolo e pedra, mas, realmente, eu não creio que eles tenham “passado além”, para sentir a imensidade dessa coisa que se chama sofrimento.

Deixar de sofrer é enfrentar o fato de nossa própria solidão, de nosso apego, de nossas vulgares exigências de fama, nossa ânsia de sermos amados; é estar livre do interesse egocêntrico e da puerilidade da autopiedade. E, depois de isso ultrapassarmos, e, talvez, de superarmos o sofrimento pessoal, resta ainda o imenso sofrer coletivo, o sofrer do mundo. Uma pessoa pode pôr fim à própria amargura, enfrentando em si mesma o fato e a causa do sofrimento — e isso deve ocorrer à mente que deseja ser completamente livre. Mas, uma vez terminado isso, há ainda o sofrimento oriundo da ignorância existente no mundo — ignorância que não é falta de instrução, de conhecimentos tirados dos livros, porém a ignorância que o homem tem de si próprio. A falta de autocompreensão é a essência da ignorância, causadora do imenso penar da humanidade. E que significa, em verdade, sofrer?

As palavras não podem definir o sofrimento, assim como é impossível explicar verbalmente o que é o amor. O amor não é apego, o amor não é o oposto do ódio, o amor não é ciúme. E quando uma pessoa acabou com o ciúme, com a inveja, com o apego, com todos os conflitos e agonias que sofreu, pensando amar — quando tudo isso terminou, resta ainda saber o que é o amor, resta ainda saber o que é o sofrimento.

Só se pode descobrir o que é o amor e o que é o sofrimento quando a mente rejeitou todas as explicações e já não está imaginando, já não está buscando a causa, já não se está entretendo com palavras ou rememorando prazeres e dores passados. A mente deve achar-se completamente quieta, sem uma só palavra, um único símbolo, uma única idéia. Descobre-se então — ou ele virá por si — o estado em que aquilo que chamávamos amor, aquilo que chamávamos sofrimento, aquilo que chamávamos morte, são a mesma coisa. Já não haverá divisão entre o amor, o sofrimento e a morte; e, não havendo divisão, haverá beleza. Mas, para compreendermos, para nos acharmos nesse estado de êxtase, necessita-se daquela paixão resultante do total abandono do “eu”.

Krishnamurti, Saanen, 5 de agosto de 1962,
O homem e seus desejos em conflito

terça-feira, 10 de abril de 2018

Morrer é conhecer o amor


Morrer é conhecer o amor

Com vossa permissão, desejo hoje tratar de um assunto um tanto complexo, que é a morte. Mas, antes de entrarmos na matéria desejo sugerir àqueles que estão tomando notas que não o façam. Este orador não está pronunciando uma conferência, para fazerdes anotações e depois interpretardes, vós ou outro, o que se está dizendo. Intérpretes são exploradores, não importa se bem intencionados ou se meramente desejosos de “fazer nome”. Assim, desejo sugerir-vos com toda a seriedade que presteis atenção e experimenteis agora, em vez de deixardes para refletir mais tarde sobre o que se disse, ou ouvir comentários de outras pessoas a tal respeito, pois tudo isso é extremamente fútil.

Desejo também salientar que as palavras, em si mesmas, pouco significam. São apenas símbolos de que nos servimos para fins de comunicação. Tenho de empregar certas palavras, mas faço-o apenas com o fim de comunicar-vos algo; e cada um deve procurar através delas o seu caminho para a compreensão de coisas não explicáveis verbalmente; e, já que temos a tendência de interpretar as palavras consoante aos nossos gostos e aversões, existe o perigo de perdermos o verdadeiro significado do que se está dizendo. Estamos tentando averiguar o que é falso e o que é verdadeiro; e, para isso, temos de transcender as palavras. E, no transcender as palavras, estamos expostos ao perigo de nossa interpretação pessoal, individual, nas palavras. Assim, se desejamos realmente penetrar fundo nesta questão da morte, como pretendo fazer, devemos estar apercebidos das palavras e seus significados e ter o cuidado de não as interpretar de acordo com nossos gostos e desgostos. Se nossa mente está livre da palavra, do símbolo, estamos então aptos a comungar uns com os outros além do nível das palavras.

A morte é um problema muito complexo, difícil de experimentar realmente e penetrar fundo. Por isso, ou tratamos de racionalizá-la, explicá-la e nos quedamos satisfeitos; ou, ainda, temos crenças, dogmas, ideias, nas quais nos refugiamos. Mas dogmas, crenças e racionalizações não resolvem o problema. A morte existe; está sempre presente. Ainda que os médicos e cientistas logrem prolongar a vida do organismo físico por mais cinquenta anos ou além, a morte nos aguarda. E para a compreendermos não devemos considerá-la verbal, intelectual ou sentimentalmente, porém enfrentando realmente o fato e penetrando-o. Isso requer muita energia, muita clareza de percebimento; e a energia e a clareza são-nos negadas quando há medo.

Em maioria, jovens ou velhos, temos pavor da morte. Embora vejamos passar todos os dias o coche fúnebre, a morte nos aterroriza; e, havendo medo, não há compreensão. Assim, para se penetrar a questão da morte, o primeiro requisito essencial é que se esteja livre do medo. E com “penetrar” quero dizer “viver com a morte” — não verbalmente, não intelectualmente, mas conhecer de fato o sentimento de viver com uma coisa tão brutal, tão peremptória, com a qual é escusado discutir ou barganhar. Mas, para fazê-lo, devemos primeiramente estar livres do medo; e isso é dificílimo.

Não sei se já tentastes ficar livre do medo de alguma coisa: medo da opinião pública, de perder o emprego, de não ter crença alguma. Se o fizestes, deveis saber como é difícil nos livrarmos completamente do medo. Conhecemos realmente o medo? Ou há sempre um intervalo entre o “processo de pensamento” e a realidade? Se temo a opinião pública, o que outros dizem, esse temor é simplesmente um processo de pensamento, não? Mas, ao apresentar o momento real de enfrentar o fato — o que se está dizendo de nós — nesse exato momento não existe medo. No percebimento total não há experimentador. Não sei se já tentastes alguma vez ficar completamente apercebidos sem escolha, completamente perceptivo sem nenhuma barreira à atenção. Com essa percepção podemos ver que estamos sempre fugindo das coisas que tememos, sempre a escapar-nos. Esta fuga à coisa que o pensamento chama temível é que cria o medo, essa fuga é medo — e isso significa, realmente, que o medo é causado pelo tempo e o pensamento.

E que é o tempo? Afora o tempo cronológico ou cronométrico, representado pelo ontem e o hoje, existe o tempo, interiormente, psicologicamente? Ou o pensamento inventou o tempo como meio de alcançar, de ganhar, a fim de preencher o intervalo entre o que é e o que deveria ser? O que deveria ser é meramente uma expressão ideológica; não tem validade, é simples teoria. O real, o fato, é o que é. Quando estamos frente a frente com o que é, não há medo. Tememos saber o que efetivamente somos, mas, se enfrentamos realmente o que é, não há temor. O pensamento, o pensar acerca do que é, eis o que gera o medo. E o pensamento é processo mecânico, reação mecânica da memória, e a questão é se o pensamento pode morrer para si mesmo. Pode uma pessoa morrer para todas as lembranças, experiências, valores, juízos, que acumulou?

Já alguma vez tentastes morrer para alguma coisa? Morrer, sem argumentar, sem escolher, morrer para uma dor ou, mais especialmente, para um prazer? No morrer não há argumentação; não se pode argumentar com a morte; ela é peremptória, absoluta. Da mesma maneira devemos morrer para a memória, morrer para um pensamento, para todas as coisas, todas as ideias que acumulamos. Se já experimentastes isso, deveis saber quanto é difícil; deveis saber como a mente, o intelecto, se apega à memória. Para se abandonar uma dada coisa totalmente, completamente, sem nada exigir em troca, necessita-se de claro percebimento, não achais?

Enquanto houver continuidade de pensamento, como tempo, como prazer e dor, tem de haver medo; e onde há medo, aí não há compreensão. Isso me parece bem simples e claro. Tememos tantas coisas! Mas, se tomardes uma dessas coisas e morrerdes para ela, completamente, descobrireis que a morte não é o que imagináveis que fosse; é algo completamente diferente. Mas nós desejamos a continuidade. Tivemos experiências, acumulamos conhecimentos, acumulamos várias formas de virtude, formamos nosso caráter, etc.; e tememos que isso se acabe e, assim, perguntamos: “Que me acontecerá quando vier a morte?” E este é realmente o problema. Conhecendo a inevitabilidade da morte, recorremos à crença na reencarnação, na ressurreição, e a todas as fantasias contidas na crença — e isso, na realidade, é uma continuação do que somos. E, com efeito, que sois vós? Dor, esperança, desespero, várias formas de prazer; sois entes confinados no tempo e no sofrimento. Fruímos uns poucos momentos de alegria, mas o resto de nossa vida é vazio, superficial, uma batalha constante, cheia de canseiras e misérias. Isto é tudo o que conhecemos da vida e é isto que desejamos continue. Nossa vida é uma continuidade do conhecido; movemo-nos e agimos do conhecido para o conhecido; e quando se destrói o conhecido, manifesta-se o sentimento de medo, medo de enfrentar o desconhecido. A morte é o desconhecido. Ora, pode-se morrer para o conhecido, e enfrentá-lo? Eis o problema.

Não estou falando de teorias. Não estou oferecendo ideias. Estamos procurando averiguar o que significa viver. Viver sem medo bem pode significar imortalidade, ficar livre da morte. Morrer para as lembranças, para o ontem e para o amanhã, isso, por certo, é “viver com a morte”; e nesse estado não existe o medo à morte e todas as absurdas invenções criadas pelo temor. E que significa “morrer interiormente”? O pensamento é a continuação do ontem no futuro, não? O pensamento é reação da memória. A memória resulta da experiência. E experiência é o processo de “desafio” e “reação”. Pode-se ver que o pensamento está sempre funcionando na esfera do conhecido; e enquanto estiver funcionando o mecanismo do pensamento, tem de haver medo. Porque é o pensamento que impede a investigação do desconhecido.

Notai que estamos procurando pensar juntos na questão. Não vos falo como uma pessoa que descobriu algo novo e vos está contando o que descobriu, para acompanhardes verbalmente a descrição. Deveis acompanhá-la investigando vossa mente e coração. Há necessidade de autoconhecimento; porque o conhecimento de si mesmo é o começo da libertação do medo.

Estamos perguntando se é possível “viver com a morte”, não no último instante, quando a mente está debilitada, ou na velhice ou quando se sofre um acidente, porém agora mesmo. “Viver com a morte” deve ser uma experiência extraordinária, algo totalmente novo, nunca pensado e que o pensamento jamais poderá descobrir. E para descobrir o que significa “viver com a morte”, necessita-se de imensa energia, não achais? Viver com vossa esposa, vosso marido, vossos filhos, e não vos deixardes perverter, deformar; viver com uma árvore, com a natureza — necessita-se de energia para se conseguir isso. Para viver com uma coisa feia necessita-se de energia; porque, do contrário, a coisa feia vos deformará ou com ela vos acostumareis, mecanicamente; e o mesmo se aplica à beleza. Se não viveis intensamente, completamente, plenamente num mundo desta espécie, onde se encontra toda espécie de propaganda, de influência, de pressão, de controle, de falsos valores, vos acostumareis com tudo e isso vos embotará a mente, o espírito. E para se ter energia, não deve haver medo; o que significa que nada absolutamente se deve exigir da vida. Não sei se podeis chegar tão longe: nada exigir da vida.

Há dias falamos sobre a “necessidade”. Temos necessidade de certos confortos físicos, de alimento, de morada; mas fazer exigências psicológicas à vida significa mendigar, ter medo. Há necessidade de intensa energia para se estar só. Compreender isso não é questão de refletir a seu respeito. Só há compreensão quando não há escolha, julgamento, porém, apenas, observação. Morrer cada dia significa não transportar de ontem para hoje todas as vossas ambições, vossos pesares, vossas lembranças de preenchimento, vossas mágoas, vossos ódios. A maioria de nós definha, mas isso não é morrer. Morrer é conhecer o amor. O amor não tem continuidade, não tem amanhã. O retrato de uma pessoa na parede, a sua imagem em vossa mente — isso não é amor, é só memória. Assim como o amor é o desconhecido, assim também a morte é o desconhecido. E para ingressarmos no desconhecido — que é a morte e o amor — precisamos, primeiramente, morrer para o conhecido. Só então a mente está nova, jovem, “inocente”; e nela não existe a morte.

Se vos observardes, assim como vos mirais num espelho, vereis que nada mais sois que um feixe de lembranças, não é verdade? E todas essas lembranças pertencem ao passado; são coisas passadas e acabadas, não é mesmo? Assim, não se pode morrer para tudo isso, instantaneamente? Tal é possível, mas exige muita investigação de si mesmo, percebimento de cada pensamento, cada gesto, cada palavra, para que não haja acumulação. Por certo, isso se pode fazer. Pode-se então saber o que significa morrer todos os dias; e talvez saibamos então o que é amar todos os dias, e, não, conhecer o amor apenas como lembrança. Tudo o que agora conhecemos é só fumo — o fumo do apego, do ciúme, da inveja, da ambição, da avidez, etc. Não conhecemos a chama que está a arder por trás da fumaça. Mas, se pudermos dissipar completamente o fumo, descobriremos então que viver e morrer são a mesma coisa, não teoricamente, mas de fato. Afinal de contas, tudo o que continua, que não chega a um fim, não é criador. O que tem continuidade nunca pode ser novo. Só na destruição da continuidade encontra-se o novo. Não me estou referindo à destruição social ou econômica, que é muito superficial. E se penetrardes isso bem fundo, não apenas no nível consciente, mas ainda nas profundezas existentes além dos limites do tempo, além da consciência — a qual está sempre contida na estrutura do pensamento — descobrireis então que morrer é uma coisa extraordinária. O morrer é, então, criação. Não é criação escrever poemas, pintar quadros, inventar novidades mecânicas. A criação só pode vir depois de morrermos para todas as técnicas, todo o saber, todas as palavras.

A morte, pois, como a concebemos, é medo. E quando não existe medo, porque estamos acolhendo a morte a cada minuto, então cada minuto é uma coisa nova; ele é novo porque, interiormente, “o velho” foi destruído. E para destruir não deve haver medo, porém, tão só, o sentimento de completa solidão; a possibilidade de estar completamente só, sem Deus, sem família, sem nome, sem tempo. Mas isso não significa desespero. A morte não é desespero. Pelo contrário, ela é viver cada minuto completamente, totalmente, sem as limitações do pensamento. Descobre-se então que a vida é morte, e que a morte é criação e amor. A morte, que é destruição, é criação e amor; essas três coisas estão sempre juntas, são inseparáveis. Ao artista só preocupa a expressão, coisa muito superficial, e ele não é criador. A criação não é expressão, transcende o pensamento e o sentimento, é livre da técnica, livre da palavra e da cor. E essa criação é amor.

Krishnamurti, Paris, 19 de setembro de 1961, O Passo Decisivo

segunda-feira, 9 de abril de 2018

É amor o que pensamos ser amor?

É amor o que pensamos ser amor?

APARTE: Podeis falar-nos um pouco mais sobre o que é o amor?

KRISHNAMURTI: Isto supõe duas coisas, não? — A definição verbal, de acordo com o dicionário, a qual, evidentemente, não é o amor. Essa é a primeira coisa, que envolve todos os símbolos, palavras, ideias, concernentes ao amor. A outra coisa é que só se pode encontrar o amor por meio da negação; ele só pode ser descoberto pela negação. E, para descobrir, a mente deve primeiramente libertar-se da escravidão das palavras, ideias e símbolos. Isto é, para descobrir o amor, a mente precisa varrer tudo o que já sabe a respeito do amor. Não é necessário “varrer” tudo o que é conhecido para se poder descobrir “o desconhecido”? Não é necessário varrermos todas as nossas ideias, por mais que nos deleitem, todas as nossas tradições, por mais nobres que sejam, para descobrir o que é Deus, descobrir se existe Deus? Deus, aquela imensidão, deve ser incognoscível, não mensurável pela mente. Assim, precisamos cortar completamente o mecanismo de medição, de comparação, e o mecanismo de reconhecimento, para podermos descobrir.

Do mesmo modo, para saber, experimentar, sentir o que é o amor, a mente deve estar livre para descobri-lo; estar livre para sen­ti-lo, para “viver com ele”, sem a divisão entre observador e coisa observada. Precisa ultrapassar as limitações da palavra; perceber tudo o que a palavra sugere: amor pecaminoso e amor divino; amor nobre e amor ignóbil — todos os preceitos e sanções e tabus sociais com que temos cercado esta palavra. E isso representa empreendimento dificílimo, não? — amar um comunista, amar a morte. E o amor não é o oposto do ódio, porque todo oposto é parte do outro oposto. Amar, compreender a brutalidade que impera no mundo, a brutalidade dos ricos e dos poderosos; ver o sorriso no rosto do pobre por quem passais na estrada e participar da felicidade dessa pessoa — experimentai isso uma vez, para verdes o que sucede. Amar requer uma mente que esteja sempre a purificar-se das coisas que conhece, que experimentou, recolheu, acumulou, e às quais se apegou. Sendo assim, não há possibilidade de descrever esta palavra; só podemos senti-la em sua totalidade.

APARTE: Por outras palavras, nesse momento o indivíduo é amor.

KRISHNAMURTI: Infelizmente, acho que não, meu senhor, porque não há um momento reconhecível como “esse momento”. Não há “mecanismo” de reconhecerdes que sois amor. Já não sentistes raiva, já não odiastes alguém? Dizeis então “Eu sou isso” (a raiva, o ódio etc.)? Não há “um momento” reconhecível, há? Vós sois a coisa, completamente. Só então a mente é capaz de descobrir o que é verdadeiro, porquanto a mente livre pode seguir o fato. Para seguirdes o fato de que odiais, não necessitais de autoridade alguma; necessitais de uma mente livre de medo, livre de opiniões, e que não condena. Tudo isso exige muito trabalho. Para se “viver” com uma coisa bela ou com uma coisa feia, requer-se intensa energia. Já notastes que o aldeão, o montanhês que “vive” com uma majestosa montanha, nem sequer a vê, pois se acostumou com ela? Mas para “viver com uma coisa” e nunca se acostumar com ela, necessita-se de muita intensidade, daquela extraordinária energia. E essa energia se manifesta quando a mente é livre, quando não há medo, quando não há autoridade.

APARTE: O processo de purificar a mente é mecanismo de pensamento?

KRISHNAMURTI: O pensamento pode ser puro? Todo pensamento não é impuro? Porque o pensamento, nascendo da memória, já está contaminado. Por mais lógico, por mais racional que seja, está contaminado, é mecânico. Por conseguinte, não existe pensamento puro, ou pensamento “livre”. Ora, o percebimento desta verdade exige penetração de todo o mecanismo da memória, isto é, ver que a memória é mecânica, e se baseia em muitos dias passados. O pensamento nunca pode tornar a mente pura; e o percebimento deste fato é a purificação da mente. Por favor, não concordeis nem discordeis. Examinai, procurai, como quem procura dinheiro, posição, autoridade e poderio; daí nascerá uma mente maravilhosa, uma mente purificada, “inocente”, fresca, uma coisa nova e, portanto, num estado de criação, ou seja, em revolução.

PERGUNTA: No momento da percepção de o que é, podeis dizermos o que acontece?

KRISHNAMURTI: Posso dar-vos uma descrição, mas de que servirá ela? Consideremos a questão. O fato é que amamos, que somos ciumentos, invejosos. E vós condenais o fato, dizendo “Não devo ser assim” ; portanto, há divisão. Ora, que é que cria a divisão? Primeiro que tudo, a palavra. A palavra “ciúme” é, em si, separativa, condenatória. A palavra é invenção da mente, cheia de conhecimentos acumulados através de séculos e, portanto, incapaz de considerar o fato sem a palavra. Mas, quando a mente considera o fato sem condenação, quer dizer, sem a palavra, então o sentimento não é o mesmo da descrição verbal, não é a palavra. Considerai a palavra “beleza”. Todos pareceis suspirar quando se pronuncia esta palavra! Para a maioria de nós, a beleza é coisa dos sentidos. Também descritiva: “Ele é um homem de agradável aparência” ou “Que edifício feio!”. Também comparação: “Isto é mais bonito do que aquilo”. Sempre a palavra é empregada para descrever algo que percebemos através dos sentidos, a coisa manifestada, o quadro, a árvore, o céu, a estrela, a pessoa.

Ora bem. Há beleza sem a palavra, transcendente à palavra, aos sentidos? Se perguntais ao artista, ele responderá que, sem a expressão, a beleza é inexistente; mas é exato isto? Para se descobrir o que é a beleza, descobrir sua imensidade, sua totalidade, precisa-se de aguçar os sentidos, ultrapassar as coisas que rotulamos como “beleza” e “fealdade”. Não sei se me estais seguindo. De modo idêntico, para se seguir um fato como o ciúme, requer-se uma mente que lhe dê toda a atenção. Quando vemos o fato, no próprio percebimento dele, no próprio instante de vê-lo, o ciúme desapareceu, foi-se completamente. Mas nós não desejamos o desaparecimento total do ciúme. Fomos educados para gostar dele, para “viver com ele”, e pensamos que, se não há ciúme, não existe amor.

Assim, o seguir um fato requer atenção, vigilância. E, depois, que sucede? O que sucede ao estardes verdadeiramente vigilante imposta mais que o resultado final. Entendeis? A própria vigilância é mais significativa do que o estar livre do fato.

APARTE: Pode haver pensamento sem a memória?

KRISHNAMURTI: Por outras palavras: existe pensamento sem a palavra? Isto é muito interessante, se o examinamos. Este orador está-se servindo do pensamento? O pensamento, como palavra, é necessário para a comunicação, não? O orador tem de servir-se de palavras — palavras inglesas — para comunicar-se convosco, que entendeis o inglês. E as palavras, evidentemente, promanam da memória. Mas, qual é a fonte, o que existe atrás da palavra? Vou expressar-me de outra maneira.

Ali está um tambor; ele emite um certo som. Quando a pele está bem esticada, na tensão correta, vós o bateis e ele emite o tom correto, que podeis reconhecer. O tambor, que é vazio e foi posto na tensão correta, é como vossa mente pode ser. Quando há atenção correta e se faz a pergunta correta, então ela dá a resposta correta. A resposta pode ser em termos verbais — reconhecíveis; mas o que provém daquele vazio, isto, por certo, é criação. A coisa criada por meio do conhecimento é mecânica; porém, a coisa que provém do vazio do desconhecido, esta é o “estado de criação”.

Krishnamurti, Londres, 28 de maio de 1961, O Passo Decisivo

Pode a mente alcançar o estado religioso do amor?

Pode a mente alcançar o estado religioso do amor?

Da última vez estivemos falando sobre a meditação e a beleza, e seria bom voltarmos a este assunto por momentos, antes de entrarmos em nossa discussão de hoje.

Dissemos que existe a beleza, um sentimento do belo inacessível aos sentidos, sentimento não provocado pelas coisas feitas pelo homem ou pela natureza. A beleza transcende tudo isso; e para efetuarmos a investigação da beleza — que não é meramente subjetiva ou objetiva — temos de alcançar o percebimento intenso da beleza que se alcança por meio da meditação. Considero a meditação, a mente meditativa, um requisito essencial. Já examinamos esta matéria com bastante profundeza e vimos que a mente meditativa é aquela que investiga, que percorre todo o mecanismo do pensamento e é capaz de ultrapassar-lhe as limitações.

Talvez, para alguns dentre nós seja dificílimo meditar; e é mesmo provável que não tenhamos sequer pensado nesta questão. Mas quem examina atentamente esta questão da meditação — a qual não é auto-hipnotismo, nem imaginação, nem evocação de visões, e outras infantilidades que tais — alcança, invariavelmente, penso eu, aquele mesmo sentimento, aquela mesma intensidade própria da mente que percebe o belo sem “provocação”. E a mente que está em silêncio, tranquila, naquele estado de intensidade, descobre um estado não limitado pelo tempo e pelo espaço.

Desejo agora falar sobre o significado da mente religiosa. Como vimos dizendo, desde o começo destas despretensiosas falas, estamos procurando entrar em comunhão uns com os outros, fazer juntos uma jornada. Por conseguinte, vós não estais escutando a este orador com preconceitos, com parcialidade, com preferências ou “despreferências”; estais escutando com o fim de descobrir por vós mesmos o que é verdadeiro. E para se descobrir o que é verdadeiro quando se está enleado em tantas coisas falsas, pensamentos superficiais, esperanças e desesperanças, cumpre não aceitar nada, absolutamente, do que está dizendo o orador. É preciso investigar, explorar; e isso requer mente livre e não a mera reação de uma mente tolhida por preconceitos e opiniões; necessita-se de uma mente verdadeiramente livre, quer dizer, não ancorada em determinada crença, dogma ou experiência, uma mente capaz de seguir um fato com muita clareza e precisão. Para seguir fatos, a mente precisa ser muito sutil. Como já dissemos, um fato nunca é estático; está sempre em movimento — seja um fato que observamos em nós mesmos, seja um fato objetivo. A observação de um fato exige mente capaz, precisa, lógica e, sobretudo, livre para seguir.

Parece-me que neste nosso mundo atual, onde vemos tanta confusão, aflição e agitação, são necessárias a mente científica e a mente religiosa. Estes dois, sem dúvida, são os únicos estados mentais reais; pois não é real o estado da mente que crê, da mente condicionada, quer pelo dogma do cristianismo, do hinduísmo, quer por qualquer outra crença ou religião. Afinal, temos problemas imensos e a vida se tornou muito mais complexa. Exteriormente, talvez haja um maior sentimento de segurança, o sentimento de que talvez não tenhamos guerras atômicas no futuro, dado o terror que inspiram. Sente-se que, conquanto possa haver guerra em data remota, não será na Europa; e, assim, podemos sentir-nos mais seguros, física e emocionalmente. Mas, parece-me, a mente que busca segurança se torna embotada, medíocre; e, em tais condições, ela é incapaz de resolver seus próprios problemas.

Assim, para vivermos neste mundo — com suas rotinas, seu tédio, a existência superficial da classe média, da classe superior ou da inferior — e resolvermos os nossos problemas, ultrapassá-los, penetrar profundamente em nós mesmos, só há dois caminhos: o científico ou o religioso. O “caminho” religioso inclui o científico, mas o científico não contém em si o religioso. Mas necessitamos do espírito científico, uma vez que este é capaz de examinar rigorosamente todas as causas da miséria humana; o espírito científico poderá promover a paz mundial, objetivamente — alimentar a humanidade, dar-lhe casas para morar, roupas etc. — não apenas aos ingleses ou aos americanos, mas a todo o mundo. Não se pode viver na prosperidade numa extremidade da terra, enquanto na outra extremidade existe degradação, doença, fome e esqualidez. Talvez a maioria de vós ignoreis isso, mas o deveis saber. Para se resolverem todos esses imensos problemas, perceber toda a estupidez do nacionalismo, dos conchavos políticos, das ambições, da avidez de poder, necessita-se do espírito cientifico. Mas, infelizmente, como se vê, o espírito científico está agora interessado em viagens à Lua ou mais além, em aumentar nossos confortos com geladeiras melhores, carros melhores, etc. Isto está certo, de modo geral, mas afigura-se-me um ponto de vista muito limitado.

Sabemos o que é “espírito científico”: espírito de investigação, nunca satisfeito com seus achados, sempre variável, nunca estático. Foi o espírito científico que criou o mundo industrial; mas esse mundo industrial, sem revolução interior, produz uma medíocre maneira de viver. Sem essa revolução interior, todas as glórias e belezas da chamada vida intelectual só podem tornar a mente mais embotada, mais contentada, satisfeita, segura. O progresso em certos sentidos é essencial, mas também destrói a liberdade. Não sei se já notastes que, quanto mais coisas tendes, tanto menos sois livres. E, por isso, os homens religiosos do Oriente têm dito: “Renunciemos às coisas materiais, pois não importam. Busquemos a outra coisa”; mas eles não acharam também essa “outra coisa”. Sabemos, pois, mais ou menos, o que é espírito científico — o espírito que existe no laboratório. Não me refiro ao cientista como indivíduo; este é provavelmente igual a vós e a mim, entediado da existência de cada dia, avarento, ávido de poder, posição, prestígio.

Agora, muito mais difícil é averiguar o que é espírito religioso. Como proceder, quando se deseja descobrir algo verdadeiro? Queremos saber o que é espírito religioso — não esse estranho espírito que prevalece nas religiões organizadas, porém o genuíno espírito religioso. Como proceder?

Só se começa a descobrir o que é o verdadeiro espírito religioso por meio do pensar negativo, porquanto, para mim, o pensar negativo é o pensamento em sua forma mais elevada. Entendo por pensar negativo aquele que despreza, que rompe e destroça as coisas falsas construídas pelo homem para sua própria segurança, seu sossego interior; que destroça todas as defesas e o mecanismo de pensamento construtor dessas defesas. É preciso destroçar tudo isso, ultrapassá-lo, rapidamente, celeremente, para ver se algo existe além. E o ultrapassar dessas coisas falsas não é uma reação ao que existe. Certo, para descobrirmos o que é o espírito religioso e dele nos abeirarmos negativamente, precisamos ver no que cremos, e porque cremos, porque aceitamos todos os inumeráveis condicionamentos que as religiões organizadas do mundo inteiro impõem à mente humana. Por que credes em Deus? Por que não credes em Deus? Por que tendes tantos dogmas e crenças?

Direis, porventura, que se ultrapassarmos todas essas chamadas estruturas positivas atrás das quais a mente se abriga, ultrapassá-las sem desejar encontrar algo mais — nada mais restará senão desespero. Mas eu acho que temos de passar também pelo desespero. Só existe desespero quando há esperança — a esperança de nos pormos em segurança, permanentemente confortados, perpetuamente medíocres, perenemente felizes. Para a maioria de nós, o desespero é reação à esperança. Mas, para se descobrir o que é o espírito religioso, acho que essa investigação deve realizar-se sem nenhuma provação, nenhuma reação. Se vossa busca é apenas uma reação — porque desejais mais segurança interior — nesse caso vossa busca visa apenas a um conforto maior, seja numa crença, numa ideia, seja no conhecimento, na experiência. E a mim me parece que tal modo de pensar nascido da reação só pode produzir mais reações, e, por conseguinte, não oferece a libertação do mecanismo de reação que impede o descobrimento. Não sei se está claro o que estou dizendo.

Deve haver uma maneira negativa de proceder, e isso significa que a mente necessita tornar-se apercebida do condicionamento imposto pela sociedade, em relação à moralidade; apercebida das inumeráveis sanções impostas pela religião; e apercebida, também, de como, rejeitando essas imposições exteriores, cultivamos certas resistências internas, crenças conscientes e inconscientes, baseadas na experiência, no conhecimento, e que se tornam fatores diretores.

Assim, para descobrir o que é o verdadeiro espírito religioso, a mente deve achar-se num estado de revolução, e este significa a destruição de todas as coisas falsas que lhe foram impostas, seja por pressão externa, seja por ela própria; pois a mente está sempre em busca da segurança.

Afigura-se-me, pois, que o espírito religioso encerra esse constante estado mental que nunca constrói para sua própria segurança. Porque se a mente constrói com essa ânsia de segurança, então ela fica vivendo atrás de seus próprios muros e, portanto, é incapaz de descobrir algo novo.

Por conseguinte, a morte, a destruição do “velho”, é necessária: destruição da tradição, libertação total do que foi, abandono das coisas acumuladas como memória através de séculos. Então, direis, porventura: “Que mais resta? Tudo o que sou é constituído por todo esse conjunto de fatos, essa “história”, a experiência; se tudo isso desaparece, se apaga, que resta?” — Em primeiro lugar, pode-se apagar tudo isso? Podemos falar a esse respeito, mas é verdadeiramente possível apagá-lo? Eu digo que é possível — mas não por influência ou coerção, pois isso é insensatez, falta de madureza. É possível, se o penetrarmos profundamente, afastando de nós toda autoridade. E esse “limpar da lousa” — que significa morrer todos os dias e de momento em momento, para as coisas acumuladas — requer abundante energia e profundo discernimento; e isso faz parte do espírito religioso.

Outra parte do espírito religioso é o “espírito-força”, que inclui a ternura e o amor. Estou tentando expressar-me por meio de palavras, mas tende a bondade de não vos contentardes com palavras, apenas. Eu disse que outra parte do espírito religioso é a força proveniente do amor. E com a palavra “força” quero referir-me a algo completamente diferente do impulso para ser poderoso, do desejo de dominação, controle; do poder que a abstinência confere; ou do poder de uma mente sagaz, cheia de ambição, avidez, inveja, ávida de perfeição. Este poder é maligno. O domínio de uma pessoa sobre outra, o poder do político, o poder de influenciar outros para pensarem de certa maneira, seja exercido pelos comunistas, pelas igrejas, seja pelos sacerdotes ou pela imprensa — este poder, para mim, é extremamente nocivo. Estou-me referindo a coisa muito diferente, tanto em grau como em qualidade, algo sem nenhuma relação com o poder dominador. Existe essa força, esse poder, uma coisa “exterior”, não produzida por nossa vontade ou desejo. Nesse poder reside aquela coisa extraordinária que é o amor; e este faz parte do espírito religioso.

O amor não é sensual; nenhuma relação tem com a emoção; não é reação ao medo; não é amor materno, amor conjugal etc.

Segui bem isso, por favor, penetrai-o, sem nada aceitar, nem rejeitar, pois estamos jornadeando juntos. Direis, talvez: “Um tal amor, um tal estado mental não baseado em lembrança, é impossível”. Mas eu acho que ele pode ser encontrado. Encontramo-lo por vias obscuras, ao investigarmos em sua totalidade o mecanismo do pensamento, as peculiaridades da mente. É um poder existente por si só; é energia não causada. Difere inteiramente da energia gerada pelo “eu” em sua ânsia de alcançar as coisas que deseja. E aquela energia existe, mas só será encontrada pela mente livre, não vinculada ao tempo e ao espaço. Nasce aquela energia quando o pensamento — como experiência, conhecimento, como “ego”, centro — o “eu” — gerador de sua própria energia, volição e concomitantes pesares, aflições etc. — se dissolve. Dissipado esse centro, manifesta-se aquela energia, aquela força que é o amor.

E há, também, outra camada da mente religiosa que é movimento — movimento não dividido em exterior e interior. Tende a bondade de seguir isso por instantes. Conhecemos os movimentos exteriores, objetivos; e desse conhecimento resulta uma reação que chamamos movimento interior, um afastamento do exterior, renúncia ao exterior, ou, também, aceitação dele como inevitável, resistência a ele pelo cultivo de uma reação de “movimento interior”, com suas crenças, experiências etc. Existe o movimento para o exterior, o impulso para fora — ser ambicioso, ávido etc.; e quando esse movimento falha, nos voltamos para o interior. Não se busca a verdade quando a mente é feliz. Quando a mente se acha contentada, deleitada, tamanha é sua própria vitalidade que não precisa murmurar, sequer, o nome de Deus. Só quando nos sentimos infelizes, quando as coisas exteriores falharam, quando já não temos êxito, quando temos desgostos domésticos, quando há morte, conflito etc., só então nos voltamos para o interior, como costumam fazer os velhos. Nunca recorremos à religião quando somos jovens, porque então as nossas glândulas estão funcionando “a toda velocidade”. Encontramos satisfação no sexo, na posição, no prestígio, no dinheiro, na fama etc. Quando essas coisas começam a falhar-nos, só então nos voltamos para o interior; ou, se ainda somos jovens, nos tornamos beatniks. Tudo isso é reação: e revolução não é reação.

Ora, se se percebe com toda a clareza a verdade contida em tudo isso, ocorre então um movimento que é tanto exterior como interior; não há divisão. É um movimento: movimento que consiste em ver as coisas exteriores precisa, clara e objetivamente, tais como são; e esse mesmo movimento se verifica também interiormente, não como reação, porém como o movimento das marés, que é o fluxo e refluxo das mesmas águas. O movimento para fora significa ter os olhos, os sentidos, todo o nosso ser, abertos, vivos. E o movimento para dentro é o fechar dos olhos — emprego esta expressão como meio de comunicação; ninguém precisa ficar de olhos fechados. O movimento para dentro é a visão interior. Depois de compreender o exterior, os olhos se voltam para dentro; mas não como reação. E a visão interior, a compreensão interior significa quietude, tranquilidade, completas; porque nada mais há para buscar, para compreender.

Não gosto de empregar a palavra “interior”, mas espero tenhamos entendido. Esse estado interior é que é criação. Ele nada tem em comum com o poder humano de inventar, de produzir coisas, etc. É o estado de criação. Esse estado de criação só se manifesta quando a mente compreendeu a destruição, a morte. E só quando a mente vive esse estado de energia, que é amor, só então há criação.

Agora, a parte nunca é o todo. Temos descrito as partes; mas os raios de uma roda não constituem a roda, embora a roda contenha os raios. Não podemos alcançar o todo por meio de uma parte. O todo só pode ser compreendido ao perceber-se tudo o que estivemos dizendo sobre as várias partes da mente religiosa. Ao terdes esse percebimento em sua totalidade, então, nesse sentimento total está incluída a morte, a destruição, o sentimento de força pelo amor, e a criação. E isso é a mente religiosa. Mas para alcançar esse estado religioso, a mente deve ser precisa, pensar com clareza, logicamente, nunca aceitando as coisas externas ou as coisas internas que para si mesma criou, como conhecimento, experiência, opinião, etc.

Vemos, pois, que a mente religiosa encerra em si a mente científica; mas a mente científica não contém a mente religiosa. O mundo vem tentando consorciar as duas, mas isso é impossível; assim sendo, tratarão de condicionar o homem para aceitar a separação. Mas estamos falando de coisa totalmente diferente. Estamos tentando uma jornada de descobrimento, e isso significa que tendes de descobrir. Aceitar o que se está dizendo não tem valor algum, pois, assim, estais de volta à velha rotina, sois escravos da propaganda, da influência e tudo o mais.

Mas, se empreendestes também a jornada e sois capazes de descobrir, vereis então que podeis viver neste mundo; então, as agitações deste mundo têm significação. Porque, neste conteúdo total, neste sentimento total, há ordem e desordem. Não é assim? É preciso destruir, para criar. Mas não é a destruição à maneira dos comunistas. A desordem, se podemos empregar tal palavra, existente na mente religiosa, não é o contrário da ordem. Sabeis como gostamos da ordem. Quanto mais burgueses somos, quanto mais limitados e medíocres, tanto mais amamos a ordem. A sociedade precisa de ordem; quanto mais corrupta se torna, tanto mais deseja ordem. É o que querem os comunistas: um mundo em perfeita ordem. E nós outros desejamos a mesma coisa: temos medo à desordem. Compreendei, por favor, que não estou advogando um mundo em desordem; não estou absolutamente empregando a palavra “desordem” em sentido reacionário. A criação é desordem; mas essa desordem, sendo criadora, contém a ordem. Isto é muito difícil de transmitir. Percebeis?

A mente religiosa, pois, não é escrava do tempo. Onde existe o tempo — ontem, com todas as suas lembranças, movendo-se através de hoje e criando, assim, o futuro e condicionando a mente — não existe aquela desordem criadora. A mente religiosa, portanto, é uma mente que não tem futuro, não tem passado, e tampouco não está vivendo no presente, compreendido como oposto de ontem e de amanhã, porquanto nesta mente religiosa não está contido o tempo. Não sei se estais entendendo.

A mente, pois, pode alcançar aquele estado religioso. Estou empregando a palavra “religioso” com um novo sentido, indicando algo não relacionado com as religiões do mundo, todas elas mortas, moribundas, decadentes. Assim, a mente religiosa é aquela que só pode “viver com a morte”, com a extraordinária e poderosa energia do amor. Não traduzais isto. Não façais perguntas sobre o “amar um” ou “amar todos”; isto é infantil. Só a mente religiosa pode voltar-se para dentro; e esse “voltar-se para dentro” não está em relação com o tempo e o espaço. É ilimitado, infinito, não pode ser medido por uma mente aprisionada no tempo. E só a mente religiosa resolverá os nossos problemas, porque ela não tem problemas. E só a mente que não tem problemas, uma mente realmente religiosa, pode resolver todos os problemas. Essa mente, por conseguinte, está em relação íntima com a sociedade; mas a sociedade não está em relação com ela.

Assim, no sentido da palavra “religioso”, é necessária uma revolução em cada um de nós — revolução total e não parcial. Toda reação é parcial; e a revolução a que nos referimos não é parcial e, sim, uma coisa total. E só essa mente pode ter intimidade com a Verdade. Só essa mente pode ter “amizade” com Deus — ou o nome que preferirdes. Só essa mente pode participar da Realidade.

APARTE: A mesma mente cria a ordem e a desordem?

KRISHNAMURTI: Está-me parecendo, senhor, que não empreendestes a jornada. Deve haver morte, para que algo novo possa existir. Palavras, frases, a formulação intelectual de perguntas — nada disso tem relação com aquilo de que falamos. Como sabeis, quando se vê algo verdadeiramente belo, imenso — as montanhas, os rios — a mente se torna silenciosa, não é verdade? A beleza do que se está vendo varre-nos da mente toda indagação, todo sentimentalismo, todo sussurro de pensamento; naquele segundo tudo isso é varrido da mente, porque a coisa que se vê é sumamente grande. Mas, se esse “varrer” é efetuado por algo externo a vós, nesse caso é uma reação, e voltareis posteriormente a vossas lembranças. Porém, se realmente empreendestes a jornada, vossa mente se acha então naquele estado em que não faz perguntas, em que não tem problemas. Senhor, a mente que está a morrer, que está morta, tem problemas; mas não os tem a mente ativa, viva, fluente como um rio, intensa.

APARTE: Penso que concordareis que o estado da sociedade humana deixa muito a desejar. É possível uma pessoa religiosa atuar sobre essa sociedade de maneira eficiente, contra todos os outros que estão atuando diferentemente?

KRISHNAMURTI: Pretendíamos falar a este respeito na próxima reunião. Que valor tem tudo isso para a sociedade? Que vantagem há em uns poucos, ou um ou dois alcançarem aquele estado? Que é a sociedade e que deseja a sociedade? Ela deseja posição, prestígio, dinheiro, sexualidade; sua própria estrutura baseia-se na aquisição, na competição, no êxito. Se dizeis algo contra tudo isso, eles não vos quererão. Não podeis evitá-lo. Se algumas das chamadas pessoas religiosas, sacerdotes, etc., começassem a falar sobre a necessidade de não ser ambicioso, de não se fazerem guerras, nem se praticarem violências, pensais que teriam seguidores? Ninguém lhes daria ouvidos. E estou certo de que não dareis ouvidos ao que se está dizendo aqui, porque continuareis a palmilhar o caminho da ambição, da frustração, da segurança, que na verdade é o caminho da morte. Levareis convosco, daqui, uns “pedacinhos” do que ouvistes, para acrescentá-los ao que já sabeis. Mas nós estamos falando de coisa inteiramente diferente, de coisa verdadeiramente extraordinária, pela sua beleza e profundidade. Porém, para a alcançardes, compreenderdes, “viverdes com ela”, requer-se imenso trabalho — trabalho de penetração, a fim de esclarecer a mente consciente e inconsciente, e o mundo que nos circunda. Ou podeis ver tudo num súbito clarão e eliminá-lo de vez. Tanto uma coisa como outra requer extraordinária energia.

Krishnamurti, Londres, 25 de maio de 1961, O Passo Decisivo


sexta-feira, 6 de abril de 2018

Na atenção completa conhece-se o amor


Na atenção completa conhece-se o amor

INTERPELANTE: Em geral, achamo-nos tão estreitamente identificados com o nosso condicionamento, que não temos consciência dele.

INTERPELANTE: Existe um movimento incessante, com o qual nos achamos totalmente identificados e do qual estamos constantemente tentando fugir, e o esgotamento nervoso resultante desse conflito, produz o embotamento do corpo e do espírito. Seria correto dizer que um certo alertamento, tanto do corpo como da mente, é absolutamente necessário, para que possamos levar a efeito a investigação que nos propusestes.

KRISHNAMURTI: Isto é óbvio, senhor. Se desejo tomar parte numa corrida, tenho de submeter-me ao regime alimentar necessário; se desejo executar qualquer coisa com toda a eficiência, tenho de tomar alimentação conveniente, não devo sobrecarregar o estômago, tenho de exercitar-me adequadamente, etc. Minha mente e meu corpo têm de estar alertados no mais alto grau possível.

INTERPELANTE: Esse alertamento não nos vem, a menos que tenhamos vivido refletidamente o dia anterior. No momento em que nos sentamos para meditar seriamente, temos de assumir a postura adequada, porque, do contrário, a mente se tornará errática e não nos será possível pensar intensamente. Quando dizeis que o percebimento direto não pode vir por nenhuma espécie de disciplina, porém unicamente quando há liberdade completa, nossa mente tende logo a resvalar para uma dada forma de indolência. Vejo que isso se dá comigo. Conquanto seja óbvio que tais coisas — a disciplina, a postura correta, a respiração regulada — não podem dar-nos nenhuma experiência direta, entretanto elas produzem um certo alertamento do corpo, com o que a mente nem se torna indolente, nem se põe a buscar sem saber o que está buscando. A menos que possamos viver nesse estado de alertamento, que é uma condição normal da mente, o que quer que digais é "grego".

KRISHNAMURTI: Compreendo, senhor, mas acho que o problema é um pouco diferente. Uma pessoa pode assumir a postura correta do corpo, respirar corretamente, e tudo o mais, mas isso tem relativamente pouca significação em relação àquilo de que estamos falando.

Deixai-me expressá-lo de outra maneira. Se percebo que odeio, é-me possível amar imediatamente, ou o ódio tem de ser removido a pouco e pouco, a fim de que, eventualmente, eu seja capaz de amar? Este é o problema. Estais entendendo? É possível a mente transformar-se imediatamente e ficar num "estado de amor"?

INTERPELANTE: Se me é permitido referir-me às vossas palestras anteriores, a respeito da memória, admite-se que uma boa parte de nossas funções mentais é uma reação puramente mecânica da memória; e, pela identificação, quase todos nos deixamos constantemente absorver pelas nossas afeições e rancores, sem nos darmos conta disso. Mesmo quando estamos conscientes de tal coisa, não e essa certeza também mecânica como resultado do esforço? Isso tem alguma relação com o que estais dizendo, ou não?

KRISHNAMURTI: Não estou nada certo disso. O problema é este: percebo que sou ambicioso e, se estou suficientemente alertado, se sou inteligente e me conservo vigilante, percebo também quanto é absurdo e destrutivo esse estado. A ambição, inclusive a ambição espiritual, implica um estado em que não existe amor. O desejo de ser alguém, espiritualmente, o desejo de ser não-violento, é sempre ambição. Percebendo-se bem isso, é possível apagar instantaneamente a ambição, abandonando essa luta perene, de inquirição, análise, disciplina, "idealização", e tudo o mais? Pode a mente apagar de pronto a ambição e ver-se no "outro estado"? É possível isso? Não concordeis, senhores, pois isso não é questão de concordar ou discordar. Já pensastes nisso?

INTERPELANTE: Nossa mente está sempre tentando modificar o nosso condicionamento.

KRISHNAMURTI: Atende-vos ao ponto de que estamos tratando, se ele representa um problema para vós. Ou sou eu que estou fazendo dele um problema e portanto não se trata de problema vosso? Qual é a vossa reação?

INTERPELANTE: Gostaríamos de saber como se pode fazer isso.

KRISHNAMURTI: Este cavalheiro pergunta como se pode fazer isso; é justamente nisso que consiste a questão. Considerai primeiramente a própria questão: o como. Sou ambicioso e desejo ver-me num estado de amor; cumpre-me, por conseguinte, afastar a ambição, e como fazer isso? Acompanhai o que estou dizendo. A questão, em si mesma, envolve tempo, não? No momento em que perguntais "como?", está criado o problema do tempo — tempo para lançar uma ponte sobre o intervalo, tempo para atingir o estado chamado "amor"; por essa razão, nunca podeis atingi-lo. Compreendeis, senhores?

INTERPELANTE: Falastes sobre o estado de percebimento direto. Não é licito investigar esse estado? O percebimento implica três fatores: o sujeito que vê, o ato de ver, e o objeto que se vê. É assim que entendemos o percebimento. Quereis referir-vos a uma faculdade independente?

KRISHNAMURTI: Eu também entendo bem desta matéria! Que é o sujeito que percebe, e o sujeito que percebe está separado do objeto da percepção? O pensador está separado do pensamento? É isto que estais dizendo, não é verdade? Mas não é este, por ora, o nosso problema. Não me interpreteis erroneamente, não estou tentando...

INTERPELANTE: Empregastes as palavras "percebimento direto".

 KRISHNAMURTI: Podemos modificaras palavras — elas não têm importância. Expressemo-nos diferentemente.

Estou apercebido de ser ambicioso, cruel, estúpido, ou o que seja, e em geral se admite, com apoio nos livros sagrados, nos rituais, na crença nos Mestres, na evolução e outras coisas que tais, que mediante um lento e gradual processo de esforço, poderei transcender o que sou e alcançar algo transcendental. Percebo o que isso implica: o sujeito que faz esforço, o esforço, e o objeto para o qual está fazendo esforço — sendo tudo isso um processo mental. Percebendo-o, digo de mim para mim: "É-me possível abandonar completamente a ambição e achar-me naquele estado que se pode chamar "amor"? Não vou descrever o que é aquele estado. O problema é que sou violento; e, tenho alguma possibilidade de abandonar completamente, imediatamente, a violência?

INTERPELANTE: A possibilidade é unia questão de acaso ou de esforço?

KRISHNAMURTI: Considerai bem isso, senhor. Se há esforço, estais de novo no velho terreno da "gradualidade". Se se trata de mero acaso, questão de "boa sorte" — isso não tem sentido algum. Se me permitis dizê-lo, não estais realmente fazendo esta pergunta a vós mesmo.

Eu sou agressivo, ambicioso, e vejo que toda a sociedade corrupta que me circunda é também ambiciosa e agressiva em diferentes graus. Tudo nela é aparatoso, estúpido, vão e, no entanto, me vejo preso nas suas malhas; é-me possível largar completamente a ambição, abandoná-la e nunca mais ter contacto com ela? Compreendeis minha pergunta, senhor? Mas não se trata de uma pergunta minha, e sim de uma pergunta que vos deveis fazer, se tendes vontade de resolver este problema. Ou preferis dizer: "Sou ambicioso e me libertarei da ambição aos poucos, amanhã ou na próxima vida, à força de disciplina, pela prática do mantra adequado, da adequada vigilância — enfim, toda a lista de absurdos? Este problema vos toca, senhor? Se não, nenhuma intenção tenho de vo-lo inculcar. Mas se é um problema vosso, que ides fazer?

Vede, senhor, os mais de nós não temos amor, o que quer que seja essa qualidade. Podemos ter um temporário sentimento que chamamos "amor", o qual, entretanto, é muito aparentado com o ódio, e não pode ser aquela coisa extraordinária. É possível que uns poucos possuam essa florescência, essa coisa alentadora, criadora, mas em geral nos achamos num estado de confusão e aflição. Ora, pode uma pessoa abandonar, simplesmente, tudo isso e tornar-se "a outra coisa", sem passar pelas tremendas complicações inerentes ao "tentar vir a ser alguma coisa", sem discussões sobre se o sujeito que percebe está separado do objeto percebido, etc.?

INTERPELANTE: Mas isso também exigirá tempo.

 KRISHNAMURTI: Que fareis, senhor?

INTERPELANTE: Nada.

KRISHNAMURTI: Senhor, que se está passando realmente convosco, neste momento? Ou ficamos falando de maneira teórica, abstrata, para passarmos a tarde num interessante debate; ou, pelo contrário, estamos realmente desejosos de investigar, experimentar e não nos interessa manter-nos numa interminável "verbalização". Qual é a reação de cada um de nós, em face desse problema? Se pudermos discutir, "verbalizar" o que realmente está ocorrendo em nós, em reação ao problema, isso terá significação; mas, se ficamos meramente a produzir palavras e teorias, isso nenhum valor tem.

INTERPELANTE: Toda esta discussão é puramente verbal.

KRISHNAMURTI: Mas que significação tem para vós? Deixai de parte os outros. Vede, senhor, eu não vos estou atacando, não tenciono embaraçar-vos. Mas quando se vos apresenta este problema, qual é vossa reação?

INTERPELANTE: Ser é ser. Não pode ser descrito por palavras.

KRISHNAMURTI: Compreendo, senhor. Mas estamos em presença de um problema muito grave e que envolve uma completa revolução no pensar; dele decorre que temos de livrar-nos de todos os guias, todos os gurus, todos os métodos, não é verdade? E que acontece, quando se nos propõe um problema desta natureza?

Isto é, quando estamos apercebidos de que odiamos, e desejamos ficar livres do ódio, que fazemos, em geral? Procuramos um método de nos livrarmos dele, e esperamos achar esse método num livro, num guru, etc. Ora, percebemos que a prática de qualquer método é uma ilusão ou dizemos que o método é necessário? Esta é a primeira questão, evidentemente. Que sentis vós, senhor? Não desejo forçar-vos a dizer que não há necessidade de método; isso seria uma nova ilusão, mera repetição de palavras, uma atitude artificial, inteiramente destituída de significação. Mas se percebeis realmente que a prática de qualquer método para nos libertarmos do ódio é uma ilusão e portanto sem validade alguma, neste caso vossa maneira de considerar o ódio terá sofrido uma transformação total, não?

Presentemente, ao considerarmos o ódio, dizemos: "Como livrar-me dele?" Mas, se sabemos considerar o ódio sem o "como", teremos então uma reação completamente diferente, diante daquilo que percebemos. E, assim sendo, precisamos saber qual é a nossa reação, em face desta questão. Compreendeis, senhor?

Por favor, tende primeiramente a bondade de escutar, a fim de descobrirdes, e não pergunteis como ficareis livres do ódio. Não me interessa saber como ficar livre dele. Esta é uma questão muito trivial. O problema é este: estando apercebidos de que odiamos, dizemos, agora: "Como livrar-me do ódio? Que devo fazer para me livrar deste veneno?" — No momento em que nos surge esta reação — como ficar livre? — pusemos em ação vários fatores sem validade alguma. Um desses fatores é o processo de gradual desbastamento do ódio, através de um certo período de tempo; outro é o fazer esforço para conseguir um resultado; e outro, ainda, é o dependermos de alguém, para nos ensinar como proceder. Tudo isso são atividades egocêntricas, e também uma forma de ódio. Não sei se estais percebendo bem.

Ora, estamos ainda pensando em como nos livrarmos do ódio? Esta é a questão, e não "como ficarmos livres", ou o que acontece quando estamos livres, mas, sim: estamos ainda pensando em termos de "como"?

INTERPELANTE: O "como" não é então muito importante.

KRISHNAMURTI: Que se está passando convosco, realmente, senhor? Que se passa realmente, quando vos vedes em presença desta questão? Se sois verdadeiramente franco para com vós mesmo, vereis que estais ainda pensando em termos de "como", e isto revela que a mente deseja ainda alcançar um certo estado, não é verdade? E a realização de algo significa processo de tempo. Um cientista, por exemplo, que faz experimentos para descobrir uma coisa, necessita evidentemente de tempo; mas o ódio pode ser dissolvido por meio do tempo? Os iogues, os swamis, o Gita, os Mahatmas — todos dizem que o ódio tem de ser dissolvido com o tempo; mas talvez eles não tenham razão, e provavelmente não a têm. E porque haviam de tê-la? Mas eu desejo averiguar se há uma maneira diferente de considerar este problema, em vez de aceitar a maneira tradicional, a qual vejo que invariavelmente degenera em mediocridade. A simples aceitação da tradição é uma coisa estúpida. Ainda que dez mil pessoas afirmem que uma coisa é verdadeira, isso não significa que elas têm razão. Meu problema, pois, é este: é possível ficarmos livres do ódio agora, e não no futuro?

INTERPELANTE: Se permitas fazer uma pergunta direta: Que finalidade têm vossas palestras?

KRISHNAMURTI: Qual a finalidade do falar? Comunicar alguma coisa, não é verdade? Se assim não fosse, não precisaríamos falar. Pois bem. Que é que estou tentando comunicar-vos? Estou procurando comunicar-vos o fato de que uma certa maneira de pensar geralmente aceita é ilusória e inteiramente destituída de base. Mas, para comunicarmos uma coisa, precisamos de um ouvinte, uma pessoa que diga: "estou realmente a escutar-vos". Vós, senhor, estais-me escutando? E que entendeis por "escutar"? Não é minha intenção embaraçar-vos. Escutais de fato qualquer coisa, ou apenas escutais parcialmente? Se à vossa mente ainda interessa o "como", não estais escutando. Só se pode escutar, quando se dá atenção completa, e não estais dando atenção completa quando pensais que deve haver um método, porque vossa mente não está então livre para considerar o que se está dizendo. Só há atenção completa quando dizemos: "Ele pode não ter razão, pode estar dizendo tolices, mas, pelo menos, quero descobrir o que é que ele está tentando transmitir-me". Estais fazendo isso? Isso, em si, é muito difícil, não achais? Porque dar atenção completa significa conhecer o amor, é sentir totalmente a disposição de descobrir o que outro está dizendo, sem aceitação ou rejeição — o que não significa que me vou tornar uma autoridade para vós. Prestais atenção dessa maneira?

INTERPELANTE: É possível isso, senhor?

KRISHNAMURTI: Se não é possível, não pode haver comunicação. A dificuldade é esta: Vede, senhor, se me estais dizendo uma coisa e eu desejo descobrir o que estais procurando comunicar, tenho de dar-vos atenção, não é verdade? Não posso estar pensando, comigo mesmo, que estais falando sobre "as mesmas velharias", que sois isso ou aquilo, ou que são horas de ir para casa. Tenho de dar atenção completa ao que estais dizendo, sem opor nenhuma barreira, mental ou de outra espécie. Escutamos dessa maneira?

INTERPELANTE: A atenção completa é um estado mental diferente do estado comum de atenção?

KRISHNAMURTI: Senhor, não estais dando nenhuma atenção ao que estou dizendo. Desejais saber o que é "atenção completa". Eu posso descrevê-lo, mas que importância tem isso? O que é de primacial importância é isto: estais escutando? Sabeis como é difícil, para a maioria de nós, o investigar, o descobrir, o escutar. Não estou dizendo que devais escutar a mim, em especial, por que a mim próprio não importa se escutais ou não; mas, visto que vos destes ao trabalho de vir aqui, peço-vos, pelo amor de Deus, que escuteis, não apenas a mim mesmo, mas ao funcionar do maquinismo de vossa própria mente, posta agora em presença de um problema. Este problema é: o ódio pode ser dissolvido imediatamente? O descobrirmos de que modo reagimos em face desta questão tem validade. Se dizeis: "Sim, estou escutando", mas vossa intenção é de descobrir um método de vos livrardes do ódio, não estais então olhando o problema, porque só vos interessa o "como". Mas, em questões psicológicas, pode existir "como"? Entendeis, senhores? Este é um problema muito complexo; portanto, não digais, simplesmente, "sim" ou "não". Nas atividades técnicas, no construir, no cozinhar, no montar um avião a jato, no lavar pratos eficientemente, etc., há um "como"; e quanto mais alertados estamos, mais eficiente se torna o "como"; mas, existe algum "como", em questões psicológicas? Existe algum processo gradual de evolução, transformação, ou só há a transformação imediata?

INTERPELANTE: Que cumpre então fazer em relação ao problema psicológico?

KRISHNAMURTI: Senhor, considerai o problema. Tenho de parar aqui. Não podeis absorver por mais de uma hora este gênero de palestra.

Temos o problema do morrer. Todos estamos a morrer; e pode a mente achar-se num estado em que não haja morte? Este é essencialmente o mesmo problema, e só estou empregando uma série diferente de palavras. A mente está cônscia de que vai morrer, de modo que apela para várias doutrinas, o saber, o experimentar, crê na reencarnação, lê o Upanishads etc., e tudo isso se baseia no desejo de continuidade. Mas posso descobrir diretamente, por mim mesmo, se existe um estado em que não há morte, em vez de ficar na dependência de um certo senhor barbudo, para me informar sobre o que existe após a morte? Este problema é o mesmo que ser ambicioso, violento, ávido, invejoso, e procurar saber se é possível abandonar tudo isso completamente — o que realmente significa que precisamos verificar se estamos em busca de algum método. Estais em busca de um método para ajudar-vos a dissolver o ódio? Os mais de vós aceitastes como um fato a necessidade de método, e como estou agora pondo em dúvida a natureza "factual" disso que tendes aceito, estais resistindo ao que estou dizendo. Mas, se pelo indagar, pelo considerar o problema, vós mesmo estais apercebido de que a prática de um método é uma total ilusão, então, nesse caso, vossa maneira de considerar o ódio terá sofrido uma tremenda modificação; e esse percebimento da ilusão não resulta de esforço algum.

Senhores, ainda vamos reunir-nos não sei quantas vezes e, em lugar de ser eu só a falar, não podemos, para variar, entrar nesta questão como dois entes humanos, como amigos que estão realmente a escutar o problema e procurando descobrir o que é verdadeiro? Não nos estamos opondo um ao outro, nem vós estais aceitando o que digo, porque nesta nossa busca não há autoridade alguma, não há mestre nem sishya, não há guru, nenhuma dessas futilidades. Aqui todos somos iguais, porque no tentar descobrir o que é verdadeiro existe a verdadeira igualdade. Por favor, senhores, escutai o que vos estou dizendo. É só quando não estais em busca da realidade, que há essa falsa separação do mestre e do discípulo. Certo, onde existe o amor, não existe desigualdade. Tem de haver amor, quando buscamos; e não estamos buscando quando consideramos um outro como discípulo ou como guru. Para a investigação da verdade, é necessária a cessação de todo o conhecimento. Onde há amor, há igualdade; não existe o homem que está no alto e o homem que está em baixo.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Benares, 11 de dezembro de 1955
Da Solidão à Plenitude Humana



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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill