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quarta-feira, 27 de março de 2013

Discernir o processo do "eu" é o começo do preenchimento

Preencher-se é ser inteligente; e para despertar a inteligência é necessário o reto esforço. E o vigor, para este fim, não pode ser artificial; e a vida não deve ser dividida em trabalho e realização interna. O trabalho e a vida interna devem estar juntos. A própria alegria do esforço reto abre as portas da inteligência.

O discernir do processo do "eu" é o começo do preenchimento.

(...)

Se vocês, como indivíduos, começarem a despertar para as limitações que lhes são impostas pela sociedade, pelas religiões, pelas condições econômicas, e começarem a investigar e, assim, a criar conflito, então dissiparão essa pequena consciência que chamo o "eu"; então, saberão o que é este preenchimento, este viver criador no presente.

(...)

Ao tentarem descobrir o mérito das fugas que, por vocês mesmos criaram, manifesta-se a verdadeira inteligência, e essa inteligência é felicidade criadora, é preenchimento.

(...)

O mundo é uma extensão de vocês, enquanto forem irrefletidos, presos à ignorância, ao ódio, à ambição; mas, quando ficarem sinceramente atentos, apercebidos, não haverá somente uma dissociação dessas causas que criam tristeza e sofrimento, mas também haverá essa compreensão, que é o preenchimento, o todo.

(...)

Ambição não é preenchimento. A ambição é inflação do eu. Na ambição há a ideia de proveito pessoal, sempre em oposição ao lucro de outrem; há nela o culto do êxito, a competição cruel e a exploração de outrem. No despertar da ambição há descontentamento constante, destruição e vacuidade; pois, no próprio momento do êxito, há um falecimento e, portanto, um renovado impulso para outras consecuções. Quando discernirdes profundamente que a ambição tem dentro de si  esta constante luta e angústia, então compreenderão o que é o preenchimento. O preenchimento é a expressão fundamental daquilo que é verdadeiro. Com frequência, porém, toma-se equivocadamente uma reação superficial pelo preenchimento. O preenchimento não é apenas para uns poucos, mas exige profunda inteligência. Na ambição há o objetivo e o incitamento no sentido da sua consecução; porém, o preenchimento requer um ajuste contínuo e a reeducação de todo de todo o nosso ser social. Onde há ambição, há também a busca de recompensa por parte dos governos, das igrejas ou da sociedade, ou então há o desejo das recompensas das virtudes com suas consolações. No preenchimento desaparece integralmente a ideia de recompensa e de punição, pois todo o medo cessa por completo.

Façam experiências relativas ao que estou dizendo, e discirnam por si mesmos. A vida atual de vocês está repleta de ambição, não de preenchimento. Vocês se esforçam para se tornarem alguma coisa, em lugar de se perderem nas limitações que impedem o verdadeiro preenchimento.

(...)

O preenchimento é a fruição do profundo entendimento da nossa própria existência e de nossas ações.

(...)

O preenchimento é perfeição. Você não podem se preencher no futuro. O preenchimento não depende do tempo. O preenchimento está no presente.

Krishnamurti — O medo – 1946 — Coletânea ICK

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Relatos da manifestação da Inteligência Criativa Amorosa

17 de julho

Após escalarmos a íngreme ladeira arborizada de uma montanha, fomos sentar em um banco. Inesperadamente, aquela sagrada benção nos atingiu; embora nada disséssemos, o companheiro também a sentiu. Assim como muitas vezes inundou o quarto, agora, parecia cobrir toda a encosta e o vale que se estendia para além das montanhas. Ela estava em toda parte. Era como se o espaço não existisse; o que se encontrava distante, o vasto desfiladeiro, os picos cobertos de neve e a pessoa sentada no banco logo desapareceram. Não havia um, dois, ou muitos, mas apenas aquela imensidão. O cérebro já não reagia, era apenas um instrumento de observação; via não como um cérebro pertencente a determinada pessoa, mas como um cérebro não condicionado pelos limites do tempo e do espaço, como a essência de todos os cérebros.

A noite estava calma e o processo havia diminuído de intensidade. Ao despertarmos pela manhã, aquela experiência teria durado talvez um minuto, um hora, ou uma eternidade. Experiência transmitida não é uma verdadeira experiência; aquilo que tem continuidade deixa de ser experiência. Ao acordarmos, a imensa chama da atenção, da plena consciência e da criação, ardia furiosamente bem no íntimo, na imensurável profundeza da mente total. A palavra não é a coisa; o símbolo não é o real. O fogo que arde na superfície da vida passa, apaga-se, deixando atrás de sai tristeza, cinzas e lembranças. A tal fogo dá-se o nome de vida, mas não é vida. Isto é decadência. O destruidor fogo da criação é que constitui a vida. Nele não há começo nem fim, não há o ontem nem o amanhã. É uma realidade, e nenhuma atividade superficial jamais o descobrirá. O cérebro deve morrer para que surja esta vida.

19 de julho

Ontem à tarde, o processo tornou-se mais doloroso. Ao anoitecer, a sagrada benção surgiu inundando o quarto. A noite foi calma, embora a pressão e a tensão estivessem presentes, como o sol encoberto pelas nuvens; de manhã bem cedo, o processo recomeçou.

Parece que acordamos apenas para registrar dada experiência; isto tem acontecido frequentemente, desde o ano passado. Despertamos esta manhã com um vivo sentimento de alegria; ele surgiu-nos ao acordarmos; não era uma coisa do passado, mas que estava acontecendo. Ela tinha existência própria, não era provocada pela própria pessoa; aquela avassaladora energia penetrava e fluía por todo o organismo. O cérebro não tomava parte naquilo, mas, apenas registrava, não como lembrança, porém, como um fato real que estivesse ocorrendo. Por trás deste êxtase parecia haver imensa força e vitalidade; não se tratava de um sentimento, nem de uma sensação ou emoção, pois era tão sólido e real como aquela torrente que jorrava da montanha, ou o pinheiro solitário, na encosta verdejante. Toda sensação e emoção provêm do cérebro, mas não o amor, e daí a presença daquele êxtase. É com a maior dificuldade que o cérebro pode evocá-lo.

De manhã cedo sentimos uma benção que parecia cobrir a terra e encher o quarto. Com ela, uma consumidora tranquilidade, um total e envolvente silêncio.

28 de julho

Caminhávamos, ontem, por nossa estrada preferida, paralela ao ruidoso regato, no estreito vale de pinheiros escuros, campos floridos, e, ao longe, a imponente montanha, coberta de neve, e uma queda d’água. Tudo era enlevo, paz, frescor. Ali, enquanto andávamos, surgiu aquela benção sagrada, algo que quase podíamos tocar, e, interiormente, passávamos por transformações. O encanto e a beleza daquela noite singular não pertencia a este mundo. O imensurável sobreveio, propiciando um clima de paz.

Esta manhã, ao despertarmos, constatamos que o processo se intensificava; vinha por detrás da cabeça, avançando como uma flecha, com aquele som peculiar quando investe cortando o ar; era uma força, um movimento sem direção. Uma atmosfera de imensa firmeza e inacessível “dignidade” se fazia sentir. Junto com a austeridade que o pensamento não pode conceber, sentíamos uma pureza de infinita suavidade. Mas, isto são palavras, meras palavras, que jamais descreveram o real. O símbolo nunca é a realidade e em si mesmo nada exprime.

O processo perdurou toda a manhã, e uma taça, sem dimensões, parecia repleta, a ponto de transbordar.       

Krishnamurti – Diário de Krishnamurti – Cultrix

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Do intelecto analítico à razão intuitiva

Sentidos, intelecto, razão...

Esta trilogia marca o itinerário evolutivo do homem sobre a face da Terra. No princípio da grande jornada, o homem só atingia aquilo que os sentidos lhe ofereciam, como reflexo do mundo circunjacente. E neste plano o homem se parece com o animal.

Mais tarde, despertou o homem a faculdade analítica do intelecto — e com isso o homem entrou no primeiro estágio da sua característica hominalidade. Nasceu o homem-ego, o homem-persona, o homem-intelecto.

O grosso da presente humanidade se acha ainda neste primeiro estágio hominal, incluindo, naturalmente, o estágio animal dos sentidos.

Sentidos e intelecto formam o homem-ego, cuja inteligência atingiu, sobretudo nos últimos tempos, notável desenvolvimento. A inteligência humana se revela pela ciência, cujo campo é a investigação das relações de causa e efeito que vigoram entre os fenômenos que os sentidos nos apresentam. O intelecto conhece causas e efeitos — mas ignora a Causa Única dessas causas e desses efeitos múltiplos.

Entretanto, faz parte da natureza humana uma faculdade ultra-intelectiva, que os gregos chamavam "Lógos" (diferenciando-a do "nóos", ou intelecto) e que os romanos designavam pelo termo "ratio". Infelizmente, em nossos dias, raras vezes se faz a devida distinção entre "intelecto" e "razão". No uso geral, as palavras razão e racional e o termo "lógico" (derivado de "lógos", razão) se referem, quase sempre, à atividade do intelecto; dizemos que fulano é um intelectualista unilateral, meramente analítico, e dizemos que sicrano pensa logicamente, quando entendemos que ele se guia pelos ditames da inteligência.

Na Filosofia Univérsica, porém, que prima por uma terminologia de precisão matemática, fazemos questão de pensar e falar com a mais alta e rigorosa precisão;  não confundimos razão com intelecto.

O intelecto age analiticamente — a razão reage intuitivamente.

O intelecto é ego-pensante — a razão é cosmo-pensada. E pode mesmo chegar a ser cosmo-pensante, no caso que atinja o clímax do seu poder. No estágio racional aparece o homem-Eu, o homem-indivíduo (indiviso).

O homem-Eu, no estágio da razão, age pela sapiência ou sabedoria. Ultrapassou a simples ciência do homem-ego, que age analiticamente.

A humanidade do presente, raras vezes, age com sapiência; conhece apenas a ciência, que é do ego intelectual. Só de vez em quando aparece um ser humano que se guia pela sapiência do Eu intuitivo.
O modo de agir sapiencial é, para o homem intelectual, um absurdo, um paradoxo — e o é na verdade, porque "absurdo" em latim e "paradoxal" em grego querem dizer "para além do intelecto".No primeiro século, Paulo de Tarso escreveu aos cristãos de Corinto:

"O homem intelectual (psychikós) não compreende as coisas que não são do espírito (pnêuma, sinônimo de Lógos), que lhe parecem tolices; nem as pode compreender, porque as coisas do espírito devem ser compreendidas espiritualmente".
Que diríamos de um homem que quisesse ouvir diretamente, com os ouvidos, as ondas eletrônicas de uma estação emissora? Não as pode ouvir, porque os ouvidos só percebem ondas aéreas, que estão em outra dimensão de frequência vibratória. Os nossos ouvidos só podem ouvir vibrações eletrônicas depois de convertidas em vibrações aéreas pelo aparelho receptor e transformador do rádio.

O intelectual analítico não pode perceber a irradiação do racional intuitivo, a não ser que ele racionalize primeiro a sua inteligência.

(...) A inteligência ego-pensante é prelúdio necessário para a razão cosmo-pensada. De fato, não se trata de duas faculdades separadas, como à primeira vista parece; trata-se de uma única faculdade, a qual, quando imperfeitamente realizada, se chama intelecto ou inteligência e, quando em plena maturação, se chama Razão ou Lógos. Semente e a planta são essencialmente a mesma coisa, embora existencialmente diferentes.

Quando o homem atinge a plenitude de sua evolução hominal, verifica ele que é tanto ego-pensante como cosmo-pensado — verifica que é cosmo-pensante, homem cosmificado, universificado.

(...) Quando o homem atinge a plenitude da sua consciência ou conscientização, nada mais sabe ele de um aquém ou de um além, porque a dimensão espacial do Finito se dilui na indimensão do Infinito. O mesmo se dá com o conceito ilusório do tempo, que se dilui na verdade do eterno, que é a ausência do tempo. Quando o homem-ego ultrapassa a sucessividade analítica da sua mente e entra, como homem-Eu, na simultaneidade intuitiva da razão, então tudo isto se torna natural, evidente e compreensível.

(...) Por via de regra, o homem só conhece as suas periferias sensoriais ou, quando muito, a sua zona semiperiférica mental. Mas nem os sentidos nem a mente representam a realidade central do homem; atingem o factual, mas não o real. Para além de todas as facticidades desponta a realidade.

O homem irreal ou semi-real deve ser plenamente realizado, para que seu ego doente seja saturado pelo seu Eu sadio. No homem pleni-real não há males. Todos os males de que o homem sofre vem da zona do seu ego mental, da sua persona. Somente o contato com a individualidade real pode curar a personalidade irreal; somente a verdade pode libertar o homem da inverdade, que gera os males. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Não se pode transformar estupidez em inteligência

Nossos problemas são tão complexos, porque, segundo sinto, perdemos fundamentalmente — ou, quem sabe, jamais tivemos — a liberdade, a confiança em nós mesmos, e o vigor necessário para o descobrimento da felicidade e da verdade contida em qualquer problema. Não somos entes normalmente felizes, sadiamente felizes; temos muitas obrigações, muitas preocupações; nossa segurança tanto física como psicológica está sendo ameaçada a todas as horas; não há mais fé em coisa alguma, nem esperança; a fé que possuíamos, evaporou-se. Os líderes nos conduziram a piores confusões, piores sofrimentos, pior competição, piores conflitos; e, do meio dessa confusão, escolhemos nossos gurus, os nossos líderes políticos; naturalmente, quando escolhemos um guru ou um líder, no meio da confusão, do sofrimento, do conflito, aquele que escolhemos será invariavelmente confuso, estará também lutando e batalhando como nós. Assim, pois, quando seguimos alguém, seguimos invariavelmente aqueles que representam o nosso próprio estado psicológico e não outra coisa, diferente de todo; as personalidades que nos representam serão talvez mais ilustradas: jamais são, porém, o contrário do que somos.
Acho muito importante, principalmente em presença de uma crise, que tenhamos, nós mesmos, muita clareza, porquanto não há mais quem possa representar-nos. Não vejo nisso nada de extraordinário, se se compreender que não há mais gurus nem líderes que sirvam, pois perdemos inteiramente a fé neles; não podemos recorrer a nenhuma panacéia política, como solução; vemo-nos, por essa razão, forçados a pensar nos problemas por nós mesmos e para nós mesmos; a perceber por nós mesmos a verdade contida no problema que ora nos apresenta; a pensar cabalmente, por nós mesmos, se possível, individualmente e mais tarde, talvez, coletivamente, em cada problema que nos defronta.
A Verdade, ou Felicidade, ou como a chamardes, não pode resultar de escolha;não é uma questão de escolha. Nossas mentes, porém, apenas são capazes de escolher, de diferenciar, não tendo, por conseguinte, um discernimento profundo do problema. São pequenas as nossas mentes — estreitas, intolerantes, superficiais. Não importa seja a mente ilustrada ou experimentada: uma mente assim ainda é superficial, ainda é mesquinha. Se reconhecerem o problema que estou tentando mostra-lhes, não o rejeitem, não digam “isto não é para mim"; excede as minhas forças” — mas investiguem, pensem nele completamente, por vocês mesmos.
Enquanto estiverem escolhendo entre “o bom” e “o mau”, entre o nobre e o ignóbil, entre este guru e aquele guru, entre este líder político e aquele outro líder político, enquanto houver qualquer escolha não pode existir a Verdade. A escolha representa apenas a capacidade de diferenciar, da mente, e o processo de diferenciação resulta de uma mente confusa; e, por muito que escolham, analiticamente, subjetivamente, ou pela investigação de todas as circunstâncias, a escolha de vocês produzirá, não obstante, conflito. O que se faz necessário hoje em dia não é a escolha entre isto e aquilo, mas a compreensão completa de cada problema em si, sem comparar, sem julgar, mas investigando-o profundamente, sob todos os seus aspectos, e pondo-se à margem as próprias inclinações e preconceitos. Nossas mentes se tornaram intolerantes por causa da escolha, por causa da sua capacidade de diferenciar. Reflitam sobre isso; não o rejeitem.
Na atualidade, são tão estreitas, tão confusas e pervertidas as nossas mentes, que somos incapazes de perceber, diretamente, imediatamente, numa experiência, a coisa que é verdadeira. Queremos confirmação, e o homem que busca seriamente confirmação, nunca encontrará ou experimentará aquilo que é verdadeiro. É-nos dificílimo, porém, com nossas mentes superficiais e capazes de só pensar em termos relativos ao amanhã ou a resultados imediatos, promover uma revolução fundamental no nosso pensar. É essencial essa revolução fundamental, se temos interesse em criar um mundo diferente, não baseado em ideias comunistas, capitalistas, ou religiosas.
Há necessidade de uma transformação nos nosso pensar; e ela só poderá efetuar-se se investigarmos realmente a questão da escolha — o que não significa que devamos nos tornar obstinados. A mente analítica, dotada da capacidade de ver o que convém e o que não convém, a mente que escolhe, edificará, forçosamente, uma sociedade baseada em resultados, na memória de experiências passadas, ou na necessidade imediata. Essa mente, por conseguinte, será de todo em todo incapaz de criar um mundo em que haja o senso de visão “integrada” do processo total da vida.
Nessas condições, permitam-me sugerir — se de fato estão muito interessados —  que deem toda a atenção ao que estou dizendo. São tão complexos os nossos problemas, que só podemos abeirar-nos deles de maneira muito simples e direta. Não podemos resolvê-los com o auxílio de um livro, de uma filosofia, de um sistema, de um líder; só os resolverão pela compreensão de vocês mesmos, pelo percebimento de vocês mesmos, nas suas relações, exatamente como são e não como “deveriam ser”, O “deveria ser” denota escolha e está sempre muito distante do que é. O que sou na realidade é o que importa, e não o que eu “deveria ser!” O “deveria ser” é de ordem teórica e ideológica e não tem nenhum valor; não é mais do que uma fuga ao que sou. O que importa é que eu descubra o que sou realmente, de momento a momento, no que não há escolha de espécie alguma. Quando a mente for incapaz de escolher o que “deveria ser”, dará atenção ao que é. O que é tem muita importância, não só no mundo da ação, mas também psicologicamente, interiormente. Só haverá ação direta se eu compreender “o que é” e não “o que desejo ser”.
Enquanto introduzirmos a escolha na nossa ação, ela estará sempre baseada em nosso pensamento e por conseguinte não nos dará a libertação do temor; por essa razão, temos sempre luta e sempre dor; e se pudermos compreender “o que é”, que se modifica constantemente e nunca é estático, essa compreensão mesma será dinâmica e, por conseguinte, criadora; nela há libertação. Devemos observar realmente, nas nossas relações de cada dia, de cada momento, o nosso exato estado, o que somos de fato, não procurando transformá-lo numa coisa nobre. Não se pode transformar estupidez em inteligência; o que se pode fazer é tão-somente compreender a estupidez; e a compreensão da estupidez é inteligência. Vejam bem a importância disso, e criarão um mundo novo. Enquanto estiverem lutando para serem diferente do que são, haverá destruição, sofrimento, confusão. Só quando compreendo a coisa que sou, momento por momento, só então a compreensão me conduz às profundezas inconscientes do meu ser; a compreensão por conseguinte é que nos dará a libertação do temor; e a libertação do temor é o estado de felicidade.
Krishnamurti – 1 de fevereiro de 1953
Autoconhecimento — Base da Sabedoria

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A sobrevivência do mais adaptado

O ser humano está em um dilema pela simples razão de que ele não é apenas inteligente, mas também por estar ciente de sua inteligência. Isso é algo singular no ser humano — seu privilégio, sua prerrogativa, sua glória —, mas que pode se tornar facilmente em sua agonia. O ser humano é consciente de que é inteligente, e essa consciência traz seus próprios problemas. O primeiro problema é que isso cria o ego.

O ego não existe em nenhum outro lugar, exceto nos seres humanos, e o ego começa a crescer à medida que a criança cresce. Os pais, as escolas, os colégios, as universidades, todos eles ajudam a fortalecer o ego, pela simples razão de que por séculos o ser humano precisou lutar para sobreviver, e a ideia se tornou uma fixação, um profundo condicionamento inconsciente de que somente egos fortes podem sobreviver na batalha da vida. A vida se tornou apenas uma luta para a sobrevivência. E, com a teoria da “sobrevivência do mais adaptado”, os cientistas tornaram isso ainda mais convincente. Dessa maneira, ajudamos toda criança a ter um ego cada vez mais forte, e é aí que surge o problema.

À medida que o ego fica forte, ele começa a envolver a inteligência com uma espessa camada de escuridão. A inteligência é muito delicada; o ego é muito rígido. A inteligência é como uma rosa; o ego é como uma rocha. E, se você quer sobreviver, as pretensas autoridades dizem que, então, você precisa ser como uma rocha, precisa ser forte, invulnerável, uma fortaleza, uma fortaleza fechada, para que não possa ser atacada de fora.  Você precisa se tornar impenetrável.

Mas, então, você fica fechado. Você começa a morrer no que se refere à sua inteligência, porque a inteligência necessita de céu aberto, do vento, do ar e do sol para crescer, para se expandir, para fluir. Para permanecer viva, é necessário um fluxo constante; se ela ficar estagnada, torna-se lentamente um fenômeno morto.

Não deixamos que as crianças fiquem inteligentes. O primeiro ponto é que, se elas forem inteligentes, serão vulneráveis, serão delicadas, serão abertas. Se elas forem inteligentes, serão capazes de perceber muitas falsidades na sociedade — no Estado, na igreja, no sistema educacional. Elas se tornarão rebeldes, serão indivíduos e não se deixarão dominar facilmente. Você poderá esmaga-las, mas não poderá escravizá-las; poderá destruí-las, mas não poderá forçá-las a abrirem mão de si mesmas.

Em um sentido, a inteligência é muito delicada, como uma rosa, e, em outro sentido, ela tem sua própria força. Mas essa força é sutil, e não grosseira. Essa força é a da rebelião, da atitude não subserviente. A pessoa está disposta a morrer e a sofrer, mas não a vender a própria alma.

E toda a sociedade necessita de escravos, de pessoas que funcionam como robôs, como máquinas. Ela não quer pessoas, ela quer mecanismos. Daí, todo o condicionamento é para deixar o ego forte. Isso serve a um duplo propósito. primeiro, ele dá à pessoa a sensação de que agora pode lutar na vida. E, em segundo lugar, serve aos propósitos de todo o sistema, que agora pode explorar a pessoa e usá-la como um meio para seus próprios fins.

É por isso que todo o sistema educacional gira em volta da ideia da ambição; ele cria a ambição, que nada mais é do que o ego. “Torne-se o primeiro, o mais famoso, o primeiro-ministro ou o presidente; torne-se mundialmente conhecido, deixe sua marca na história.” Ele não o ensina a viver totalmente, a amar totalmente, a viver graciosamente; ele o ensina a explorar os outros para seus próprios propósitos. E achamos que os espertos são os que se dão bem. Eles são ladinos, mas os chamamos de espertos. Eles não são pessoas inteligentes.

Uma pessoa inteligente nunca pode usar uma outra como meio; ela respeitará a outra. Uma pessoa inteligente será capaz de perceber a igualdade de todos. Sim, ela também perceberá as diferenças, mas as diferenças não fazem nenhuma diferença no que se refere à igualdade. Ela terá um imenso respeito pela liberdade dos outros — ela não pode explorá-los, não pode reduzí-los a objetos, não pode torná-los degraus para a satisfação de algum desejo absurdo de ser o primeiro. Daí insistirmos em condicionar as crianças.

Mas, antes que aconteça esse condicionamento, as crianças são imensamente inteligentes. Isso foi dito por Buda, por Lao-Tsé, por Jesus e por todas as pessoas despertas. Jesus diz: “A menos que você seja como uma criancinha, não há esperança para você".” E novamente ele diz: A menos que você se torne como uma criancinha, não poderá entrar no reino de Deus.” E ele repete uma de suas declarações mais famosas: “Bem-aventurados são os mansos, pois deles é o reino de Deus” — o manso, o humilde, os últimos da fila. Foi natural, muito natural a sociedade em que Jesus nasceu ser contra ele, pois ele estava destruindo as próprias raízes de suas ambições.

E os judeus são muito ambiciosos, tanto é que, por séculos, contra todos os obstáculos, cultivaram a ideia, na mente, de que são os escolhidos de Deus. Mil e uma calamidades aconteceram devido a essa ideia estúpida; se eles conseguirem abandoná-la , serão mais aceitos no mundo. Mas eles não conseguem abandoná-la — todo o seu ego está envolvido nisso. E trata-se de um ego antigo, com pelo menos três mil anos de idade. Desde Moisés eles carregam a ideia de que são os escolhidos de Deus. “E aqui vem esse homem que diz: ‘Seja o último!’ Somos destinados a ser os primeiros, e ele diz: ‘Seja humilde e manso!’ E somos os escolhidos! Se formos humildes e mansos, aqueles que não são os escolhidos serão os primeiros!” E os judeus são pessoas terrenas, eles não se importam muito com o outro mundo. Eles são mundanos — “Quem sabe sobre o outro mundo? Ele está dizendo: ‘Se você for o último por aqui, será o primeiro em meu reino de Deus.’ Mas onde está o reino de Deus? Ele pode ser apenas uma ficção, apenas um sonho.”
Jesus parece um sonhador, talvez um poeta. Mas ele está destruindo a própria base dos judeus. E ainda carregam a ideia de que “somos escolhidos”. Eles sofreram muito por isso, e quanto mais sofreram, mais forte a ideia se tornou — porque se você precisa encarar o sofrimento, precisa se tornar cada vez mais egocêntrico, cada vez mais como uma rocha, para que possa lutar e batalhar e ninguém possa destruí-lo. Mas eles também ficaram muito fechados.

Jesus estava criando uma abertura para eles, mas eles o refutaram. Ele estava lhes dizendo para entrar no céu aberto, para ser simples: “Abandone essa tolice de ser especial.” Se eles tivessem ouvido Jesus, toda a sua história teria sido diferente, mas eles não puderam ouvir.

Os hindus não escutaram Buda pela mesma razão — eles também carregavam a ideia de serem as pessoas mais sagradas do mundo e de que sua terra é a mais santificada. Mesmo deuses querem nascer na Índia! Nenhum outro país é tão sagrado. E Buda disse: “Isso é tudo tolice!” Eles precisaram rejeitá-lo; o budismo foi expulso da Índia. Nenhuma sociedade pode tolerar tais pessoas que dizem a verdade, pois elas parecem sabotar a própria estrutura social.

Mas agora chegou o tempo, já sofremos o bastante. Por todo o mundo, de diferentes maneiras, as pessoas sofreram muito, e é hora de dar uma olhada na história, em sua burrice e em seu absurdo, e de abandonar toda ideia desses padrões egocêntricos.

Observe crianças pequenas e perceberá a inteligência delas. É verdade, elas não têm conhecimento. Se você quiser que elas sejam eruditas, não achará que elas sejam inteligentes. Se você lhes fizer perguntas que dependem de informação, elas não parecerão inteligentes. Mas faça-lhes perguntas de verdade, que nada tem a ver com informações, que precisam de uma resposta imediata, e perceberá — elas são muito mais inteligentes do que você. É claro, seu ego não permitirá que você aceite isso, mas, se conseguir aceitá-lo, isso ajudará imensamente, a você a aos seus filhos, pois se puder perceber a inteligência deles, poderá aprender muito com eles.

Muito embora a sociedade destrua sua inteligência, não pode destruí-la totalmente, mas apenas encobri-la com muitas camadas de informação. E toda função da meditação é levá-lo mais fundo, para você mesmo. Ela é um método de cavar em direção a seu próprio ser, até o ponto em que você chega às águas vivas de sua própria inteligência, em que você descobre as fontes de sua própria inteligência. Quando você descobrir novamente sua criança, quando você renascer, somente então compreenderá por que os budas enfatizaram repetidamente que as crianças são realmente inteligentes.

Comece a observar crianças, suas respostas — não suas réplicas, mas suas respostas. Não lhes faça perguntas tolas, mas algo imediato que não dependa de informação, e perceba sua resposta.

OSHO – Inteligência – A resposta criativa ao Agora

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Sobre Inteligência

Pergunta: Que é inteligência?

Krishnamurti: (…) A maioria das pessoas se satisfaz com uma definição do que é inteligência. (…) A mente inteligente é aquela que investiga, (…) observa, aprende, estuda. E isso significa o quê? Que só há inteligência quando não há medo, quando estais disposto a rebelar-vos contra toda a estrutura social, a fim de descobrir o que é Deus, (…) a verdade relativa a qualquer coisa.
Krishnamurti - A Cultura e o Problema Humano, pág. 19

Inteligência não é sapiência. Se pudésseis ler todos os livros do mundo, isso não vos daria inteligência. A inteligência é coisa muito sutil; ela não tem ancoradouro. Surge quando compreendeis o processo total da mente (…). A inteligência, pois, surge com a compreensão de vós mesmos; e só podeis compreender-vos em relação com o mundo das pessoas, das coisas, e das idéias. Inteligência não é coisa adquirível, como a sapiência; ela surge (…) quando não há medo; quando há sentimento de amor, (…). (Idem, pág. 19)

Compreender o falso como falso, perceber o verdadeiro no falso, reconhecer o verdadeiro como verdadeiro, eis o começo da inteligência. (…) (Reflexões sobre a Vida, 1ª ed., pág. 58)

Vamos investigar juntos o que é a inteligência. (…) Um dos fatores da inteligência é o de investigar e descobrir; explorar a natureza do falso, porque na compreensão do falso, no descobrimento do que é ilusão, está a verdade, que é inteligência. (La Llama de la Atención, pág. 113)

A inteligência tem uma causa? O pensamento tem uma causa. Um indivíduo pensa porque possui experiências passadas, informação e conhecimento acumulado através do tempo. Esse conhecimento nunca é completo, tem de andar junto com a ignorância, (…). O pensamento, por força, tem de ser parcial, limitado, fragmentado, porque é o produto do conhecimento, (…). O pensamento criou as guerras e os instrumentos da guerra (…). O pensamento criou todo o mundo tecnológico. (…) (Idem, pág. 113-114)

Que é inteligência? Inteligência é perceber o ilusório, o falso, o irreal e descartá-lo; não afirmar meramente que é falso e continuar no mesmo, sem descartá-lo por completo. (…) Ver, por exemplo, que o nacionalismo, com todo o seu patriotismo, seu isolamento, sua estreiteza de idéias é destrutivo, (…). E ver a verdade disso, é descartar o falso. Isso é inteligência. (…) Inteligência não é a engenhosa busca de argumentos, de opiniões contraditórias que se opõem umas às outras. (…) A inteligência está mais além do pensamento. (La Llama de la Atención, pág. 127-128)

Não desejo ser parcialmente inteligente, mas inteligente de maneira integral. Quase todos nós somos inteligentes “em camadas”, vós provavelmente num sentido, e eu em outro. Alguns de vós sois inteligentes nas atividades comerciais, outros nas (…) de escritório, etc. As pessoas são inteligentes de diferentes maneiras, mas não somos integralmente inteligentes. Ser integralmente inteligente significa existir sem o “eu”. (…) (A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 78)

Inteligência não é acumulação de experiências e de conhecimento. Inteligência é o mais alto grau de sensibilidade. Ser sensível a todas as coisas, aos pássaros, à sordidez, à pobreza, à beleza de uma árvore, à formosura de um rosto, ao ocaso, às cores, (…) ao sorriso de uma criança, às lágrimas, ao riso, à dor, à agonia, à angústia, às desditas (…) - ser totalmente sensível a tudo significa ser inteligente. E não podemos ser inteligentes se cuidamos apenas de reprimir ou de ceder. Só podemos ser sensíveis quando há compreensão. (A Suprema Realização, pág. 44)

Que é inteligência? Um homem que está assustado e ansioso; que é invejoso e ávido; cuja mente está copiando, imitando, cheia de saber e da experiência de outros; cuja mente é limitada, controlada, moldada pela sociedade, pelo ambiente - esse homem é inteligente? Vós o chamais inteligente, mas não o é, (…). (Novos Roteiros em Educação, pág. 152)

(…) Estar consciente de tudo isso, sem opção, sem ser tragado pela complexidade das questões vitais, sem resistir ao fluxo avassalador da vida, é ser inteligente. Implica também não depender das circunstâncias e, portanto, estar apto a compreender e a libertar-se da influência e das condições ambientais. (…) Mas, a inteligência supera todas as barreiras, livre de qualquer objetivo de ganho individual ou coletivo. (…) A capacidade de destruir o passado psicológico é a essência da inteligência, (…). O sofrimento é a negação da inteligência. (Diário de Krishnamurti, pág. 81)

Tem o amor uma causa? Dissemos que a inteligência não tem causa - é inteligência, (…) é luz. Quando há luz, não é minha luz ou a luz de vocês. O sol não é o sol de vocês ou meu sol; é a claridade da luz. Tem o amor uma causa? Se não tem, então o amor e a inteligência caminham juntos. (…) (La Llama de la Atención, pág. 120)

Devemos discutir também a natureza da inteligência. A compaixão tem sua própria inteligência, o amor tem sua inerente inteligência. Vamos investigar o que é inteligência. Certamente, não pode ser ela encontrada em livros. Conhecimento não é inteligência. Onde há amor, compaixão, há a beleza de sua própria inteligência. A compaixão não pode existir se você é hindu, católico, protestante, budista ou marxista.

O amor não é produto do pensamento. No entendimento da natureza do amor, compaixão, que é negar tudo aquilo que não é, ver o falso no falso é o início da inteligência. (…) Ver a natureza da desordem, e terminá-la, não continuá-la dia após dia, mas cessá-la - o fim é percepção imediata, que é inteligência. (Mind Without Measure, pág. 58-59)

Estamos perguntando o que é inteligência. Esperteza não é inteligência. Ter grande quantidade de conhecimento sobre vários assuntos - matemática, história, ciência, poesia, pintura - não constitui atividade da inteligência. O investigador do átomo pode ter extraordinária capacidade de concentração, imaginação, investigação, discussão, formulação de hipóteses e mais hipóteses, teorias e mais teorias, mas tudo isso não é inteligência. (…) (Idem, pág. 59)

Inteligência, para mim, não é o conhecimento tirado dos livros. Podeis ser mui eruditos e, apesar disso, estúpidos. Podeis haver lido muitas filosofias e, apesar disso, desconhecer a beatitude do pensamento criativo, o qual somente pode existir quando a mente e o coração começarem a se libertar (…) pelo constante apercebimento das coisas estúpidas (…). Somente então virá à existência o êxtase do que é verdadeiro. (Palestras em New York City, 1935, pág. 21)

Que é conhecimento? (…) A inteligência utiliza-se dos conhecimentos, pois ela é a capacidade de pensar com clareza, objetividade, sensatez, naturalidade. Conseqüentemente, é isenta de emoção, preconceito, preferências ou inclinações pessoais. Inteligência é a capacidade de compreensão direta. (…) Inteligência é a qualidade característica da mente sensível, viva, consciente. Ela não se prende a nenhum juízo ou avaliação pessoal, e faculta imparcialidade e lucidez ao pensamento. A inteligência em nada se deixa envolver. (…) (Ensinar e Aprender, pág. 19)

Inteligência não é inventividade, memória, ou mero exercício verbal. É muito mais do que isso. Por bem informados e talentosos que sejamos, em certo aspecto da existência, somos ignorantes em outros sentidos. O acúmulo de conhecimentos não reflete, necessariamente, uma mente inteligente. Tampouco a capacidade e o talento. Mas a sensível percepção da vida, de seus problemas, (…) contradições, (…) aflições e alegrias, revela sabedoria. (…) (Diário de Krishnamurti, pág. 81)

A maioria pensa que inteligência é resultado da aquisição de conhecimento, informação, experiência. Por ter grande soma de conhecimento e experiência, acreditamos ser capazes de fazer face à vida com inteligência. Mas a vida é uma coisa extraordinária, nunca é estacionária; como o rio, está fluindo constantemente, nunca pára. (…) (O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 139)

A inteligência só é possível quando há liberdade real em relação ao ego, (…) ao “eu”, isto é, quando a mente já não seja o centro da busca de “mais e mais”; quando ela já não está subjugada pelo desejo de experiência maior, mais vasta, mais expansiva. (…) A compreensão de todo esse processo é o autoconhecimento. Quando alguém se conhece tal como é, sem um centro acumulador, desse autoconhecer provém a inteligência capaz de fazer face à vida; e essa inteligência é criativa. (Idem, pág. 140)

A dimensão diferente só pode operar através da inteligência; se não há essa inteligência, ela não pode operar. Dessa forma, na vida diária ela só pode operar quando a inteligência está funcionando. A inteligência não pode operar quando o velho cérebro está ativo, quando há qualquer forma de crença e aderência a qualquer fragmento particular do cérebro. Tudo isso é falta de inteligência. (…) Quando se descobre a limitação do velho, esta mesma descoberta é inteligência. (The Awakening of Intelligence, pág. 412)

(…) Para mim, inteligência é a mente e o coração em plena harmonia; e então verificareis, por vós mesmos (…), o que é essa realidade. (Palestras em Auckland, 1934, pág. 112-113)

A inteligência é a essência mesma da divindade; mas é evidente que a inteligência tanto pode criar como destruir, que ela governa e dirige as emoções - é o impulso que nos propele para o nosso alvo. (…) (O Reino da Felicidade, pág. 56)

(…) A inteligência pode e deve encontrar por si mesma a Verdade, deve aprender a viver sua própria vida no Reino da Felicidade. Sem um espírito cultivado e uma inteligência inata, não vos será possível aproximar-vos do alvo. (…) (Idem, pág. 56)

O êxtase da Realidade encontra-se pela inteligência desperta e no mais alto grau de intensidade. Inteligência não significa cultivo da memória ou da razão, mas, sim, uma percepção da qual é banida a identificação e a escolha. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 199)

Uma inteligência desperta tem um discernimento profundo, verdadeiro, em todos os problemas psicológicos, nas crises, nos bloqueios, etc.; não é uma compreensão intelectual, não é um (…) conflito. Ter discernimento é uma questão humana, é despertar esta inteligência; ou, tendo esta inteligência, existe o discernimento (…). Em um discernimento assim, não há conflito; (…) A partir desse discernimento, que é inteligência, surge a ação (…) instantânea. (La Totalidad de la Vida, pág. 177)

Porém, se se acham atentos a todas essas coisas e estão insatisfeitos (…) A chama do descontentamento, devido a não haver saída, (…) não haver um objeto no qual satisfazer-se, se converte em uma grande paixão.

(…) Visto que a compaixão está relacionada com a inteligência, não há inteligência sem compaixão. E só pode haver compaixão quando houver amor, o que é completamente livre de todas as recordações, ciúmes pessoais e assim por diante. (O Futuro da Humanidade, pág. 70)

Essa paixão é inteligência. Se vocês não se encontram perturbados nestas coisas superficiais (…), essa chama extraordinária se intensifica. Isso produz na mente uma qualidade de profundo e instantâneo discernimento (…), e a ação provém desse discernimento. (La Totalidad de la Vida, pág. 178)

Há uma inteligência que seja incorruptível, não baseada em circunstâncias, não pragmática, não egocêntrica, quer dizer: não fracionada, total? Há uma inteligência que seja impecável, sem frestas, que abarque toda a manifestação do homem? Para inquirir sobre isto, deve o cérebro estar livre de qualquer conclusão, (…) de movimento egocêntrico, (…) de medo, de sofrimento. Quando há o fim do sofrimento, há paixão. (…) Não há paixão “por” alguma coisa.

A paixão existe per se, por si mesma (…). Assim, se tem que descobrir (…) como se aproximar dessa paixão, que não é luxúria nem tem nenhum motivo. Há tal paixão? (…) Quando o sofrimento chega ao fim, há amor e compaixão. E quando há compaixão, (…) então essa compaixão tem sua própria quintessência e inteligência. Isto é, não pertence ao tempo nem a teoria alguma, a nenhuma tecnologia, a ninguém; tal inteligência não é pessoal nem universal, nem as palavras a exprimem. (Last Talks at Saanen, 1985, pág. 138-139)

(…) Inteligência é a atividade do todo da vida, e essa inteligência não é sua nem minha. Não pertence a nenhum país ou povo, como o amor não é cristão ou hindu, etc. Portanto, (…) pesquisem sobre tudo isto, porque nossas vidas dependem disso. Somos pessoas desafortunadas e miseráveis, sempre em conflito. (…) Temos aceitado isso como parte da vida. Mas se investigarmos tudo isso, dá-se o despertar daquela inteligência, e, quando ela se acha em operação, ação, só então há correta ação. (Mind Without Measure, pág. 59)

Não é a inteligência de um homem engenhoso, não estamos falando disso. Agora opere com essa inteligência, que não é sua nem minha - que não é do Dr. Shaimberg, do Dr. Bohm ou de outra pessoa. Esse discernimento é inteligência universal, inteligência global ou cósmica. Avançando mais nisso, tenha um discernimento na dor que não é a dor do pensamento. Então, nesse discernimento há compaixão. (La Totalidad de la Vida pág. 131)

Agora tenha um discernimento na compaixão. É a compaixão o fim de toda a vida? O fim de toda a morte? Parece sê-lo, porque a mente se esvazia de todas as cargas que o homem se impôs a si mesmo (…). Portanto, você tem esse sentimento extraordinário, tem dentro de si essa coisa tremenda. Aprofunde-se nessa compaixão. E então há algo sagrado, não contaminado pelo homem. E isso pode ser a origem de todas as coisas - que o homem mutilou. Entende? (Idem, pág. 131)

(…) A mente despida de todas as suas lembranças e óbices, funcionando espontaneamente, plenamente, a mente, vigilante e perceptiva, cria a compreensão, e isso é inteligência, (…); isso para mim é imortalidade, atemporalidade. (…) (A Luta do Homem, pág. 60)

Inteligência é o discernimento do essencial, e para discernir o essencial temos de estar livres dos obstáculos que a mente “projeta” (…) (A Educação e o Significado da Vida, pág. 39)

A chama da inteligência, do amor, só pode ser despertada quando a mente está vitalmente apercebida do próprio pensamento condicionado, com seus temores, valores e desejos. (Palestras em Nova York, Eddington, Madras, 1936, pág. 80-81)

(…) A inteligência pura é aquele estado mental em que há um percebimento isento de escolha, em que a mente está silenciosa. Nesse estado de silêncio só há o ser; nele, surge aquela Realidade (…) maravilhosa atividade criadora, que está fora do tempo. (As Ilusões da Mente, pág. 35)

Por “percebimento”, entendo um estado de vigilância em que não há escolha. Estamos simplesmente observando o que é. Mas ninguém pode observar o que é, se tem alguma idéia ou opinião a respeito do que vê, dizendo-o “bom” ou “mau”, (…) avaliando. (Experimente um Novo Caminho, pág. 99)

(…) Mas, acontece que a mente da maioria de nós está embotada, semi-adormecida; só certas partes dela se acham ativas - as partes especializadas, pelas quais funcionamos automaticamente, pela associação, pela memória, tal como um cérebro eletrônico. A mente, para ser vigilante, sensível, necessita de espaço, no qual possa olhar as coisas sem nenhum fundo de conhecimentos prévios; (…) (Idem, pág. 99-100)

Devemos ficar apercebidos, atentos. (…) Concentração é a convergência de todas as energias sobre alguma coisa na qual estamos interessados. (…) O começo do apercebimento é a natural concentração do interesse em que não há conflito de desejos e escolha, e, por isso, há a possibilidade de se compreenderem os diferentes desejos que se opõem. (…) (Palestras em Ojai e Sarobia, 1940, pág. 101)

(…) Apercebimento é a compreensão total do processo do desejo consciente e inconsciente. No princípio mesmo do apercebimento, há a percepção do que é verdadeiro; a verdade não é um resultado ou uma consecução, mas é para ser compreendida. (…) Esta compreensão não nasce da simples razão ou da emoção, porém é o resultado do apercebimento, da perfeição da ação-pensamento. (Idem, pág. 102)

A compreensão não reside nos livros. Podeis ser estudiosos de livros (…), mas, se não souberdes como viver, todo o vosso conhecimento fenece; não tem substância nem valor. Enquanto que, um momento de pleno apercebimento, de pleno entendimento consciente, produz uma paz real, perene; não uma coisa estática, mas esta paz que está continuamente em movimento, que é ilimitada. (Palestras em Auckland, 1934, pág. 72)

A percepção é o processo de libertar a mente-coração dos vínculos que causam conflitos e dores, e torná-la receptiva para o que está oculto. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 122)

Eu vos asseguro que, quando houver completa nudez, (…) falta de esperança, então, num momento assim, de vital insegurança, nascerá a chama da suprema inteligência, a beatitude da verdade. (New York City, 1935, pág. 24)

Como disse (…), inteligência é a solução única que produzirá a harmonia neste mundo de conflito, harmonia entre a mente e o coração, na ação. (…) Vós próprios, mediante o vosso apercebimento, (…) é que podereis discernir o verdadeiro significado destas múltiplas barreiras limitadoras. Só isso produzirá a inteligência perdurável, que vos há de revelar a imortalidade. (Idem, pág. 27)

Isto é, se estiverdes plenamente despertos, apercebidos de uma ação que exija o vosso ser inteiro, então percebereis que todas essas perversões ocultas, inconscientes, virão à tona e vos impedirão de agir plenamente, de modo completo. Será essa a ocasião, então, de lhes fazer frente e, se a chama do apercebimento for intensa, essa chama consumirá as causas limitadoras. (Idem, pág. 32)

Ora, o apercebimento não é isso. O apercebimento é o discernir, sem julgamento, o processo de criar muros autoprotetores e limitações por detrás das quais a mente toma abrigo e conforto. (Palestras em Nova York, Eddington, Madras, 1936, pág. 38)

(…) A compreensão surge somente pelo discernimento do processo do “eu”, com sua ignorância, suas tendências e temores. Onde houver profunda e criadora inteligência, haverá reta educação, reta ação e relações retas com o ambiente. (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 60)

A ação é vital, porém não (…) as opiniões e conclusões lógicas. (…) A autoridade do ideal e do desejo impede e perverte o verdadeiro discernimento. Quando há carência, quando a mente está cativa dos opostos, não pode haver discernimento. (…) (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 13-14)

(…) As reações psicológicas impedem o verdadeiro discernimento. Se dependermos da escolha, do conflito dos opostos, criaremos sempre a dualidade em nossas ações, engendrando assim a tristeza, (…) (Idem, pág. 14)

(…) O discernimento é a percepção direta, sem escolha, daquilo que é, e perceber diretamente é estar livre do fundo da carência. Isto só pode acontecer quando cessa o esforço (…) entre os opostos. Os opostos são resultado da carência (…) (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 22)

(…) Pelo discernimento sem escolha desperta-se a intuição criadora, a inteligência, que é a única a poder libertar a mente-coração dos múltiplos processos sutis da ignorância, da carência e do medo. (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 55)

Seguir quem quer que seja é, por certo, prejudicial à inteligência.
Krishnamurti - O Verdadeiro Objetivo da Vida - Cultrix

A mente estúpida nunca se tornará inteligente mediante esforço; mas, se reconhece que é estúpida, isto basta para produzir uma transformação nela própria.
Krishnamurti - Austrália e Holanda - 1955

Ser integralmente inteligente, significa estar desacompanhado do "eu".
Krishnamurti - Quando o Pensamento Cessa - ICK

É a indagação constante, a autêntica insatisfação que faz nascer a inteligência criadora; mas é extremamente difícil manter acesos a investigação e o descontentamento; a maioria dos pais não quer que os filhos tenham essa espécie de inteligência, porque é muito desagradável morar com alguém que está sempre pondo em dúvida os valores convencionais.
Krishnamurti - A Educação e o Significado da Vida

qualquer forma de tradição -- trazida do passado --, que é utilizada para se saber se existe uma Grande Realidade, é obviamente um esforço perdido. A mente tem de estar liberta de toda a espécie de tradição e preceitos espirituais; caso contrário, ficamos completamente privados de verdadeira inteligência.
Krishnamurti

Inteligência é pensamento e sentimento em perfeita harmonia, e, portanto, a inteligência é a própria beleza, inerentemente, e não uma coisa para ser procurada.
Krishnamurti

Só existe um meio de encontrar a felicidade inteligente, que é o de vossa percepção e discernimento próprios; e só por meio da ação é que podeis dissipar os múltiplos obstáculos que vos impedem o preenchimento. Si, por vós próprios, puderdes perceber, simples e diretamente, as limitações que vos impedem de viver completo e profundo, e de como foram elas criadas, então sereis capazes de dissipar... Se cada qual de vós puder ter plenitude, viver em completa harmonia - cousa que exige grande inteligência e não a persecução de desejos egoístas - então haverá o bem estar para o todo.
Krishnamurti no Clile e no México - 1935

Para se criar um ente humano inteligente, há necessidade de uma completa revolução no pensar. Um ente humano inteligente significa um ente humano se medo, não limitado pela tradição, o que não implica que deva ser amoral. Tendes de ajudar o vosso filho a ser livre, para descobrir e para criar uma sociedade nova - e não uma sociedade amoldada a algum padrão, tal seja o de Marx, o católico ou o capitalista. Requer isso muita reflexão, interesse e amor - não meras discussões sobre o amor. Se amássemos realmente os nossos filhos heveríamos de interessar-nos pela educação correta.
krishnamurti - Autoconhecimento base da sabedoria

No mundo moderno, a educação tem se preocupado não com o cultivo da inteligência, mas do intelecto, da memória e suas habilidades. Nesse processo pouco acontece além da transmissão de informações daquele que ensina para quem é ensinado, do líder para o seguidor, produzindo um modo de vida mecânico e superficial. Nisso não há quase nada de relacionamento humano.
Krishnamurti - A Arte de Aprender - Terra Sem Caminho - Pág 221

Uma escola certamente é um lugar onde se aprende sobre a totalidade, o todo da vida. A excelência acadêmica é absolutamente necessária, mas uma escola inclui muito mais que isso. É um lugar onde tanto quem ensina quanto quem é ensinado investigam não somente o mundo exterior, o mundo do conhecido, mas também seu próprio pensar, seu próprio comportamento. A partir disso, eles começam a descobrir o próprio condicionamento e como o condicionamento distorce o pensar. Esse condicionamento é o eu, ao qual é dado uma tremenda e cruel importância. A libertação do condicionamento e de sua miséria começa com essa percepção. É somente em tal liberdade que um verdadeiro aprender pode acontecer. Nesta escola é responsabilidade do professor sustentar, junto com o aluno, uma investigação cuidadosa para com as implicações do condicionamento e, assim, terminá-lo.
Krishnamurti - A Arte de Aprender - Terra Sem Caminho - Pág 221

Todos os problemas que a humanidade hoje enfrenta, tanto psicologicamente, como nas outras esferas, são o resultado do pensamento. E nós estamos alimentando o mesmo padrão de pensamento, e o pensamento nunca solucionará nenhum desses problemas. Há contudo um outro tipo de instumento que é a inteligência.
Krishnamurti - O Futuro da Humanidade - Cultrix

Uma revolução sangrenta não produz paz perdurável nem felicidade para todos. Em lugar de meramente desejardes paz imediata neste mundo de confusão e angústia, considerai como vós, individualmente, podeis ser um centro não de paz mas de inteligência. A inteligência é essencial para a ordem, a harmonia e o bem-estar do homem. Há muitas organizações para a paz, porém, há poucos indivíduos livres, inteligentes no verdadeiro sentido da palavra. Vós deveis como indivíduos, começar a compreender a realidade; então a chama do entendimento se espalhará sobre a face da terra.
Krishnamurti - Palestras em Ommem, 1936

A maioria das pessoas são forçadas a entregar-se a trabalhos, atividades, profissões, para as quais de forma alguma estão talhadas. Passam o resto da existência batalhando contra essas circunstâncias, disparando assim todas as energias em lutas, dores, sofrimentos (…) Outros homens rompem as limitações do ambiente, depois de compreenderem o seu verdadeiro significado, passando a viver inteligentemente, em atividades criadoras, seja no mundo da arte, da ciência, seja nas profissões (…)
Krishnamurti - (A Luta do Homem, pág. 94)

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Da Inteligência

DA INTELIGÊNCIA
Conversa entre J. Krishnamurti e Prof. David Bohm.

Professor Bohm:1 Com relação à inteligência, eu sempre gosto de pesquisar a origem da palavra, bem como seu significado. É muito interessante; Inteligência vem de inter e legere,  o que significa “ler entre”. Então me parece que se poderia dizer que o pensamento é como a informação num livro e que a inteligência tem que lê-la, ler seu significado. Acho que isso dá uma noção melhor do que seja inteligência.

Krishnamurti: Ler nas entrelinhas.

Bohm: Sim, depreender o significado. Há também um sentido relevante dado no dicionário, que é: estado de alerta mental.

Krishnamurti: Sim, alerta mental.

Bohm: Bem, isso é bastante diferente daquilo que as pessoas têm em mente quando medem inteligência. Agora, considerando muitas das coisas que você tem dito, você diria que inteligência não é pensamento. Você diz que o pensamento tem seu lugar no cérebro antigo, que é um processo físico, eletromecânico; tem sido amplamente provado pela ciência que todo pensamento é essencialmente um processo físico, químico. Então talvez pudéssemos dizer que a inteligência não é da mesma ordem, que ela não é da ordem do tempo, de todo.

Krishnamurti: Inteligência.

Bohm: Sim, a inteligência lê “nas entrelinhas” do pensamento, vê o significado dele. Há um outro ponto antes de começarmos essa questão: se você diz que o pensamento é físico, então a mente, ou a inteligência, ou como quer que queira chamar isso, parece diferente, é de uma ordem diferente. Você diria que há uma diferença real entre o físico e a inteligência?

Krishnamurti: Sim. Estamos dizendo que o pensamento é matéria? Coloquemos isto de forma diferente.

Bohm: Matéria? Em vez disso, eu diria processo material.

Krishnamurti: Tudo bem; o pensamento é um processo material, e qual é a relação entre ele e a inteligência? É a inteligência um produto do pensamento?

Bohm: Acho que podemos estar certos de que não é.

Krishnamurti: Por que estamos certos?

Bohm: Simplesmente porque o pensamento é mecânico.

Krishnamurti: O pensamento é mecânico, isso está correto.

Bohm: A inteligência, não.

Krishnamurti: Então o pensamento é mensurável; a inteligência não. E como acontece de essa inteligência vir a existir? Se o pensamento não possui relação com a inteligência, então, é a cessação do pensamento o despertar da inteligência? Ou o que ocorre é que a inteligência, sendo independente do pensamento, e não sendo do tempo, existiu sempre?

Bohm: Isso levanta muitas questões difíceis.

Krishnamurti: Eu sei.

Bohm: Eu gostaria de dispor essa questão numa estrutura de pensamento que se pudesse conectar a quaisquer pontos de vista científicos que possam existir.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Até para mostrar que ela é cabível ou que não é. Então você diz que a inteligência pode ter existido eternamente.

Krishnamurti: Eu estou perguntando – ela existe eternamente?

Bohm: Pode ser que sim e pode ser que não. Ou é possível que algo interfira com a inteligência?

Krishnamurti: Veja, os Hindus têm a teoria de que a inteligência, ou Brahman, existe eternamente e que é coberta pela ilusão, pela matéria, pela estupidez, por todos os tipos de coisas errôneas criadas pelo pensamento. Eu não sei se você iria tão longe assim.

Bohm: Bem, sim; nós não percebemos, de fato, a existência eterna da inteligência.

Krishnamurti: Eles dizem deixe tudo isso de lado, aquela coisa existe. Então, seu pressuposto é de que ela tenha existido eternamente.

Bohm: Há uma dificuldade nisso, na palavra “eternamente”.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Porque “eternamente” implica tempo.

Krishnamurti: Correto.

Bohm: E esse é exatamente o problema. Tempo é pensamento – eu gostaria de colocar assim: que o pensamento é da ordem do tempo – ou talvez seja o inverso – que o tempo é da ordem do pensamento. Em outras palavras, o pensamento inventou o tempo, e na verdade o pensamento é tempo. Da forma que eu vejo, o pensamento pode varrer todo o tempo em um momento; mas então o pensamento está sempre mudando sem notar que está mudando fisicamente – por razões físicas, é isso.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Não razões racionais.

Krishnamurti: Não.

Bohm: As razões não têm a ver com alguma coisa total, mas sim com algum movimento físico do cérebro; portanto...

Krishnamurti: ...Elas dependem do ambiente e de todo tipo de coisas.

Bohm: Então como o pensamento muda com o tempo, seu significado não é mais consistente, torna-se contraditório, muda de um modo arbitrário.

Krishnamurti: Sim, estou acompanhando.

Bohm: Então você começa a pensar: tudo está mudando, todas as coisas mudam, e você compreende “eu estou no tempo”. Quando o tempo é estendido, se torna vasto, o passado antes de eu existir, mais e mais atrás e também adiante, no futuro, então você começa a dizer que o tempo é a essência de tudo, que o tempo domina tudo. No início, a criança pode pensar “eu sou eterna”; então, começa a entender que faz parte do tempo. A visão geral com que nos identificamos é de que o tempo é a essência da existência. Eu acho que este não é apenas o senso comum, mas a visão científica também. É muito difícil abandonar tal visão porque é um condicionamento intenso. É mais forte, inclusive, do que o condicionamento do observador e da coisa observada.

Krishnamurti: Sim, com efeito. Estamos dizendo que o pensamento é do tempo, que o pensamento é mensurável, que pode mudar, se modificar, se expandir? E a inteligência é de uma qualidade inteiramente diferente?

Bohm: Sim, de ordem diferente, de qualidade diferente. E eu tenho uma impressão interessante desse pensamento com relação ao tempo. Se pensarmos no passado e no futuro, pensamos que o passado está se tornando o futuro; mas pode-se perceber que tal não pode ser, que isso é apenas pensamento. Ainda se tem a impressão de que passado e futuro estão presentes juntos e há movimento de outra forma; que todo o padrão está se movendo.

Krishnamurti: Todo o padrão está se movendo.

Bohm: Mas eu não posso visualizar como ele se move. Num certo sentido, está se movendo numa direção perpendicular à direção entre passado e futuro. Todo esse movimento – então eu começo a achar que o movimento está em outro tempo.

Krishnamurti: Com efeito.

Bohm: Mas isso traz de volta ao paradoxo.

Krishnamurti: Sim, é isso. Está a inteligência fora do tempo e, portanto não relacionada ao pensamento, que é um movimento do tempo?

Bohm: Mas o pensamento tem de estar relacionado a ela.

Krishnamurti: Ele está? Estou perguntando. Eu penso que não.

Bohm: Não? Mas parece haver alguma relação no sentido de que se distingue entre um pensamento inteligente e um pensamento não-inteligente.

Krishnamurti: Sim, mas isso requer inteligência: reconhecer o pensamento não-inteligente.

Bohm: Mas quando a inteligência lê o pensamento, qual é a relação?

Krishnamurti: Vamos devagar...

Bohm: E o pensamento responde à inteligência? O pensamento não se modifica?

Krishnamurti: Sejamos simples. O pensamento é tempo. É movimento no tempo. O pensamento é mensurável e funciona no campo do tempo, todo se movendo, modificando, transformando. Está a inteligência dentro do campo do tempo?

Bohm: Bem, vimos que de certa maneira não pode estar. Mas a coisa não está clara. Primeiro de tudo, o pensamento é mecânico.

Krishnamurti: O pensamento é mecânico, isso está claro.

Bohm: Segundo, de certa maneira, há um movimento que é de uma direção diferente.

Krishnamurti: O pensamento é mecânico; sendo mecânico, pode se mover em direções diferentes e tudo o mais. É a inteligência mecânica? Coloquemos dessa forma.

Bohm: Eu gostaria de perguntar o que significa ser mecânico.

Krishnamurti: Está certo: ser repetitivo, mensurável, comparável.

Bohm: Eu diria também dependente.

Krishnamurti: Dependente, sim.

Bohm: A inteligência – coloquemos claramente – não pode ser dependente de condições para sua validade. No entanto, parece que, de certa maneira, ela não opera se o cérebro não estiver saudável.

Krishnamurti: Obviamente.

Bohm: Nesse aspecto, a inteligência parece depender do cérebro.

Krishnamurti: Ou seria a inteligência a quietude do cérebro?

Bohm: Tudo bem, ela depende da quietude do cérebro.

Krishnamurti: Não da atividade do cérebro.

Bohm: Ainda há alguma relação entre a inteligência e o cérebro. Nós, certa vez, discutimos essa questão, há muitos anos atrás,  quando eu mencionei a idéia de que, na física, poder-se-ia utilizar um instrumento de medição de duas formas, a positiva e a negativa. Por exemplo, pode-se medir uma corrente elétrica pela oscilação da agulha no instrumento, ou pode-se usar o mesmo instrumento naquilo que é chamado de ponte Wheatstone, onde a leitura pela qual se procura é uma leitura nula; uma leitura nula indica harmonia, equilíbrio entre os dois lados do sistema como um todo. Então, caso se esteja utilizando o instrumento negativamente, então seu não-movimento é o sinal de que está funcionando adequadamente. Poderíamos dizer que o cérebro pode ter usado o pensamento positivamente para fazer uma imagem do mundo...

Krishnamurti: ... O que é uma função do pensamento – uma das funções.

Bohm: A outra função do pensamento é negativa, que é, através de seu movimento, indicar desarmonia.

Krishnamurti: Sim, desarmonia. Prossigamos daqui. É a inteligência dependente do cérebro – chegamos a esse ponto? Ou quando usamos a palavra “dependente” o que queremos dizer?

Bohm: Ela tem muitos significados possíveis. Pode ser simples dependência mecânica. Mas há um outro tipo: que um não pode existir sem o outro. Se eu digo “Eu dependo de comida para existir”, isso não significa que tudo que penso é determinado pelo que eu como.

Krishnamurti: Sim, de fato.

Bohm: Então eu proponho que a inteligência depende, para sua existência, desse cérebro, que pode indicar desarmonia, mas o cérebro não tem nada a ver com o conteúdo da inteligência.

Krishnamurti: Então, se o cérebro não estiver harmonioso, a inteligência pode funcionar?

Bohm: Essa é a questão.

Krishnamurti: Isso é o que estamos dizendo. Ela não pode funcionar se o cérebro estiver ferido.

Bohm: Se a inteligência não funciona, há inteligência? Portanto, parece que a inteligência requer o cérebro para que exista.

Krishnamurti: Mas o cérebro é apenas um instrumento.

Bohm: Que indica harmonia ou desarmonia.

Krishnamurti: Mas não é o criador da inteligência.

Bohm: Não.

Krishnamurti: Entremos nisso devagar.

Bohm: O cérebro não cria a inteligência, mas é um instrumento que auxilia a inteligência a funcionar. É isso.

Krishnamurti: É isso. Agora se o cérebro estiver funcionando dentro do campo do tempo, para cima e para baixo, negativamente, positivamente, pode a inteligência operar nesse movimento de tempo? Ou deve esse instrumento estar quieto para que a inteligência possa operar?

Bohm: Sim. Eu colocaria isso de forma levemente diferente. A quietude do instrumento é a operação a inteligência.

Krishnamurti: Sim, isso está correto. Os dois não estão separados.

Bohm: Eles são um e o mesmo. A não-quietude do instrumento é a falha da inteligência.

Krishnamurti: Está correto.

Bohm: Mas acho que seria útil retornar a questões que tendem a ser levantadas no todo do pensamento científico e filosófico. Nós faríamos a pergunta: há algum sentido no qual a inteligência exista independentemente da matéria? Você vê que algumas pessoas têm achado que pensamento e matéria têm alguma espécie de existência separada. Essa é uma questão que vem à tona. Pode não ser relevante, mas acho que deveria ser considerada para auxiliar a tornar a mente quieta. Considerar questões que não podem ser claramente respondidas é uma das coisas que perturba a mente.

Krishnamurti: Mas veja, senhor, quando você diz “auxiliar a mente a se tornar quieta”, o pensamento vai ajudar no despertar da inteligência? É este o significado da frase, não? Pensamento e matéria e o exercício do pensamento e o movimento do pensamento, ou o pensamento dizendo a si mesmo “Ficarei quieto com o fim de auxiliar o despertar da inteligência”. Qualquer movimento do pensamento é tempo, qualquer movimento, porque o pensamento é mensurável, está funcionando positivamente ou negativamente, harmoniosamente ou desarmoniosamente, neste campo. E compreendendo isso, o pensamento pode dizer  inconscientemente, de modo desapercebido, que “Ficarei quieto para conseguir isto ou aquilo”, então isto está ainda dentro do campo do tempo.

Bohm: Sim. Ele está ainda projetando.

Krishnamurti: O pensamento está projetando a coisa para capturá-la. Então como a inteligência tem lugar – não como – quando ela desperta?

Bohm: Uma vez mais a questão está no tempo.

Krishnamurti: É por isso que não quero usar as palavras “quando”, “como”.

Bohm: Você deveria talvez dizer que a condição para o despertar da inteligência é a inoperância do pensamento.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Mas, como o despertar da inteligência, essa inoperância não é apenas a condição. Não se pode nem mesmo perguntar se há condições para a inteligência despertar. Até mesmo falar sobre uma condição é uma forma de pensamento.

Krishnamurti: Sim. Concordemos que qualquer movimento do pensamento, em qualquer direção, vertical, horizontal, em ação ou inação, está ainda dentro do tempo – qualquer movimento do pensamento.

Bohm: Sim.

Krishnamurti: Então qual é a relação do movimento com essa inteligência que não é um movimento, que não é do tempo, que não é o produto do pensamento? Onde os dois podem se encontrar?

Bohm: Eles não se encontram. Mas ainda assim há uma relação.

Krishnamurti: Isso é o que estamos tentando descobrir. Há qualquer relação, em primeiro lugar? Pensa-se que haja uma relação, espera-se que haja uma relação, projeta-se uma relação. Há uma relação, de todo?

Bohm: Isso depende do que você quer dizer com relação.

Krishnamurti: Relação: estar em contato com, reconhecimento, um sentimento de estar tocando.

Bohm: Bem, a palavra relação deve significar algo mais.

Krishnamurti: Que outro significado tem?

Bohm: Por exemplo, há o paralelo, não há? A harmonia entre duas coisas. Isso é, duas coisas podem estar em relação sem contato, mas por estarem simplesmente em harmonia.

Krishnamurti: Harmonia significa um movimento das duas numa mesma direção?

Bohm: Deve significar também, em certo sentido, continuar na mesma ordem.

Krishnamurti: Na mesma ordem: mesma direção, mesma profundidade, mesma intensidade – tudo isso é harmonia. Mas pode o pensamento sequer ser harmônico? – pensamento como movimento, não pensamento estático.

Bohm: Entendo. Há aquele pensamento que se abstrai como estático, na geometria, digamos, que pode ter alguma harmonia; mas o pensamento, como realmente se move, é sempre contraditório.

Krishnamurti: Portanto ele não tem harmonia em si mesmo. Mas a inteligência tem harmonia em si mesma.

Bohm: Acho que vejo a fonte da confusão. Nós temos os produtos estáticos do pensamento que parecem ter uma certa harmonia relativa. Mas essa harmonia é realmente o resultado da inteligência, ao menos me parece. Na matemática, podemos obter uma certa harmonia relativa do produto do pensamento, ainda que o real movimento de pensamento do matemático não esteja necessariamente em harmonia, geralmente não estará em harmonia. Agora, essa harmonia que aparece na matemática é o resultado da inteligência, não?

Krishnamurti: Prossiga, senhor.

Bohm: Não é harmonia perfeita porque tem sido provado que toda forma de matemática tem algum limite; por isso chamo isso de uma harmonia apenas relativa.

Krishnamurti: Sim. Agora, no movimento do pensamento há harmonia? Se há, então ele tem relação com a inteligência. Se não há harmonia, mas contradições e todo o resto, então o pensamento não tem relação com a inteligência.

Bohm: Então você diria que poderíamos funcionar inteiramente sem pensamento?

Krishnamurti: Eu colocaria isso de outra forma. A inteligência usa o pensamento.

Bohm: Tudo bem. Mas como ela pode utilizar algo que está desarmonioso?

Krishnamurti: Expressão, comunicação, usando o pensamento que é contraditório, que não é harmonioso, para criar coisas no mundo.

Bohm: Mas ainda assim deve haver harmonia em algum outro aspecto, naquilo que é feito com o pensamento, no que acabamos de descrever.

Krishnamurti: Vamos vagarosamente. Podemos primeiro pôr em palavras, negativamente ou positivamente, o que é inteligência, o que não é inteligência? Ou isso é impossível porque as palavras são pensamento, tempo, medida e etc.?

Bohm: Não podemos pôr em palavras. Estamos tentando apontar. Podemos dizer que o pensamento pode funcionar como um ponteiro para a inteligência, e então sua contradição não importa.

Krishnamurti: Isso está correto. Isso está correto.

Bohm: Porque não estamos utilizando o pensamento por seu conteúdo, ou seu significado, mas,  em vez disso, como um ponteiro que aponta para além do domínio do tempo.

Krishnamurti: Então o pensamento é um ponteiro. O conteúdo é a inteligência.

Bohm: O conteúdo para o qual o pensamento aponta.

Krishnamurti: Sim. Podemos dispor a coisa de modo inteiramente diferente? Podemos dizer, o pensamento é estéril?

Bohm: Sim. Quando se move por si mesmo, sim.

Krishnamurti: Que é mecânico e todo o resto. O pensamento é um ponteiro, mas sem inteligência o ponteiro não tem valor.

Bohm: Poderíamos dizer que a inteligência lê o ponteiro? Se não tiver ninguém para lê-lo, então o ponteiro não aponta.

Krishnamurti: De fato. Então a inteligência é necessária. Sem ela, o pensamento não tem significado, de todo.

Bohm: Mas agora poderíamos dizer que se o pensamento não é inteligente ele aponta de um modo muito confuso?

Krishnamurti: Sim, de um modo irrelevante.

Bohm: Irrelevante, sem significado e etc. Então com inteligência ele começa a apontar de uma outro modo. Mas então de alguma forma pensamento e inteligência parecem se fundir numa função comum.

Krishnamurti: Sim. Então podemos perguntar: o que é ação relacionada à inteligência? Certo?

Bohm: Sim.

Krishnamurti: O que é ação em relação com a inteligência, e, na execução dessa ação, o pensamento é necessário?

Bohm: Sim; bem, o pensamento é necessário e esse pensamento aponta obviamente em direção à matéria. Mas parece apontar nos dois sentidos – para trás, em direção à inteligência, também. Uma das questões que sempre vêm à tona é: deveríamos dizer que inteligência e matéria são meramente uma distinção dentro da mesma coisa, ou elas são diferentes? Estão realmente separadas?

Krishnamurti: Eu acho que estão separadas, são distintas.

Bohm: São distintas, mas estão realmente separadas?

Krishnamurti: O que você quer dizer por “separadas”? Não relacionadas, não conectadas, sem uma fonte comum?

Bohm: Sim. Elas têm uma fonte comum?

Krishnamurti: Esse é o ponto. Pensamento, matéria e inteligência, têm eles uma fonte comum? (longa pausa) Acho que têm.

Bohm: De outra maneira, não poderia haver harmonia, obviamente.

Krishnamurti: Mas veja, o pensamento tem dominado o mundo. Você entende? – dominado.

Bohm: Domina o mundo.

Krishnamurti: O pensamento, o intelecto, domina o mundo. E portanto a inteligência tem um lugar muito pequeno aqui. Quando uma coisa domina, a outra tem de ser subserviente.

Bohm: Pergunta-se, não sei se é relevante, como isso veio a acontecer.

Krishnamurti: Isso é extremamente simples.

Bohm: O que você diria?

Krishnamurti: O pensamento tem que ter segurança; está procurando por segurança em todo o seu movimento.

Bohm: Sim.

Krishnamurti: Mas a inteligência não está buscando segurança. Ela não tem segurança. A idéia de segurança não existe na inteligência. Ela por si mesma é segura, e não “busca segurança”.

Bohm: Sim, mas como aconteceu de a inteligência permitir que fosse dominada?

Krishnamurti: Ó, isso está muito claro. Prazer, conforto, segurança física, primeiro de tudo segurança física: segurança no relacionamento, segurança na ação, segurança...

Bohm: Mas isso é a ilusão da segurança.

Krishnamurti: Ilusão de segurança, com certeza.

Bohm: Você diria que o pensamento escapou do controle e deixou de permitir que a inteligência o mantivesse em um estado ordenado, ou pelo menos que deixou de estar em harmonia com ela, e começou a mover-se por conta própria.

Krishnamurti: Por conta própria.

Bohm: Buscando segurança e prazer e etc.

Krishnamurti: Como estávamos dizendo outro dia em nossa conversa, todo o mundo ocidental é baseado na medida; e o mundo oriental tentou ir além dela. Mas eles utilizaram o pensamento para isso.

Bohm: Tentaram, de qualquer forma.

Krishnamurti: Tentaram ir além da medida pelo exercício do pensamento; portanto, foram capturados no pensamento. Agora, segurança, segurança física, é necessária e portanto a existência física, os prazeres físicos, o bem-estar físico se tornou tremendamente importante.

Bohm: Sim, estava pensando um pouco sobre isso. Se você retroceder até o animal, então há a resposta instintiva em direção ao prazer e à segurança: isso estaria correto. Mas agora, quando o pensamento entra, pode ofuscar o instinto e produzir toda sorte de glamour, mais prazer,  mais segurança. E os instintos não são inteligentes o suficiente para lidar com a complexidade do pensamento, portanto o pensamento cai no erro, porque excitou os instintos e eles demandam mais.

Krishnamurti: Então o pensamento realmente criou um mundo de ilusão, miasma, confusão, e pôs a inteligência de lado.

Bohm: Bem, como dissemos antes, isso tornou o cérebro muito caótico e barulhento e a inteligência é o silêncio do cérebro; portanto, o cérebro barulhento não é inteligente.

Krishnamurti: O cérebro barulhento não é inteligente, é claro!

Bohm: Bem, isso explica mais ou menos a origem da coisa.

Krishnamurti: Nós estamos tentando descobrir qual a relação, na ação, entre o pensamento e a inteligência. Tudo é ação ou inação. E qual a relação disso com a inteligência? O pensamento realmente produz ação caótica, ação fragmentária.

Bohm: Quando não é comandado pela inteligência.

Krishnamurti: E não é, no modo como nós todos vivemos.

Bohm: Isto se deve ao que acabamos de dizer.

Krishnamurti: Isto é atividade fragmentada; não é uma atividade de uma totalidade. A ação da totalidade é inteligência.

Bohm: A inteligência também tem de entender a atividade do pensamento.

Krishnamurti: Sim, nós dissemos isso.

Bohm: Agora você diria que, quando a inteligência compreende a atividade do pensamento, o pensamento é diferente em sua operação?

Krishnamurti: Sim, obviamente. Isso é, se o pensamento criou o nacionalismo como meio de segurança e então vê a falácia disso, o ver a falácia disso é inteligência. O pensamento então cria um tipo de mundo diferente, no qual o nacionalismo não existe.

Bohm: Sim.

Krishnamurti: E nem divisão, guerra, conflito e todo o resto.

Bohm: Isso está bem claro. A inteligência vê a falsidade do que está acontecendo. Quando o pensamento está livre desta falsidade, é diferente. Então ele começa a ser um paralelo para a inteligência.

Krishnamurti: Isso está correto.

Bohm: Isso é, ele começa a levar as implicações da inteligência.

Krishnamurti: Portanto o pensamento tem um lugar.

Bohm: Isso é muito interessante porque o pensamento nunca é de fato controlado ou dominado pela inteligência, mas sempre se move por conta própria. Mas à luz da inteligência, quando a falsidade é vista, então o pensamento se move paralelamente ou em harmonia com a inteligência.

Krishnamurti: Isso está correto.

Bohm: Mas nunca há nada que force o pensamento a fazer o que quer que seja. Isso sugeriria que a inteligência e o pensamento têm essa origem ou substância comum, e que são duas formas de chamar a atenção para um todo maior.

Krishnamurti: Sim. Pode-se ver como politicamente, religiosamente, psicologicamente,  o pensamento tem criado um mundo de tremenda contradição, fragmentação, e a inteligência que é o produto dessa confusão então tenta trazer ordem à confusão. Não é aquela inteligência que vê a falsidade disso tudo. Não sei se estou me fazendo entender. Você vê, pode-se ser terrivelmente inteligente, ainda que se seja caótico.

Bohm: Bem, em alguns aspectos.

Krishnamurti: Isso é o que está acontecendo no mundo.

Bohm: Mas eu suponho que seja difícil de entender isso nesse momento. Poder-se-ia dizer que numa esfera limitada parece que a inteligência é capaz de operar, mas, fora dela, não.

Krishnamurti: Nós estamos, afinal, preocupados com o viver, não com teorias. Está-se preocupado com uma vida em que a inteligência opere. Inteligência que não pertence ao tempo, que não pertence à medida, que não é o produto ou o movimento do pensamento, ou da ordem do pensamento. Agora um ser humano quer viver um tipo diferente de vida. Ele está dominado pelo pensamento, seu pensamento está sempre funcionando na medição,  na comparação, no conflito. Ele pergunta “Como posso tornar-me livre de tudo isso com o fim de ser inteligente?”, “Como pode o ‘eu’, como posso ‘eu’ ser o instrumento dessa inteligência?”.

Bohm: Obviamente, isso não pode ser.

Krishnamurti: Exatamente!

Bohm: Porque esse pensamento no tempo é a essência da não-inteligência. 

Krishnamurti: Mas está-se pensando nesses termos todo o tempo.

Bohm: Sim. Isso é o pensamento projetando algum tipo de fantasia do que seja inteligência, e tentando alcançar essa fantasia.

Krishnamurti: Portanto eu diria que o pensamento deve estar completamente quieto para o despertar da inteligência. Não pode haver um movimento de pensamento e ocorrer o despertar da inteligência.

Bohm: Isso está claro em um nível. Consideramos o pensamento como sendo realmente mecânico e isso pode ser percebido num nível – mas o mecanismo ainda continua.

Krishnamurti: Continua, sim...

Bohm: ... através dos instintos, prazer, medo e etc. A inteligência tem de vir para segurar essa questão dos prazeres, medos, desejos, que fazem o pensamento continuar.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: E você vê, há sempre uma armadilha: isso é apenas nosso conceito ou imagem da questão, que é parcial.

Krishnamurti: Então, como ser humano, eu ficaria preocupado apenas com essa questão central. Eu sei o quão confusa, contraditória, desarmoniosa a vida está. É possível modificar isso de modo que a inteligência possa funcionar em minha vida, de modo que eu possa viver sem desarmonia, de modo que o ponteiro, a direção seja guiada pela inteligência? Esse talvez seja o porquê de as pessoas religiosas, em vez de utilizarem a palavra inteligência, terem utilizado a palavra Deus.

Bohm: Qual a vantagem?

Krishnamurti: Não sei qual é a vantagem.

Bohm: Mas por que utilizar tal palavra?

Krishnamurti: Ela veio do medo primitivo, medo da natureza, e, gradualmente, a partir disso, cresceu a idéia de que há um pai superior.

Bohm: Mas isso ainda é o pensamento funcionando por si mesmo, sem inteligência.

Krishnamurti: É claro. Estou apenas relembrando. Dizem confie em Deus, tenha fé em Deus, e então Deus operará através de você.

Bohm: Deus é talvez uma metáfora para inteligência – mas as pessoas geralmente não tomam isso como uma metáfora.

Krishnamurti: Claro que não, é uma imagem terrificante.

Bohm: Sim. Poder-se-ia dizer que, se Deus significa aquilo que é imensurável, que está além do pensamento...

Krishnamurti: ...e inominável, imensurável, portanto não tem uma imagem.

Bohm: Então vai operar dentro do mensurável.

Krishnamurti: Sim. O que estou tentando transmitir é que o desejo por essa inteligência, através do tempo, tem criado a imagem de Deus. E através da imagem de Deus, Jesus, Krishna, ou quem quer que seja, tendo fé nisso – o que ainda é o movimento do pensamento – espera-se que haja harmonia na própria vida.

Bohm: E essa espécie de imagem, porque é tão total, produz um desejo, uma urgência sobrepujante; isto é, que sobrepuja a racionalidade ... tudo.

Krishnamurti: Você ouviu, outro dia, o que os arcebispos e bispos estavam dizendo, que apenas Jesus importa, nada mais.

Bohm: Mas esse é o mesmo movimento pelo qual o prazer sobrepuja a racionalidade.

Krishnamurti: O medo e o prazer.

Bohm: Eles sobrepujam; nenhuma proporção pode ser estabelecida.

Krishnamurti: Sim, o que estou tentando dizer é: você vê, o mundo inteiro está condicionado dessa forma.

Bohm: Sim, mas a questão é aquilo a que você aludiu: o que é esse mundo que está condicionado dessa forma? Se tomarmos esse mundo como existente independentemente do pensamento, então caímos na mesma armadilha de novo.

Krishnamurti: É claro, é claro.

Bohm: Isso é, o mundo condicional inteiro é o resultado desse modo de pensar, é tanto a causa quanto o efeito desse modo de pensar.

Krishnamurti: Correto.

Bohm: E essa forma de pensar é desarmonia e caos e não-inteligência e etc.

Krishnamurti: Eu estava ouvindo a Conferência do Partido Trabalhista em Blackpool – quão espertos, alguns deles muito sérios, bilíngües e tudo o mais, pensando em termos de Partido Trabalhista e Partido Conservador. Eles não dizem “Juntemo-nos e vejamos o que é o melhor para os seres humanos.”

Bohm: Eles não são capazes.

Krishnamurti: Isso mesmo, mas eles estão exercitando sua inteligência!

Bohm: Bem, naquele padrão limitado. Isso é o que tem sido sempre nosso problema; as pessoas têm desenvolvido tecnologia e outras coisas em termos de alguma inteligência limitada, que está servindo a propósitos altamente não-inteligentes.

Krishnamurti: Sim, é isso.

Bohm: Por milhares de anos isso tem prosseguido. Então, é claro, as reações surgem: os problemas são muito grandes, muito vastos.

Krishnamurti: Mas isso é realmente muito simples, extraordinariamente simples, esse sentido de harmonia. Porque é simples, pode funcionar no mais complexo campo.

Krishnamurti: Regressemos. Dissemos que a fonte do pensamento e da inteligência é comum...

Bohm: Sim, chegamos até aí.

Krishnamurti: O que é essa fonte? Ela é geralmente atribuída a algum conceito filosófico, ou dizem que essa fonte é Deus – eu estou apenas usando essa palavra por ora – ou Brahman. Essa fonte é comum, é o movimento central que divide a si mesmo em matéria e inteligência. Mas isto é apenas uma asserção verbal, é apenas uma idéia, que ainda é pensamento. Não se pode encontrar isso pelo pensamento.

Bohm: Isso levanta a questão: se você encontra isso, então o que é “você”?

Krishnamurti: “Você” não existe. “Você” não pode existir quando você está perguntando qual é a fonte. “Você” é tempo, movimento, condicionamento ambiental – você é tudo isso.

Bohm: Nessa questão, o todo dessa divisão é posto de lado.

Krishnamurti: Absolutamente. Esse é o ponto, não?

Bohm: Não há tempo...

Krishnamurti: E ainda assim continuamos dizendo “Eu não exercitarei o pensamento”. Quando o “eu” entra, isso significa divisão: então, entendendo o todo disso – sobre o que estivemos conversando – eu elimino o “eu”, inteiramente.

Bohm: Mas isso soa como uma contradição.

Krishnamurti: Eu sei. Eu não posso eliminá-lo. Isso acontece. Então o que é a fonte? Ela pode sequer ser nomeada? Por exemplo, o sentimento religioso dos  judeus é que isso é inominável: você não nomeia, não pode falar a respeito, não pode tocar. Pode-se apenas olhar. E os hindus e outros dizem a mesma coisa de um modo diferente. Os cristãos iludiram a si mesmos pela palavra Jesus, essa imagem, eles nunca foram à fonte disso.

Bohm: Essa é uma questão complexa; pode ser que eles estivessem tentando sintetizar muitas filosofias, hebraica, grega e oriental.

Krishnamurti: Agora eu quero chegar a isto: o que é a fonte? Pode o pensamento encontrá-la? E ainda assim o pensamento nasceu dessa fonte; e a inteligência também. São como dois fluxos se movendo em direções diferentes.

Bohm: Você diria que a matéria também nasce dessa fonte, de modo mais geral?

Krishnamurti: Claro.

Bohm: Eu quero dizer todo o universo. Mas então a fonte está além do universo.

Krishnamurti: É claro. Podemos colocar desse modo? O pensamento é energia, assim como a inteligência.

Bohm: Assim como a matéria.

Krishnamurti: Pensamento, matéria, o mecânico, é energia. Inteligência também é energia. O pensamento está confuso, poluído, dividindo a si mesmo, fragmentando a si mesmo.

Bohm: Sim, ele é múltiplo.

Krishnamurti: E a inteligência não. Não está poluída. Não pode dividir a si mesma como “minha inteligência” e “sua inteligência”. Ela é inteligência, não é divisível. Agora ela brotou de uma fonte de energia que dividiu a si mesma.

Bohm: Por que ela se dividiu?

Krishnamurti: Por razões físicas, por conforto...

Bohm: Para manter a existência física. Então uma parte da inteligência foi modificada de um modo que pudesse auxiliar a manter a existência física.

Krishnamurti: Sim.

Bohm: Isso se desenvolveu de uma certa maneira.

Krishnamurti: E prosseguiu dessa maneira. Os dois são energia. Há apenas uma energia.

Bohm: Sim, eles são diferentes formas de energia. Há muitas analogias para isso, embora numa escala muito mais limitada. Na física, poder-se-ia dizer que a luz é ordinariamente um movimento de onda muito complexo, mas, no laser, pode-se fazer com que se mova toda junta, num modo muito simples e harmônico.

Krishnamurti: Sim. Eu estive lendo sobre o laser. Que coisas monstruosas irão fazer com ele.

Bohm: Sim, utilizando-o destrutivamente. O pensamento pode obter coisas boas mas então elas sempre são utilizadas de um modo mais bruto que é destrutivo.

Krishnamurti: Então há apenas energia, que é a fonte.

Bohm: Você diria que a energia é um tipo de movimento?

Krishnamurti: Não, ela é energia. No momento em que se torna movimento, cai nesse campo do pensamento.

Bohm: Nós temos de tornar mais clara essa noção de energia. Eu pesquisei essa palavra também. Você vê, ela está baseada na noção de trabalho; energia significa “trabalhar internamente”.

Krishnamurti: Trabalhar internamente, sim.

Bohm: Mas agora você diz que há uma energia que funciona, mas sem movimento.

Krishnamurti: Sim. Eu estava pensando sobre isso ontem – não pensando – eu compreendi que a fonte está lá, incontaminada, não-movimento, intocada pelo pensamento, está lá. A partir dela, esses dois nasceram. Por que nasceram, de todo?

Bohm: Um era necessário à sobrevivência.

Krishnamurti: Isso é tudo. Na sobrevivência, a fonte – em sua totalidade, em sua completude – foi negada, ou posta de lado. Aquilo a que estou tentando chegar é isso, senhor. Eu quero descobrir, como um ser humano vivendo nesse mundo com todo caos e sofrimento, pode a mente humana tocar essa fonte na qual as duas divisões não existem? – e, por haver tocado essa fonte, que não tem divisões, pode essa mente operar sem o senso de divisão? Não sei se estou conseguindo transmitir isso.

Bohm: Mas como é possível à mente humana não tocar a fonte? Por que ela não toca a fonte?

Krishnamurti: Porque somos consumidos pelo pensamento, pela esperteza do pensamento, pelo movimento do pensamento. Todos os seus deuses, suas meditações – tudo é pensamento.

Bohm: Sim. Acho que isso nos traz à questão de vida e morte. Isso se relaciona à sobrevivência; porque essa é uma das coisas que entram no caminho.

Krishnamurti: O pensamento e seu campo de segurança, seu desejo por segurança, criou a morte como algo separado dele mesmo.

Bohm: Sim, esse pode ser o ponto-chave.

Krishnamurti: E é.

Bohm: Pode-se olhar para isso dessa forma. O pensamento construiu a si mesmo como um instrumento para a sobrevivência. Agora no entanto...

Krishnamurti: ...ele criou a imortalidade em Jesus, ou nisso ou naquilo.

Bohm: O pensamento não pode possivelmente contemplar sua própria morte. Então, se tenta fazê-lo, sempre projeta algo mais, algum outro ponto de vista mais amplo a partir do qual parece estar observando a morte. Se qualquer um tenta imaginar que está morto, então está ainda imaginando que está vivo e olhando a si mesmo como morto. Pode-se sempre complicar isso em toda espécie de noção religiosa; mas parece ser inerente ao pensamento a impossibilidade de considerar a morte apropriadamente.

Krishnamurti: Ele não pode. Isto significa terminar a si mesmo.

Bohm: Isso é muito interessante. Suponha que consideramos a morte do corpo, que vemos de fora; o organismo morre, perde sua energia e portanto desfalece.

Krishnamurti: É que o corpo é o instrumento da energia.

Bohm: Então digamos que a energia cesse de imbuir o corpo e portanto o corpo não possua mais qualquer inteireza. Poder-se-ia dizer o mesmo com o pensamento; a energia de determinadas maneiras segue para o pensamento, assim como para o corpo – é assim?

Krishnamurti: Correto.

Bohm: Você e outras pessoas têm freqüentemente usado a frase: “A mente morre para todo pensamento.”. Essa forma de colocação induz à confusão num primeiro momento, porque se acharia que o pensamento é que deveria morrer.

Krishnamurti: De fato.

Bohm: Mas agora você está dizendo que é a mente que morre, ou a energia que morre para o pensamento. O mais próximo que posso chegar do significado disso é que quando o pensamento está trabalhando, está investido com uma certa energia pela mente ou pela inteligência; e quando o pensamento não é mais relevante, então a energia se vai e o pensamento é como um organismo morto.

Krishnamurti: Está correto.

Bohm: Agora é muito difícil para a mente aceitar isso. A comparação entre pensamento e organismo parece tão pobre, porque o pensamento não é substancial e o organismo é. Então a morte do organismo aparenta ser algo muito mais significante do que a morte do pensamento. Agora esse é um ponto que não está claro. Você diria que na morte do pensamento nós temos a essência da morte do organismo?

Krishnamurti: Obviamente.

Bohm: Embora essa morte esteja numa escala menor, como de fato está, é da mesma natureza?

Krishnamurti: Como dissemos, há energia nos dois, e o pensamento em seu movimento é dessa energia, e o pensamento não pode ver a si mesmo morrer.

Bohm: Ele não tem meio de imaginar, projetar, ou conceber sua própria morte.

Krishnamurti: Portanto, ele foge da morte.

Bohm: Bem, ele provê a si mesmo a ilusão.

Krishnamurti: Ilusão, é claro. E ele criou a ilusão da imortalidade ou um estado além da morte, uma projeção de seu próprio desejo por continuidade.

Bohm: Bem, essa é uma coisa, que o pensamento pode ter começado por desejar a continuidade do organismo.

Krishnamurti: Sim, está correto, e então foi além disso.

Bohm: Foi além disso, para desejar sua própria continuidade. Esse foi o engano, foi aí que ele errou. Encarou a si mesmo como uma extensão, não meramente uma extensão, mas a essência do organismo. Primeiro o pensamento está funcionando meramente no organismo e então começa e ver a si mesmo como a essência do organismo.

Krishnamurti: Correto.

Bohm: Então o pensamento começa a desejar sua própria imortalidade.

Krishnamurti: E o pensamento sabe, está muito bem consciente de que não é imortal.

Bohm: Ele sabe disso apenas de fora, no entanto. Quero dizer, ele sabe disso como um fato externo.

Krishnamurti: Portanto cria a imortalidade em figuras, imagens.

Krishnamurti: Eu ouço tudo isso como alguém que está de fora e digo a mim mesmo “Isto é perfeitamente verdadeiro,  tão claro, lógico, são; nós vemos isso bem claramente,  tanto psicológica quanto fisicamente.” Agora minha questão, observando tudo isso, é: pode a mente manter a pureza da fonte original? A imaculada clareza original daquela energia que não é tocada pela corrupção do pensamento? Não sei se estou expondo claramente.

Bohm: A questão está clara.

Krishnamurti: Pode a mente fazer isso? Pode a mente sequer descobrir isso?

Bohm: O que é a mente?

Krishnamurti: A mente, como nós dizemos agora, ou organismo, o pensamento, o cérebro com todas as suas memórias, experiências e tudo isso, que é tudo do tempo. E a mente diz “Posso chegar a isso?”. Ela não pode. Então eu digo a mim mesmo “Como ela não pode, ficarei quieto.”. Você vê os truques que ela tem pregado.

Bohm: Sim.

Krishnamurti: Eu aprenderei como estar quieto; aprenderei como meditar com o objetivo de ficar quieto. Eu vejo a importância de se ter uma mente que seja livre do tempo, livre do mecanismo do pensamento, eu a controlarei, a subjugarei, expulsarei o pensamento. Mas isto ainda é operação do pensamento. Isso está muito claro. Então o que ela deve fazer? Porque um ser humano vive nessa desarmonia, ele deve questionar isso. E isso é o que estamos fazendo. Como começamos a questionar isso, ou no questionar, chegamos a essa fonte. É ela uma percepção, um insight, e esse insight não tem nada, coisa alguma a ver com o pensamento? É o insight o resultado do pensamento? A conclusão de um insight é pensamento, mas o insight propriamente não é pensamento. Assim, eu obtive uma chave para isso. Então o que é insight? Posso convidá-lo, cultivá-lo?

Bohm: Você não pode fazer nenhuma dessas coisas. Mas há um tipo de energia que é necessário.

Krishnamurti: Exatamente. Eu não posso fazer nenhuma daquelas coisas. Quando eu cultivo o insight, isso é desejo. Quando digo que vou fazer isto ou aquilo, é o mesmo. Então o insight não é o produto do pensamento. Não está na ordem do pensamento. Agora, como se chega até esse insight? (Pausa) Nós já chegamos a ele por havermos negado tudo aquilo.

Bohm: Sim, ele está lá. Você não pode nunca responder àquela questão de como você chega até qualquer coisa.

Krishnamurti: Não. Eu acho que isto está muito claro, senhor. Você chega até o insight quando você vê toda a coisa. Então o insight é a percepção do todo. Um fragmento não pode ver isso, mas o “eu” vê os fragmentos, e o “eu” vendo os fragmentos vê o todo, e a qualidade de uma mente que vê o todo não é tocada pelo pensamento; portanto há percepção, há insight.

Bohm: Talvez devamos ir mais devagar a esse respeito. Nós vemos todos os fragmentos: poderíamos dizer que a energia, a atividade real que vê esses fragmentos é inteira?

Krishnamurti: Sim, sim.

Bohm: Nós nem sequer fazemos esforço para ver o todo porque...

Krishnamurti: ...nós somos educados – e todo o resto.

Bohm: Mas eu quero dizer, nós de qualquer forma não veríamos o todo como alguma coisa. Em vez disso, a totalidade é a liberdade de ver todos os fragmentos.

Krishnamurti: Isso está correto. Liberdade para ver. A liberdade não existe quando há fragmentos.

Bohm: Isso cria um paradoxo.

Krishnamurti: É claro.

Bohm: Mas o todo não começa a partir dos fragmentos. Uma vez que o todo opera, não há fragmentos. Então o paradoxo surge da suposição de que os fragmentos são reais, de que eles existem independentemente do pensamento. Então você diria, eu suponho, que os fragmentos existem comigo em meus pensamentos, e então eu devo de alguma forma fazer alguma coisa com relação a eles – o que seria um paradoxo. O todo começa pelo insight de que esses fragmentos são, de certa maneira, nada. É assim que isso parece ser, para mim. Eles não são substanciais. São muito insubstanciais.

Krishnamurti: Insubstanciais, sim.

Bohm: E portanto eles não impedem a totalidade.

Krishnamurti: Com efeito.

Bohm: Você vê, uma das coisas que freqüentemente causa confusão é isso, quando você põe os fragmentos em termos de pensamento,  parece que você está diante dos fragmentos, que são reais, realidade substancial. Então você tem de vê-los, e no entanto, você diz, enquanto os fragmentos existam, não há totalidade, de modo que você não pode vê-los. Mas tudo isso retorna para a coisa, a fonte.

Krishnamurti: Eu estou certo, senhor, pessoas realmente sérias têm feito essa pergunta. Eles a têm feito e têm tentado encontrar uma resposta através do pensamento.

Bohm: Sim, bem, isso parece natural.

Krishnamurti: E eles nunca perceberam que foram pegos no pensamento.

Bohm: Esse é sempre o problema. Todo mundo se depara com esse problema: parece que se está olhando para qualquer coisa, para seus próprios problemas, dizendo “Esses são meus problemas, eu estou olhando.”. Mas esse olhar é apenas pensar, mas é confundido com olhar. Essa é uma das confusões que surgem. Se você diz “não pense, apenas olhe” a pessoa sente que já está olhando.

Krishnamurti: De fato. Então você vê, essa questão surgiu e eles dizem “Tudo bem, então eu devo controlar o pensamento, subjugar o pensamento e devo tornar minha mente quieta de modo que ela se torne inteira, então eu poderei ver as partes, todos os fragmentos, então eu tocarei a fonte.”. Mas isso ainda é a operação do pensamento.

Bohm: Sim, isso significa que a operação do pensamento é inconsciente para a maioria e portanto a pessoa não sabe quando ela está acontecendo. Nós podemos dizer que conscientemente compreendemos que tudo isso tem de ser modificado, tem de ser diferente.

Krishnamurti: Mas isso ainda está ocorrendo inconscientemente. Então você pode falar ao meu inconsciente, sabendo que meu cérebro consciente vai resistir a você? Porque você está me contando algo que é revolucionário, você está me dizendo algo que abala toda a minha casa que eu construí com tanto esmero, e eu não lhe darei ouvidos – você entendeu? Em minhas reações instintivas eu o afasto. Então você compreende isso e diz “Veja, tudo bem, velho amigo, apenas não se preocupe em me dar ouvidos. Eu vou falar ao seu inconsciente. Eu vou falar ao seu inconsciente e fazer com que ele veja que qualquer movimento que faça está ainda dentro do campo do tempo e etc.”. Assim, sua mente consciente nunca está em operação. Quando ela opera, deve inevitavelmente resistir também, ou dizer “Eu vou aceitar”; portanto ela cria um conflito nela mesma. Então, você pode falar ao meu inconsciente?

Bohm: Pode-se sempre perguntar como.

Krishnamurti: Não, não. Você pode dizer a um amigo “Não resista, não pense sobre isso, mas eu vou falar com você.”. “Nós dois estamos nos comunicando um com outro sem que a mente consciente ouça.”

Bohm: Sim.

Krishnamurti: Eu acho que isso é o que realmente ocorre. Quando você estava falando comigo – eu estive percebendo – eu não estava escutando muito suas palavras. Eu estava escutando você. Eu estava aberto a você, não a suas palavras, o que você explicou e etc. Eu disse a mim mesmo, tudo bem, abandone tudo isso, eu estou ouvindo você, não as palavras que você usa, mas o significado, a qualidade interior do seu sentimento que você queria me comunicar.

Bohm: Eu entendo.

Krishnamurti: Isso me modifica, não toda essa verbalização. Então você pode falar comigo sobre minhas idiotices, minha ilusões, minhas tendências peculiares, sem a mente consciente interferindo e dizendo “Por favor, não toque em tudo isso, deixe-me sozinho!”. Tentaram propaganda subliminar em anúncios, de modo que você não estaria prestando verdadeira atenção, seu inconsciente estaria, então você compraria aquela sopa em particular! Não estamos fazendo isso, o que seria mortal. O que estou dizendo é: não me escute com seus ouvidos conscientes, mas escute-me com os ouvidos que ouvem muito mais fundo. Essa é a forma com que eu ouvi você esta manhã, porque eu estou terrivelmente interessado na fonte, como você está. Você entendeu, senhor? Eu estou realmente interessado naquela coisa única. Tudo isso é o explicável, facilmente entendido – mas chegar junto àquela coisa, senti-la próxima! Você entendeu? Eu acho que esse é o modo de quebrar um condicionamento,  um hábito, uma imagem que tem sido cultivada. Você fala sobre isso num nível em que a mente consciente não está totalmente interessada. Isso soa tolo, mas você entende o que quero dizer? Digamos, por exemplo que eu tenho um condicionamento; você pode apontá-lo dúzias de vezes, argumentar, mostrar a falácia dele, a estupidez – mas eu ainda continuo. Eu resisto, eu digo o que deveria ser, o que eu, na realidade, deveria fazer nesse mundo, e todo o resto. Mas você vê a verdade, que enquanto a mente está condicionada haverá conflito. Então você penetra ou empurra minha resistência para o lado e chega ao inconsciente, faz com que ele ouça você, porque o inconsciente é muito mais sutil,  muito mais rápido. Ele pode estar assustado, mas vê o perigo do medo muito mais rápido do que a mente consciente o faz. Como quando eu estava caminhando na Califórnia no alto das montanhas: eu estava olhando para os pássaros e árvores e observando,  e ouvi uma serpente e saltei. Foi o inconsciente que fez o corpo pular; eu vi a serpente quando saltei, estava a dois ou três pés de mim, poderia ter me picado muito facilmente. Se o cérebro consciente estivesse operando, levaria vários segundos.

Bohm: Para alcançar o inconsciente você tem de ter uma ação que não apele diretamente ao consciente.

Krishnamurti: Sim. Isso é afeição, isso é amor. Quando você fala à minha consciência desperta, ela é dura, esperta, sutil, aguda. E você a penetra, penetra-a com seu ver, com sua afeição, com todo o sentimento que tem. Isso opera, nada mais.

Brockwood Park
7 de Outubro de 1972

1. David Bohm, Professor de Física Teórica no Birbeck College, Universidade de Londres; autor de Causalidade & Chance na Física Moderna,  Teoria Quântica, e A Teoria da Relatividade Especial.
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill