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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Das necessárias qualidades para o encontro consigo mesmo

O homem deve ser inteligente e sábio, com grande poder de compreensão e capaz de superar as dúvidas pelo exercício da razão. Quem possui essas qualificações está apto a adquirir o conhecimento do Atman.

Só pode ser considerado qualificado para buscar Brahman o homem dotado de discernimento, cuja mente esteja afastada de todos os prazeres, o homem que possui a tranquilidade e as virtudes afins e que aspira ardentemente à libertação.

Neste contexto, os sábios falaram de quatro qualificações que permitem alcançar a meta. Quando essas qualificações estiverem presentes, a devoção à Realidade se tornará completa. Se estiverem ausentes, ela fracassará.

A primeira é o discernimento entre o eterno e o não-eterno. Segue-se a renúncia ao gozo dos frutos da ação, nesta e noutra vida. Em seguida vêm os seis tesouros da virtude, a começar pela tranquilidade. E, enfim, o anseio de libertação.

Brahman é real; o universo é irreal. A firme convicção dessa verdade denomina-se discernimento entre o eterno e o não-eterno.

A renúncia é o abandono de todos os prazeres dos olhos, dos ouvidos e dos demais sentidos, o abandono de todos os objetos de prazer transitório, o abandono do desejo de um corpo físico, assim como do tipo supremo de corpo-espírito de um deus.

Afastar a mente de todas as coisas objetivas mediante um contínuo discernimento de sua imperfeição e dirigi-la resolutamente para Brahman, sua meta — a isso se chama tranquilidade.

Afastar os dois tipos de órgãos sensoriais — os da percepção e os da ação — das coisas objetivas e deixá-los repousar em seus respectivos centros — a isso se chama autocontrole. O verdadeiro equilíbrio mental  consiste em não permitir que a mente reaja aos estímulos externos.

Suportar todos os tipos de aflição sem revolta, sem queixa ou lamento — a isso se chama paciência.

Uma firme convicção, baseada na compreensão intelectual, de que os ensinamentos das escrituras e de um mestre são verdadeiros — a isto os sábios chamam de , que leva à realização da Realidade.

Concentrar o intelecto repetidamente no puro Brahman e mantê-lo sempre fixado no Brahman — a isso se chama submissão. O que não significa aquietar a mente, como um bebê, com pensamentos ociosos.

O anseio de libertação é a vontade de libertar-se dos grilhões forjados pela ignorância — começando com o sentimento de ego e assim por diante, indo até o próprio corpo físico — mediante a compreensão da nossa verdadeira natureza.

Embora esse anseio de libertação possa estar presente num grau leve e moderado, ele se intensificará através dos méritos do mestre e da prática da renúncia e de virtudes como tranquilidade, etc. E dará os seus frutos.

Quando a renúncia e o anseio de libertação se acham presentes num grau intenso, a prática da tranquilidade e das demais virtudes frutificará e conduzirá à meta.

Quando a renúncia e o anseio de libertação são fracos, a tranquilidade e as demais virtudes constituem meras aparências, qual miragem no deserto.

Dentre os meios de libertação, a devoção é suprema. Empenhar-nos sinceramente em conhecer a nossa verdadeira natureza — a isso se chama devoção.

Em outras palavras, a devoção pode ser definida como a busca da realidade do nosso próprio Atman. Aquele que busca a realidade do Atman, que possui as qualificações acima mencionadas, deve procurar um mestre iluminado capaz de ensinar-lhe o caminho da libertação em relação a todos os tipos de servidão.

Shankara — A Joia Suprema do Discernimento
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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Um caminho de completa sensação de paz e amor

K: Posso falar um pouco sobre mim?

DB: Sim.

K: Falarei primeiro sobre a meditação. Toda meditação consciente não é meditação — certo?

DB: O que você entende por meditação consciente?

K: A meditação deliberada, praticada, que é na verdade meditação pré-meditada. Existiria alguma meditação que não fosse premeditada — que não fosse uma atividade do ego que tenta se transformar em alguma coisa — ou que não fosse capaz de negar?

DB: Antes de continuarmos, poderíamos opinar sobre o que deveria ser a meditação. Será ela uma observação da mente que observa?

K: Não. Ela foi além disso tudo. Estou usando a palavra meditação no sentido de que não há nela o menor resquício de qualquer tentativa consciente de se transformar, de alcançar algum nível.

DB: A mente está simplesmente consigo mesma, silenciosa.

K: É aí que eu quero chegar.

DB: Sem procurar por nada.

K: Veja bem. Eu não medito no sentido comum da palavra. O que acontece é que eu acordo meditando.

DB: Naquele estado?

K: Certa noite na índia eu acordei; olhei no relógio e vi que era meia-noite e quinze; e — hesito em dizer isso porque soa como algo fantástico — a fonte de toda energia havia sido alcançada; e isso teve um efeito extraordinário sobre o cérebro; e também sobre o físico. Sinto ter de falar sobre mim, mas, você compreende, não houve, literalmente, em absoluto qualquer separação; nenhum sentido de mundo, de "mim". Você percebe? Havia apenas o sentido de uma tremenda fonte de energia.

DB: Então o cérebro estava em contato com essa fonte de energia?

K: Sim, e como venho dizendo há sessenta anos, eu gostaria que outras pessoas chegassem a isso. Não, chegar, não. Você entende o que estou dizendo? Todos os nossos problemas estão resolvidos, porque ela é energia pura desde o início dos tempos. Agora, como eu poderei — não "eu", você compreende — como uma pessoa poderá não ensinar, não ajudar ou não pressionar — no entanto, como alguém pode dizer: "Este caminho leva a uma completa sensação de paz, de amor"? Sinto muito ter de empregar todas essas palavras, mas suponha que você tenha chegado nesse ponto e o seu cérebro esteja latejando com essa energia — como você ajudaria outra pessoa? Você está me entendendo? Refiro-me a uma ajuda efetiva — não a palavras. Como você ajudaria outra pessoa a chegar a isso? Compreende o que estou querendo dizer?

DB: Sim.

K: Meu cérebro — não o meu, mas o cérebro — evoluiu. Evolução subentende tempo, e o cérebro só pode pensar, viver, no tempo. Agora, negar o tempo representa, para o cérebro, uma tremenda atividade, pois qualquer problema que surja, qualquer pergunta, será imediatamente resolvida.

DB: Essa situação é sustentável ou existe apenas por um período?

K: É sustentável, obviamente, caso contrário não haveria nela nenhum propósito. Ela não é esporádica nem intermitente. Agora, como você pode abrir a porta, como pode ajudar outra pessoa a dizer: "Olhe, temos caminhado na direção errada, existe apenas o não-movimento; e, se o movimento parar, tudo ficará correto"?

DB: Bem, é difícil saber de antemão se tudo ficará correto. (...) Contudo, a mente opera sem o tempo, embora o cérebro não seja capaz de fazer isso.

K: Isso significa que Deus está no homem, e que Deus só pode operar se o cérebro estiver tranquilo, se o cérebro não estiver preso no tempo. (...) Ms como se pode transmitir isso para outra pessoa? Como você, ou "X", transmitirá isso a um homem que está preso no tempo, e que resistirá a isso, lutará contra isso, porque diz que não há outra maneira? Como se pode transmitir isso a ele?

DB: Creio que só se pode transmitir isso a alguém que já esteja no processo; provavelmente, não se conseguirá de modo algum transmiti-lo a uma pessoa que escolhamos ao acaso na rua!

K: Então, o que estamos fazendo? Como isso não pode ser transmitido através de palavras, o que pode um homem fazer?

Krishnamurti e Davi Bohm - A Eliminação do tempoPsicológico

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A mente especulativa não alcança Aquilo que é Real

Embaixo e ao longe se avistava o vale, cheio das atividades próprias dos vales em geral. O sol se punha naquele momento atrás das montanhas longínquas, e as sombras eram escuras e longas. Era uma tarde serena e uma brisa soprava do mar. As laranjeiras, alinhadas em renques sucessivos, pareciam quase negras e sobre a longa estrada reta que percorria o vale, viam-se ocasionais lampejos, quando a luz do sol poente se refletia nos carros que passavam. Era uma tarde de paz e encantamento.

A mente parecia abarcar a amplidão do espaço e a distância infinita; ou melhor, a mente parecia expandir-se infinitamente e, acompanhando a mente, mas fora dela, algo existia que continha todas as coisas. A mente lutava, na penumbra do subconsciente, procurando reconhecer e lembrar aquilo que não fazia parte dela própria, detendo a sua habitual atividade; mas não podia apreender o que era estranho à sua própria natureza; e logo todas as coisas, inclusive a mente, estavam engolfadas naquela imensidão. Caiu a noite, e o longínquo latir dos cães não perturbava de maneira nenhuma aquela existência que escapava a toda percepção. Ela não pode ser pensada e “experimentada” pela mente.

Mas que foi, então, que percebeu e se tornou cônscio de uma coisa tão diferente das “projeções” da mente? Quem é que a experimenta? Não foi, por certo, a mente constituída das lembranças, reações e impulsos de cada dia. Existe outra mente, ou há uma parte da mente que permanece adormecida e só pode ser despertada por Aquilo que existe acima e além da mente? Se assim é, existe então, sempre, dentro da mente aquela coisa que transcende todo o pensamento e o tempo. Todavia, não pode ser assim, pois isso é apenas pensamento especulativo e, portanto outra das muitas invenções da mente.

Uma vez que aquela imensidão não nasce do processo do pensamento, que é então que se torna cônscio dela? A mente, como “experimentador”, se torna cônscia dela, ou é aquela imensidão que está cônscia de si mesma, porque não existe mais “experimentador”? Não havia “experimentador”, na hora em que aquilo aconteceu, ao descermos a montanha e, todavia, o percebimento da mente era de todo diferente, tanto em qualidade como em intensidade, daquela coisa imensurável. A mente não estava funcionando; achava-se vigilante e passiva e, embora cônscia da brisa a brincar com as folhas, não havia movimento de espécie alguma, nela própria. Não havia “observador”, medindo ou avaliando a coisa observada. aquilo existia e era aquilo que estava cônscio de si mesmo e sua imensurabilidade. Aquilo não tinha começo, nem nome.

A mente está cônscia de não poder captar, pela experiência e pela palavra, aquilo que permanece sempre, atemporal e imensurável.    

Jiddu Krishnamurti — Reflexões sobre a vida

A Suprema Felicidade onde as palavras nada significam

Ele era moço, ainda, mas chefe de família e conceituado homem de negócios. Parecia muito preocupado e atribulado, e ansioso por dizer alguma coisa.

“Há tempos ocorreu-me uma experiência verdadeiramente extraordinária, e como nunca a relatei a ninguém não sei se sou capaz de descrevê-la para você com clareza; espero que sim, pois não há ninguém mais a quem possa me dirigir. Essa experiência arrebatou-me completamente o coração; entretanto, ela se foi e dela só me restou a vã lembrança. Talvez você possa ajudar-me a captá-la de novo. Vou relatar-lhe com a possível exatidão o que foi esse estado abençoado. Tenho lido a respeito dessas coisas, mas tudo o que li não passava de vãs palavras, que só me falavam aos sentidos; o que me aconteceu foi uma coisa fora da esfera do pensamento, da esfera da imaginação e do desejo, e eu a perdi. Rogo-lhe para que me ajude a recuperá-la.” Calou-se por um instante e continuou:

“Certa manhã despertei muito cedo; a cidade dormia ainda e seus rumores ainda não haviam começado. Senti-me impelido a sair; vesti-me rapidamente e saí para a rua. Nem sequer o caminhão do leite havia começado a circundar. A primavera estava iniciando e o céu era de um azul pálido.  Apoderou-se de mim um forte sentimento de que devia ir ao parque, distante cerca de uma milha. Desde o instante em que transpus a porta da rua, veio-me um estranho sentimento de leveza, como se estivesse caminhando no ar. O edifício fronteiro, um desgracioso conjunto de apartamentos, perdera toda a feiura; até os tijolos pareciam vivos e luminosos. Todo objeto insignificante, que eu de ordinário não teria sequer notado, parecia dotado de uma qualidade extraordinária, peculiar e, coisa estranha, tudo parecia parte de mim mesmo. Nada estava separado de mim; com efeito, o “eu”, como observador, como percebedor, tinha se ausentado, se percebe o que quero dizer. Não havia “eu” separado daquela árvore ou do jornal jogado na sarjeta ou das aves que chamavam umas às outras. Era um estado de consciência que eu nunca antes experimentara”.

“No caminho do parque”, prosseguiu, “havia uma loja de flores. Centenas de vezes passei por ali e de cada vez não dava mais do quem um simples relance de olhos para as flores. Mas naquela manhã parei diante da loja. A vitrine estava ligeiramente embaçada, do calor e da umidade interiores, mas isso não me impedia de ver as diversas variedades de flores. Enquanto ali estava, a contemplá-las, comecei a sorrir e a rir, possuídos de uma alegria nunca experimentada anteriormente. As flores estavam a falar-me e eu a falar com elas; sentia-me misturado com elas, elas faziam parte de mim mesmo. Ao dizer-lhe isso poderei dar-lhe a impressão de que me achava num estado histérico, ligeiramente privado da razão; mas não era assim. Vestira-me com muito cuidado, perfeitamente cônscio de meus atos, escolhendo peças limpas de vestuário, consultando o relógio, vendo os letreiros das lojas, inclusive o de meu alfaiate, e lendo os títulos dos livros expostos na vitrine de uma livraria. Tudo era vivo e eu amava todas as coisas. Eu era o perfume daquelas flores, mas não havia “eu” a cheirar as flores, se você entende o que quero dizer. Não havia separação entre elas e mim. Aquela loja de flores apresentava um fantástico espetáculo de cores, de uma beleza que parecia extasiante, pois o tempo e sua medida haviam cessado. Devo ter estado ali mais de vinte minutos, mas garanto-lhe que não tinha noção nenhuma de tempo. Foi-me difícil partir de perto daquelas flores. O mundo de luta, de dor e sofrimento era inexistente naquele momento. Com efeito, num tal estado as palavras são sem significação. As palavras são descritivas, discriminativas, comparativas, mas naquele estado não existiam palavras. “Eu” não estava experimentado; só havia um estado — experiência. O tempo cessara: não havia passado, presente ou futuro. Só havia — oh!, não sei expressá-lo por palavras, mas não importa. Havia uma Presença — não, não é esta a palavra. Era como se a Terra, com tudo o que nela e sobre ela existe, tivesse recebido uma benção dos céus, e eu, dirigindo-me ao parque, fazia parte dela. Ao aproximar-me do parque, fiquei completamente fascinado pela beleza daquelas árvores familiares. Do amarelo pálido ao verde mais escuro, as folhas dançavam cheias de vida. Cada uma das folhas destacava-se, separadamente, e toda a riqueza da Terra se concentrava numa única folha. Senti o coração acelerar-se; tenho um coração robusto, mas mal podia respirar, ao entrar no parque, e pensei desmaiar. Sentei-me num banco, as lágrimas rolavam-me pelas faces. Rodeava-me um silêncio, verdadeiramente intolerável. Mas esse silêncio estava purificando todas as coisas, lavando-as da dor e do sofrimento. Ao internar-me mais no parque, havia música no ar. Fiquei surpreso, pois não havia casas nas imediações e por certo ninguém teria levado um rádio para o parque àquela hora da madrugada. A música fazia parte daquela totalidade. Toda a bondade, toda a compaixão do mundo estava presente naquele parque, Deus estava ali.”

“Não sou teólogo nem muito religioso”, continuou, “já entrei pelo menos uma dúzia de vezes numa igreja, mas isso nunca teve muita significação para mim. Não suporto o amontoado de absurdos que se presencia numa igreja. Mas naquele parque estava presente um Ser, se se pode empregar tal palavra, no qual todas as coisas viviam e agiam. As pernas me tremiam, forçando-me a sentar-me de novo, recostado numa árvore. O tronco era uma entidade viva como eu, e eu fazia parte daquela árvore, daquele Ser, do mundo. Devo ter desmaiado. Aquilo fora excessivo para mim: as cores intensas e vivas, as folhas, as pedras, as flores, a incrível beleza de todas as coisas. E, por sobre tudo aquilo, a benção de...”

“Quando tornei a mim já era nado o sol. Em geral levo uns vinte minutos, a pé, até o parque; mas já fazia quase duas horas que eu saíra de casa. Fisicamente, sentei-me sem forças para voltar a pé; e, assim, deixei-me ficar ali, sentado, reunindo as forças e sem ousar pensar. Ao voltar para casa, lentamente, levava comigo, toda inteira, aquela experiência; durou ela dois dias e, tão subitamente como viera, desapareceu. Começou então o meu tormento. Durante uma semana inteira não cheguei, sequer, às proximidades do meu escritório. Queria de volta aquela experiência ordinária, viva, queria tornar a viver, e para sempre, naquele mundo beatífico. Tudo isso aconteceu há dois anos. Andei pensando seriamente em ir-me para um recanto solitário do mundo, mas o coração me dizia que não a recuperaria por essa maneira. Nenhum mosteiro pode oferecer-me aquela experiência; não a encontrarei em nenhuma igreja cheia de velas acesas e onde só se nos oferecem a morte e a escuridão. Pensei em partir para a Índia, mas abandonei também tal ideia. Experimentei então certa droga; ela me fez mais vívidas as coisas, etc., mas não é de narcóticos que eu preciso. Isto é querer comprar muito barato o “experimentar”; e o que se tem é uma ilusão e não a coisa real”.

“Aqui estou, pois”, concluiu. “Tudo eu daria, minha vida e todos os meus haveres, para viver de novo naquele mundo. Que devo fazer?”

Ele veio a você, sem você o ter chamado, Senhor. Você nunca o procurou. Enquanto você o estiver procurando, não o terá nunca. Justamente o desejo de tornar a viver aquele estado extático, está impedindo a vinda do novo, a experiência nova daquela suprema felicidade. Veja o que aconteceu: você teve aquela experiência e está vivendo agora da lembrança morta de ontem. “O que foi” está impedindo a vinda do novo.

“Você quer dizer que devo colocar fora e esquecer tudo o que foi e ir arrastando de dia em dia esta minha insignificante existência, interiormente esfomeado?”

Se não continuar a relembrar e a pedir mais  o que constitui um verdadeiro esforço — será então possível que aquela mesma coisa que escapa inteiramente ao seu controle, atue por sua própria vontade. A avidez, mesmo com um alvo sublime, só pode gerar sofrimento; a ânsia de mais abre porta ao desejo. Aquela bem-aventurança não pode ser comprada com nenhum sacrifício, nenhuma virtude, e nenhuma droga. Ela não é uma recompensa, um resultado. Vem espontaneamente; não a busque.

“Mas aquela experiência foi real, veio da esfera do Sublime?”

Sempre queremos que outra pessoa confirme um fato ocorrido, nos dê certeza a respeito dele, para ficarmos abrigados nesta certeza. Tornar-se certo ou seguro, em relação ao que foi, ainda que tenha sido o Real, significa fortalecer o irreal e gerar a ilusão. Trazer para o presente o que passou — agradável ou desagradável — é fechar a porta ao Real. A Realidade não tem continuidade. Ela existe momento por momento; é atemporal, imensurável.

Jiddu Krishnamurti — Reflexões sobre a vida


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A experiência do abençoado estado

Todo pensamento e sentimento se desvaneceram deixando o cérebro imóvel e quieto... Desperto e sensível, o cérebro observava tudo sem reagir, sem experimentar; embora livre ainda de qualquer movimento interno, não estava insensibilizado ou drogado pela memória. De repente, a sublime presença daquela coisa singular sem impunha com toda a sua força, não apenas no mundo exterior, mas também nos mais íntimos recessos daquilo que antes fizera parte da mente. O pensamento tem seus limites, resultantes da reação; todo e qualquer motivo serve de molde ao pensamento e ao sentimento; a experiência vem do passado e o reconhecimento é sempre do conhecido. Mas, aquele abençoado estado não deixava marcas, pois sua forte, nítida e impenetrável presença tinha a intensidade da chama sem cinzas. O êxtase que vinha dali não deixava vestígios na memória, porquanto não havia o ato de experimentar. Ele simplesmente existia, em total liberdade, alheio à busca e às lembranças.
Não existe a possibilidade de o passado encontrar-se com o incognoscível; nada os poderia reunir; nenhuma ponte ou caminho nos permitirão conhecer aquela desconhecida benção. Jamais se deu o encontro de ambos, pois o passado deve simplesmente findar para que se revele o grandioso mistério daquela coisa singular.  

Jiddu Krishnamurti — 23 de janeiro de 1962

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Breves relatos de despertar da inteligência

De repente, uma grande luz vinda do céu brilhou à minha volta... Aqueles que estavam comigo certamente viram a luz e ficaram com medo... Então eu disse: "O que devo fazer, Senhor?" E o Senhor me disse: "Levanta-te e vai a Damasco e lá te serão ditas todas as coisas que estão determinadas para que faças." E como eu não podia ver por causa do esplendor daquela luz, sendo conduzido pelas mãos daqueles que estavam comigo, fui para Damasco.
Saulo de Tarso, "A Caminho de Damasco", Atos 22:6-11

Deitei-me no gurupés, olhando para a popa, com água espumando por baixo, os mastros com as velas brancas ao luar erguendo-se acima de mim. Embriaguei-me com a beleza e o ritmo daquele som, e por um momento me perdi — na verdade, perdi a minha vida. Fui libertado! Dissolvi-me no mar, me transformei nas velas brancas, no borrifo de espuma em beleza e ritmo, na luz da Lua, no barco e no céu negro e estrelado! Eu existia sem assado nem futuro, em paz, unidade e felicidade arrebatadoras, dentro de algo maior do que a minha própria vida — ou do que a vida do Homem — eu pertencia à Vida, enfim! Ou a Deus, se você preferir... Como o véu das coisas, como se estivesse sendo puxado por uma mão invisível. Por um segundo, isso faz sentido.
Eugene O'Neil, Long Day's Journey into Night

Há momentos de glória que vão além da expectativa humana, além da habilidade física e emocional da pessoa. Alguma coisa inexplicável dirige e exala vida para a vida conhecida... Chama-se a isso estado de graça ou ato de fé... ou uma ação de Deus. Está lá, e o impossível torna-se possível... A atleta vai além de si mesma; transcende o natural. Toca uma parte do céu e torna-se o recipiente do poder de uma fonte desconhecida.
Patsy Neal, jogadora de basquetebol, em Sport and Identity
 
Ouço além do alcance do som,
Vejo além do alcance da visão,
Novas terras, céus e mares ao redor,
E, no meu dia, o sol faz empalidecer sua luz.
Henry David Thoreau , poeta
 Mais de uma vez quando
Me sentei sozinho, refletindo sobre mim mesmo
A palavra que é o símbolo de mim mesmo,
O limite mortal do Eu foi liberado,
E transferido ao anonimato, como uma nuvem
Que se dissolve no céu.
 Alfred Lord Tennyson
 
Naquele estado iluminado eu me senti completamente sem limites e livre, rodeado e repleto de uma luz brilhante, banhado por uma enorme sensação de paz. Quando comecei a voltar ao mundo cotidiano, senti que meu novo "Eu" abrangente estava se afunilando, voltando a ser uma unidade retraída: o meu "Eu" físico cotidiano. Meu corpo se sentia como uma armadilha de aço que prendia e dominava todas as minhas possibilidades. Senti a dor e o drama da vida diária começando a me pressionar, e chorei quando ansiei por voltar para a liberdade que havia descoberto.
Anônimo

segunda-feira, 25 de março de 2013

Na meditação não há espaço para a vontade


O processo mecânico dos sistemas produz insensibilidade, gera repressão ou a resistência ao que realmente vocês são, o querer sobrepor ao que são o que pensam que deveriam ser; isso envolve conflito, batalha. Querendo controlar, reprimir, disciplinar a vocês mesmos, se forçam a ficar sentado, imóvel, respirando "corretamente", tudo isso na esperança de, no fim de certo tempo, alcançarem uma coisa a cujo respeito não sabem absolutamente nada. Por conseguinte, o homem sensato rejeita toda e qualquer ideia de sistema ou método, compreendendo que eles não o levarão a parte alguma. Mas, lhes inculcaram a ideia de que são capazes de "experimentar" a Verdade, de alcançar a "iluminação", de descobrir a Realidade. Já não ouviram seus gurus, as pessoas que lhes instruem sobre "como meditar", já não os ouviram dizer que "experimentaram" a Verdade, a Realidade? Há dias alguém veio nos dizer: "Experimentei a Realidade, sei o que é a Verdade"; não se pode enunciar maior absurdo.

Escute, senhor: Quando um homem diz "sei", que é que ele sabe? Ao dizer "sei", isso significa que sei de algo já acabado. Certo? Eu só sei o que já acabou, que está no passado; portanto, estou vivendo no passado. Observem isso, por favor, em sua própria vida. Se digo "lhe conheço", só conheço a imagem que tenho de você, e essa imagem é o passado. Portanto, o homem que diz que sabe o que é a Verdade, não sabe. Ele sabe de algo já morto, acabado.

Já refletiram sobre a palavra "experiência"? Ela significa "atravessar" (um certo estado). Depois de "atravessarem" qualquer estado, ele está acabado; mas, se não se completa o movimento, ele se registra na mente como "memória", e o que se experimenta é o passado. No justo momento em que experimentarem qualquer coisa — cólera, sexo, violência — não há nenhuma "experimentador". Já notaram isso? Quando você está muito enraivecido, quando sente muita inveja, nesse momento está totalmente ausente o "eu", o "você" — o "experimentador". Este último só chega um instante após e você diz, então: "Estive com raiva" Portanto, os que dizem que sabem não sabem. Os que dizem ter experimentado a Realidade jamais a experimentaram, porque "experimentar" não significa apenas "passar por uma coisa", mas também reconhecê-la. Do contrário, não há experiência. Se eu já não lhe conhecesse, não poderia lhe reconhecer (e "lhe reconhecer" é experiência). Assim, a palavra "experiência" implica reconhecimento. Reconhecer implica que já conhecem; e o que já conhecem não pode ser o Real. Portanto, rejeitem completamente todos os sistemas. Tenham cautela com os que dizem "experimentei" e dos que dizem "sei". Não se deixem cair nessa armadilha. Esse é o meio de que eles se servem para explorar vocês.

Disseram que vocês devem se concentrar, que devem aprender a concentração. Vocês já investigaram o que implica a concentração? Implica ação da vontade, ou seja resistir a qualquer outro pensamento e focalizar toda a energia, todo o pensamento numa certa coisa, numa sentença, palavra ou frase, na recitação de mantras... repetir, repetir, repetir. Concentração implica resistência. Vocês resistem à infiltração de qualquer outro pensamento, ou controlam os seus pensamentos, para que não se ponham a divagar. A concentração pois, é vontade, na forma de resistência ou repressão, quando necessitamos de uma mente livre, uma mente viva, cheia de energia. A mente em constante conflito desperdiça energia, e vocês necessitam dessa energia. Assim, se puderem se desfazer de seus sistemas favoritos, se puderem ver como um fato verdadeiro que a concentração é meramente resistência e, por conseguinte, incessante conflito e desperdício de energia, estarão aptos a descobrir por si mesmos os requisitos necessários ao estado de meditação.

Podemos agora investigar juntos — não, "meditar juntos"? Este é um dos expedientes em uso: meditação coletiva: juntar-se uma porção de gente e todos de olhos fechados para meditar sobre isto ou aquilo. Nós estamos investigando em comum o que é meditação; não estamos "meditando em comum", pois vocês não sabem o que é meditação, só sabem o que os outros lhes disseram. Tenham cuidado com o que dizem os outros, inclusive este orador, pois vocês se deixam persuadir muito facilmente. E vocês se deixam persuadir porque estão muito ansiosos por experimentar algo que pensam ser maravilhoso. Portanto, não se deixem influenciar por este orador.

Averiguemos o que significa "a mente em meditação". Já dissemos que vocês tem de rejeitar todos os sistemas e métodos, todo desejo de experiência, e explicamos o que significa esse desejo, ou seja o "motivo" existente atrás do desejo de experiência. Assim, devem rejeitar todas essas e também tudo o que anda por aí com o nome de "meditação" — respirar de certa maneira, dançar, tornar-se emotivo, sentimental. Que é, pois, essa coisa chamada "meditação"? Vocês vão descobrir; não descobrir "como meditar", porém, a natureza e estrutura da mente que se acha totalmente livre, sem funcionar, sem nenhum movimento da vontade, porque vontade significa resistência. Vocês não estão aprendendo nada deste orador. Vocês são seu próprio guru e seu próprio discípulo, porque vocês é que precisam descobrir isso. Precisam aprender, em vez de imitarem ou seguirem autoridades.

Dessa forma, o principal é compreenderem a si mesmos, porque, sem essa compreensão, vocês não tem uma base racional para nenhum pensamento, nenhuma estrutura. Se não se compreendem, como podem compreender outra coisa qualquer, e muito menos uma coisa que talvez não exista? O primeiro movimento, pois, é compreenderem a si mesmos, verem-se exatamente como são e não como gostariam de ser. Compreendam-se. Malevolência, brutalidade, violência, avidez, inveja, torturante solidão e desespero — eis o que são vocês. E, por não terem sido capazes de compreender e ultrapassar o que são, inventaram o "eu superior", o "Atman" — um dos maiores artifícios com que se iludem. Deste modo, vocês tem o conflito entre o que são e o que pensam ser, ou como o Atman de vocês diz que "devem ser". Estão, pois, fazendo um jogo que não lhes ajuda a se compreenderem. Para compreenderem o que são, precisam olhar para si mesmos. Se quero conhecer aquela árvore ou aquele pássaro, tenho de olhá-lo. Cumpre-me olhar a mim mesmo, porque não sei o que sou. Devo aprender sobre o que sou, sem a ajuda de nenhum filósofo ou psicólogo, de nenhum livro, guia ou guru.

Averiguemos o que somos. Nós somos o dinheiro depositado no banco, somos invejosos, ambiciosos, corruptos, dizemos uma coisa e fazemos outra, somos hipócritas, nos mascaramos, nos dissimulamos; e, de permeio com tudo isso, há o sentimento de tristeza, de dor, de ansiedade, há lágrimas, há os tormentos da solidão. Eis o que somo; e, se não o compreenderem e ultrapassarem, como poderão algo de sumamente belo? Cabe a vocês, pois, compreenderem o que são; e surge aqui uma grande dificuldade: porque o que sois é um movimento constante, uma contínua mutação; não são permanente ávido, ou permanentemente violento, ou permanentemente "sexual": há mutação, movimento constante — viver. Compete a vocês compreender essa coisa viva e, para compreende-la, precisam observá-la, em cada minuto, como coisa nova. Percebem a dificuldade? Para compreender o que sou — uma entidade viva, e não uma coisa morta — tenho de me observar, e o que observo num minuto, tenho de largá-lo, para tornar a observá-lo no próximo instante. Estou, assim, observando em cada minuto, como coisa nova, uma entidade viva; não levo para o próximo minuto o que aprendi, a fim de, com este conhecimento, observar aquela coisa sempre nova. Se assim fizerem, verão que essa é uma das coisas mais fascinantes, porque, então, a mente retém muito pouco, conservando apenas o conhecimento técnico essencial, e nada mais. Desta maneira, ela esta apta a observar o movimento do "eu" — essa entidade tão complexa — não só no nível superficial, mas também profundamente.

(...) No nível superficial, e estando atento, vocês podem se observar, em cada minuto, de maneira nova. Mas, como irão observar os segredos de suas mentes, os ocultos "motivos", a complexa herança de vocês? Tudo isso existe, de forma oculta. Como vocês observarão? Observar não é analisar, mas, sim, estar vigilante durante o dia, percebendo todo o movimento, as mensagens indiretas e sugestões dos desejos secretos. Observem com o espírito aberto, para descobrirem os "motivos", as intenções, a tradição, o fundo hereditário.

Assim, observando todas essas coisas durante o dia, ao chegar a noite, irão dormir com a mente completamente quieta. Não terão, então, sonhos, porque os sonhos são a continuação, em forma simbólica, dos conflitos do dia; pois, compreendendo o movimento diário da vida de vocês, suas ambições, suas invejas, irritações, etc., estarão esvaziando a mente de todo o passado. Dessa forma, devem aprender sobre vocês mesmo, constantemente. Aprender é presente ativo. Há, então, disciplina. Vivemos a reprimir, a controlar, a ajustar, a imitar, e a isso chamamos "disciplina"; mas essa é a disciplina do soldado... Nessa espécie de disciplina que vocês tem, praticada pelo guru  de vocês e por todos os outros, não há liberdade nenhuma. Há decomposição, deterioração, ao passo que, no aprender sobre nós mesmos a todas as horas, e não "após ter aprendido", cria-se a ordem própria desse aprender.  Se estou aprendendo acerca do processo do viver, esse mesmo aprender traz sua ordem própria e, portanto, sua peculiar virtude. A virtude que se cultiva não é virtude. Há, pois, necessidade de conhecer a si mesmos, necessidade dessa ordem que é disciplina, e não deve haver nenhuma ação da vontade.

(...) Na ação da vontade há escolha — não quero fazer isto, quero fazer aquilo. Estão compreendendo?  Compreendam isso, por favor, porque, se não aprenderem tudo isso sobre vocês mesmos, terão uma vida de aflição. Dessa aflição poderão fugir, lutando. E só estas duas cosias vocês conhecem: resistir, fugir. Resistência significa luta. E, quanto à fuga, há toda uma cadeia de fugas: os templos, os gurus, as drogas, o beber, o sexo... E em tudo isso está implicada a vontade. Pode a pessoa viver, cada dia, sem o movimento e a ação da vontade, quer dizer, viver uma vida em que não haja escolha de espécie alguma?

Havendo escolha, há contradição. Só há escolha quando estão confusos, não? Quando não sei o que fazer, estou confuso; dessa confusão vem a escolha e, da escolha, a ação da vontade. Por que vocês estão confusos? A maioria das pessoas está; por que? Isso acontece porque não aceitam o que realmente é. Vocês querem mudá-lo noutra coisa. E, no momento em que o fazem, há conflito e, por causa desse conflito, confusão. A ação da vontade, pois, é produto da confusão.

A meditação é um movimento em que não existe nenhuma ação da vontade... Vocês necessitam de uma mente são, lógica, racional, e não de uma mente entorpecida. Se vocês têm luz, não precisam de mais nada, não há necessidade de se criarem esses centros chamados chakras  e kundalinis, que nunca alcançará aquele estado em que não existe o tempo, aquele estado de beleza, verdade, e amor.
Por conseguinte, rejeitem as velas os gurus e os livros que lhes oferecem. Não repitam nunca uma palavra que não tenha sido compreendida por vocês mesmos, que vocês mesmos não tenham provado e achado verdadeira.

Krishnamurti — Bombaim, 17 de fevereiro de 1971 

sexta-feira, 15 de março de 2013

Liberte-se do incessante conflito dos desejos contraditórios

Decerto, sem virtude, a mente é caótica, contraditória; e se não temos a mente tranquila, em boa ordem e livre de conflitos, é óbvio que não podemos ir muito longe. Mas a virtude não é um fim em si. O cultivo da virtude leva-nos numa direção, e o ser virtuoso, noutra direção. Em geral, temos muitos interesses no cultivo da virtude, porque, ainda que superficialmente, apenas, a virtude confere à mente certo equilíbrio, certa tranquilidade, livre do incessante conflito dos desejos contraditórios. (...) o mero cultivo da virtude não pode, em tempo algum, trazer a liberdade, e, sim, só levar-nos a uma tranquilidade respeitável — o espírito de ordem, de controle, que resulta quando moldamos a mente para acomodá-la a determinado padrão social, denominado "virtude".

Nosso problema, pois, é o de nos tornarmos bons, sem fazermos esforço para ser bons. Vejo uma vasta diferença entre as duas coisas. O "ser bom" é um estado em que não existe esforço algum; mas nós não nos achamos em tal estado. Somos invejosos, ambiciosos, maledicentes, cruéis, limitados, vulgares, prisioneiros de rotinas estúpidas, e nada disso é bom; e, se somos assim, como poderemos alcançar um estado mental "bom", sem fazermos nenhum esforço para sermos bons? Ora, por certo, o homem que se esforça para ser virtuoso, não é virtuoso, é? Quem se esforça para ser humilde não tem, evidentemente, a mínima compreensão do que é humildade. E, se não somos humildes, há possibilidade de termos o senso de humildade, sem o cultivo da humildade?

(...) É bem evidente a necessidade de virtude. Ela é como observar a sala bem arrumada; mas, ter a sala bem arrumada não é, em si, de máxima importância. O fazer da virtude um fim em si traz ao indivíduo certos benefícios sociais, faz com que seja considerado — aqui, na Índia, ou na Rússia — um "cidadão decente", porque vive de acordo com um certo padrão. Mas, não é muito importante reconhecermos que a mente deve estar em boa ordem, sem se exercer compulsão ou disciplina — e em seguida nos esquecermos disso, para que a mente não esteja a todas as horas a dominar-se e disciplinar-se, cultivando o conformismo?

(...) Que é que busca, cada um de nós, não teoricamente, abstratamente, mas na realidade? E há alguma diferença entre a busca do homem que aspira à satisfação por meio do saber, de Deus, e a daquele que deseja ser rico, realizar suas ambições, ou daquele que deseja buscar satisfação na bebida?Socialmente, há diferença? O homem que vai buscar satisfação na bebida é, sem dúvida, um ser anti-social, ao passo que o que busca a satisfação ingressando numa ordem religiosa, tornando-se eremita, etc., é socialmente útil; mas a diferença é só esta.

Mas, a coisa que buscamos — por mais interessada que seja a nossa busca, traz-nos a tranquilidade? E nós, de fato, estamos muito interessados, pois não? O eremita, o monge, o homem que busca o prazer, de diferentes maneiras, cada um deles está muito interessado. Mas esse interesse é realmente sério? Existe sério interesse, quando empreendemos uma busca com o fim de adquirir alguma coisa? Entendeis minha pergunta? Ou só pode haver um interesse sério quando não se está visando a um fim?  
(...) Se aqui estais a buscar satisfação ou um meio de compreender uma certa experiência passada, ou de cultivar um certo estado mental que pensais vos dará tranquilidade, paz, ou de experimentar algo que chamais "Realidade", "Deus", podeis estar com muito interesse; mas, não devemos duvidar desse interesse? É sério o nosso interesse ao buscarmos uma coisa porque achamos que ela nos dará prazer ou tranquilidade?

Se pudermos compreender o processo da busca, compreender porque buscamos e o que buscamos — e essa compreensão só é possível pelo autoconhecimento, pela percepção do movimento do nosso próprio pensar, nossas reações e nossos diferentes impulsos — talvez possamos, então, descobrir o que é "ser virtuoso" sem nos disciplinarmos para sermos virtuosos. Pois bem, tenho a impressão que, ainda que consigamos reprimir o conflito existente em nós, ainda que procuremos fugir dele, disciplinar e controlar a mente, moldá-la de acordo com diferentes padrões, o conflito permanecerá latente, e nossa mente nunca estará verdadeiramente tranquila. E ter uma mente tranquila, acho eu, é coisa essencial, porque nossa mente é o único instrumento de compreensão, de percepção, de comunicação, e enquanto não tivermos esse instrumento perfeitamente claro e capaz de percepção, capaz de se aplicar à busca sem ter um fim em vista, não poderá haver liberdade, tranquilidade, nem, por conseguinte, o descobrimento de coisas novas.

Assim, há possibilidade de vivermos neste mundo, — tão cheio de agitações, de ansiedades, de insegurança — sem esforço? Isso é um dos nossos problemas, não achais? Para mim, esta é uma questão muito importante, porque só é possível a ação criadora, quando a mente se acha num estado em que não existe esforço algum. Não estou empregando a palavra "criadora" no sentido acadêmico de aprender "literatura criadora", "atividade criadora", "pensamento criador", etc.; estou-a empregando num sentido muito diferente. Quando a mente se acha num estado em que o passado, com seu cultivo de virtude através da disciplina, desapareceu completamente, só então pode existir uma ação criadora atemporal, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Como pode, pois, a mente chegar a esse estado de constante ação criadora?

Que acontece quando tendes um problema? Pensais nele, de princípio a fim. Ficais engolfado nele, vos tornais nervoso e agitado, por causa dele; e quanto mais o analisais, aprofundais, aparais, quanto mais preocupados ficais a seu respeito, tanto menos o compreendeis. Mas, no momento em que deixais de dar-lhe atenção, nesse momento o compreendeis, tudo se torna, de súbito, perfeitamente claro. Tal experiência já deve ter ocorrido à maioria de vós. A mente já não se acha num estado de confusão, conflito, estando por conseguinte, capacitada para receber ou perceber uma coisa totalmente nova. É possível a mente permanecer nesse estado, de modo que não fique mais repetindo as mesmas coisas e se torne capaz de experimentar "o novo", momento por momento? Depende isso, a meu ver, de compreendermos o problema do cultivo da virtude.

Cultivamos a virtude, disciplinando-nos, com o fim de ajustar-nos a determinado padrão de moralidade. Por que? Não só porque desejamos tornar-nos socialmente respeitáveis, mas também porque percebemos a necessidade de colocar em ordem, controlar a nossa mente, o nosso falar, o nosso pensar. Reconhecemos o quanto isso é importante, mas, no processo de cultivar a virtude, estamos construindo a estrutura da memória, essa memória, que é o "eu", o "ego". Tal é a base da nossa ação, principalmente dos que pensam ser religiosos, porque praticam constantemente uma certa disciplina, pertencem a certas seitas, certos grupos, chamados coletivamente religiosas. Sua recompensa poderá estar noutra parte, "no outro mundo", mas é sempre recompensa o que querem; no cultivo da virtude, que significa polir, disciplinar, controlar a mente, estão eles desenvolvendo e mantendo uma memória do "eu" e, por conseguinte, nunca há um momento em que estão livres do passado.

Se realmente já disciplinastes a vós mesmos, exercitando-vos para não serdes invejosos, irritadiços, etc., não sei se tendes notado como esse próprio experimentar, esse próprio disciplinar da mente cria uma série de lembranças, que são conhecimentos. Esse processo que consiste em dizermos: "Não devo fazer isto" — cria ou constrói o tempo; e a mente que está aprisionada no tempo, não pode, é claro, nunca, experimentar algo fora do tempo, "o desconhecido". Entretanto, devemos ter nossa mente "bem arrumada", livre de desejos contraditóriose isso não significa ajustamento, aceitação, obediência.

(...) Vossa mente é o resultado do "conhecido". Vossa mente é o conhecido, sendo moldada pelas memórias, pelas reações, pelas impressões do "conhecido"; e a mente mantida no terreno do conhecido jamais compreenderá ou experimentará o desconhecido, aquilo que não se acha na esfera do tempo. A mente só é criadora quando está livre do conhecido; e, então, ela pode servir-se do conhecido, isto é, da técnica.

Como sabeis, nosso tédio é tão grande que estamos constantemente a ler, a adquirir, a aprender, a frequentar igrejas e executar rituais, sem nunca conhecermos um momento inédito, original, não corrompido, completamente livre de todas as impressões; e esse momento é que é criador, atemporal, eterno, ou qualquer outra palavra que preferirdes. Sem essa ação criadora, a nossa vida se torna insossa e estúpida, e todas as nossas virtudes, nosso saber, nossas ocupações, nossos entretenimentos, nossas várias crenças e tradições, tudo muito pouco significa. A sociedade apenas cultiva "o conhecido", e nós somos o resultado dessa sociedade. Para encontrarmos o desconhecido, é essencial nos libertarmos da sociedade — o que não significa retirar-nos para um mosteiro e ficarmos rezando da manhã à noite, disciplinando-nos incansavelmente, ajustando-nos a certo dogma ou crença. Isto, por certo, não pode emancipar a mente do conhecido.

A mente é resultado do conhecido, resultado do passado, que é acumulação no tempo; e tem essa mente alguma possibilidade de ficar livre do conhecido, sem fazer esforço algum, para que possa descobrir algo original? Qualquer esforço que ela faça    para libertar-se, qualquer busca que empreenda, estará sempre na esfera do conhecido. Ora, por certo, Deus ou a Verdade deve ser algo que nunca foi pensado, algo inteiramente novo, nunca formulado, descoberto ou experimentado antes. E como pode a mente resultante do conhecido, experimentar, em algum tempo, essa coisa?

(...) Aí está a razão por que importa descobrir se uma pessoa pode ser boa, no sentido completo desta palavra, sem se esforçar para ser boa, sem lutar para libertar-se da inveja, da ambição, da crueldade, sem se disciplinar para deixar de ser maledicente, enfim, abstendo-se de todos os rigores a que nos submetemos quando desejamos ser bons. Pode haver bondade, sem fazer esforço para "ser bom"? Acho que só haverá, se cada um souber escutar, estar atento. Só há bondade quando há atenção completa. Percebei a verdade de que não pode haver bondade mediante luta, esforço. Percebei simplesmente esta verdade — mas só podereis percebê-la se estais dando atenção completa ao que se está dizendo. Esquecei todos os livros que lestes, tudo o que vos tem sido ensinado, e prestai atenção à asserção de que não pode haver virtude, enquanto há esforço para se ser virtuoso. Enquanto luto para não ser violento, tem de haver violência; enquanto luto para não ser invejoso, tem de haver inveja; enquanto luto para ser humilde, tem de haver orgulho. Se percebo esta verdade, não intelectualmente, ou verbalmente... se percebo com toda a simplicidade, diretamente, então, daí virá a bondade... Só quando completamente livre de esforço, pode a mente achar-se em paz, que é, na verdade, um estado extraordinário, mas que pode ser alcançado por qualquer um que a isso se aplique de coração e com toda atenção. A mente que não está lutando, tentando "vir a ser" alguma coisa, social ou espiritualmente, a mente que está reduzida a "nada" — só ela pode receber "o novo".

Krishnamurti - Realização sem esforço - ICK

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Diálogo sobre o despertar da Kundalini

Krishnamurti: Antes de mais nada, se você realmente quer falar, quer ter um diálogo sobre a Kundalini, você seria capaz de esquecer tudo o que já ouviu a respeito dela? Seria? Estamos abordando um assunto muito sério. Você está disposta a esquecer tudo o que já ouviu sobre ela, o que os seus gurus contaram a você sobre ela, ou das tentativas para despertá-la? Você pode começar do nada?

Então, você tem de indagar, sem conhecer realmente coisa alguma sobre a Kundalini. Você sabe o que está acontecendo atualmente nos Estados Unidos, na Europa? Os centros de Kundalini são abertos por pessoas que dizem ter tido a experiência do despertar da Kundalini. Os cientistas estão interessados nela, hoje em dia. Eles acham que, ao fazer certos tipos de exercícios, certos tipos de respiração, despertarão a Kundalini. Todo o interesse pela Kundalini se transformou numa máquina de fazer dinheiro, e esse conhecimento está sendo dado a pessoas que são terrivelmente perniciosas.

Questionador: Queremos apenas saber se há uma energia que pode eliminar o condicionamento.

Krishnamurti: Enquanto a atividade egocêntrica existir, você não poderá entendê-la. É por isso que me oponho a qualquer discussão sobre a Kundalini ou sobre o que quer que seja essa energia, porque não fizemos o trabalho preliminar. Não levamos uma vida correta e queremos acrescentar-lhe algo novo e, assim, levar avante o nosso mal.

Vijay Anand: Mesmo depois de despertar a Kundakini, a atividade egocêntrica continua.

Krishnamurti: Eu não sei se a Kundalini foi despertada. Não sei o que você quer dizer com isso.

Vijay Anand: Nós realmente queremos entender isso, porque às vezes trata-se de uma realidade.

Pupul: O senhor conhece uma energia quando a atividade egocêntrica termina? Nós supomos que esteja aí a fonte dessa energia infinita. Pode não ser.

Krishnamurti: Você está dizendo que o fim desse movimento do centro para a circunferência e da circunferência para o centro, o fim disso…

Pupul: O fim momentâneo disso…

K: Não, o fim disso, o fim definitivo disso — é a liberação dessa energia ilimitada?

Pupul: Eu não estou dizendo isso.

Krishnamurti: Eu é que estou dizendo.

Pupul: O que é uma coisa muito diferente do meu modo de dizer.

Krishnamurti: Podemos colocar a energia da Kundalini no seu devido lugar? Um certo número de pessoas teve a experiência do que elas chamam de despertar da Kundalini, o que eu duvido. Não sei se se trata de uma realidade de fato ou de algum tipo de atividade psicológica que é, então, atribuída à Kundalini. Você vive uma vida imoral, no sentido de ser uma vida de futilidade, de sexo, etc. e, então, diz que a Kundalini está desperta. Mas a sua vida diária, que é uma vida egoísta, continua.

Pupul: Senhor, se vamos examiná-la, vejamos como ela se manifesta em alguém. O despertar da Kundalini está ligado a certos pontos psíquicos localizados em determinadas partes do corpo humano. Isso é o que se diz. A primeira pergunta que eu gostaria de fazer é: é isso mesmo? A liberação dessa energia, que não tem fim, tem algo a ver com os centros psíquicos nas partes físicas do corpo?

Achyut: Antes de entrarmos nesses detalhes, senhor, não é importante indagar se a pessoa que adquire essa energia é incapaz de fazer o mal?

K: Não, senhor. Cuidado! Como podemos dizer que alguém é incapaz de fazer o mal? Dizem que muitos gurus na Índia fizeram um mal tremendo desencaminhando as pessoas.
A: É o que eu digo, senhor. Eu sinto que, enquanto o coração da pessoa não estiver purificado do ódio e enquanto essa sede de fazer o mal não for completamente transformada, enquanto isso não acontecer, essa energia não serve para nada, a não ser para fazer mais mal.

K: Achyutji, Pupulji está perguntando sobre a aceitação habitual do poder dessa energia, que passa por vários centros, sobre a libertação da energia, e assim por diante.

A: Eu digo, senhor, que antes de fazer essa pergunta, há na tradição indiana uma palavra que eu acho muito importante. Essa palavra é adhikar. Adhikar significa que a pessoa deve se purificar o suficiente antes que possa fazer essa pergunta a si mesma. É uma questão de purificação.

K: Você está dizendo que, a menos que haja uma parada desse movimento que vai do centro para a circunferência e da circunferência para o centro, essa pergunta de Pupulji não é válida?

A: Eu acho que sim. Usarei outra palavra, a palavra budista sheela. É, na verdade, a mesma cosia. A palavra adhikar usada pelos hindus e a palavra sheela usada pelos budistas significam de fato a mesma coisa.

P: Suyponho que quando alguém faz a pergunta, o faz com um profundo conhecimento de si próprio. Não é possível alguém investigar o eu, que também libera energia, se a sua vida não passou por um grau de equilíbrio interior; se não passou, o que K diz não tem nenhum significado. Quando alguém ouve Krishnaji, recebe a resposta na mesma profundidade com que se expôs e, portanto, penso que está certo fazer a pergunta. Por que essa pergunta é muito mais perigosa do que qualquer outra pergunta? Por que é mais perigosa do que indagar o que é o pensamento, o que é a meditação, o que é isso ou aquilo? Para a mente que compreende, ela compreenderá isso e aquilo. Para a mente que não compreende, ela não compreenderá nem isso nem aquilo. Para a mente que quer fazer uso do mal, ela se ocupará do mal de todas as coisas.

K: A menos que a sua vida, a sua vida diária, seja uma forma de vida completamente não-egocêntrica, o outro não poderá ser aceito.

Vijay Anand: Há o surgimento de energia — há contentamento primeiro e, depois, medo.

Sunanda: Gostaríamos de saber por que essa energia gera medo.

VA: O medo vem mais tarde. Experimenta-se a morte e tudo se esvai. Você está vivo de novo e surpreso por estar vivo de novo. Você redescobre o mundo e os seus pensamentos, as suas posses e seus desejos, e o mundo inteiro, vagarosamente, retornam.

K: Você chamaria isso de despertar da Kundalini?

VA: Não sei, senhor.

K: Mas, por que você rotula isso de o “despertar da Kundalini”?

VA: Durante alguns dias depois disso, durante um mês, toda a vida muda. O sexo e os desejos se desvanecem.

K: Entendo. Mas, você retorna a essa questão.

VA: Retorna-se à questão porque não se entende.

K: Isso é o que estou dizendo, senhor. Quando há um retorno a algo, duvido que você tenha tido essa energia.

P: Por que essa pergunta causa tanta agitação? A maioria das pessoas passa por uma série de experiências psíquicas no processo de autoconhecimento. Alguém também entende, pelo menos alguém entendeu porque ouviu Krishnaji dizer que todas as experiências psíquicas, quando surgem, têm de ser postas de lado.

K: Isso está entendido? A experiência psíquica deve ser totalmente posta de lado.

A: Nós a deixamos de lado; não damos mais importância a ela.

VA: Algumas passagens novas se abrem no corpo, e a energia continua a subir por essas passagens sempre que se faz necessário.

K: Por que o senhor diz que ela é algo extraordinário? Por que nós atribuímos algo extraordinário a isso? Estou apenas sugerindo, pode ser que vocês tenham se tornado muito sensíveis. Isso é tudo. Sensíveis demais.

VA: Tenho mais energia.

K: A sensibilidade tem mais energia. Mas por que vocês a chama de extraordinária, de Kundalini, disto, daquilo ou sei lá do quê?

P: O problema é saber até que ponto sua vida está totalmente mudada. Eu quero dizer que o único sentido do despertar é descobrir se há uma forma totalmente nova de olhar, uma forma nova de viver, uma forma nova de se relacionar.

Questionador: Senhor, eu quero fazer uma pergunta. Aceitando como verdadeiro, que alguém esteja levando uma vida holística, nesse caso há alguma semelhança com a Kundalini?

K: O senhor está levando uma vida holística?

Q: Não.

K: Então não faça essa pergunta.

P: Estou perguntando de um ponto de vista totalmente diferente. Como se sabe, a Kundalini é o despertar de certas energias psíquicas que existem em certos pontos físicos do corpo humano, e que é possível despertar as energias psíquicas mediante várias práticas que, então, à medida que passam por esses vários estados e centros psíquico-físicos, transformam a consciência; quando, finalmente, elas abrem caminho, rompem com qualquer atividade egoísta. Esse deve ser o significado básico de tudo isso.

Apa Pant: A mescalina pode fazer isso; você pode fazer isso.

P: Eu estou simplesmente perguntado a Krishnaji se há uma energia que, ao despertar por si só, não ao ser despertada, se essa energia, ao despertar completamente, elimina o centro.

K: Eu diria isso de outro modo: a menos que o movimento egocêntrico pare, o outro movimento não pode existir.

A: Eu digo que toda tradição de Hatha Yoga criou a crença de que, ao manipular esses centros, você pode fazer coisas para você mesmo. A ideia toda está baseada numa crença errada.

P: Apague tudo.

A: Acho bom.

P: Como não parece ser possível continuar com essa discussão, posso fazer outra pergunta? Qual é a natureza do solo que precisa ser preparado para poder receber aquilo que é ilimitado?

K: Você está cultivando o solo do cérebro, da mente, para esse “plantio”?

P: Eu entendo essa pergunta. Mas eu não posso responder nem sim nem não a ela.

K: Então, por que chama-la de energia e trazer à baila a palavra “solo”? Prepare-o, trabalhe-o. Vivemos uma vida de contradição, de conflito, de miséria. Eu quero descobrir se isso pode acabar com a tristeza, com toda a sua tristeza humana, e indagar acerca da natureza da compaixão.

S: Há alguma outra forma de vida em que a compaixão também faça parte do cultivo do eu? Por que o senhor está fazendo essa pergunta, por que quer cultivar o solo?

K: Eu afirmo que, enquanto vocês tiverem motivo para cultivar esse solo a fim de receber essa energia, vocês nunca a receberão.

S: Qual é o motivo, senhor? É toda a prisão. Ver toda a prisão e perguntar se existe alguma outra saída dela: isso é um motivo? Se assim for, ficamos presos num círculo, numa armadilha.

K: Não, você não ouviu. Vivo uma vida de aflição, de miséria, de confusão. Esse é o meu sentimento básico e isso pode terminar? Não há nenhuma razão?

S: Aqui não há nenhuma razão. Mas o senhor também está fazendo uma pergunta adicional.

K: Não. Não tenho mais perguntas, só essa primeira. Todo esse processo pode terminar? Só então poderei responder às outras perguntas, que têm um significado bastante amplo.

P: Qual a natureza do solo da mente humana que tem de ser cultivado para receber o outro? O senhor me diz que essa também é uma pergunta errada. O senhor diz que estou em conflito, que estou sofrendo e que vejo que uma vida de conflito e de sofrimento não tem fim.

K: Isso é tudo. Se ela não tem fim, então a outra indagação, a outra investigação e o desejo de despertá-la, a fim de eliminar esta, constituem um processo errado.

P: Obviamente.

K: É como contratar uma companhia de limpeza para vir limpar a sua casa. Digo que no ato de limpar a casa, muitas coisas importantes vão acontecer. Você terá uma espécie de clarividência, aquilo que chamamos de siddhis, e tudo o mais. Tudo isso irá acontecer. Mas se você ficar enredado nisso, não poderá seguir adiante. Se não ficar enredado nisso, os céus se abrirão para você. Você está perguntando, Pupul, se existe um solo a ser preparado, não a fim de receber isso, mas sim se o solo tem de ser preparado? Prepare-o, trabalhe nele, limpe toda a casa para que não haja vestígio de fuga. Só então poderemos perguntar qual é o estado sobre o qual estamos falando. Se vocês estão fazendo isso, preparando-se, trabalhando para acabar com a tristeza, não se deixando levar, se vocês estão trabalhando nisso e vêm dizer que há algo conhecido como a energia da Kundalini, então eu me disponho a ouvir.

A: Senhor, a razão pela qual me opus é que no texto Pradipika da Hatha Yoga, afirmamos que essa indagação sobre a Kundalini é feita para fortalecer você na sua busca.

K: Pelo amor de Deus, Achyutji, você está trabalhando na limpeza da casa?

A: Certamete.

K: Agora, qual é a pergunta? Há uma energia que não é mecânica, que é infinita, que está se renovando? Eu afirmo que há. Com toda a certeza. Mas não é o que vocês chamam de Kundalini. O corpo deve ser sensível. Se você está trabalhando, limpando a casa, o corpo fica muito sensível. O corpo, então, tem sua própria inteligência que a mente lhe dita. Portanto, o corpo fica extremamente sensível, não sensível aos seus desejos nem sensível às suas vontades, mas se torna sensível por si próprio. Certo? Então, o que acontece? Se vocês querem realmente que eu fale sobre isso, falarei. Duvido das pessoas que falam do despertar da Kundalini. Elas não trabalharam com os outros, mas dizem ter despertado a Kundalini. Portanto, duvido da sua habilidade, da sua verdade. Não me oponho, mas estou duvidando. De um homem que come carne, que quer publicidade, que quer isto ou aquilo, e diz que a Kundalini foi despertada, digo que ele está sendo contraditório. Deve haver uma limpeza dessa casa o tempo todo. Então Pupul diz: “Podemos falar sobre uma energia que sinto que deve existir?”, não teoricamente, mas da qual ela disse que teve um vislumbre, uma energia que é infinita; e K vem e diz “sim”, isso existe. Há uma energia que está se renovando o tempo todo, que não é mecânica, que não tem uma causa, que não tem início e, portanto, não tem fim. É um movimento eterno. Eu afirmo que ela existe. Que valor ela tem para o ouvinte? Eu digo “sim” e vocês me ouvem. Eu pergunto a mim mesmo que valor tem isso para vocês? Vocês irão no encalço dessa energia e deixarão de limpar a casa?

P: Isso significa, senhor, que, para a pessoa que indaga, o cultivo do solo é o fim do sofrimento; isso é que é essencial.

K: Esse é o único trabalho. Nada mais. É a coisa sagrada, portanto você não pode simplesmente convoca-la. E todos vocês a estão convocando.
A limpeza da casa exige uma disciplina muito grande; não a disciplina do controle, da repressão e da obediência, vocês estão entendo? Em si mesma, ela requer uma atenção muito grande. Quando você dispensa toda a atenção, então vê acontecer um tipo de coisa totalmente diferente, uma energia que nunca se repete, uma energia que não está indo vindo. Não é como tê-la um dia e, um mês depois, não tê-la mais. Ela implica manter a mente completamente vazia. Vocês são capazes de fazer isso?
VA: Por um tempo.

K: Não, não. Eu perguntei: a mente pode manter-se vazia? Então, essa energia existe. Você nem sequer precisa pedir por ela. Quando há espaço, a mente está vazia e, portanto, cheia de energia. Assim, ao limpar, ao terminar de fazer o que deve ser feito com as coisas da casa, com a tristeza, a mente pode estar completamente vazia, sem motivação, sem desejo? Quando você está trabalhando nisso, mantendo a casa limpa, outras coisas vêm naturalmente. Não é você quem está preparando o solo para isso. Isso é meditação.

P: E a natureza disso é a transformação da mente humana.

K: Reparem no que Apa Saheb estava dizendo; estamos programados por séculos de condicionamento. Quando ela cessa, há um fim. Se você puxa o plugue do computador, ele não pode funcionar mais. Agora a pergunta é: pode esse centro, que é egoísmo, acabar? Pode deixar de funcionar? Esse centro pode acabar? Quando ele acaba, não há movimento no tempo. Isso é tudo. Quando o movimento da mente do centro para a periferia para, o tempo para. Quando não há nenhuma atividade por parte do egoísmo, há um tipo totalmente diferente de atividade.

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill