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sábado, 5 de dezembro de 2015

Nossa protegida trave de tropeço da servidão egóica

"O âmago do enfoque científico é a sua recusa em contemplar os próprios desejos, gostos e interesses como a chave para a compreensão do mundo." — Bertrand Russell
[...]Todo homem que adotou a disciplina filosófica está inclinado a atribuir aos seus julgamentos um valor muito maior que o devido. Via de regra, ele procura tirar conclusões que venham de encontro aos seus mais caros preconceitos e convenham às suas tendências herdadas. É para ele um hábito não aceitar numa discussão senão os fatos que se encaixam perfeitamente nos seus pontos de vista já existentes. Por essa forma, e não raro, vem ele a recusar aquilo que mais urgentemente necessita, da mesma maneira pela qual um inválido poderá recusar-se a tomar um medicamento de gosto amargo do qual necessita inadiavelmente, por preferir alguma guloseima de sabor adocicado. 

Toda vez que um homem insere o seu ego num raciocínio, este resulta desequilibrado e distorcido no que respeita o seu sentido da verdade. Se ele se limitar a julgar todo e qualquer fato pelos padrões da sua experiência prévia, impedirá com isso o surgimento de novos conhecimentos. Ao examinarmos as manifestações da sua mentalidade em palavras e atos, sua atitude habitual (conquanto inconsciente) será esta: "Isto se encaixa dentro daquilo que eu acredito; deve, portanto, ser verdade; este fato não contradiz aqueles fatos dos quais eu tenho conhecimento; por isso, aceitá-lo-ei; esta crença é totalmente contrária às minhas; deve, portanto, ser errônea; este fato não me interessa; portanto não tem valor numa discussão; aquela explicação é de difícil compreensão para mim, por isso ignoro-a em favor de uma outra a qual compreendo e a qual deve, consequentemente, ser verdadeira!"

Todos os que desejarem iniciar-se na verdadeira filosofia devem começar por deixar de lado esses pontos de vista meramente egoístas. O que neles se evidencia é apenas orgulho e vaidade; cuida-se tão somente de corroborar os próprios preconceitos e não de promover a busca da verdade; ali o estudo das obras impressas visa exclusivamente a confirmar conclusões prévias; o recurso ao mestre se faz não para obter novos conhecimentos mas para ratificar antigas crenças. Mantendo o eu em primeiro plano no seu pensamento, o indivíduo será inconscientemente atraído para numerosos e perigosos enganos. As simpatias e antipatias geradas por esses pontos de vista pessoais constituem empecilhos à descoberta daquilo que uma ideia ou objeto realmente é. Amiúde fazem com que um homem veja coisas que absolutamente não existem, mas que, através de associações de ideias, ele imagina existir. Fato patológico é que as várias formas de insanidade e perturbações mentais estão enraizadas no ego e que todas as obsessões e complexos estão igualmente vinculados ao eu

Aquele que jamais adotou a disciplina filosófica amiúde se enamora de si mesmo e a sua disposição mental fica presa por todos os lados ao pronome eu. Esse eu priva-o da verdade, bloqueando o seu acesso à percepção correta. Esse eu prejulga de forma inconsciente os argumentos e decide por antecipação as crenças, de modo que desaparece a garantia de se chegar às conclusões certas, restando apenas voltar, através das justificativas e racionalizações, ao ponto de vista mental inicial. Esse eu é como uma aranha apanhada na sua própria teia. Quando tal egoísmo dita o padrão de raciocínio, a razão tem de permanecer à parte por impotente. Esse eu tranca a mente dentro de um armário, perdendo assim as vantagens das novas ideias que de bom grado entrariam. Quando o ego se converte no centro dos estados obsessivos, nós nos deparamos com inteligências amesquinhadas pela intolerância religiosa ou toldadas pelas sinuosidades metafísicas ou embrutecidas pelo materialismo irreflexivo ou desequilibradas pelas crenças tradicionais e sobrecarregadas pelas crenças adquiridas — todas recusando-se cegamente a examinar aquilo que não é conhecido, que não é agradável,  que não é sabido, repudiando tudo a priori. Tais inteligências aceitam de boa vontade aquilo que lhes agrada e repudiam aquilo que lhes desagrada, inventando depois racionalizações para justificar suas preferências, mas em nenhum dos casos a pergunta: — "Isto é verdade?" — é investigada independentemente das suas predileções, nem é o resultado de tal investigação aceito, quer venha de encontro àquelas predileções quer não. 

Significa tudo isto que aqueles que professa as opiniões pessoais mais fortes são os mais difíceis de levar á verdade Tais pessoas precisariam absorver a lição de Jesus: "Se não vos tornardes como as criancinhas, jamais entrareis no reino do Céu".

A humildade implicada neste dito tem sido objeto de muita incompreensão. Trata-se de uma mentalidade inocente mas não pueril. Não se trata de uma dócil submissão a pessoas malévolas ou de uma ridícula sujeição à pessoas tolas. Trata-se de deixar a parte todos os preconceitos oriundos da experiência e todas as preconcepções decorrentes do pensamento inicial até que, ao enfrentar o problema da verdade, não nos sintamos peados nem perturbados por eles. Trata-se de chegar a uma alienação total das inclinações pessoais e de fugir por completo à influência dos pensamentos do eu e do meu. Trata-se de deixar de usar como argumento as expressões: "Eu penso assim" — ou — "Ficarei com a minha opinião" — e de deixar de crer que aquilo que nós sabemos tem, necessariamente, de ser verdadeiro. Tal argumento leva simplesmente a uma opinião, e não à verdade. As crenças pessoais podem ser falsas, o conhecimento aceito pode ser fictício. É preciso caminharmos com humildade nestes redutos filosóficos. Os mestres certos são reconhecidamente raros, mas os discípulos certos também o são! 

A filosofia é um estudo puramente desinteressado e deve ser abordada sem quaisquer restrições mentais prévias. Mas as predisposições estão amiúde tão arraigadas, e por conseguinte tão escondidas, que os estudantes nem sempre suspeitam, e menos ainda constatam, a sua presença. Até mesmo alguns dos assim chamados filósofos são portadores de uma determinação subconsciente de não aceitar senão aquilo que contam ouvir e sob influência dessa auto-sugestão permitem que as suas inclinações sobreponham-se aos seus julgamentos e que a prepotência escravize a razão. Por isso o estudante compenetrado deve extirpar de forma consciente esses confortáveis subterfúgios atrás dos quais ocultam as insinceridades e as hipocrisias do raciocínio, suas fraquezas pessoais e seu egoísmo. No decurso de seus estudos, e sempre que a sua mente estiver empenhada em algum problema, ele deverá pelejar por livrar-se da pressão de todas as predileções de ordem pessoal. Tal desprendimento mental é raro e só poderá ser conseguido através de um desenvolvimento intencional. Deve o estudante lembrar-se sempre que lhe cabe primeiro enunciar simplesmente e depois analisar com isenção um caso sob todos os ângulos, antes de preferir um julgamento. A verdade nada teme da investigação plena, pelo contrário, é por ela fortalecida. Se descobrir então que está errado, o estudante deverá acolher de boa sombra a revelação e não esquivar-se a ela, por condoer-se das machucaduras da vaidade ferida e da inesperada humilhação. Ele precisa de uma completa elasticidade mental a fim de livrar-se da escravidão aos preconceitos e conseguir uma integridade interior absoluta e uma saúde mental genuína.  

[...] O estudante não deve nunca esquivar-se a um problema. Não se deve furtar a enfrentar seus próprios complexos. Não lhe resta senão encará-los resolutamente. Ele tem de, ao menos, ser sincero consigo próprio, tentando colocar-se acima das preconcepções pessoais, pois somente assim poderá ver as coisas na sua exata perspectiva. Sua afeição à verdade tem de ser sincera e incorruptível como era a de Sócrates. Uma firme objetividade intelectual ao invés de uma débil esperança emancipará a sua mente da servidão do ego e a capacitá-la-á a absorver a verdade sem oferecer resistência. A mente será assim alçada a uma atmosfera de imparcialidade e impessoalidade e habituada a um raciocínio ininterrupto de autonegação, que é o único a propiciar um discernimento correto. E mesmo aqueles que consideram essa tarefa demasiado difícil na vida cotidiana podem ao menos tentar objetivar temporariamente o seu ideal durante aqueles minutos ou horas dedicados a tais estudos. 

Onde quer que a verdade conduza, para lá deverá ir o estudante. Se ele trair sua percepção racionalista e se demonstrar um traidor de seu mais alto ideal ante as pressões violentas de preconcepções que exijam um rasteiro conformismo, ele se condenará à pena de permanecer perpetuamente cativo de uma ignorância banal. 

Em resumo: a busca da verdade encetada pelo estudante principia pela dependência à autoridade, prossegue com o uso da lógica e depois da razão, tem continuidade com o cultivo da intuição e da experiência mística, e culmina com o desenvolvimento da percepção ultramística. A filosofia mais elevada é tão sabiamente balanceada e tão lindamente integrada que não desdenha qualquer das formas de conhecimento, mas usa-as cada uma no seu devido lugar. Daí, embora o nome filosofia tenha por vezes sido usado na sua acepção acadêmica referindo-se a um sistema metafísico, o mais das vezes foi ele usado na sua acepção mais antiga e verdadeira referindo-se à visão unificada que completa a metafísica com o misticismo e incorpora a religião à ação. 

[...] O estudante de filosofia deveria compreender que, uma vez que ele também pratica a meditação, é preciso que preencha os mesmo requisitos purificadores que são preconizados ao estudante místico. Se os seus exercícios de meditação devem ser protegidos dos perigos ali envolvidos, ele deverá abster-se sempre de prejudicar os outros, enobrecendo assim o seu caráter, dominando suas paixões e cultivando suas virtudes, essas virtudes recomendadas pelos profetas de todas as grandes religiões.

Paul Brunton em, A sabedoria oculta além da ioga

A importância de um minucioso e destemido inventário moral


O mergulho introspectivo nas profundezas do caráter e da capacidade do estudante é uma aventura que deve ser feita com frieza e destemor. Inevitavelmente, haverá resistências inatas, oposições instintivas e impedimentos emocionais para obstruir a descida. Tais fatores decorrem naturalmente das tendências inatas, bem como do meio ambiente, da educação e das circunstâncias. Trata-se, na maior parte dos casos, de fraquezas disfarçadas ou repressões psicológicas. Não obstante, ao inteirar-se delas através de uma tranquila autocrítica, o estudante encontrará na sua própria presença — se tiver uma mentalidade filosófica — um incentivo especial para corrigi-las e assegurar à sua vida o desejado ajustamento. Exige-se para tanto grande dose de honestidade intelectual com a consequente recusa em fugir à realidade, e uma coragem intelectual ainda maior para superar o obscurantismo; trata-se, portanto, de uma tarefa para um herói mental que não se envergonhe de reconhecer que precisa mudar e não receie contribuir voluntariamente para as modificações requeridas. É um processo de metabolismo interno que provoca sofrimentos temporários mas leva a uma saúde permanente. E é a única forma pela qual o estudante pode colocar-se em condições de dominar a filosofia oculta. 

Imensamente difícil é convencer as pessoas a contrariar ou modificar seus antigos hábitos de raciocínio, porque a natureza humana é basicamente conservadora. E esses velhos hábitos se reafirmam teimosamente a cada passo. No entanto, se a pessoa achar que essas qualificações psicológicas estão muito além do seu alcance, e que esse padrão de conduta intelectual é demasiado elevado, não é preciso que se mortifique. Os notáveis resultados clínicos conseguidos com o auxílio da psicoterapia estão a mostrar as insuspeitadas forças de auto-aperfeiçoamento que existem em estado latente na mente humana. Nenhum de nós atingiu o limite extremo da sua capacidade. Sempre acumulamos mais discernimento quando buscamos novos horizontes. Numerosos homens poderiam tornar-se filósofos se se pusessem em ação, se quisessem pagar o preço de um esforço persistente e ininterrupto no sentido de romper o encanto dos velhos vícios, se se dedicassem com afinco a um tipo de vida em que iriam ganhando fé à medida que as suas possibilidades fossem crescendo. 

Anos atrás costumávamos pensar que o homem nascia com um caráter estabelecido, um grau fixo de capacidade, uma dose limitada de força mental, e que jamais poderiam exceder tais limites. Hoje em dia a percuciente análise psicológica relegou esse mito ao esquecimento em que merece ficar. Assim como o poder da cultura física é hoje reconhecido como definitivo, assim como sabemos que os nossos músculos podem ser fortalecidos e a nossa circulação sanguínea ativada através da exercitação diária, assim também sabemos que a nossa capacidade mental e as nossas características naturais poderão ser desenvolvidas de uma forma bem precisa, se atacarmos corretamente a tarefa. 

[...]Nós podemos refazer a nossa mentalidade se assim o desejarmos. Pois as teorias da psicologia e as realidades da experiência demonstram claramente o fato de que a capacidade da mente é extraordinariamente flexível e expansível. Essa capacidade pode desenvolver-se de forma inimaginável quando um esforço paciente no sentido de compreender aquilo que na aparência é incompreensível se aliar à esperança, que é a derradeira das possessões humanas, assim como a sabedoria é a melhor. Por isso, é preciso que nos disciplinemos mentalmente e nos moldemos eticamente para despertar a atitude correta para a árdua jornada que temos pela frente. Essa é a providência preliminar. 

[...] Quase todos nós começamos (no paradigma) como pecadores; cabe-nos esperar que terminemos um dia como sábios. Mas há uma enorme diferença entre o homem que se limita a chafurdar nos seus pecados e o homem que se ergue descontente e insatisfeito depois de cada ocasião de pecar. O primeiro está atolado e sem perspectivas, ao passo que o segundo não apenas se movimenta como também o faz na direção certa. Pois a alegria de enobrecer o caráter, aguçar a inteligência e ganhar fortaleza à medida que vivemos é uma das inúmeras vantagens da filosofia. Um simples olhar para as qualidades necessárias a esse estudo purificador mostrará que não se trata de um mero esmalte superficial destinado a pôr em relevo o intelecto do indivíduo e nem mesmo de um ornamento cultural; elas exigem muito do homem mas, no final, dão-lhe ainda mais em troca, pois têm ação preponderante no que diz respeito tanto a vida material como a eterna. Essas qualidades levam ainda a uma equilibrada compreensão da engrenagem da vida, não para efeitos de demonstrações teóricas mas para uma ação efetiva e sensata. Já foi demonstrado que a justificação prática da religião é a defesa que ela faz da boa vida; demonstrar-se-á mais tarde que a justificação da filosofia é a defesa que ela faz da melhor vida. Ainda que o presente estudo mais não faça, os objetivos práticos e psicológicos que nos apresentam lançam um sólido fundamento mental e moral para uma personalidade excepcional, que, mais cedo ou mais tarde, está fadada a distinguir-se numa ou noutra esfera de atividade. Ele será um guia seguro para uma conduta adequada e uma satisfação dos mais puros e exaltados sentimentos. Nós temos de sofrer uma profunda transformação com vistas à melhoria da atitude, das perspectivas e dos hábitos. Assim sendo, aquelas horas dedicadas à disciplina filosófica ou ao estudo não são em vão. A divindade que por essa forma adoramos recompensa os seus fiéis devotos.[...]

Em todos os estágios da disciplina filosófica o estudante deve reprimir suas emoções e seus sentimentos sempre que estes entrem em conflito com a razão. Sempre que se analisou o processo psicológico, constatou-se que, particularmente no exame dos problemas complexos, bem como na apreciação das idéias rivais, a tendência das pessoas indisciplinadas a embaralhar um raciocínio claro por meio de um confuso emaranhado emocional era incontrolável. Via de regra, tais pessoas vêem o mundo e interpretam as experiências da vida através dessa bruma. Cabe ao estudante desobstruir o caminho.

A personagem humana encerra em seu seio conglomerados de desejos antagônicos e impulsos contraditórios. Ela abriga paixões indistintas e antigos anseios cujo caráter arraigado nem sempre é suspeitado enquanto os momentos críticos não o traz à baila. Todas essas forças são tão poderosas que é acertado dizer que os homens vivem mais no sentimento do que na razão. A consequência é que pintam a maior parte dos seus pensamentos com desejos e anseios conscientes ou subconscientes, com temores irracionais e outros complexos emocionais. Não raro colocam cadeias nos próprios pés na forma de indecorosos anseios pessoais que são essencialmente danosos aos seus interesses. O fluxo e refluxo desses sentimentos e impulsos empurra-as contra a sua vontade e torna difícil para elas basear sua atitude genérica face à vida em fatos concretos ou no raciocínio correto.

[...] As rajadas emocionais mais fortes erigem uma barricada contra a qual nada podem os ataques da razão. A emoção não controlada pela razão é um dos grandes traidores da humanidade. Duas emoções poderosas — o ódio e a cobiça — respondem em conjunto por numerosos crimes na história do mundo. As paixões criadas pelo sexo são responsáveis por terríveis distúrbios. Aqui está uma das causas dos tradicionais vetos que a sociedade vem colocando à livre e plena manifestação da emoção no convívio humano decente.

O estudante de filosofia em particular não se pode dar ao luxo dessas explosões emocionais. Ele sabe que quando o sentimento inunda a vida do homem, isto se faz em detrimento da sua natureza intelectual.

E uma vez que o principal instrumento de penetração no domínio da verdade não é senão a própria mente, devidamente aguçada, ele, mais cedo ou mais tarde, terá de chegar a uma escolha definitiva entre o exercício constante da razão e da contenção ou o abandono à emoção e à paixão. Mais do que os outros, deve ele precaver-se contra as ilusões fomentadas pelos sentimentos pessoais, contra a prevalência do entusiasmo contagioso sobre o julgamento sóbrio, contra o sacrifício do fato objetivo à imaginação acalorada ou contra as ilusões ocasionadas pelos sentimentos pessoais ou pelo desejo sexual. Ele não poderá, de forma alguma, descobrir a verdade, se não estiver disposto a partir de uma posição fidedigna.

[...] Os desejos humanos, especialmente, são deveras competentes em seduzir a razão. Poucas pessoas reconhecem os reais motivos para as suas ações mais importantes. Há numerosas barreiras íntimas a tal reconhecimento erigidas pela própria pessoa ou então puramente inatas. E numerosos complexos emocionais envolveram-nas em suas ataduras que precisarão ser agora penosamente removidas a fim de que a verdade possa ser vista. Não raro o conhecimento é distorcido de modo a atender às conveniências da pessoa. É possível, por hipótese, que um estudante seja dotado de uma inteligência aguda e desenvolvida e ainda assim a sua dependência aos desejos faça-o acreditar na materialidade derradeira do mundo físico, quando todas as provas estiverem a indicar que essa derradeira natureza é essencialmente espiritual.

[...] A superfície de um lago só é capaz de refletir sem distorção uma imagem quando livre da ação do vento; a mente só pode investigar devidamente a verdade quando livre da ação dos sentimentos fortes. A racionalização do desejo é sempre agradável mas amiúde muito pouco proveitosa.

A esperança da filosofia está em obedecer à razão e não de frustrá-la obedecendo a desejos desordenados e excentricidades emocionais. Até mesmo a ambição desequilibrada e a vaidade indevida distorcerão o raciocínio e impedirão a aquisição de um conhecimento exato. Contudo, a ira e o ódio são desencaminhadores confessos. Quando irrefreadas, todas essas emoções são enganosos invasores que não obstante alegam propalar a verdade. Daí, aqueles que insistem em negar a razão no interesse dos seus sentimentos tornarem-se inaptos para esta busca, da mesma forma pela qual aqueles que preferem manter desvirtuada a sua mentalidade, descontrolada a sua paixão e irrefreada a sua repulsão instintiva jamais chegarão a uma verdadeira compreensão do significado da vida. Pois se entregarão ao esforço fútil e até mesmo impossível de acomodar a verdade num rijo leito de compulsões involuntárias e internas.[...] Chegamos assim à antiga sabedoria de que, se no reino dos homens a emoção impera momentaneamente, no final a razão deverá impor-se.[...]

Paul Brunton em, A sabedoria oculta além da ioga

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Inventariando minuciosamente nossos condicionamentos e suas origens.

O sentido do Eu pertence à pessoa, ao corpo e ao cérebro. Quando um homem descobre seu verdadeiro SI algo mais se ergue das profundezas do seu ser e se apossa dele. Essa coisa está por detrás da mente; é infinita, divina, eterna. Alguns chamam-na O Reino dos Céus, outros Nirvana e os hindus Libertação. Dê-lhe o nome que desejar. Quando acontece, o homem na realidade não se perdeu; ao contrário, encontrou-se.

A menos e até que um homem encete essa busca do verdadeiro SI, com certeza a dúvida e a incerteza acompanhar-lhe-ão os passos através da vida. Os maiores reis e estadistas tentam governar os outros quando no seu íntimo sabem-se incapazes de governar-se a si mesmos. No entanto, o maior dos poderes está ao alcance do homem que penetrou na sua máxima profundidade... Que adiante saber tudo o mais quando não se sabe ainda QUEM SE É? Os homens fogem a esta devassa do VERDADEIRO SI, mas existirá outra empreitada igualmente digna de ser tomada a peito?

Ramana Maharshi


Nossa mente está condicionada pela moderna educação, pela sociedade, pela religião, pelos conhecimentos e pelas inúmeras experiências que temos acumulado; foi moldada não só pelo ambiente, mas também pelas nossas reações a esse ambiente e a várias formas de relação. (1)

Se uma pessoa está cônscia, por pouco que seja, do seu próprio pensar, poderá ver que a mente condicionada, por mais esforços que faça, só poderá modificar-se dentro do seu próprio condicionamento, e tal modificação, evidentemente, não é revolução. (…) Todo desafio é necessariamente novo e, enquanto a mente está condicionada, só corresponde ao desafio em conformidade com o seu condicionamento; dessa maneira, nunca pode haver uma reação adequada. (2)

Nosso pensar é obviamente condicionado; sempre reagimos a qualquer desafio como hinduístas, maometanos, comunistas, socialistas, cristãos, etc., e tal reação é, fundamentalmente, inadequada; daí vem o conflito, não só individual, mas também entre grupos, raças e nações. (3)

Os entes humanos estão condicionados; seus padrões de conduta, seus pontos de vista, suas atividades, sua agressividade, seus contraditórios estados mentais — ódio e amor, prazer e dor, desespero e esperança a batalha constante (…) no campo da consciência, a invenção de deuses, crenças, seitas tudo isso é produto da mente condicionada. Nossas nacionalidades, as divisões entre pessoas, raças, etc., tudo isso é resultado da educação que recebemos e da influência da sociedade. (4)

Não é o condicionamento inevitável — (…) no sentido de que se verifica continuamente? Vocês condicionam os seus filhos como budistas, sinhaleses, tamilianos, ingleses, chineses, comunistas, etc. Há um constante martelar de influências — (…) econômicas, climáticas, sociais, políticas, religiosas, atuando sem cessar. (…) A mente é o passado, e o passado é a tradição, a moral. A mente de vocês, pois, está condicionada; essa mente condicionada atende ao desafio, ao estímulo, e reage, invariavelmente, de acordo com o seu condicionamento, e é isso o que gera um problema. (5)

Por conseguinte, sempre que a mente condicionada enfrenta um estímulo, cria um problema, porquanto é sempre inadequada a reação de uma mente condicionada. (…) O problema é sempre novo, o desafio, sempre novo; desafio implica coisa nova, do contrário não seria desafio. A mente condicionada, portanto, enfrentando o desafio, cria um problema, do qual resulta conflito. (6)

Por estarmos, na maioria, condicionados por influências sociais, econômicas, religiosas, etc., somos copistas, imitadores, e por isso não ligamos importância ao que é novo, chamamo-lo revolucionário (…) Mas se pudermos examiná-lo, se o observarmos com inteira isenção de preconceitos, de limitações, então talvez seja possível compreender-nos mutuamente e comungar uns com os outros. Só há comunhão quando não existe barreira alguma; (7)

Estamos dizendo que o condicionamento se verifica não só culturalmente, no sentido da religião, da moral social, etc., mas mediante o próprio conhecimento. Será possível ensinar aos alunos e a nós mesmos a libertar a mente do conhecimento e, apesar disso, a usar o conhecimento sem obrigar a mente a funcionar de modo mecânico? (8)

Nós como seres humanos vivemos nesta bela terra, que está sendo aos poucos destruída, (…) - não indiana, não britânica ou americana - temos de viver inteligentemente, com felicidade; mas isso aparentemente não é possível, porque estamos condicionados. Esse condicionamento é como um computador; estamos programados. Estamos programados para ser hindus, muçulmanos, cristãos, católicos, protestantes. (…) Portanto, nosso cérebro está profundamente condicionado e estamos perguntando se é possível ficarmos livres desse condicionamento. A não ser que estejamos totalmente, completamente, livres de tal limitação, o simples inquirir ou perguntar qual é o novo instrumento, que não é o pensamento, carece de significação. (9)

Como dissemos, estamos programados. O cérebro humano é um processo mecânico. Nosso pensamento é um processo materialista, e esse pensamento tem sido condicionado para pensar como budista, hindu, cristão, etc. Portanto, nosso cérebro está condicionado. É possível ficar livre do condicionamento? Há os que dizem que não, porque (…) como pode esse condicionamento ser completamente erradicado, de forma que o cérebro humano possa tornar-se extraordinariamente purificado, original, de infinita capacidade? 

Muitas pessoas admitem isso, mas ficam satisfeitas em meramente modificar o condicionamento. Porém estamos dizendo que esse condicionamento pode ser examinado, observado, e pode haver total libertação do mesmo. Para descobrir por nós mesmos se é possível, ou não, temos de inquirir sobre nossas relações. (10)

Estamos condicionados, mas pode o pensamento ultrapassar as próprias limitações? Só o pode se estivermos cônscios de nosso condicionamento. Desenvolvemos certa qualidade de inteligência, em nossa atividade de expansão pessoal: com a nossa avidez, (…) o nosso instinto aquisitivo, (…) os nossos conflitos e penas; criamos uma inteligência voltada à proteção e à expansão do “ego”. Pode essa inteligência compreender o Real, o único capaz de resolver todos os nossos problemas? (11)

Pode a mente vazia estar alguma vez condicionada, e, se é assim, por que se condiciona? Uma mente que na verdade está escutando, pode alguma vez ser condicionada? Sempre está aprendendo, sempre se acha em movimento. (…) Esse movimento não pode ter um começo e um fim. É algo vivo, jamais condicionado. Uma mente que adquire conhecimento para funcionar é uma mente condicionada por seu próprio conhecimento. (12)

E o que nós dizemos é por completo diferente; dizemos que esse condicionamento pode ser totalmente erradicado para que o homem seja livre. (…) Vamos ver se esse condicionamento - que está tão profundamente enraizado nos esconderijos da mente, e que também está ativo na superfície - pode ser compreendido de tal modo que o homem se liberte de toda dor e ansiedade. (13)

Como quase todos nós estamos inconscientes do nosso condicionamento, não é essencial, antes de tudo, que nos tornemos cônscios dele? (…) Ora, é óbvio que são justamente essas crenças e dogmas que criam inimizade entre os homens (14)

(…) O libertarmo-nos de todo condicionamento não significa procurarmos um condicionamento melhor. Acho que essa é a parte essencial da questão, porque só quando a mente não está condicionada é ela capaz de resolver o problema do viver, como um processo total e não apenas num dado nível, num segmento da existência. (15)

Vendo-nos condicionados, inventamos um agente divino que, como piamente acreditamos, irá libertar-nos desse estado mecânico. (…) Assim, sentindo-nos incapazes de nos descondicionarmos neste mundo, (…) pensamos que a liberdade se encontra no céu, em Moksha, no Nirvana. (…) Atualmente os psicólogos estão também lutando para resolver este problema - e condicionam-nos mais ainda. Assim, os especialistas religiosos nos condicionaram, a ordem social nos condicionou, a família (…) nos condicionou. Tudo isso é passado, que constitui todas as camadas claras e ocultas da mente (16)

(…) E podemos conhecer nosso condicionamento, nossas limitações, nosso background, sem procurar forçá-lo ou analisá-lo, sublimá-lo ou reprimi-lo? Pois tal processo implica a entidade que observa e se separa da coisa observada (…) Enquanto houver observador e coisa observada, o condicionamento tem de continuar. Por mais que o observador, o pensador, o censor, lute para livrar-se de seu condicionamento, continuará preso nesse condicionamento, uma vez que a divisão entre “pensador” e “pensamento”, “experimentador” e “experiência”, é o próprio fator que perpetua o condicionamento; (17)

Todos estamos condicionados - como ingleses, russos, hinduístas, cristãos, budistas (…) Somos moldados pela sociedade, pelo ambiente; nós somos o ambiente. (…) A totalidade do condicionamento da mente é o “conhecido”, e esse condicionamento pode ser quebrado, mas não por meio de análise. Só pode ser quebrado quando considerado de maneira negativa, e essa maneira negativa não é oposto da positiva. (18)

SOBRE O PROCESSO DE DESCONDICIONAMENTO

Pergunto-me (…) se estamos cônscios de estar condicionados. Sabemos, vós e eu, que estamos condicionados, como cristãos ou hinduístas, condicionados de acordo com certa norma de pensamento, certo padrão de ação, condicionados pela rotina de nossas ocupações diárias e todos os temores e tédios a ela inerentes? Sabemos que somos produto das inumeráveis influências da sociedade? (19)

Estamos cônscios de tudo isso? (…) Não há condicionamento nobre e honroso, há só condicionamento. (…) E é possível a mente descondicionar-se? Mas o que nós vamos tentar, em primeiro lugar, é “experimentar”, não teoricamente, (…) mas (…) praticamente, o fato de estarmos condicionados. (…) E, a seguir, o que devemos investigar por nós mesmos, sem dependermos de nenhuma autoridade, é se há possibilidade de a mente se tornar descondicionada. (20)

Muitos de nós recebemos, como parte de nosso condicionamento, a idéia de que o descondicionamento da mente é um processo gradual, que se estende através de várias vidas, exigindo a prática de disciplinas, etc. Ora, tal pode ser o mais errôneo modo de pensar e o descondicionamento da mente pode ser, muito ao contrário, uma coisa imediata. Eu acho que ele é imediato, e isto não é mera opinião. (21)

Esse descondicionamento é essencial, porque os tempos atuais exigem uma nova compreensão criadora, e não a mera reação de um condicionamento do passado. Qualquer sociedade que não saiba reagir ao desafio novo de um indivíduo ou grupo, tal sociedade tem de deteriorar-se. E a mim me parece — se desejamos criar um mundo novo, uma sociedade nova — (…) que devemos ter livre a nossa mente. E essa mente nova não pode nascer sem um verdadeiro autoconhecimento. (22)

O nosso pensamento está condicionado pelo passado; o “eu” é o resultado de experiências armazenadas, sempre incompletas. A lembrança do passado está sempre absorvendo o presente; o “ego” (…) está sempre a acumular e rejeitar, forjando de contínuo novas cadeias para o seu próprio condicionamento. À lembrança agradável, ele se apega, rejeitando a desagradável. O pensamento deve transcender esse condicionamento, para que o Real seja. (23)

Só a mente que investiga a fundo a questão do autoconhecimento, afastando de si toda autoridade (…) — só essa mente é capaz de descobrir a Realidade. (…) Mas, para descobrir o que é verdadeiro, (…) se há Deus, necessita-se de liberdade da mente, (…) completa, e isso significa que se deve descondicionar a mente de todo o passado. (24)

Procuramos servir-nos do novo como meio de (…) consolidar o velho, e com isso corrompemos o presente, em que palpita a vida. O presente renova, e dá-nos compreensão do passado. É sempre o novo que dá compreensão, e, na sua luz, assume o passado um significado novo e vivificante. Quando ouvimos uma coisa nova, ou a sentimos em nós, nossa reação instintiva é compará-la com o velho, com algo já conhecido e sentido. (…) Essa comparação dá força ao passado, desfigura o presente, e por essa razão se transforma o novo sempre em coisa passada e morta. (25)

O desafio é sempre novo, a ação, sempre velha. Encontrei-me ontem convosco, e hoje vindes à minha presença. Estais transformado, (…) estais mudado, sois novo; mas eu conservo a vossa imagem de ontem. (…) Não vos encontro de maneira nova, mas com o vosso retrato de ontem; por isso, minha reação ao desafio é sempre condicionada. (…) Isto é, o novo está sempre se absorvendo no velho, nos velhos hábitos, costumes, idéias, tradições, memórias. (26)

Nunca há o novo, porque ides sempre ao encontro do novo com o velho; o desafio é sempre novo, mas vós o enfrentais com o velho. Assim, pois, o problema contido na pergunta é: Como libertar o pensamento do velho, para que seja novo todo o tempo? (27)

Ora, a velha reação procede do pensador. O pensador não é sempre o velho? Porque o vosso pensamento está fundado no passado. Como é então possível o novo? Só é possível quando não há mais resíduo de memória, e há resíduo quando a experiência não é completada, concluída, terminada, isto é, quando a compreensão da experiência é incompleta. (28)

Não é certo que, por muitas de nossas ações, estimulamos de maneira positiva a expansão do “ego”? Nossa tradição, nossa educação, nosso condicionamento social, tudo isso sustenta, de modo positivo, as atividades do “ego”. (…) Como pode o pensamento libertar-se desse condicionamento? Como pode ficar tranqüilo, em silêncio? Havendo essa tranqüilidade, (…) mostra-se-nos a Realidade. (29) 
Assim é que vamos averiguar se há alguma parte do cérebro que não esteja condicionada. Tudo isso é meditação, o descobri-lo. Pode uma pessoa dar-se conta do condicionamento em que vive? Pode você verificar que está condicionado como cristão, capitalista, socialista, liberal, de que um crê nisto e outro não crê naquilo? - tudo isso é parte do condicionamento. (30)
É o pensamento que se dá conta de que está condicionado? Ou existe uma observação, uma percepção alerta, na qual há pura observação? Existe um ato ou uma arte de puro escutar? (31)

Importa não nos limitarmos a escutar o que se diz, e aceitá-lo ou rejeitá-lo, mas que também observemos o “processo” do nosso pensar, em todas as nossas relações. Porque nas relações, que são o espelho, vemo-nos a nós mesmos como somos realmente. E se não condenarmos nem compararmos, será então possível penetrarmos mais fundo no “processo” da consciência. Só então pode ocorrer uma revolução fundamental. (…) O homem que se está libertando de todo condicionamento, que está plenamente vigilante — esse é um homem religioso, e não aque1e que meramente crê. E só esse homem (…) é capaz de realizar uma revolução no mundo. (32) 
A coisa importante, por conseguinte, é o autoconhecimento, percepção de nós mesmos, como somos, no espelho das relações. É muito difícil observarmos a nós mesmos sem desfiguração, porque fomos educados para desfigurar, para condenar, comparar, julgar; mas se a mente é capaz de observar a si mesma sem desfiguração — e ela o é — descobrireis, pelo experimentar, que a mente pode descondicionar-se. (33)

Ora, eu estou sugerindo que a mente pode ser descondicionada. Certo, essa possibilidade só existe quando percebemos que estamos condicionados e não aceitamos esse condicionamento (…) A mente descondicionada é a única mente verdadeiramente religiosa; e só a mente religiosa pode realizar a revolução fundamental. (34)

Como vemos, (…) Uma mente inferior nunca descobrirá o que existe além da esfera mental; e mente condicionada é mente inferior, quer creia em Deus, quer não. É por essa razão que todas as crenças e dogmas que defendemos, todas as autoridades, principalmente as (…) espirituais, têm de ser rejeitadas, porque só então se tornará possível o descobrimento do que é eterno, atemporal. (35)

Vem a transformação quando há compreensão direta e, por conseguinte, certa espontaneidade e nenhum senso de compulsão. Mas isso só é possível quando sois capazes de escutar muito tranqüilos, interiormente, com completa ausência de barreiras. Se vos modificais em conseqüência de argumentação, de imperativos lógicos, de influência, estais, então, apenas condicionado numa direção diferente. (36)

Portanto, é possível aos seres humanos, a você, realizar uma completa mutação? Tal mutação transforma as células do cérebro. Quer dizer, tem-se ido em direção ao norte por toda a vida e alguém vem e diz: “Ir para o norte não faz sentido, não tem valor, não há nada lá. Vá para o leste ou o oeste ou para o sul”. E porque você ouve, (…) está interessado, (…) determinado, você vai para o sul. Nesse momento, quando você vira e vai para o sul, há uma mutação nas células do cérebro.

Porque ir para o norte se tomou o padrão, a moda, e, quando você vai para o leste, você quebra o padrão, correto? É simples. Mas requer que escutemos, não meramente palavras, não apenas com a audição do ouvido, mas que escutemos sem nenhuma interpretação, (…) comparação, escutemos diretamente, sem trazer à tona suas tradições, seu background, sua interpretação. Então esse escutar verdadeiro quebra seu condicionamento. (37)

Agora (…) vereis que, embora a reação, o movimento do pensamento, pareça tão célere, existem vãos, existem intervalos entre os pensamentos. Entre dois pensamentos há um período de silêncio não relacionado com o “processo do pensamento”. Se observardes, vereis que esse período de silêncio, esse intervalo, não é de tempo; e o descobrimento desse intervalo, o completo “experimentar” do mesmo, vos liberta do condicionamento. Assim, a compreensão do processo do pensar é meditação. (38)

É só quando a mente não está dando continuidade ao pensamento, só quando tranqüila, com uma tranqüilidade não provocada, isto é, sem nenhuma ação causal - é só então que estamos livres do background. (39)

A compreensão do processo integral do condicionamento não nos vem por meio de análise ou de introspecção; porque, no momento em que temos o analista, esse mesmo analista faz parte do “fundo” condicionado (background); a sua análise, portanto, não tem valor. (40)

Creio que algo ocorre. Vejo que estou condicionado e me separo a mim mesmo do condicionamento, sou diferente do condicionamento. E vem você e diz: “Não, não é assim, o observador é o observado”. Se posso ver, ter o discernimento - de que o observador é o observado - então o condicionamento começa a dissolver-se. (41)

Nossa investigação, por conseguinte, deve visar, não à solução de nossos problemas imediatos, mas, sim, a descobrir se a mente — não só a mente consciente, mas também a inconsciente, (…) profunda, onde estão depositadas todas as tradições, lembranças, e herança racial — se a totalidade da mente pode ser posta de lado, abandonada. (42)

E podemos estar cônscios desse condicionamento sem lhe opormos nenhuma reação, sem condená-lo, (…) alterá-lo, (…) para que o próprio “processo” de condicionamento (…) seja “queimado” pela raiz? (43)

Se a mente puder libertar-se do seu condicionamento, dos seus desejos, (…) disciplinas, padrões, acidentes, haverá então o libertar da mente do passado. Dessa liberdade virá o silêncio, a tranqüilidade mental. Essa tranqüilidade não pode ser feita, mas ocorre quando a mente é livre. (…) O que está num movimento extraordinário, (…) está quieto. E dessa tranqüilidade surge o mistério da criação, aquela verdade não mensurável pela mente. (44)

Porque (…) só do vazio pode provir uma coisa nova, e não da mente que está “carregada”, condicionada. O novo não é condicionado pelo velho. O novo não é reconhecível pelo velho. (…) Só desse vazio extraordinário, vigilante, sensível, pode provir o novo. (45)

Portanto, esta é a primeira coisa que se deve perceber: que não podeis contar com ninguém para vos descondicionardes. Ao percebê-la, ou vos assustareis, vendo que não podeis contar com ninguém, mas só e unicamente com vós mesmos (…); ou, reconhecendo que ninguém pode valer-nos e, portanto, vós mesmos tendes de trabalhar, já não sentireis medo e tereis vitalidade, energia, entusiasmo. (…) Sereis vosso próprio mestre, vosso próprio discípulo; estareis aprendendo, descobrindo. (46)

O que deve interessar-nos, pois, é destroçar a mente, para que algo novo possa ocorrer. (…) Há necessidade dessa revolução; torna-se necessária a total destruição de todos os dias passados, pois, do contrário, não teremos a possibilidade de nos encontrarmos com o novo. E a vida é sempre nova, tal como o amor. O amor não tem ontem ou amanhã; é sempre novo. (47)
Requer-se, pois, uma mente diferente, (…) verdadeiramente religiosa. Só a mente que ama é verdadeiramente religiosa, e a mente religiosa é que é revolucionária, e não a que está sob o domínio de crenças e dogmas. Quando a mente está cônscia (…) de que se acha condicionada, nessa percepção apresenta-se um estado que não é condicionado. (48)

Mas o condicionamento da mente deve quebrar-se por si, a mente nada pode fazer nesse sentido. Estando condicionada, não pode atuar sobre seu próprio condicionamento. (…) Vós não podeis destruir o vosso condicionamento; mas o próprio percebimento do fato de estardes condicionado produz uma vitalidade que destrói o condicionamento. (49)

Quando conhecerdes o seu processo integral - como raciocina ela, os seus desejos, “motivos”, ambições, ocupações, sua inveja, sua avidez, seu temor — então a mente poderá transcender-se a si mesma e, fazendo-o, dar-se-á o descobrimento de algo que é totalmente novo. Essa qualidade de novo infunde um ardor extraordinário, um descomunal entusiasmo, que dá origem a profunda revolução interior, e só essa revolução interior poderá transformar a mundo. (50)

A percepção disso é o fim do condicionamento. Quando se der conta de que o observador é o observado, essa é a verdade. Então, nesse dar-se conta — que é a verdade — o condicionamento desaparece. (51)

Textos de Krishnamurti, extraídos de: Seleta de Krishnamurti
Fontes das citações:
(5) Nosso Único Problema, pág. 71 
(6) Nosso Único Problema, pág. 71-72 
(9) Mind Without Measure, pág. 77-78
(10) Mind Without Measure, pág. 78
(16) A Luz que não se Apaga, pág. 120-130
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill