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segunda-feira, 9 de abril de 2018

Para ver o real, o pensar e a reação devem cessar

Para ver o real, o pensar e a reação devem cessar

[...] Ora, quando escutamos — e isso é uma verdadeira arte — é necessária uma certa tranquilidade do intelecto. Como acontece com a maioria de nós, o intelecto está incessantemente ativo, sempre a reagir ao desafio de uma palavra, ideia ou imagem; e esse constante mecanismo de reação e desafio não produz compreensão. O que produz compreensão é estar com o intelecto muito tranquilo. O intelecto, afinal, é o instrumento que pensa, que reage; é o reservatório da memória, resultado do tempo e da experiência; e a compreensão é impossível se esse instrumento está sempre agitado, reagindo, comparando o que se diz com o que antes acumulou. Escutar, se posso dizê-lo, não é mecanismo de concordar, de condenar, interpretar, mas, sim, de olhar cada fato totalmente, globalmente. Para isso, o intelecto deve estar quieto, porém muito vivo, capaz de seguir (o que se diz) correta e racionalmente, não sentimental ou emocionalmente. Só então é possível considerar os problemas da existência humana como um mecanismo total e, não, fragmentariamente.

Como quase todos sabemos, os políticos de todo o mundo, na atualidade, são infelizmente os senhores de nossos destinos. Nossa própria vida, talvez, depende de uns poucos políticos — franceses, ingleses, russos, americanos ou hindus; e isto é muito triste. Mas é um fato. E ao político só interessam as realidades imediatas — seu país, sua posição, seu programa de ação, seus ideais nacionalistas. E, por conseguinte, existem os problemas imediatos da guerra, do conflito entre o Oriente e o Ocidente, da luta do comunismo contra o capitalismo, da oposição do socialismo a qualquer outra forma de autocracia; e, assim, o problema imediato é um problema de guerra e de paz, e de como manejarem as nossas vidas de modo que não sejamos esmagados por esse descomunal processo histórico.

Mas parece-me que seria muito lamentável nos preocuparmos unicamente com a realidade imediata — a posição da França na Argélia, o que está para suceder em Berlim, se irá haver guerra e como sobreviveremos a ela. São estes os problemas que nos estão sendo impostos pela imprensa e pela propaganda; mas acho muito mais importante considerarmos o que irá suceder ao intelecto humano, à mente humana. Se cuidamos unicamente dos acontecimentos atuais e não do desenvolvimento total da mente e do intelecto humanos, nossos problemas só haverão de crescer e multiplicar-se.

Pode-se ver — não achais? — que nossa mente, nosso intelecto se tornou mecânico. Somos influenciados em todos os sentidos. Tudo o que lemos deixa-nos sua impressão e toda propaganda sua marca; o pensamento é sempre convencional e, assim, o intelecto e a mente se tornaram mecânicos, tal qual uma máquina. Exercemos mecanicamente nossas ocupações, mecânicas são nossas mútuas relações, e nossos valores meramente tradicionais. Os computadores eletrônicos são muito semelhantes à mente humana, só que nós somos um pouco mais engenhosos — pois somos seus criadores; mas eles funcionam exatamente como nós funcionamos, por meio de reação, repetição, memória. E parece que só desejamos saber como fazer esse mecanismo radicado no hábito e na tradição funcionar mais suavemente, sem perturbações; e isso, talvez, virá a ser a extinção da vida humana. Tudo isso implica — não achais? — não, liberdade, porém busca de segurança. Os ricos exigem segurança; e os pobres da Ásia, que mal conseguem uma refeição diária, esses também desejam segurança. E a reação da mente humana, diante de tanta desdita, é puramente mecânica, “habitual”, indiferente. Por conseguinte, o problema urgente é este: Como libertar o intelecto e a mente? Porque, se não há liberdade, não pode haver ação criadora. Temos invenções mecânicas, viagens à Lua, descobrimento de novos meios de locomoção, etc.; mas isso não é criação, é invenção. Só há criação quando há liberdade. A liberdade não é uma simples palavra; a palavra é bem diferente do estado real. Tampouco a liberdade não pode ser convertida em ideal, porque todo ideal não passa de simples adiamento. Assim, o que desejo examinar durante estas reuniões é se há possibilidade de libertar a mente e o intelecto. Dizer apenas que é ou que não é possível, é ocioso; mas o que podemos fazer é descobrir, nós mesmos, diretamente, pelo experimentar, pelo autoconhecimento, pela investigação, pela busca intensa. E isso exige capacidade de raciocinar, de sentir, para quebrarmos a tradição e destroçarmos todas as muralhas que erguemos para nossa segurança. Se não estais dispostos a isso, da primeira à última destas nossas palestras, penso então que estais perdendo tempo em vir aqui. Os problemas que se nos apresentam são muito graves; são os problemas do medo, da morte, da ambição, da autoridade, da meditação, etc. Todo problema deve ser atendido realisticamente — não emocional, intelectual ou sentimentalmente. E isso requer um pensar preciso, uma grande energia, a fim de podermos levar inteiramente a cabo cada investigação e descobrirmos a essência das coisas. Isso me parece indispensável.

Se observamos, não apenas os fatos mundanos externos, mas também o que está sucedendo interiormente, em nós mesmos, descobrimos — não é verdade? — que somos escravos de certas ideias, escravos da autoridade. Há séculos que somos moldados pela propaganda para sermos cristãos, budistas, comunistas ou o que mais seja. Mas, certamente, para descobrirmos a verdade, não devemos pertencer a religião alguma. É muito difícil não nos deixarmos comprometer com um dado padrão de ação ou de pensamento. Não sei se já alguma vez tentastes não pertencer a coisa alguma, rejeitar completamente a tradicional aceitação de Deus — o que não significa tornar-se ateísta, coisa tão estúpida quanto crer, porém rejeitar a influência da Igreja, com toda a sua bimilenar propaganda.

Tampouco é fácil negardes que sois francês, hindu, russo ou americano; isso talvez seja até mais difícil. É relativamente fácil rejeitarmos uma coisa quando sabemos aonde nos levará a rejeição; mas isso é meramente trocar de prisão. Mas se rejeitais todas as prisões, e não sabeis aonde a rejeição vos levará, então vos vedes só. E parece-me absolutamente essencial que nos vejamos completamente sós, livres de influências; porque só então seremos capazes de descobrir por nós mesmos o que é verdadeiro — não só neste mundo em que decorre nossa existência diária, mas também além dos valores mundanos, além do pensamento e do sentimento, além de todas as medidas. Só então saberemos se existe um realidade transcendente ao espaço e ao tempo; e este descobrimento é criação. Mas, para se descobrir o que é verdadeiro, necessita-se desse sentimento de solidão, de liberdade. Não podemos viajar com rapidez se estamos ligados a alguma coisa — nossa pátria, nossas tradições, nossas habituais tendências de pensamento. Isso é o mesmo que estar preso a uma estaca.

Assim, se desejais descobrir o que é verdadeiro, deveis quebrar todos os elos que vos prendem, para investigardes não só o exterior, vossas relações com coisas e pessoas, mas também o interior, i.e., conhecer a vós mesmo — tanto superficialmente, na consciência desperta, como no inconsciente, nos ocultos recessos do intelecto e da mente. Requer isso observação constante; e se observardes dessa maneira, vereis que não existe uma separação real entre o exterior e o interior; porque o pensamento, como a maré, tanto flui para fora como para dentro. Tudo constitui um só processo de autoconhecimento. Não podeis rejeitar o exterior, porquanto não sois uma entidade separada do mundo. O problema do mundo vos concerne, e o “exterior” e o “ interior” são as duas faces da mesma moeda. Os eremitas, os monges, e os chamados religiosos que renunciam ao mundo estão apenas, com todas as suas disciplinas e superstições, fugindo para suas próprias ilusões.

Pode-se ver que exteriormente não somos livres. Em nossos empregos, nossas religiões, nossas pátrias, em nossas relações com esposa, marido, filhos, em nossas ideias, crenças e atividades políticas, não somos livres, Interiormente, também, não somos livres, porque não conhecemos nossos “motivos”, nossos impulsos, compulsões, exigências inconscientes. Assim, não há liberdade, nem interior nem exteriormente, e este é que é o fato. Mas, em primeiro lugar, cumpre-nos perceber esse fato, pois em geral recusamo-nos a percebê-lo; sofismamos a respeito dele, encobrimo-lo com palavras, com ideias, etc. O fato é que, tanto na esfera psicológica, como na exterior, desejamos segurança. Exteriormente, desejamos estar seguros em nosso emprego, nossa posição, nosso prestígio, nossas relações; e quando um reduto é destruído, passamos a outro.

Assim, reconhecendo as condições extremamente complexas em que o intelecto e a mente funcionam, que possibilidade temos de romper essas muralhas? Espero estejais vendo o impasse a que chegamos. A questão é esta: Tratamos alguma vez de enfrentar realmente o fato? O fato é que o intelecto e a mente buscam a segurança numa dada forma, e quando existe essa ânsia de segurança, existe medo. Nunca encaramos realmente esse fato; ou dizemos que ele é inevitável ou, ainda, perguntamos como nos libertarmos do temor. Já se pudermos encarar o fato, sem tentar fugir-lhe, interpretá-lo ou transformá-lo, então o fato atua por si mesmo.

Não sei se, psicologicamente, chegastes até este ponto, experimentastes até este ponto, pois me parece que a maioria de nós não percebe o quanto a nossa mente, o nosso intelecto, se mecanizou; e não perguntamos a nós mesmos se é possível encarar esse fato completamente, com intensidade. Desejo fique bem claro que não estou procurando convencer-vos de coisa alguma; isso seria muito infantil. Não estamos aqui fazendo propaganda — deixemos isso aos políticos, às Igrejas e a todos aqueles que “oferecem” coisas. Não estamos a oferecer-vos novas ideias, porquanto as ideias nada significam; podemos entreter-nos com elas intelectualmente, porém elas não nos levam a parte alguma. O que é significativo, o que tem vitalidade, é enfrentar um fato; e o fato é que a mente, todo o nosso ser está sendo mecanizado há séculos. Todo pensamento é mecânico; e para compreendermos esse fato e transcendê-lo, precisamos primeiramente vê-lo.

Pois bem; como podemos entrar em contato, emocionalmente, com um fato? Intelectualmente eu posso dizer que tenho o hábito de beber e que é muito nocivo beber — física, emocional e psicologicamente — e, no entanto, continuar a beber. Mas entrar em contato com o fato emocionalmente é coisa bem diferente. Pois o contato emocional com o fato tem ação própria. Sabeis como — quando guiais um carro por muito tempo — começais a cochilar e, então, dizeis: “Preciso despertar” — mas continuais a guiar. Depois, ao passardes perigosamente próximo a outro carro, dá-se então, repentinamente, um contato emocional direto e despertais imediatamente, e levais o carro para a margem da estrada, a fim de descansardes um pouco. Já alguma vez vistes um fato repentinamente, da mesma maneira, entrando em contato com ele totalmente, completamente? Já apreciastes realmente uma flor? Duvido, porque nunca olhamos realmente para uma flor; o que fazemos é classificá-la imediatamente, dar-lhe um nome, chamá-la “rosa”, cheirá-la, dizer “como é bela!” e pô-la de lado, como coisa já conhecida. A denominação, a classificação, a opinião, o julgamento, a escolha — tudo isso vos impede de efetivamente olhá-la.

Da mesma maneira, para entrarmos emocionalmente em contato com um fato não deve haver denominação, nem classificação, nem julgamento; todo pensar e toda reação devem cessar. Só então podeis olhar. Experimentai, de vez em quando, olhar para uma flor, uma criança, uma estrela, uma árvore ou o que quer que seja, livre de todo o mecanismo do pensar, pois, se o fizerdes, vereis muito mais. Não haverá então nenhuma cortina de palavras entre vós e o fato e, portanto, estareis em contato direto com ele. Há séculos que somos educados para avaliar, condenar, aprovar, classificar; e tornar-se apercebido de todo esse mecanismo é começar a ver o fato.

Atualmente, a totalidade de nossa vida está confinada no tempo e no espaço, e os problemas imediatos nos absorvem. Nossos empregos, nossas relações, os problemas do ciúme, do medo, da morte, da velhice, etc. tudo isso nos enche a vida. A mente, o intelecto, é capaz de libertar-se de todos esses problemas? Digo que sim, pois já o experimentei, já desci até suas últimas profundezas e deles me libertei. Mas de modo nenhum deveis aceitar o que vos diz este orador, porquanto a simples aceitação nenhum valor tem. A única coisa valiosa é empreenderdes também a jornada; mas, para a empreenderdes, necessitais de liberdade desde o começo, necessitais do impulso para descobrir — não, aceitar, não, duvidar, mas, sim, descobrir. Vereis, então, ao aprofundardes a questão, que a mente pode ser livre; e só essa mente livre pode descobrir o que é verdadeiro. [...]

PERGUNTA: Como podemos entrar em contato com um fato emocionalmente?

KRISHNAMURTI: Para se entrar em direto contato com uma coisa, requer-se que dela nos abeiremos de maneira total, isto é, não apenas intelectual, emocional ou sentimentalmente. Requer-se compreensão total.

PERGUNTA: Não devemos manter-nos atentos ao mecanismo dual, sempre em ação dentro em nós, e isso não é autoconhecimento?

KRISHNAMURTI: Foram empregadas as palavras “atento”, “dualidade” e “autoconhecimento”. Consideremos estas três palavras, uma a uma, pois se não as compreendermos, não haverá possibilidade de comunicação entre nós.

Ora, que significa estar “atento”? Prestai atenção, por favor, pois não desejo parecer-vos pedante; só quero certificar-me de que nós dois compreendemos as palavras que estamos empregando. Para vós elas podem ter um significado e para mim outro. Para mim, quando prestamos atenção total, não há concentração, nem exclusão, nem nada. Sabeis como um colegial que deseja olhar pela janela é forçado a olhar para seu livro; mas isso não é atenção. Atenção é ver o que se está passando do lado de fora e também o que se acha à nossa frente. Observar sem exclusão de nada é muito difícil.

E, agora, que entendemos por “mecanismo dual”? Sabemos que existe um mecanismo dual, o bom e o mau, o ódio e o amor, etc.; e manter-se atento para essas coisas é muito difícil, não achais? E por que criamos esse mecanismo dual? Ele existe realmente ou é uma invenção do intelecto, a fim de fugir ao fato? Sou violento, digamos, ou ciumento, e isso me incomoda. Não gosto desse estado; digo, portanto, que não devo ser ciumento, violento — e isso é uma fuga ao fato, não achais? O ideal é uma invenção do intelecto, que quer fugir ao que é; por isso, existe dualidade. Mas, se enfrento integralmente o fato de que sou ciumento, então já não há dualidade. Enfrentar o fato significa penetrar completamente o problema da violência e do ciúme; e, então, ou descubro que isso me agrada (ser violento, ciumento) e neste caso o conflito continua necessariamente, ou, ainda, percebo tudo o que o problema implica e fico livre do conflito.

E, agora, que entendemos por “autoconhecimento”? Que significa “conhecer a si mesmo”? Conheceis a vós mesmo? O “eu” é uma coisa estática, ou uma coisa em constante mutação? Posso conhecer-me? Conheço minha mulher, meu marido, meu filho, ou conheço apenas o retrato feito pela minha mente? É bem de ver que não posso conhecer uma coisa viva, não posso reduzir uma coisa viva a uma fórmula; o que posso fazer é, tão somente, segui-la, aonde quer que leve; e se a sigo, nunca poderei dizer que a conheço. Assim, o conhecimento do “eu” significa seguir o “eu”, seguir todos os pensamentos, sentimentos, motivos, sem nunca dizer “conheço”. Só se pode conhecer o que é estático, morto.

Estais vendo, pois, a dificuldade relativa às três palavras contidas nesta pergunta: “atenção”, “dualidade” e “autoconhecimento”. Se puderdes compreender todas estas palavras e passar adiante, transcendê-las, conhecereis então o inteiro significado de enfrentar um fato.

PERGUNTA: Existe algum meio de aquietar a mente?

KRISHNAMURTI: Em primeiro lugar, ao formulardes esta pergunta, estais percebendo que vossa mente está agitada? Estais apercebido de que vossa mente nunca está quieta, que está constantemente a “tagarelar”? Eis um fato. A mente fala incessantemente, seja a respeito de alguma coisa, seja para si própria; está constantemente ativa. Por que fazeis esta pergunta? Pensai até o fim junto comigo. Se a fazeis porque estais parcialmente apercebido da “tagarelice” e desejais livrar-vos dela, neste caso podeis também tomar uma droga, uma pílula que faça a mente dormir. Mas, se estais investigando e desejais realmente descobrir porque tagarela a mente, o problema se torna então muito diferente. No primeiro caso trata-se de uma fuga, no segundo de seguir a tagarelice até o fim.

Pois bem; por que tagarela a mente? Com “tagarelar” queremos dizer que ela está sempre ocupada com alguma coisa — o rádio, seus problemas, seu emprego, suas visões, suas emoções, seu mitos. Ora, por que está ela ocupada e que aconteceria se não estivesse ocupada? Já tentastes alguma vez não estar ocupado? Se já o fizestes, tereis visto que no mesmo instante em que o intelecto deixa de estar ocupado, manifesta-se o medo. Porque isso significa “estar só”. Se vos vedes sem ocupação alguma, esta é uma experiência muito dolorosa, não? Já estivestes só, alguma vez? Duvido. Podeis passear a sós, sentar-vos sozinho num ônibus ou em vosso quarto, mas vossa mente está sempre ocupada, vossos pensamentos sempre a fazer-vos companhia. O cessar da ocupação faz-vos descobrir que estais completamente só, isolado, e isso gera medo; eis por que a mente prossegue tagarelando, tagarelando...

Krishnamurti, Paris, 5 de setembro de 1961, O Passo Decisivo

Percebimento passivo e sem escolha

Percebimento passivo e sem escolha

Esta manhã desejo apreciar convosco um problema bastante complexo; mas, antes disso, e como já disse anteriormente, acho necessária uma certa dose de seriedade. Não a seriedade de uma “cara solene”, ou a da excentricidade, mas aquele intento impetuoso de “ir até o fim”, cedendo quando necessário, mas nunca se detendo. Desejo tratar esta manhã de um assunto que exige toda a vossa seriedade e atenção; o Oriente chama-o meditação, e não estou nada certo de o Ocidente entender o que esta palavra significa. Não estamos representando o Ocidente nem o Oriente; mas vamos tentar investigar o que é meditar, porque isso para mim é importantíssimo. Abarca a totalidade da vida, e não apenas um fragmento dela. Infelizmente, os mais de nós cultivamos o fragmento e nele nos tornamos altamente eficientes. Empreender o trabalho de desvendar os recessos obscuros da mente; explorar, sem visar a nenhum alvo ou fim; alcançar a total compreensão da mente integral e, quiçá, passar além — isso para mim é meditação.

Desejo proceder de maneira cautelosa, porquanto cada passo revela alguma coisa. E espero que nós — todos nós — não nos deixemos ficar no mero nível verbal ou no nível da análise intelectual, nem nos limitemos — emocional e sentimentalmente — a reunir uns poucos fragmentos de nosso agrado, mas, sim, com um certo grau de seriedade, caminhemos até o fim. E talvez se torne necessário prosseguirmos nisso, da próxima vez. Todos buscamos alguma coisa, não só no nível físico, mas também no nível intelectual e nos níveis mais profundos de nossa consciência. Estamos sempre em busca da felicidade, do conforto, da segurança, da prosperidade, e de certos dogmas e crenças em que a mente possa instalar-se confortavelmente. Se observardes vossa própria mente, vosso intelecto, vereis que está sempre buscando e nunca satisfeito, sempre esperando encontrar, de alguma maneira, satisfação permanente, eterna. Buscamos o bem-estar físico; e, infelizmente, em geral nos contentamos com os confortos físicos, um pouco de prosperidade, um pouco de saber, relações medíocres, etc. Se nos achamos insatisfeitos — e talvez alguns de nós, aqui, o estejamos — com as coisas físicas, tratamos de buscar confortos e garantias de ordem psicológica, interior, ou desejamos mais amplos horizontes intelectuais, mais saber. Esse buscar, esse indagar é explorado pelas religiões de todo o mundo. Os cristãos, os hinduístas, os budistas oferecem-nos os seus deuses, suas crenças, suas garantias, que a mente aceita e, por elas se tornando condicionadas, não mais busca. Desse modo é canalizado e explorado o nosso buscar. Se nos sentimos completamente desditosos, insatisfeitos com o mundo e com nós mesmos, com nossa falta de aptidões, procuramos então identificar-nos com algo maior, mais vasto. E quando encontramos algo que por ora nos satisfaz, logo nos vemos forçados a abandoná-lo e a empenhar-nos em nova busca.

Esse “mecanismo” de descontentamento, de nos apegarmos a uma dada coisa até que um abalo nos faz soltar dela, cria — não é verdade? — o hábito de seguir, o hábito de estabelecermos uma autoridade para nós mesmos — a autoridade das igrejas e dos vários sacerdotes, santos, sanções, etc., existentes no mundo inteiro.

Ora, a mente que está tolhida pela autoridade — seja a autoridade de uma religião, a autoridade da capacidade, da experiência ou do saber — nunca será livre para descobrir. Para descobrir, a mente tem de ser livre. E um de nossos imensos problemas é libertarmos a mente da autoridade. Não me refiro à autoridade do policial e da lei. Quem vai pela rua na contramão pode provocar acidentes, e quem infringe a lei está sujeito a ir para a cadeia. O furtar-se à autoridade, neste sentido — sonegar impostos, etc. — é proceder de maneira muito tola e absurda. Refiro-me à autoridade que nós mesmos criamos ou que nos é imposta pela sociedade, pela religião, pelos livros, etc., pelo nosso desejo de achar, de buscar.

Parece-me, pois, que uma das coisas essenciais, uma necessidade absoluta, é a mente libertar-se completamente do “senso” da autoridade. Isso é dificílimo, porquanto cada palavra, cada experiência, cada imagem, cada símbolo, deixa sua marca, i.e., conhecimento, que se torna nossa autoridade. Podeis furtar-vos à autoridade externa, mas cada um de nós tem sua autoridade própria, secreta, a autoridade que diz “sei”. A autoridade, o seguimento de um padrão, gera ação fragmentária. Pode uma pessoa ser muito proficiente na música ou noutra coisa qualquer, mas, de qualquer maneira, sua ação é sempre fragmentária. E estamos falando de uma ação total, na qual está incluído o fragmento. Essa ação total abrange o todo da vida, o todo físico-emocional-intelectual. É a ação que se verifica quando penetramos profundamente no inconsciente e descobrimos todos os arcanos de nossa mente, e quando a mente de lá emerge de todo purificada. Essa ação total é que é meditação.

Exige-se, pois, grande soma de valente trabalho, de penetração, para se descobrirem todos os caminhos laterais, todos os becos de autoridade (sic) que para nós mesmos estabelecemos, através dos séculos, e pelos quais estamos constantemente vagueando. Esta é uma das coisas mais difíceis: ser livre — esquecer tudo o que interiormente se sabe, proveniente de ontem; morrer para cada experiência que tivemos, agradável ou dolorosa. Pois é só então que a mente está livre para agir de maneira total.

Para tanto, requer-se percebimento sem escolha, um percebimento passivo em que se revelam todas as ânsias secretas, todos os secretos impulsos e desejos; em que a mente não escolhe, porém observa apenas. Quando escolhemos, nesse mesmo momento estabeleceu-se a autoridade e, por conseguinte, a mente já não é livre. Estar apercebido, interiormente, de cada movimento de pensamento, do significado de cada palavra, cada desejo; e não rejeitar ou aceitar, porém prosseguir, observando sem escolha — isso é que liberta a mente da autoridade. Só quando a mente está livre pode descobrir o que é verdadeiro e o que é falso, e não antes; essa liberdade não se encontra no fim, porém no começo. A meditação, por conseguinte, não é mecanismo de controlar, disciplinar, moldar a mente pelo desejo, pelo saber.

Espero estejais seguindo o que estou dizendo. Provavelmente algumas coisas serão novas para vós, e as rejeitareis. Aceitar ou rejeitar indica incapacidade de “seguir até o fim” o que outro está dizendo; e, uma vez que vos destes o incômodo de uma longa viagem até aqui, acho que seria absurdo dizerdes, simplesmente: “Ele tem razão” ou “Ele não tem razão”. Assim, tende a bondade de escutar para descobrir, não o que pensa a vossa mente, mas se o que este orador está dizendo é falso ou verdadeiro; para perceber o falso na verdade ou a verdade como verdade, como fato. Isso é impossível, se lestes algum livro sobre meditação ou sobre psicologia e estais agora comparando o que se está dizendo com o que sabeis. Pois nesse caso estais seguindo por uma linha lateral, não estais escutando. Mas, se escutardes, não com esforço, porém com o desejo de descobrir, encontrareis então uma certa alegria no escutar. O próprio ato de escutar o que é verdadeiro constitui a chave. Nada tendes de fazer senão escutar realmente; mas isso não significa identificar. Na meditação, não há identificação, não há imaginação.

Quando a mente começar a compreender o processo de seu pró­prio pensar, ver-se-á de que maneira o pensamento se torna autoridade; como o pensamento, baseando-se na memória, no conhecimento, na experiência, e o pensador, guiando o pensamento, se tornam autoridade. A mente, portanto, deve tornar-se apercebida de seus próprios pensamentos, dos “motivos” dos quais eles nasceram, de sua causa. E, nesse profundo investigar, vereis que a autoridade do pensamento deixa de existir. Temos, pois, de lançar os alicerces adequados, para erguermos o edifício da meditação. Evidentemente, qualquer forma de inveja — que é essencialmente comparação: vós tendes algo belo e eu não tenho; sois inteligente e eu não sou; tendes um certo dom e eu não o tenho — deve desaparecer de todo. A mente invejosa — invejosa de posses, invejosa de capacidades — não pode ir muito longe, e não o pode, tampouco, a mente ambiciosa. Em geral somos ambiciosos; e a mente ambiciosa está sempre desejando sucesso, preenchimento, não só no campo mundano, mas ainda no espiritual. A mente amadurecida não conhece sucesso nem insucesso.

Deve, pois, a mente ser livre, de todo — livre não apenas de maneira casual, fragmentária, porém totalmente livre. E isso também é dificílimo. Significa purificar a mente que há séculos vem sendo educada para competir, para desejar o sucesso.

Deveis saber que o libertar-se da inveja não é questão de tempo. Não é questão de nos libertarmos gradualmente da inveja, ou de criarmos o oposto e com ele nos identificarmos, ou de tentarmos uma integração com o oposto, porquanto tudo isso implica um mecanismo gradativo. Se sois ambicioso e estabeleceis o ideal da não ambição, então, para percorrerdes a distância e realizardes o ideal, necessitais de tempo. A meu ver, esse mecanismo denota absoluta falta de madureza. Quando vemos uma coisa claramente, ela cai por si. Perceber totalmente a inveja com tudo o que ela implica — e isso por certo não é muito difícil — não exige tempo. Se a olhardes, se estiverdes atento, da se vos revelará rapidamente; e percebê-la é desembaraçar-se dela.

É óbvio que a mente invejosa, ambiciosa, egocêntrica, não pode ver a plenitude da beleza; não pode conhecer o amor. Um homem pode ser casado, ter filhos, possuir casas e perpetuar o seu nome; mas a mente que é invejosa e ambiciosa não pode conhecer o amor. Ela conhece sentimento, emoção, apego; mas apego não é amor.

E se alcançardes aquele ponto, não apenas intelectual ou verbalmente, encontrareis a chama da paixão. A paixão é necessária. E, com essa chama da paixão, podem-se ver as montanhas e as longas encostas cobertas de verdes árvores, pode-se ver a miséria existente em toda a parte, as horríveis divisões que o homem criou, na sua ânsia de segurança; pode-se, então, sentir intensamente, não egocentricamente. Esta, portanto, é a base; e, lançada a base, a mente está livre; pode prosseguir — e talvez não haja mais prosseguir. Assim, a menos que essa totalidade se instale por inteiro na mente, todo buscar, todo meditar, todo seguir da palavra — não importa quem a tenha pronunciado — só conduz à ilusão, a visões falsas. A mente condicionada no cristianismo terá por certo visões de Jesus, mas estará vivendo em ilusões baseadas na autoridade; e essa mente, portanto, será muito limitada e estreita.

Quando se chegou até esse ponto, interiormente — o que interessa então é o momento imediato, não o depois-de-amanhã, não o mês vindouro. As palavras que estou empregando não exprimem a realidade; as palavras não são a coisa. E se estais meramente acompanhando o orador, não estais acompanhando a vós mesmo, interiormente. A meditação, pois, é essencial. Meditação não significa sentar-se de pernas cruzadas, respirando de certa maneira, repetindo frases ou observando determinada fórmula; tudo isso são artifícios, embora se possam obter os resultados que o sistema promete. Mas o que se obtiver será um fragmento e, portanto, coisa inútil. É possível, decerto, ver num relance todo o mecanismo da disciplina, do seguír, do ajustamento, e abandoná-lo imediatamente, já que foi compreendido completamente. Mas a compreensão imediata é impedida quando a mente é preguiçosa. Em geral, nós somos indolentes; quer dizer, preferimos métodos, sistemas que nos indiquem o que devemos fazer.

Há certa forma de indolência que é muito boa: a que consiste numa certa passividade. Ser passivo é bom, porque então se veem as coisas com clareza, distintamente. Mas ser física ou mentalmente preguiçoso embota o corpo e o espírito, incapacitando-nos de olhar, de ver.

Assim, pois, lançada a base — e isso significa, realmente, rejeitar a sociedade e sua moral — pode-se ver que a virtude é uma coisa maravilhosa, uma coisa bela, uma coisa pura. Não podemos cultivá-la, assim como não se pode cultivar a humildade. Só o homem vaidoso cultiva a humildade; e fazer esforços para se tornar humilde é a maior estupidez. Mas um homem pode atingir a humildade facilmente, quando a mente começa a compreender a si mesma, começa a compreender todos os recantos obscuros e inexplorados da consciência. Pelo autoconhecimento atinge-se a humildade, e essa humildade é o próprio solo, os próprios olhos, o próprio alento que vos permitem ver, dizer, comunicar. Não podeis conhecer a vós mesmo, se condenais, se julgais e avaliais; mas observar, ver “o que é”, sem distorção, observar como se observa uma flor, sem a fazer em pedaços, isso é autoconhecimento. Sem o autoconhecimento, todo pensamento conduz à perversão e à ilusão. Assim, com o autoconhecimento começamos a lançar a base da verdadeira virtude, a qual não pede ser reconhecida pela sociedade ou por outra pessoa. No momento em que a sociedade ou outra pessoa a reconhece, isso significa que estais no padrão delas e, por conseguinte, vossa virtude é a virtude da respeitabilidade, e, portanto, já não é virtude.

O autoconhecimento, pois, é o começo da meditação. Há muito ainda que dizer acerca da meditação; isto aqui é apenas uma introdução, por assim dizer, apenas o primeiro capítulo. E o livro não tem fim; não há terminar, atingir. E a maravilha de tudo isso, a beleza de tudo isso é que quando a mente — na qual se inclui o intelecto, tudo — viu e se esvaziou de todos os descobrimentos que fez, quando está inteiramente livre do conhecido, sem “motivo” de espécie alguma, poderá, então, talvez, surgir na existência o incognoscível.

Krishnamurti, Saanen, 3 de agosto de 1961, O Passo Decisivo

Em conflito, jamais vemos o que é real

Em conflito, jamais vemos o que é real

[...] Vemos a vida, uma pessoa, uma árvore, através de ideias, opiniões, lembranças? Ou estamos em comunhão direta com a vida, a pessoa, ou a árvore? Penso que nós vemos através de ideias, lembranças e juízos e que, por conseguinte, nunca vemos nada. Assim, vejo-me a mim mesmo tal como “eu realmente sou”, ou vejo-me como “eu deveria ser” ou como “eu fui”? Por outras palavras, a consciência é divisível? Falamos com muita facilidade a respeito da mente consciente e da mente inconsciente, e das muitas camadas entre ambas existentes. Existem essas camadas, essas divisões, e elas se acham opostas umas às outras. Temos de percorrer todas essas camadas, uma a uma, para nos livrarmos delas ou tentarmos compreendê-las — maneira muito cansativa e ineficaz de resolver um problema — ou é possível varrermos todas as divisões, todo esse conjunto, e tomarmos conhecimento da consciência total?

Como dizia noutro dia, para nos tornarmos apercebidos totalmente de uma coisa, necessita-se de percepção, visão, não colorida por ideia alguma. Ver uma coisa inteiramente, totalmente, não é possível quando existe motivo, um propósito. Se estamos interessados em alguma alteração, não estamos vendo o que realmente é. Se estamos interessados na ideia de que devemos ser diferentes, de que devemos melhorar o que vemos, torná-lo mais belo, etc., não somos então capazes de ver a totalidade do que é. A mente só está então interessada em mudança, alteração, melhoria, aperfeiçoamento.

Mas posso ver-me assim como sou, como consciência total, sem ficar enredado nas divisões, nas camadas, nas ideias opostas, existentes na consciência? Não sei se já alguma vez praticastes a meditação — por ora não discorrerei sobre esta matéria. Mas, se já o fizestes, deveis ter observado o conflito que se verifica na meditação — a vontade lutando para controlar o pensamento, e o pensamento a escapar-lhe sempre. É uma parte de nossa consciência — esse impulso para controlar, moldar, satisfazer-se, ter êxito, encontrar segurança; e ao mesmo tempo a compreensão do absurdo, da inutilidade, da futilidade de tudo isso. A maioria de nós tenta desenvolver uma ação, uma ideia, uma vontade de resistência, para servir como uma espécie de muralha em torno de nós mesmos, e dentro dessa muralha esperamos permanecer num estado de ausência de conflito.

Ora bem. É possível percebermos a totalidade desse conflito e permanecermos em contato com essa totalidade? Isso não significa permanecer em contato com a ideia da totalidade do conflito, ou vos identificardes com as palavras que estou empregando; mas, sim, significa estar em contato com o fato da totalidade da existência humana, com todos os seus conflitos de tristeza, sofrimento, aspiração e luta. Significa enfrentar o fato, “viver com ele”.

Como sabeis, “viver com uma coisa” é extremamente difícil. “Viver com aquelas montanhas” que nos cercam, com a beleza das árvores, com as sombras, a luz matinal, a neve, “viver com isso” realmente, é muito difícil. Todos tomamos conhecimento dessas coisas, não é verdade? Mas, vendo-as dia por dia, embotam-nos diante delas, como acontece com os camponeses, e nunca mais tornamos a olhá-las realmente. Mas “viver com a coisa”, vê-la cada dia como nova, com clareza, com sensibilidade, com apreciação, com amor — isso requer enorme soma de energia. E “viver com uma coisa feia” sem que essa coisa feia possa perverter, corroer a mente — isso requer por igual muita energia. “Viver tanto com o belo como com o feio” — como temos de viver, em nossa existência — requer descomunal energia. E essa energia é rejeitada, destruída, quando nos encontramos num estado de perpétuo conflito.

Assim, pode a mente olhar a totalidade do conflito, “viver com ele”, sem aceitá-lo, nem rejeitá-lo, sem permitir que o conflito nos deforme a mente, porém observando realmente todos os movimentos internos de nossos próprios desejos, geradores de conflito? Acho que isso é possível — não apenas possível, mas, quando penetramos mui profundamente o conflito, quando nossa mente está apenas a observar e não a resistir, a rejeitar, a escolher, eis o que acontece. Então, depois de chegardes até aí, não em termos de tempo e espaço, porém com a experiência real da totalidade do conflito, descobrireis por vós mesmos que a mente é capaz de viver muito mais intensa, apaixonada e vitalmente; e uma mente assim é essencial para que possa surgir na existência aquela “certa coisa imensurável”. A mente em conflito jamais descobrirá o verdadeiro. Poderá tagarelar incessantemente acerca de Deus, da bondade, da espiritualidade e tudo o mais, mas só a mente que compreendeu de maneira completa a natureza do conflito e, por conseguinte, se acha fora dele, só ela pode receber aquilo a que se não pode dar nome, aquilo que não pode ser medido.

Krishnamurti, Saanen, 30 de julho de 1961, O Passo Decisivo

domingo, 8 de abril de 2018

O que se entende por percepção total?


O que se entende por percepção total?

APARTE: A mente parece estar sempre a dar voltas, sem nunca ultrapassar as próprias limitações.

Krishnamurti: Vamos investigar um pouco esta questão, já que não desejamos que esta seja apenas uma reunião de “perguntas e respostas”? Em primeiro lugar, antes de dizermos que a mente anda “a dar voltas” não é necessário descobrirmos o conteúdo total da mente, averiguarmos o que entendemos por “mente”? Ora, como responder a uma pergunta desta natureza? Qual o “mecanismo” que começa a funcionar quando se faz tal pergunta? Tende a bondade de observar a vossa própria mente, sem aguardar resposta minha. Eu fiz uma pergunta: Que é a mente? Como reagis, e que é “reagir”? Como observais uma coisa qualquer? Como observais uma árvore? Lançais-lhe um rápido olhar superficial, ou observais o tronco, os ramos, as folhas, as flores, os frutos: a totalidade da árvore? Como se observa uma coisa totalmente? Espero não estar tornando a questão abstrata demais, mas acho necessário examiná-la bem. Quando fazemos a pergunta: “Que é a mente?” — como reagis a este desafio? De que centro, de que fundo (background) observais? E para observar uma coisa inteiramente, de maneira nova, totalmente, que fazeis?

APARTE: É preciso observar com percepção total...

KRISHNAMURTI: E que se entende por “percepção total”? Compreendeis? Notai, por favor, que não estou cavilando, mas será recomendável não fazermos uso de termos substitutos. Prossigamos juntos, um bocadinho. Que se entende por “observar”, “ver”, “perceber”? Quando digo que vejo uma coisa com toda a clareza, que significa isso? Significa que não vemos a coisa apenas fisicamente, com os olhos, mas também que ultrapassamos os limites das palavras, não é verdade? Vejo que o nacionalismo é uma estúpida modalidade de “emocionalismo” , destituída de racionalidade e de sentido. Vejo-o — eu, não vós. Primeiro, há o percebimento imediato de sua falsidade e, em seguida, dou as explicações: como separa as pessoas, sua natureza venenosa, quanto é destrutivo um indivíduo dizer-se indiano, inglês, alemão ou o que quer que seja. Ninguém mo precisa dizer, nem tenho necessidade de raciocinar a esse respeito, chegar a uma conclusão por meio de dedução ou indução. Percebo tudo isso num relance, com percepção imediata, exatamente como quando vejo que pertencer a qualquer religião organizada significa uma existência em extremo corruptora e destrutiva?

Ora, que é essa capacidade de ver? Vejo a totalidade da mente? Não os segmentos da mente, a parte intelectual, a parte emotiva, a parte que conserva e utiliza o conhecimento, a parte que é ambiciosa e contradiz a si própria não desejando ser ambiciosa, etc., etc. Percebo a coisa em sua totalidade, ou fico à espera de que alguém ma indique?

Seria muito interessante e lucrativo — se me permitis esta expressão comercial — se pudéssemos, cada um de nós, descobrir o que se entende por ver. Ora, eu não preciso que ninguém me diga que estou com fome. Sei que tenho fome. Nenhuma descrição, por mais eloquente que seja, me pode dar a experiência da fome. Ora, podemos ter a experiência direta da mente como totalidade? E quando tendes a experiência de qualquer coisa como totalidade, de onde vem essa experiência?

Desejais experimentar “a totalidade da mente”, não? Desejais experimentar o estado em que se verifica o sentimento total da vida, o sentimento total do desapego a uma dada coisa. Mas, como sabereis o que é “a totalidade da mente”? A experiência está sempre em relação com o conhecido, não é verdade? E se nunca experimentastes a totalidade da mente, como a conhecereis? Percebeis o problema? Por favor, não concordeis, apenas, porquanto isso encerra uma porção de coisas.

Quando viajamos de avião de um ponto para outro, trinta ou quarenta mil pés abaixo de nós se estende a terra; e, sobrevoando o Paquistão, o Irã, o Oriente Médio, a ilha de Creta, a Itália, a França, a Inglaterra, a América etc., sabemos que tudo está separado pelas divisões artificiais criadas pelo homem, mas existe o sentimento da totalidade da Terra, desta Terra inteira, tão extraordinariamente bela!

Ora, para sentirmos a qualidade dessa totalidade, podemos experimentá-la em termos do que já conhecemos? Ou trata-se de coisa que não pode ser experimentada em termos de reconhecimento?

Talvez eu esteja entrando rapidamente demais na questão, e, pois, perguntemos mais uma vez a nós mesmos: Que é a mente? Examinemo-la, descubramo-la. A mente é a capacidade de reconhecer, de acumular conhecimentos na forma de memória; é o resultado de séculos de esforço humano, experiência, conflito, e das presentes experiências individuais em relação ao passado e ao futuro; é a capacidade de planejar, de comunicar, de sentir, de pensar, racional ou irracionalmente. Existe a mente de sentimentos mansos, quietos, serenos, e também a mente brutal, cruel, “superior”, arrogante, vã; a mente em estado de autocontradição, solicitada em diferentes sentidos. Esta é a mente de quem diz: “sou inglês”, ou “americano” ou “indiano”. Existe a mente inconsciente, o profundo reservatório coletivo, hereditário; e há a mente superficial, educada de acordo com uma certa técnica, um certo código de conduta, de ação, de conhecimento. Esta é a mente que busca, que deseja a permanência, a segurança; a mente que vive da esperança, mas só conhece a frustração, fracasso, desespero; a mente que pode lembrar-se, rememorar; a mente muito destra e exata; a mente que sabe o que é amar e desejar ser amado.

Tudo isso, por certo, constitui a totalidade, não? Essa é a mente que vós e eu possuímos — e os animais também, embora em menor escala. E há, ainda, a mente que diz que precisa transcender tudo isso, alcançar um certo ponto, experimentar uma totalidade, um estado atemporal, imensurável.

Tudo isso, pois, constitui a mente. Conhecemo-la por segmentos quando sentimos ciúme, raiva, ódio; ou conhecemo-la na autocontradição; ou por meio de sonhos, sugestões ou intuições provenientes do passado. Tudo isso constitui a mente. É a mente que diz: “Sou a alma”, “sou o Atman”, o “eu superior”, isto, aquilo e aquilo outro... A mente que se acha aprisionada dentro dos limites do tempo — pois tudo isso se relaciona com o tempo. A mente escrava das palavras, assim como os ingleses são escravos das palavras “Rainha”, “Cristo”; e os hindus, escravos de sua própria coleção de palavras; e os chineses e os comunistas, escravos das suas, e assim por diante.

Agora, percebendo tudo isso, como proceder? Que é, com efeito, a mente?

Consideremos a questão de maneira diferente. Vós vedes, senhores, que se necessita de mudança; mas mudança calculada não é mudança nenhuma. A mudança que visa a um certo resultado, por meio de exercício, disciplina, controle, impiedosa dominação, é, meramente, a continuação da mesma coisa sob disfarce diferente. E a mudança progressiva, evolutiva, disso já tratamos e é assunto liquidado. A única mudança verdadeira é a mudança radical, imediata. Como pode a mente alcançar essa mudança, depois de se tomar livre de seu condicionamento, suas brutalidades, suas ações estúpidas, seus temores, sua “culpa”, suas ansiedades e, portanto, tornar-se nova? Digo que isso é possível, mas não pelo processo analítico, a investigação, o exame etc. Digo que é possível “limpar a lousa” de um só golpe, instantaneamente. Não traduzais isto como “graça de Deus”; não digais: “Isso pode ser possível a outro, mas não a mim” — porque, assim, não estamos enfrentando o problema, porém evitando-o. Eis por que eu disse no começo que necessitamos de um pensar muito claro e muito preciso, de implacável investigação.

APARTE: Essa eliminação instantânea... nela, decerto, não pode haver pensamento de nenhuma espécie.

KRISHNAMURTI: Mas como pode ela ser feita, qual a ação necessária? Compreendeis, senhores, o que quero dizer? Sabeis muito bem o que está acontecendo no mundo — talvez melhor do que eu, pois não costumo ler jornais nem estudá-los; mas viajo muito e vejo muita gente, pessoas “importantes’’ e pessoas “insignificantes”, e escuto. Sabeis que há necessidade de uma tremenda revolução interior, para fazer frente ao desafio deste mundo caótico e conturbado. Digo que ela é possível e desejo, se permitis — sem interromper vosso exame — continuar a investigar nesta direção. Promover uma transformação radical — não é este o vosso problema, quer sejais jovens, quer sejais velhos? Assim, como empreender este trabalho?

APARTE: Isto está parecendo algo que estamos tentando “pegar”, mas não podemos...

KRISHNAMURTI: Quando tentamos “pegar”, quando tentamos capturar uma coisa, não há dúvida de que já a estamos traduzindo em termos do velho. Senhor, não deveis ver claramente se este problema vos concerne? Se eu vos estou impondo o problema, tem de haver necessariamente um estado de contradição entre vós e mim. Não estou impondo o problema; apenas o estou enunciando. Se não o vedes, cabe-nos examiná-lo. Mas, se o vedes, ele é então vosso problema, e não meu. Então, vós e eu estamos em relação; estamos em contato um com outro, procurando uma solução. E se o problema não vos concerne, digo-vos então: “Por que não?” — Vede, por favor, o que se passa no mundo: uma crescente tendência para a “exteriorização”... as coisas exteriores a se tornarem cada vez mais importantes... voa até à Lua, ver quem chega lá primeiro... quantas infantilidades se estão tornando hoje em dia de tremenda importância! Assim, se este problema atinge a todos nós, como a ele devemos aplicar-nos?

APARTE: Só podemos responder que não sabemos.

KRISHNAMURTI: Quando dizemos “Não sei”, que queremos dizer?

APARTE: Eu quero dizer isso, exatamente.

KRISHNAMURTI: Não, desculpai-me, não quereis dizer isso. Deixai-me esclarecer melhor, porquanto há diferentes estados de “saber” e “não saber”. Se vos fazem uma pergunta familiar, sabeis responder imediatamente, não? Porque estais familiarizado com ela, vossa resposta é instantânea. Se a pergunta é mais complicada, precisais de certo tempo para responder; e a demora entre a pergunta e a resposta é o “mecanismo” de pensamento, não é? Esse pensar é uma consulta à memória, para encontrar a resposta. Isto é óbvio; não estou falando de coisa complicada, pois isso é muito simples. Depois, se vos é feita outra pergunta mais complicada ainda e à qual momentaneamente não sabeis que resposta dar, dizeis: “Não sei”; mas ficais em expectativa, esperando descobrir a resposta no arquivo de vossa memória ou por informação de outra pessoa. Assim, ao dizerdes “Não sei”, isso significa que estais esperando, que estais na expectativa de descobrir a resposta. Agora, um minuto. Podeis dizer honestamente “Não sei” — sem isso significar expectativa nem consulta à memória? Temos, pois, dois estados, quando se pergunta como pode tornar-se existente uma mente nova: Podeis responder “não sei”, significando que esperais que eu vo-lo diga; ou de fato não sabeis e, por conseguinte, não há expectativa nem desejo de experimentar algo; e esta pode ser a coisa essencial.

Voltemos um pouco atrás, pois acho importante compreender o que se entende por perceber, ver, observar. Como vemos realmente uma coisa?

APARTE: Parece-me que só podemos ver através de palavras.

KRISHNAMURTI: Vós compreendeis através de palavras? Naturalmente nós nos servimos de palavras para fins de comunicação, para que possais falar comigo e eu falar convosco; mas isto não significa escravização à palavra. Percebeis como estamos escravizados às palavras? As palavras “inglês”, “russo”, “Deus”, “amor” — não somos escravos delas? E se sois escravos de palavras, como podeis compreender uma coisa total, não contida numa palavra? Se sou escravo da palavra “amor” — palavra de que tanto temos abusado e tanto temos corrompido — posso compreender a natureza total do amor, que há de ser necessariamente uma coisa extraordinária? Todo o universo está contido no significado desta palavra.

Mas, infelizmente, somos escravos das palavras e estamos tentando alcançar algo que se acha além dos limites verbais. Extirpar, destroçar as palavras e ficar livre delas — isso dá invulgar percebimento, vitalidade, vigor. E é necessário tempo para nos libertarmos das palavras? Dizeis “preciso refletir primeiro” ou “preciso exercitar o percebimento” ou “vou ler Bertrand Russel”? Ou vedes deveras que a mente escrava da palavra é incapaz de olhar, de observar, sentir, ver? — e esta própria clareza, esta própria verdade não destrói a escravidão?

PERGUNTA: Poder-se-ia ver, por um instante, e logo a mente interferir?

KRISHNAMURTI: Vedes, por um instante, que o nacionalismo é venenoso e, logo a seguir, nele recaís?

Percebemos realmente que somos escravos das palavras? O comunista é escravo das palavras “Marx”, “Stalin”, etc. E o chamado cristão é escravo do símbolo, da Cruz, e do respectivo jogo sutil de palavras. Ide a Roma, ide a qualquer parte do mundo, e o que se encontra é sempre a palavra.

E talvez sejamos também escravos da palavra “mente”. Adoramos a mente, e nossa educação consiste apenas em cultivá-la. E, por certo, o que estamos tentando descobrir é a totalidade de alguma coisa que não é a palavra: o sentimento que abarca a totalidade, sem a barreira das palavras.

Krishnamurti, Londres
02 de maio de 1961, O Passo Decisivo

Nossas mentes são como águas estagnadas

Nossas mentes são como águas estagnadas

Esta é a última palestra da presente série, e estão também encerradas as nossas discussões.

A vida é cheia de acidentes, que deixam em nossa mente muitas cicatrizes. À medida que vamos envelhecendo, a acumulação de acidentes e experiências, a constante batalha da vida, deixam muitas cicatrizes na mente. Só conhecemos sofrimentos e raras alegrias, e os nossos problemas crescem continuamente; tal parece ser a sina de quase todos nós, por maior que seja a nossa capacidade intelectual, científica, etc. Parecemos carregar a nossa mente com atividades de todo gênero, e nossos corações vão definhando, com o sentimento da frustração, do medo e da sombra, sempre presente, da solidão. Bem poucos de nós somos felizes e conhecemos o sentimento criador. Tendo sido postos numa rotina, torna-se muito difícil curarmos a nossa mente, para ela ser, de novo, fresca e sem mácula. E, na procura dessa felicidade, desse sentimento, andamos a perseguir tantas coisas, temos tantos desejos não preenchidos e preenchidos! E a nessa sociedade, a nossa cultura, os nossos pais, os nossos vizinhos, maridos, esposas, estão-nos a todas as horas assaltando a mente, moldando-nos, condicionando-nos, de modo que quase já não somos indivíduos, embora tenhamos um nome próprio e uma fisionomia especial. Se temos boa sorte, possuímos uma casa e um pequeno depósito no banco, bem como uns poucos predicados, ou seja o que chamamos individualidade. Mas, afora o nosso nome e apoucadas qualidades e aquelas “águas estagnadas” que chamamos nossa mente, nós não somos, de modo nenhum, indivíduos; somos entidades condicionadas, com muito pouca liberdade.

Pensamos que somos livres, quando escolhemos; mas não somos livres, somos? Onde há escolha não há liberdade, porque a escolha, justamente, resulta do nosso estado condicionado. Pensamos ter uma vontade própria, que exercemos, na escolha. Entretanto, se observardes vereis ser essa vontade o produto de inumeráveis desejos, de muitas formas de frustração e medo; e que essas frustrações, temores, desejos são o produto do nosso condicionamento, nosso fundo. Nessas condições, quando escolhemos nunca somos livres. A escolha, em si, indica falta de liberdade. Um homem realmente livre não faz escolha; ele é livre, não para fazer isso ou aquilo, mas para ser. Enquanto fazemos escolha, não somos verdadeiramente livres e não somos indivíduos reais.

Muito importa compreender isso, porque, em geral, vivemos escolhendo — uma virtude, uma pessoa, uma ação — e a escolha conduz invariavelmente ao sofrimento; não há boa escolha e má escolha. Só a mente livre da escolha é capaz de perceber o que é verdadeiro. A verdade não vem através da escolha. A verdade não vem em virtude da capacidade de escolher entre isto e aquilo, entre o certo e o errado; pelo contrário, toda escolha resulta de nosso condicionamento, que se baseia no temor e na avidez. Nós, vós e eu, nos dizemos indivíduos, mas, de fato, não somos indivíduos. Só quando estamos livres do fundo, do condicionamento, existe a verdadeira individualidade; e isso requer muita reflexão e investigação.

Falemos, agora, acerca da criação, que acho tão essencial neste mundo tão cheio de confusão, onde a mente se vê avassalada pelos sistemas, pelos métodos e está, a todas as horas, em busca da certeza, através dos métodos, da ação e, por conseguinte, impedida de ser livre, para ser criadora, para compreender o que é aquela realidade criadora. Infelizmente, a maioria de nós nunca experimenta diretamente uma coisa verdadeira, porque temos lido muito e ouvido muitas conferências e acumulado muitos conhecimentos; e, porque lemos, comparamos. Se se souber escutar, não só ao que estou dizendo, mas a todas as coisas da vida, com uma profunda atenção interior, ver-se-á então surgir a liberdade, apesar de todos os acidentes que ocorrem à mente, apesar de todas as frustrações, apesar de todas as estúpidas atividades que a nenhuma parte nos conduzem.

É possível à mente que está acumulando tanto saber, que tem tido tantas experiências, através de séculos, e na qual cada acidente deixa um resíduo que se chama memória, é possível à mente ficar livre de tudo isso, de modo que se torne rejuvenescida, fresca? A meu ver o problema real concernente a todos nós é o de renascer e nunca deixar espaço para a memória, para o amanhã.

Acho de suma importância compreender este ponto, porquanto a vida de quase todos nós é uma série de continuidades, sempre quebradas e de novo recomeçadas. Nossa vida diária de rotina, de ganhar o sustento, de desenvolver atividades sociais, de frequentar reuniões políticas, religiosas, sociais, é, todavia, uma continuidade, sempre na mesma direção. Não há jamais uma libertação dessa continuidade, porque a mente teme viver de maneira nova, sem saber nada, pois, sem dúvida, está sempre procurando a certeza no “ser alguma coisa”.

Nosso problema é que desejamos ser algo; cada um de nós, tanto o santo como o pecador, deseja ser alguma coisa; e, desse modo, cultivamos a memória e, por conseguinte, nunca há um findar. Nessas condições, nunca há um descobrimento real; só há acidentes e a escolha dos acidentes. Eis o que é a nossa vida. Permeando toda esta confusão, toda esta exigência de ação, está sempre o temor.

Podemos livrar-nos do passado, e renascer com uma mente renovada? Pode-se viver feliz, sem os trabalhos da busca intelectual, viver plenamente cada dia, cada minuto, todo devotado a esse minuto? Se isso for possível, a vida será simples, porque o homem feliz não tem problema algum. É o homem infeliz, o homem frustrado que busca a ação, para vencer a sua frustração.

É possível a cada um de nós apagar o passado, dar-lhe fim, não através de um processo gradual, mas eliminando-o de um golpe? Temos de fazer esta pergunta a nós mesmos, sem nos preocuparmos com o resto. Porque, se dizemos “como fazer isso?” destruímos a possibilidade de fazê-lo, porque o “como” perpetua a memória da mente.

Parece-me verdadeiramente importante viver completamente cada dia, com tanta plenitude, tão criadoramente, tão ricamente, que nunca tenhamos um amanhã. Isso, afinal, é amor, não achais? O amor não conhece amanhã. O amor não é produto da mente. Como só estamos cultivando a mente, não sabemos amar; e a continuidade que damos à memória impossibilita qualquer forma de amor; e esta é uma das nossas dificuldades.

Só conhecemos infelicidade, sofrimento e frustrações; e daí parte a nossa ação, criando mais infelicidade e mais sofrimento. Portanto, certamente, precisamos festar livres do conhecido, para que o desconhecido possa ser. “O conhecido” é a mente e suas ocupações. A mente só é capaz de raciocinar, e a razão é produto da memória, do conhecido. A razão não pode conduzir ao desconhecido, por mais ativos que estejamos — praticando o perdão, sacrifícios, ritos, meditação. Enquanto a mente tiver suas raízes no “conhecido”, não poderá existir o desconhecido.

Por conseguinte, o nosso problema é realmente o de libertarmos a mente do conhecido. A mente não pode libertar-se do conhecido, porque ela própria é o conhecido, já que é resultado do tempo. Qual é, então, o problema? Entendeis esta pergunta? Minha mente é resultado do conhecido; minha mente só pode funcionar dentro do conhecido; e meu problema é este: como pode a mente, resultado do tempo, deter o seu próprio movimento? Como pode o pensamento cessar? O pensamento é resultado ou reação do conhecido, de ontem, de todas as acumulações, das feridas, dos acidentes, das frustrações, dos temores. Como pode cessar esse pensamento? A mente não pode fazê-lo cessar. A mente não pode dizer “vou pôr fim ao pensamento”, porque neste caso, o pensamento estaria separado da entidade que diz “vou pôr fim”. A entidade que deseja esse findar é produto do pensamento.

Por favor, prestai atenção a esse extraordinário mistério, que a mente é incapaz de sondar. Existe o assombroso mistério do desconhecido; e se não permitimos que ele opere, a nossa vida é sem significação. Podeis ser muito inteligentes, possuir a mais maravilhosa das mentes; mas, se não houver a compreensão daquele desconhecido, se aquele desconhecido não puder manifestar-se, nossa vida será sem significação. Não conheceremos senão sofrimentos, perigos, frustrações. Nessas condições, se pudermos ver que a mente não pode em tempo algum achar o desconhecido; que, sem o desconhecido, nenhuma significação tem a vida, que é só tortura, sofrimento, dor; e que a mente nada pode fazer, porque todo movimento da mente é produto do conhecido, movimento do conhecido; se a mente perceber tudo isso, ela se tornará tranquila.

A compreensão de que todo movimento da mente é produto do conhecido, essa compreensão é meditação. Há necessidade de meditação, na vida — não da estúpida meditação ortodoxa, que não é meditação, mas auto-hipnose; precisamos estar apercebidos de todo o mecanismo do viver, todo o mecanismo da escolha, de como a escolha nega a liberdade, visto que a escolha é produto do nosso fundo (background). A libertação da mente desse fundo, a libertação da mente de todo condicionamento é o verdadeiro libertar. O processo pelo qual a mente se liberta do desejo de ser alguma coisa, esse processo é meditação. Nele, dá-se a libertação da mente do conhecido; então a mente se torna tranquila. Ora, essa quietude, essa tranquilidade da mente não é uma coisa que se possa conhecer ou experimentar, sem se “descondicionar” a mente. Não é uma coisa que se possa procurar. Se a procurais, essa procura será apenas uma outra forma de auto-hipnotismo, uma ilusão, sem nenhuma realidade.

Se a mente puder libertar-se do seu condicionamento, dos seus desejos, de todas as disciplinas, padrões, acidentes, haverá então o libertar da mente do passado. Dessa liberdade virá o silêncio, a tranquilidade mental. Essa tranquilidade não pode ser feita, mas ocorre quando a mente é livre. É a tranquilidade do movimento extraordinário, em que não se visa a coisa alguma. Não há busca, nessa placidez, que não resulta de nenhuma frustração, experiência ou desejo. O que está num movimento extraordinário, numa velocidade extraordinária, está quieto. E dessa tranquilidade surge o mistério da criação, aquela verdade não mensurável pela mente; e, sem essa verdade, a vida só pode significar mais sofrimento, mais malefícios, mais frustração.

Somos infelizes seres humanos, que queremos escapar da nossa infelicidade por meio de atividades de toda ordem; somos entidades solitárias, e queremos encher a nossa solidão com conhecimentos, atividades, divertimentos, Escrituras; mas esse vazio não pode ser preenchido e só será possível acabar com ele quando a mente compreender que está solitária, e não tentar disfarçar a sua solidão ou dela fugir. É necessário passarmos por essa solidão, para alcançarmos a tranquilidade; então, por certo, se manifestará a ação criadora da Verdade.

Esta questão não requer um empenho contínuo. Tudo o que é contínuo é produto de uma mente que está determinada, da mente que diz “eu serei”, e perpetua, por conseguinte, a memória de si mesma. Mas a qualquer momento em que se sinta um empenho sério, momento que poderá durar só meia hora — e tanto basta — nesse momento existe a percepção sem escolha, o percebimento de nós mesmos como num espelho, sem deformação, o percebimento da coisa exatamente como é. Esse próprio percebimento do fato produz a libertação, a liberdade. Quando, porém, no espelho do percebimento vos vendo assim como sois, condenais e desejais modificar essa imagem, reformá-la, dar-lhe um certo nome, desse modo, lhe conferis uma continuidade. Mas, se ficardes simplesmente apercebido da imagem refletida naquele espelho, vereis desaparecer tudo o que foi; e esse percebimento traz a liberdade, uma quietude da mente em que há felicidade.

O importante é não dar-se raiz a nenhum problema. Nós temos problemas, eles existem. Todo acidente é um problema; mas não lhe darmos um futuro, não lhe concedermos um minuto em que ele possa enraizar-se, tal é o problema — não aquele que estamos carregando, em nossa mente. Quanto mais a mente pensa num problema, tanto mais está preparando o solo para ele enraizar-se. Pensai, observai, escutai, senhores.

O problema não é o de saber como resolver um problema, mas como não dar ao problema que tenho, uma continuidade. É a continuidade — e não o problema de ontem — que cria o problema. Se conheço, se percebo a verdade disso, ocupar-me-ei, então, com o problema de modo inteiramente diferente; darei cabo do problema, em mim mesmo, tão logo ele surja, com o não deixá-lo enraizar-se — o que significa: não apreciar nem condenar; e isso, com efeito, significa possuir a extraordinária qualidade da humanidade.

A mente trivial tem sempre algum problema; a mente pequenina está sempre ocupada, e essa ocupação prossegue dia por dia. A mente trivial nunca é capaz de resolver o problema, porque tudo o que ela resolve, tudo o que ela pensa a respeito do problema, é sempre trivial, limitado, confuso. O mais que a mente trivial pode fazer é não dar ao problema um futuro. Se a mente tem um problema e não lhe dá um futuro, ela já não é trivial, porque não está ocupada; a mente ocupada é que é trivial. A mente não ocupada se assemelha a um rio, que tudo recebe, os esgotos da cidade, cadáveres, coisas boas e coisas más; e, uma vez que está em movimento constante, já não é água estagnada, mas uma torrente viva; nela, tudo vive; ela não está morta. Assim, pois, a mente que tem um problema e está ocupada, não pode compreender o seu próprio problema; o que pode fazer é só dar fim à sua continuidade e nunca proporcionar solo propício ao problema, no amanhã da sua memória.

Tudo isso pode parecer muito difícil; mas não é; se realmente observardes como a vossa mente gosta de dar continuidade a um problema, dia após dia. Vossa mente está ocupada com alguma coisa — com o que diz o vizinho, ou o Livro, ou com a finalidade da vida — traçando perenemente as suas próprias rotinas. A mente ocupada é uma mente trivial, e a mente trivial há de ter sempre problemas.

Krishnamurti, Oitava Conferência em Bombaim
03 de março de 1954, As ilusões da Mente

A percepção que não resulta de escolha


A percepção que não resulta de escolha

Em nossas três últimas reuniões, estivemos falando sobre a importância de uma revolução religiosa. Por religião, não entendo dogmas, nem crenças, nem ritos. Não consiste, tampouco, a religião na substituição de uma crença por outra; ela é, sim, uma revolução total do nosso pensar e essa revolução, com efeito, é a nossa libertação do conhecido. Desejo, se possível, examinar nesta tarde esta questão, porquanto a mim me parece que toda atividade proveniente do “conhecido” não é, absolutamente, modificação, transformação fundamental. É, tão só, uma “continuidade modificada” do que já é conhecido. A maioria das revoluções políticas, econômicas, sociais ou mesmo as chamadas “revoluções científicas”, são sempre a continuidade do conhecido.

Desejo, se possível, estar em comunhão convosco. Emprego propositadamente a palavra “comunhão”, porquanto acho que não estamos aqui para uma simples troca de ideias, nem temos o desejo de persuadir alguém sobre um determinado ponto de vista ou de estabelecer um programa de ação. “Estar em comunhão” é uma coisa de todo diferente, porque todas as partes devem estar interessadas no assunto, ao mesmo tempo e no mesmo nível. É impossível a comunhão se, quando nos falamos, vós estais interessados numa coisa e eu, noutra; não há então comunhão; só é possível a comunhão quando todos nós, vós e eu juntos, estamos — ao mesmo tempo e no mesmo nível — interessados não apenas em ouvir a expressão verbal, mas também em comungar uns com os outros num nível mais profundo da consciência, a respeito de coisas que não podem ser expressas em meras palavras. Isso requer muita compreensão e muita penetração. Não há possibilidade de comunhão quando se está obstruindo a inteira significação das palavras com uma série de “cortinas de proteção”, objeções, ideais ou preconceitos.

Creio muito importante saber “comungar”, principalmente em questões de tanta monta e significação. Não há comunhão se não amamos a coisa sobre que falamos, se não dedicamos toda a nossa mente e coração à coisa que estamos investigando. Esse amor não exige nenhum esforço de atenção; o que ele requer é aquele “estado de amor” espontâneo e livre, aquela atenção que damos a uma coisa em que nos deixamos absorver. Tratamos neste momento, de um problema que acho de alta significação; a comunhão, pois, é: essencial. Mas não é possível a comunhão se cada um de nós está obstruindo a comunicação com uma série de objeções, aceitações, recusas ou resistências.

Desejo igualmente examinar a questão relativa à nossa libertação do “conhecido”, porquanto religião não é a “continuação do conhecido”. O conhecido é a crença, a disciplina, o exercício, uma determinada forma de meditação inventada por outro como meio de se alcançar um certo estado, ou o método que inventamos para nosso uso, ou o método de uma determinada filosofia, com a experiência que essa filosofia proporciona e continuação dessa filosofia como memória. A continuação da memória é “o conhecido”; e só quando estamos livres da continuidade do conhecido, pode haver comunhão. Parece-me que, para a maioria de nós, a religião sempre foi o “hábito do conhecido” — sendo o conhecido a crença, o dogma, a esperança, o preenchimento de uma experiência da mente educada ou na religião ou num estado de negação de tudo. O crente e o não crente são ambos “continuação da memória”, condicionada pelo “conhecido”. Para a maioria de nós, a dificuldade está na libertação do conhecido. A continuidade de uma experiência, de uma ideia, de uma crença, produz a mediocridade; faz a mente viver num estado de certeza. Quando a mente se acha certa, no conhecimento, na experiência, na crença; quando se sente em segurança; quando busca refúgio numa experiência, dogma ou crença — a mente é, então, medíocre, limitada. Porque, em virtude do desejo de estar segura, de estar certa, ela está apegada a toda forma de certeza, que ela mesma inventa; e, em tais condições, a mente só pode funcionar e viver e mover-se dentro da esfera do conhecido; desse modo, a mente e o coração permanecem medíocres, limitados, mesquinhos. Nossa mente está condicionada pelas nossas crenças, nossas experiências, nosso conhecimento. Com essa mente queremos achar o que é Real, o que é Deus, encontrar algo que esteja além e acima da invenção e da ilusão humanas.

Enquanto existir a continuidade do “conhecido”, existirá também a mente medíocre, e nunca a mente livre. É importantíssimo compreender isso, não apenas verbal ou intelectualmente, porquanto não existe essa coisa de “compreensão intelectual”. Mas aquela compreensão requer profunda penetração das operações da nossa própria mente, visto que toda a estrutura do nosso pensar está baseada no “conhecido”: “Tive uma experiência ontem e esta experiência me está moldando, moldando-me o pensamento, minha conduta, minha visão das coisas”. A experiência pode não ser de ontem, mas de milênios; chamamo-la então “conhecimento”. O conhecimento, pois, é um fator de confusão, na busca da Realidade. Para a maioria de nós há confusão; estamos confusos, não pelo que não sabemos, mas pelo conhecimento das coisas que sabemos; é o saber que cria a confusão. Não é bastante evidente que os mais de nós estamos confusos? Apesar de tudo o que afirmam, a maioria dos líderes políticos, dos guias religiosos, não estão confusos? Tanto o guia como o seguidor estão confusos. Essa confusão se deve à escolha, porquanto nosso conhecimento é memória, a qual nos molda a vida e a ação. Entretanto, não queremos admitir que estamos confusos.

A vida é uma “coisa viva”, em movimento constante; nós reagimos de acordo com a memória, e somos incapazes de ajustamento às exigências imediatas da vida. Por esta razão, nos aproximamos da Realidade, que é uma coisa viva, um processo complexo, com a mente já pejada de conhecimentos, de experiências, de ideias. Não é livre a mente que sempre vai ao encontro da vida com sua memória. Porque, afinal de contas, o “eu”, o “ego” é a acumulação de várias experiências, conhecimentos, memória; o “eu” é todo fundo (background), o “eu” é feito de tempo; o “eu”, o “ego” é o resultado de várias formas de conhecimento acumulado, informações acumuladas; é esse feixe que chamamos “eu”. O “eu” são as numerosas camadas da nossa memória; ainda que não esteja apercebido dessas numerosas camadas, o “eu” é sempre parte do “co­nhecido”. Assim sendo, quando estou buscando, busco tão somente o que já conheço. O que eu conheço é a “projeção” do meu passado, e a nossa libertação do “conhecido” e que é a revolução verdadeira. A revolução não pode ser promovida por nenhuma disciplina.

Não posso ser livre por meio de nenhuma disciplina ou exercício, visto ser eu um feixe de memória, de experiências, de conhecimento; e se pratico uma disciplina, para libertar a minha mente do “eu”, isso é apenas uma outra maneira de continuar a memória. E não há, assim, possibilidade de nos libertarmos do “eu”, do “conhecido”, estejamos ou não, conscientes disso. Aquela liberdade só pode acontecer quando existe compreensão do mecanismo total do “eu” — mas não para dirigir esse “mecanismo”; porque no “eu”, quando dirige, existe o “diretor” e “a coisa dirigida”, sendo, ambos, uma e a mesma coisa. Não há “observador” diferente da “coisa observada”; só existe uma entidade única: “experimentador — coisa experimentada”. Enquanto houver “o experimentador”, que é o “eu”, a experimentar aquilo que ele deseja, continuamos na esfera do tempo. A dificuldade, por conseguinte, está em que a nossa mente está sempre em movimento do “conhecido” para o “conhecido”. Como deter esse movimento?

A criação é a ação do desconhecido e não do conhecido. “O desconhecido” é a Verdade, Deus, ou como quiserdes chamá-lo. A atividade daquele estado, daquela Realidade, é criadora; é a ação livre da memória. Eis porque eu acho de extraordinária e imensa importância, não que descubramos como libertar a mente do “conhecido”, mas que nos achemos naquele estado em que a mente está livre do conhecido. O estado de liberdade do conhecido é a verdadeira revolução religiosa.

Nossa mente já está muito acostumada a que se lhe diga o que deve fazer. Os livros religiosos, os mentores, os santos, os guias políticos e de todas as outras espécies nos estão sempre dizendo o que devemos fazer — como sermos livres, como podemos ser guiados para ser livres, o que devemos fazer, como devemos disciplinar-nos, praticar virtudes, etc., etc.. Ora, se examinardes isso com muita atenção, vereis que nada mais é do que o hábito contínuo do conhecido; nele, nunca há criação, sendo meramente a continuidade do “eu” sob forma diferente. É só isso que sabemos, é só este o nosso conhecimento. O movimento desse estado para um estado em que haja liberdade, fora do conhecido, esse movimento não pode ser operado por nenhum exercício ou disciplina ou mecanismo de pensamento. Parece-me ser esta a coisa real que se precisa compreender. Se ela for realmente compreendida, lá estará aquela coisa extraordinária — a revolução. Mas, enquanto estivermos pensando só com o sentido em “chegar lá”, com o sentido nos métodos ou práticas que nos ajudarão a “chegar lá”, só teremos a continuidade do conhecido, que está no tempo.

Quando realmente aprendemos, compreendemos o mecanismo desse movimento da mente, partido do conhecido, e compreendemos que qualquer movimento que parte do conhecido não pode participar do “estado do desconhecido”; se realmente compreendemos, se sentimos, se comungamos com a verdade de que todo movimento partido do conhecido nunca nos conduzirá ao desconhecido, aí, então, estará presente o “desconhecido”. Nossa mente, porém, recusa-se a ver esse fato, porque já está muito acostumada a ser instruída sobre tantas formas de Ioga, sobre o seguimento de certas ideologias, observância de sacrifí­cios, formação de virtudes, desenvolvimento do caráter, etc., etc..

Conheceis todos os movimentos do conhecido. Mas se pudermos apreender realmente a significação desse movimento do conhecido e ver a sua verdade, aí, então, o outro “estado de ser”, o “estado do desconhecido” vem à existência. Eis porque é muito importante compreender o “mecanismo” da mente (o que, afinal, é autoconhecimento) conhecer, ver como num espelho a imagem do pensamento, da atividade da mente, ter conhecimento dela sem condená-la e sem lhe dar nome. Nesse percebimento em que não há escolha, vereis que “a outra coisa” surge na existência. Entretanto, a mente que está à procura do “desconhecido”, tentando experimentar o “desconhecido”, jamais o conseguirá. Quando a mente se torna, ela própria, o desconhecido, só então há criação e se manifesta o Atemporal.

Senhor, que fim tem uma pergunta? É seu fim achar uma solução para o problema, ou compreender o problema? Eu tenho um problema, vós tendes outro; queremos compreender o problema ou buscamos uma resposta, através do problema? Queremos uma solução, ou queremos compreender todos os meandros, todas as complexidades do problema?

A maioria de nós sofre; há a dor e a ansiedade; e os mais de nós temos muito interesse em saber como nos livrarmos dela, como eliminar a dor, a perturbação. Nessas condições, estamos sempre à procura de meios e modos de vencê-la, expulsá-la. O sofrimento interior, psicológico, do “eu”, está sempre forcejando por encontrar uma resposta, uma saída. Mas, se se puder compreender o “fabricante” do problema, o “eu”, que está sempre seguindo, sempre frustrado, sempre a sentir-se sozinho, ansioso, temeroso — então, na própria compreensão do problema e do “fabricante” do problema, apresenta-se a solução. Mas, para a compreensão do problema requer-se uma mente que não esteja em busca de resultado, de resposta. Se observardes a vossa própria mente, vereis o que está sucedendo. Se tendes um problema, desejais que alguém vos diga o que deveis fazer; vosso principal interesse, portanto, está na solução e não na compreensão do problema.

Na resposta a esta pergunta, o que nos interessa é o problema, e não a solução. Se sairdes daqui desapontado, porque vossa pergunta ficou sem resposta, a culpa será vossa, porquanto para a vida não há resposta. A vida não tem resposta. A vida só tem uma única coisa, um único problema, que é — viver. O homem que vive totalmente, completamente, cada minuto, sem fazer escolha, sem aceitar e sem rejeitar a coisa que é, esse homem não está buscando nenhuma resposta, não está perguntando qual é a finalidade da vida, não procura uma saída para a vida. Isso, porém, requer profunda penetração de si mesmo. Procurar, sem o autoconhecimento, uma resposta, não tem significação alguma, porque a resposta será então aquilo que achamos mais satisfatório e compensador. É isso o que em geral queremos; queremos estar satisfeitos, encontrar um refúgio seguro, um Céu, onde não haja perturbação alguma. Mas, enquanto andarmos buscando, a vida será sempre perturbada.

Krishnamurti, Quarta Conferência em Bombaim
17 de fevereiro de 1954, As ilusões da Mente

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill