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sexta-feira, 7 de junho de 2013

O “homem da paz” repele toda autoridade

Interpelante: Existe em mim um descontentamento profundo, e estou em busca de alívio. Instrutores, como Sankara e Ramana, recomendaram a submissão a Deus. Recomendaram também o cultivo da virtude e o seguimento do exemplo dos nossos Mestres. Pareceis considerar tudo isso inútil. Tereis a bondade de explicar porquê?

KRISHNAMURTI: Porque estamos descontentes, e que há de mau no descontentamento? Evidentemente, estamos descontentes porque — para dizê-lo com muita simplicidade — queremos ser alguma coisa. Se sou bom pintor, pinto para tornar-me mais famoso; se escrevo um poema, sinto-me insatisfeito por não o achar bom e luto para melhorar a minha capacidade. Se sou dessas pessoas ditas religiosas, também neste terreno quero ser alguma coisa. Sigo o exemplo dos vários santos e desejo alcançar nomeada igual à deles. Desde meninos, nos dizem sempre que devemos ser tão bons ou melhores do que outro. Fui criado na base da comparação, da competição, da ambição e, por isso, levo em toda a vida a carga do descontentamento. Propriamente falando, descontentamento é inveja; e nossa cultura religiosa e social está baseada na inveja. Estimulam-nos a ser alguma coisa, para maior glória de Deus. Por um lado, estimula-se o descontentamento, e, por outro lado, queremos achar meios e modos de dominar o descontentamento. Estando descontentes, economicamente, socialmente, recorremos aos exemplos religiosos, a fim de encontrarmos satisfação; meditamos, praticamos disciplinas, a fim de nos livrarmos do descontentamento, ficarmos em paz. Isto está acontecendo com todos vós e eu vos digo que é uma coisa completamente fútil, sem significação nenhuma. Seguir, imitar, obedecer a uma autoridade em assuntos religiosos é coisa má, assim como é uma coisa má a tirania do governo, porque então está completamente perdida a individualidade.

Atualmente, não sois indivíduos, e sim meras máquinas de imitar, produto de um certo meio cultural, um certo sistema educativo. Sois o corpo coletivo, não sois indivíduo, sendo isto muito óbvio. Todos sois hinduístas ou cristãos, isto ou aquilo, com certos dogmas, crenças, o que significa que sois produto da massa. Por conseguinte, não sois indivíduos. Precisais estar totalmente descontentes, para poderdes descobrir. Mas a sociedade não deseja ver-vos descontentes, porque teríeis então vitalidade, começaríeis a inquirir, a investigar, a descobrir e, conseqüentemente, vos tornaríeis perigosos para ela.

Infelizmente, o descontentamento de quase todos vós está baseado no desejo de satisfação, e no momento em que vos vedes satisfeitos, desaparece o descontentamento. E então definhais e declinais. Já não observastes como pessoas descontentes quando jovens, perdem esse descontentamento logo que obtêm um bom emprego? Dai ao comunista um emprego rendoso, e lá se foi o seu descontentamento. O mesmo acontece com as pessoas religiosas. Não riais — isto também acontece convosco. Desejais encontrar o mestre certo, o guru certo, a disciplina certa: e o que se encontra é uma gaiola que vos asfixiará e destruirá; e esta destruição se chama “busca da verdade”... Isto é, quereis achar-vos satisfeitos permanentemente, para não sofrerdes perturbação, descontentamento, não terdes o desejo de investigar. Foi isso que realmente sucedeu; e quanto mais antiga a civilização, tanto mais destrutiva, porque a tradição gera sempre mediocridade.

Vemos, pois, que o descontentamento, tal como ora o conhecemos, é meramente desejo de encontrar satisfação permanente. E existe de fato satisfação permanente, um permanente estado de paz? Ou só existe um estado em que nada é permanente? Só a mente que, na sua totalidade, é impermanente, incerta, pode descobrir o que é verdadeiro; porque a Verdade não é estática. A Verdade é sempre nova e só pode ser compreendida pela mente que está morrendo para todas as acumulações, todas as experiências e é, por conseguinte, fresca, jovem, “inocente”.

Agora, existe descontentamento sem objetivo, sem “motivo”? Compreendeis? A mente cujo descontentamento tem um “motivo” procurará uma conclusão que a satisfaça, destruindo o descontentamento; e, então, a mente definha, declina. Todo nosso descontentamento está baseado em algum “motivo”, não? Mas agora estamos fazendo uma pergunta completamente diferente: existe descontentamento sem “motivo”, que não seja produto de uma causa? Não deveis investigar e averiguar isso? Ora, tal descontentamento é necessário. Ou empreguemos uma palavra diferente — o que aliás é sem importância — digamos que é um movimento sem causa, sem “motivo”. Penso que tal movimento existe, e isto não é mera especulação nem promessa. Quando a mente compreende o descontentamento que tem “motivo”, o descontentamento nascido do desejo de satisfação, permanência; quando percebe, realmente, a verdade relativa a esse descontentamento, vem então à existência “a outra coisa”. Mas “a outra coisa” não pode ser compreendida nem experimentada, se há descontentamento com “motivo”, e atualmente todo descontentamento nosso tem “motivo”: não posso alcançar o que desejo, minha mulher não me ama, nada valho assim como sou e, portanto, tenho de tornar-me diferente, e assim por diante. Há esta interminável multiplicidade de causas e efeitos, causadora dessa coisa que chamamos “descontentamento”.

Ora, se a mente está cônscia de todo esse processo e o compreende integralmente, percebe a sua verdade, vereis então manifestar-se um movimento sem “motivo” algum — um movimento, uma ação, uma coisa não estática, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Nesse movimento há beleza infinita, e ele se pode chamar “amor”; porque, afinal, o amor é sem “motivo”. Se eu vos amo e desejo algo de vós, isto não é amor — embora eu lhe dê esse nome — porque, aí, há “motivo”. A atividade social ou religiosa baseada em “ motivo”, ainda que a denominemos “serviço”, não é serviço porém, sim, autopreenchimento.

Pode-se descobrir o que é amar sem “motivo”? Isso é uma coisa que se precisa descobrir e que não pode ser praticada. Se disserdes: “Como alcançarei esse amor?” — estareis fazendo uma pergunta sem significação, porque o desejo de alcançá-lo já é um “motivo”. Se empregais um método, para alcançar esse amor, esse método só tornará mais forte o “motivo”, que é “vós”. Vós sois então importante, e não o amor.

Se penetrardes profundamente esta questão — o que é muito difícil e é, em si, meditação — penso que descobrireis um movimento sem “motivo”, um movimento sem causa alguma e é esse movimento que traz a paz ao mundo, e não o movimento de vosso descontentamento, determinado por uma causa. O homem em quem se verifica esse movimento sem causa é um homem religioso, é um homem que ama e, portanto, pode fazer o que deseja. Mas o político, o reformador social, o homem que cultiva a virtude, a fim de ser feliz ou de conhecer Deus, o homem, cujos esforços são o resultado de um “motivo”, num nível qualquer, — as atividades desse homem só podem gerar ódios, antagonismos e sofrimentos.

Eis porque muito importa que cada um de nós descubra por si mesmo, deixando de seguir Sankara. Ramana, Buda ou Cristo. Para por nós mesmos descobrirmos, acharmos uma coisa, temos do ser livres; e não somos livres, se meramente citamos Sankara ou outra autoridade qualquer. Se seguimos, nunca achamos. Assim, pois, a liberdade está no começo, e não no fim. A liberdade precisa ser buscada agora, não no futuro. Liberdade significa estar livre de autoridade, da ambição, da avidez da inveja, do descontentamento que tem “motivo” e exige resultados, e que asfixia o verdadeiro descontentamento.

Torna-se necessária uma revolução, não dentro do padrão da sociedade, porém dentro de cada um de nós, a fim de que nos tornemos indivíduos totais e não pequenos Sankaras, pequenos Budas, pequenos Cristos. Temos de empreender a jornada sozinhos, completamente desacompanhados, sem ajuda de ninguém, de nenhuma influência, de nenhum estímulo ou desestímulo; porque, então, já não existe “motivo” algum. A própria jornada representa o “motivo”, e só os que a empreendem produzirão algo novo, algo não corrompido, neste mundo — e não os reformadores sociais, os “beneméritos”, os mestres e seus discípulos, os pregadores de fraternidade. Êstes nunca trarão paz ao mundo. São eles os verdadeiros malfeitores. O “homem da paz” é aquêle que repele toda autoridade, que compreende, em todos os seus aspectos, a ambição, a inveja, que se desprende totalmente da estrutura desta sociedade aquisitiva e de todas as coisas envolvidas de tradição. Só então a mente é nova. E é necessária uma mente nova, para encontrar Deus, a Verdade — ou como quiserdes chamá-lo — não uma mente fabricada pela sociedade, pela influência.

Krishnamurti — 18 de janeiro de 1956 — Da solidão à plenitude humana

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Desmascarando a cansativa monotonia da vida

PENSO que a maioria de nós acha a vida muito insípida. Para ganharmos o sustento, precisamos exercer uma certa profissão, e esta se torna muito monótona; começa-se uma rotina, que temos de seguir, ano por ano, até morrer. Ricos ou pobres, e ainda que sejamos muito eruditos ou dotados de espírito filosófico, nossas vidas são em geral superficiais, vazias. Há evidentemente uma insuficiência em nós mesmos, e ao nos tornarmos cônscios desse vazio procuramos preenchê-lo com conhecimentos, com alguma espécie de atividade social, ou nos refugiamos em divertimentos de toda ordem, ou apegamo-nos a alguma crença religiosa. Ainda que tenhamos uma certa capacidade e sejamos muito eficientes, nossas vidas são, ainda assim, insípidas e, para nos livrarmos dessa insipidez, dessa cansativa monotonia da vida, buscamos uma certa forma de enriquecimento religioso, tentamos conquistar aquêle "estado de ser" extra-mundano que não é uma rotina e que, por enquanto, pode ser chamado "o outro estado". Em nossa busca desse outro estado, encontramos muitos sistemas diferentes, diferentes caminhos que se supõe conduzirem a éle; e, assim, pelo disciplinamento de nós mesmos, pela prática de determinado sistema de meditação, pela observância de um certo ritual ou a repetição de certas frases, esperamos alcançar aquele estado. Sendo a nossa vida um ciclo interminável de dores e de prazeres, de variadas experiências sem muita significação ou mera repetição, sem sentido algum, de uma mesma experiência — o viver constitui para a maioria de nós uma monótona rotina. Por esta razão, o problema de nosso enriquecimento interior, da conquista do "outro estado" — chamai-o Deus, a Verdade, bem-aventurança ou como quiserdes — se torna muito urgente, não é verdade? Podeis estar bem de vida, bem casado, ter filhos podeis pensar inteligente e equilibradamente, entretanto, sem aquele estado, a vida se torna horrivelmente vazia.

Que se deve, pois, fazer? Como conquistar aquele estado? Ou é completamente impossível conquistá-lo? A nossa mente, como hoje está constituída, é sem dúvida muito insignificante, limitada, condicionada; e embora uma mente limitada possa especular a respeito do "outro estado", suas conjecturas serão sempre limitadas. Ela poderá formular um estado ideal, conceber e descrever aquele outro estado, mas suas concepções permanecem dentro de suas estreitas limitações, e penso que aí é que se encontra o fio da meada: no perceber que a mente não pode, em circunstância alguma, experimentar, viver aquele outro estado, se se limita a formulá-lo ou a especular a seu respeito. Não há dúvida de que esta é uma descoberta extraordinária: o perceber que, sendo a mente limitada, pequena, estreita, superficial, todo movimento que faça para alcançar aquele estado extraordinário, constitui um empecilho. O descobrimento deste fato, não especulativamente porém realmente, é o começo de uma maneira nova de considerar o problema.

Nossas mentes, em verdade, são produto do tempo, de muitos milhares de dias passados, resultado da experiência baseada no "conhecido"; e, em tais condições, a mente é uma continuação do "conhecido". A mente de cada um de nós é resultado de cultura, educação, e por mais extenso que seja o seu saber ou preparo técnico, ela é sempre produto do tempo; por conseguinte, é limitada, condicionada. Com esta mente, queremos descobrir o incognoscível; e compreender que essa mente nunca poderá descobrir o incognoscível, constitui uma experiência verdadeiramente extraordinária. Descobrir que a mente de um indivíduo, por mais sagaz, por mais sutil, por mais ilustrada que seja, não pode de modo nenhum compreender aquele outro estado — esse descobrimento traz consigo uma certa compreensão "fatual" e acho que este é o começo de uma perspectiva da vida que poderá abrir a porta que conduz àquele outro estado.

Expressando o problema de maneira diferente: a mente está sempre e sempre ativa, "tagarelando", planejando, e é capaz de extraordinárias sutilezas e invenções. E de que maneira pode esta mente tornar-se quieta? Vê-se que toda atividade da mente, todo movimento que faça, em qualquer direção, é reação do passado. Como quietar esta mente? Se a quietamos por meio de disciplina, sua quietude é um estado em que não há investigação, busca, não é exato? Em tais condições, ela não está aberta para o "desconhecido", "o outro estado".

Não sei se já alguma vez pensastes neste problema, ou se nele tendes pensado unicamente pela maneira tradicional, ou seja, tendo um ideal e dirigindo-se para ele segundo uma certa fórmula ou a prática de determinada disciplina. Disciplina implica, invariavelmente, repressão e o conflito da dualidade — e isso está na esfera da mente — e por esse caminho prosseguimos, esperando captar o outro estado. Mas nunca indagamos inteligentes e sãmente se nossa mente é capaz de captá-lo. Sugeriu-se-nos que a mente deve estar tranquila, mas a tranqüilidade foi sempre cultivada por meio de disciplina. Isto é, temos o ideal de uma mente tranquila, e buscamos realizar este ideal por meio de controle, luta, esforço.

Ora bem, se considerais atentamente esse processo, em sua inteireza, vereis que está todo no terreno do conhecido. Cônscia da monotonia de sua existência, cansada de suas repetidas experiências, empenha-se a mente em conquistar aquele "outro estado". Mas, quando se percebe que a mente é o "conhecido" e que todo movimento que faz não a leva ao outro estado, que é "o desconhecido", o nosso problema se resume então, não em como conquistar o desconhecido, mas em descobrir se a mente pode libertar-se do "conhecido". Penso que este problema deve ser considerado por todo aquele que deseje descobrir se existe alguma possibilidade de "realizar o outro estado", o desconhecido. Assim sendo, como pode a mente, que é resultado do passado, do conhecido, libertar-se do conhecido? Espero me esteja fazendo claro.

Como disse, a mente atual — tanto consciente como inconsciente — é produto do passado, resultado acumulado de influências raciais, climáticas, dietéticas, e outras. A mente, portanto, está condicionada, condicionada como cristã, hinduísta, budista ou comunista, e é bem óbvio que ela projeta aquilo que considera ser o real. Mas, quer a sua "projeção" seja a do comunista, que julga prever o futuro e quer forçar toda a humanidade a adaptar-se ao padrão de sua Utopia, quer seja a "projeção" do chamado homem religioso, que também julga conhecer o futuro e educa a criança, a pessoa de acordo com o seu ponto de vista particular — nem uma nem outra dessas projeções é o Real. Sem o Real, a vida se torna muito insípida, como é atualmente para a maioria das pessoas. E sendo insípidas as nossas vidas, começamos a tornar-nos românticos e sentimentais, a respeito do outro estado, do Real.

Ora, vendo-se que é este o padrão de nossa existência, e sem entrarmos em muitos pormenores, pergunto se é possível a mente libertar-se do conhecido, constituído das acumulações psicológicas do passado. Há também o conhecido representado pelas nossas atividades diárias, mas deste, como é bem óbvio, a mente não pode livrar-se; porque se qualquer de nós esquecesse o caminho de sua casa ou esquecesse os conhecimentos que o habilitam a ganhar o sustento, estaria à beira da demência. Mas pode a mente libertar-se dos fatores psicológicos do conhecido, que lhe oferecem a segurança pela associação e a identificação?

Para investigar esta matéria, teremos de descobrir se há realmente diferença entre o pensador e o pensamento, entre o observador e o objeto observado. Atualmente, há uma divisão entre os dois, não é verdade? Pensamos que o "eu", a entidade que experimenta, é diferente da experiência, do pensamento. Há um intervalo, uma divisão entre o pensador e o pensamento e por esta razão dizemos: "Tenho de controlar o pensamento". Mas o "eu", o pensador, é diferente do pensamento? O pensador está sempre procurando controlar o pensamento, moldá-lo de acordo com o que considera ser um padrão bom; mas existe pensador, se não existe pensamento? Só há pensar, e este cria o pensador. Podemos colocar o pensador em qualquer nível, chamá-lo o Supremo, o Atman ou o que quer que seja; mas ele continua a ser resultado do pensar. O pensador não criou o pensamento; foi o pensamento que criou o pensador. Reconhecendo sua própria impermanência, o pensamento cria o pensador como entidade separada, a fim de dar permanência a si mesmo, pois é isso, afinal de contas, o que todos desejamos. Podeis dizer que a entidade a que chamais Atman, alma, pensador, está separada do pensamento, da experiência; mas só podeis estar cônscio da existência de uma entidade separada, por meio do pensamento e, também, por causa de vosso condicionamento como hinduísta, cristão, ou o que quer que sejais. Enquanto existir esta dualidade de pensador e pensamento, existirá necessariamente conflito, esforço, ou seja, a ação da vontade. E uma mente que quer libertar-se, que diz: "Tenho de libertar-me do passado" — o que essa mente faz é só criar outro padrão.

Assim, a mente só pode libertar-se — e só então se torna possível a existência do "outro estado" — depois de cessar o esforço do "eu" para alcançar um resultado, neste mundo ou no outro mundo. Tudo o que fazemos se baseia em luta, ambição, sucesso, consecução de objetivos; e por esta razão, pensamos que a "realização" de Deus, ou da Verdade, só se torna possível mediante esforço. Mas esforço denota atividade egocêntrica para alcançar um fim. Não significa abandono do "eu".

Agora, se estais cônscios de todo esse processo da mente — tanto consciente como inconsciente — se o percebeis e compreendeis realmente, vereis a mente tornar-se sobremaneira tranquila, sem esforço algum. A tranqüilidade conseguida à força de disciplina, controle, repressão, é a tranqüilidade da morte. A tranqüilidade a que me refiro se manifesta sem esforço algum assim que compreendemos todo esse processo da mente. Só então existe possibilidade de manifestar-se aquele outro estado, que se pode chamar a Verdade, ou Deus.

Krishnamurti — 3ª Conferência em Madanapale — Da solidão à Plenitude Humana

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O que buscamos nos relacionamentos?

A experiência não é uma medida, não é a forma de chegar à realidade porque, afinal de contas, nós experimentamos de acordo com a nossa crença, de acordo com o nosso condicionamento, e essa crença constitui, obviamente, uma fuga de nós mesmos. Para conhecer a mim mesmo, não posso ter crença alguma; só preciso me observar com isenção e clareza — observar-me nos relacionamentos, observar-me nas minhas fugas, observar-me nos meus apegos. temos que nos observar sem qualquer preconceito, sem chegar a qualquer conclusão, sem qualquer determinação. Nesse estado de percepção passiva, descobrimos essa extraordinária sensação de estar só. Tenho certeza de que muitos de vocês sentiram isso — uma sensação de completo vazio que nada pode preencher. É somente vivendo nesse estado em que todos os valores deixaram de existir, quando estamos capazes de estar sozinhos e de encarar esse estar só sem nenhum desejo de fuga, só então essa realidade se concretiza. Porque os valores são meros resultados de nosso condicionamento; como a experiência, eles se baseiam em crença e constituem um obstáculo à compreensão da realidade. 

Essa, porém, é uma árdua tarefa que poucos de nós têm vontade de enfrentar. De forma que nos apegamos a experiências, místicas, supersticiosas, às experiências dos relacionamentos, do assim chamado amor e à experiência da posse. Isso vem a se tornar muito significativo, porque é disso que somos feitos. Somos feitos de crenças, de condicionamentos, de influências ambientais. Esses são  nossos antecedentes, e a partir desses antecedentes, julgamos, avaliamos. E quando analisamos, compreendemos, todo o processo desses antecedentes, chegamos a um ponto em que nos encontramos absolutamente sós. Precisamos estar sós para encontrar a realidade — o que não significa fugir, retirar-se da vida. Pelo contrário, chega-se à completa intensificação da vida, porque, então, existe a libertação de antecedentes, da memória das experiências de fuga. Nesse estar só, nesse absoluto estar só, não existe escolha, não existe medo do que é. O medo só surge quando queremos reconhecer ou ver aquilo que é.

Portanto, é essencial,  para que a realidade se concretize, deixar de lado as inúmeras formas de fuga que criamos e em cujas malhas caímos. Se você observar, verá como usamos as pessoas — como usamos nossos maridos, nossas esposas, ou grupos ou nacionalidades — para escapar de nós mesmos. Procuramos consolo nos relacionamentos. Essa busca de conforto nos relacionamentos motiva certas experiências e a essas experiências nos apegamos. Para escapar de nós mesmos, o conhecimento torna-se muito importante; mas o conhecimento obviamente não é o caminho para se chagar à realidade. A mente precisa estar completamente vazia e silente para que a realidade se concretize. Mas a mente que está chacoalhando de sabedoria, habituada a ideias e crenças, sempre tagarelando, é incapaz de aceitar as coisas como são.

Se nós, de igual modo, buscamos consolo nos relacionamentos, então os relacionamentos representam uma fuga de nós mesmos. Nos relacionamentos procuramos consolo, queremos algo em que nos encostar, queremos apoio, queremos ser amados, queremos ter um dono — tudo indica a pobreza do nosso próprio ser. Nosso desejo de propriedade, de fama, de títulos, de bens, denota essa deficiência interior. 

Quando compreendemos que esse não é o caminho para chegar à realidade, chegamos àquele estado em que a mente não busca mais consolo, em que a mente está plenamente satisfeita com as coisas como são — o que não significa estagnação. Na fuga das coisas como são, existe morte; no reconhecimento e na percepção das coisas como são, existe vida. De forma que a experiência baseada no condicionamento, a experiência derivada de uma crença — que é resultado da fuga de nós mesmos — e a experiência dos relacionamentos transformam-se num bloqueio; elas dissimulam nossas deficiências. É somente quando reconhecemos que essas coisas constituem um obstáculo e reconhecemos, portanto, seu verdadeiro valor, que surge a possibilidade de permanecermos quietos, calados, nesse vazio, nesse estar só. E quando a mente está muito quieta, nem aceitando nem rejeitando, passivamente ciente das coisas como são, existe a possibilidade dessa realidade incomensurável concretizar-se. 

Krishnamurti — Sobre Deus     

domingo, 5 de maio de 2013

Seja uma criança novamente!

Osho, eu sinto que a vida é muito chata. O que eu deveria fazer?

Brij Mohan, desse jeito você já fez o bastante: você tornou a vida chata — uma grande façanha! A vida é uma dança de êxtase e você a reduziu à chatice. Você fez um milagre! O que mais você quer fazer? Você não pode fazer nada maior do que isto. Vida, e chata? Você deve ter uma tremenda capacidade para ignorar a vida.

Outro dia eu estava dizendo a vocês que ignorância significa a capacidade de ignorar. Você deve estar ignorando os pássaros, as árvores, as flores, as pessoas. De outra maneira, a vida é tão tremendamente bela, tão absurdamente bela, que se você puder vê-la como ela é, você nunca parará de rir. Você dará risadas — pelo menos internamente.

A vida não é chata, mas a mente é chata. E nós criamos uma tal mente, tão forte, como uma Muralha da China ao nosso redor, que a vida não entra dentro de nós. A mente nos desconecta da vida. Nós nos tornamos isolados, encapsulados, sem janelas. Vivendo atrás de uma parede de prisão você não vê o sol da manhã, você não vê os passarinhos voando, você não vê o céu à noite cheio de estrelas. E, certamente, você começa a achar que a vida é chata. Sua conclusão é errada. Você está num espaço errado, você está vivendo num contexto errado.

Você deve ser uma pessoa religiosa, Brij Mohan, porque para tornar a vida chata a pessoa tem que ser religiosa; tem que ser muito erudita. A pessoa tem que conhecer o Cristianismo, o Hinduísmo, o Islamismo. A pessoa tem que aprender muito dos Vedas, do Corão e da Bíblia. Você deve ser muito bem informado. Um homem que é bem-informado demais, culto demais, cria uma parede de palavras tão grande — palavras fúteis, vazias — em volta dele que se torna incapaz de ver a vida.

O conhecimento é uma barreira para a vida.

Ponha de lado seu conhecimento! E então olhe com olhos vazios... e a vida é uma constante surpresa. Eu não estou falando sobre alguma vida divina — a vida ordinária é tão extraordinária. Em pequenos incidentes você vai achar a presença de Deus — uma criança rindo, um cachorro latindo, um pavão dançando. Mas você não pode ver se seus olhos estiverem cobertos com conhecimento. O homem mais pobre do mundo é o homem que vive atrás de uma cortina de conhecimento.

Os mais pobres são aqueles que vivem através da mente. Os mais ricos são aqueles que abriram as janelas da não-mente e se aproximaram da vida com ela.

Brij Mohan, essa não é somente sua experiência, você não está sozinho nela. De fato, a maioria das pessoas concordará com você. Eles não encontraram nenhuma surpresa em lugar algum. E em cada momento existem surpresas e surpresas porque a vida nunca é a mesma; ela está constantemente mudando, ela toma rumo bastante imprevisíveis. Como você pode não se afetar pela sua própria maravilha? A única maneira de permanecer não afetado é se ligar ao seu passado, às suas memórias, à sua mente. Então você não pode ver o que é, você vai perder o presente.

Perca o presente e você viverá no tédio. Esteja no presente e você ficará surpreso por não haver nenhum tédio. Comece olhando ao redor um pouco mais como uma criança. Seja uma criança novamente! É nisto que se baseia a meditação: ser uma criança de novo — um renascimento, ser inocente novamente, não saber. É isto que estávamos falando outro dia. O Mestre disse: não saber é o mais íntimo.

Sim, você deve ter se tornado muito alienado da vida; consequentemente, o tédio. Você esqueceu a intimidade, o imediatismo. Você não está mais enraizado. O conhecimento funciona como uma parede: a inocência funciona como uma ponte.

Comece olhando como uma criança novamente. Vá à praia e novamente comece a apanhar conchinhas. Veja uma criança apanhando conchinhas — é como se ela tivesse achado uma mina de diamantes. Ela está tão emocionada! Veja uma criança fazendo castelos de areia e como ela está absorvida, completamente perdida, como se não houvesse nada mais importante do que fazer castelos de areia. Veja uma criança correndo atrás de uma borboleta... e seja uma criança novamente. Comece a correr atrás de borboletas novamente. Faça castelos de areia, apanhe conchinhas.

Não viva como se você soubesse. Você não sabe nada! Tudo o que você sabe é sobre e sobre. No momento em que você souber alguma coisa, o tédio desaparecerá. Saber é uma aventura tal que o tédio não pode existir. Com conhecimento é claro que ele pode existir; com sabedoria ele não pode existir.

E deixe-me lembra-lo: eu não estou falando sobre algum conhecimento divino, algum conhecimento esotérico; eu estou simplesmente falando sobre esta vida. Simplesmente olhe ao redor com um pouco mais de clareza, com um pouco mais de transparência... e a vida é hilariante!

Uma loja do centro da cidade tinha uma placa na sua vitrina escrito: Compre, Americano. Em pequenas letras estava impresso embaixo: MADE IN JAPAN.

Simplesmente comece a olhar ao redor com mais cuidado.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Tédio

Como é necessário para a mente expurgar-se de todo pensamento, estar constantemente vazia. Não ser esvaziada, mas estar simplesmente vazia; morrer para todo pensamento, para todas as lembranças de ontem e da hora vindoura! É simples morrer e é difícil continuar; pois continuidade é o esforço de ser ou não ser. Esforço é o desejo, e  desejo só pode morrer quando a mente deixa de adquirir. Como é simples apenas viver! Mas isso não é estagnação. Há grande felicidade em não querer algo, em não ser algo, em não ir a  algum lugar. Só quando a mente se expurga de todo pensamento existe o silêncio da criação. A mente não estará tranquila enquanto estiver viajando a fim de chegar. Para a mente, chegar é ter sucesso, e o sucesso é sempre igual, quer no inicio ou no fim. Não haverá expurgo da mente se ela estiver tecendo o padrão de seu próprio vir a ser.

Ela disse que sempre fora ativa, de um modo ou de outro, com seus filhos, nas questões sociais ou nos esportes; mas por trás dessa atividade sempre existiu o tédio, opressor e constante. Ela estava entediada com a rotina da vida, com o prazer, a dor, a bajulação e tudo mais. O tédio era como uma  nuvem que estava suspensa sobre sua vida desde que conseguia se lembrar. Ela tentara fugir dele, mas cada novo interesse logo se tornava um tédio a mais, um enfado mortal. Ela lera bastante e tivera as perturbações habituais da vida em família, mas, durante isso tudo, houve esse tédio exaustivo. Não tinha nada a ver com sua saúde, pois ela estava muito bem.

Por que você acha que fica entediada? Isso resulta de alguma frustração, de algum desejo fundamental que foi frustrado?

“Não em particular. Houve algumas obstruções superficiais, mas nunca me incomodaram; ou, quando o fizeram, tratei delas de forma bem inteligente e jamais me senti desconcertada. Não acho que meu problema seja frustração, pois sempre fui capaz de conseguir o que queria. Não quis coisas inacessíveis, e sempre fui sensata em minhas necessidades; mas, apesar disso, havia essa sensação de tédio com tudo, com minha família e com meu trabalho.”

O que você quer dizer com tédio? Você quer dizer insatisfação? É porque nada lhe deu total satisfação?

“Não exatamente isso. Eu sou tão insatisfeita quanto qualquer pessoa normal, mas tenho conseguido resignar-me com as insatisfações inevitáveis.”

No que você está interessada? Há algum interesse profundo em sua vida?

“Não especialmente. Se eu tivesse um interesse profundo, jamais ficaria entediada. Sou naturalmente uma pessoa animada, eu lhe asseguro, e se eu tivesse um interesse, não o abandonaria com facilidade. Tive muitos interesses intermitentes, mas todos levaram no final a essa nuvem de tédio.

O que você quer dizer com interesse? Por que há essa mudança de interesse para tédio? O que significa interesse? Você está interessada naquilo que lhe agrada, que lhe traz satisfação, não é? O interesse não é um processo de aquisição? Você não teria interesse em coisa alguma se não obtivesse algo disso, não é? Há interesse sustentado enquanto você está adquirindo; aquisição é interesse, não é? Você tentou obter satisfação em tudo com que entrou em contato; e, depois de usá-lo por completo, naturalmente sentiu-se entediada daquilo. Cada aquisição é uma forma de tédio, de cansaço. Nós queremos mudar de brinquedos; assim que perdemos interesse em um, recorremos a outro, e há sempre um novo brinquedo a qual recorrer. Nós recorremos a algo a fim de adquirir; há aquisição no prazer, no conhecimento, na fama, no poder, na eficiência, em ter uma família e assim por diante. Quando não há nada mais para adquirir em uma religião, em um salvador, perdemos o interesse e recorremos a outra coisa. Alguns adormecem em uma organização e jamais acordam, e aqueles que realmente acordam acabam adormecendo novamente ao ingressar em outra. Esse movimento de aquisição é chamada de expansão do pensamento, de progresso.

“O interesse é sempre aquisição?”

De fato, você tem interesse em alguma coisa que não lhe dê algo em troca, quer seja uma brincadeira, um jogo, uma conversa, um livro ou uma pessoa? Se uma pintura não lhe proporciona algo, você a ignora; se a pessoa não o estimula ou perturba de algum modo, se não há prazer ou dor em um relacionamento particular, você perde o interesse, você fica entediada. Você não percebeu isso?”

“Sim, mas nunca olhei para isso desse modo antes.”

Você não teria vindo até aqui se não quisesse algo. Você quer livrar-se do tédio. Como não posso lhe oferecer essa libertação, você se sentirá entediada novamente; mas, se pudermos entender juntos o processo da aquisição, do interesse, do tédio, talvez então haja libertação. A libertação não pode ser adquirida. Se você adquiri-la, logo ficará entediada com ela. A aquisição não torna a mente insensível? A aquisição, positiva ou negativa, é um fardo. Assim que você adquire, perde o interesse. Ao tentar possuir, você está alerta, interessada; mas a posse é um tédio. Você pode querer possuir, mas a busca por mais é só um movimento em direção ao tédio. Você tentará várias formas de aquisição e, enquanto houver o esforço de adquirir, haverá interesse; mas sempre existe um fim à aquisição e assim sempre existe tédio. Não é isso que tem acontecido?

“Suponho que sim, mas não compreendi o total significado disso.”

Isso virá logo. As posses tornam a mente enfadada. A aquisição, quer de conhecimento, de propriedade, de virtude, cria insensibilidade. A natureza da mente é adquirir, absorver, não é? Ou melhor, o padrão que ela criou para si mesma é o de reunir; e nessa mesma atividade a mente está preparando o próprio enfado, o próprio tédio. Interesse, curiosidade é o inicio da aquisição, que logo se torna tédio; e a ânsia de livrar-se do tédio é outra forma de posse. Assim, a mente vai de tédio a interesse, e a tédio de novo, até que ela esteja inteiramente cansada; e essas sucessivas ondas de interesse e cansaço são consideradas existência.

“Mas como alguém se liberta de adquirir sem mais aquisição?”

Somente permitindo que a verdade do processo total de aquisição seja experienciado e não tentando ser não aquisitivo, desapegado. Ser não aquisitivo é outra forma de aquisição que logo se torna exaustiva. A dificuldade, se podemos usar essa palavra, não está no entendimento verbal do que foi dito, mas em experienciar o falso como falso. Ver a verdade no falso é o inicio da sabedoria. A dificuldade é a mente ficar quieta; pois a mente está sempre preocupada, está sempre atrás de algo, adquirindo ou negando, buscando e encontrando. A mente nunca está quieta; ela está em constante movimento. O passado, ao fazer sombra ao presente, cria o próprio futuro. É um movimento no tempo, e quase nunca há um intervalo entre os pensamentos. Um pensamento segue o outro sem uma pausa; a mente está sempre se aguçando e, portanto, desgastando-se. Se um lápis for apontado o tempo todo, logo não sobrará nada dele; de modo semelhante, a mente utiliza-se constantemente e fica esgotada. A mente está sempre temendo chegar ao fim. Mas viver é um fim a cada dia; é morrer para todas as aquisições, lembranças, experiências, para o passado. Como pode existir vida se existir experiência? A experiência é conhecimento, lembrança; e a lembrança é um estado de experienciação? No estado de experienciação  há lembrança do experienciador? A expurgação da mente é viva, é criação. A beleza está na experienciação  não na experiencia infeliz; pois experiencia é sempre passado e o passado não é experienciação, não é o vivo. A expurgação da mente é a tranqüilidade do coração.

Krishnamurti – Comentários sobre o viver

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Não apague a chama fecunda do descontentamento

Já se sentaram em completo silêncio sem se mexer? Tentem, sentem-se com as costas retas e observem o que a mente faz. Não tentem controlá-la, não digam que ela não deve pular de um pensamento para outro, de um interesse para outro, mas somente conscientizem-se de como ela vagueia. Não façam nada a respeito, mas observem como se estivessem na margem de um rio olhando a água passar. Nela há muita coisa — peixes, folhas, animais mortos —, mas está sempre viva, em movimento, e a mente é idêntica. É uma inquietação, incessante, pulando de um ponto para outro como uma borboleta.

Quando vocês ouvem uma música, como agem? Podemos gostar da pessoa que está cantando, ela pode ter um rosto bonito, e vocês podem acompanhar o significado da letra; porém, por trás de tudo isso, quando ouvem a música, estão ouvindo os tons e o silêncio entre eles, não é? Da mesma maneira, sentem-se em silêncio sem ficar irrequietos, sem mover as mãos ou até mesmo os dedos dos pés, e simplesmente observem a mente. É divertido. Se tentarem como algo divertido, verão que a mente começa a se estabilizar sem que você se esforce para controlá-la. Não existe um censor, juiz ou avaliador, e quando a mente fica assim tranquila por si só, espontaneamente estabilizada, descobriremos o que é ser alegre. Sabem o que é alegria? É rir, se deliciar com algo ou por algo, provar da satisfação de viver, sorrir, olhar direto no rosto do outro sem qualquer sensação de medo.

Já olharam realmente no rosto de alguém? Olharam o rosto do professor, dos pais, do superior, do empregado, do pobre trabalhador braçal e viram o que acontece? A maioria de nós teme olhar diretamente no rosto do outro, e os outros não desejam que nós os encaremos desta maneira porque também estão assustados. Ninguém deseja se revelar; Estamos todos em guarda, escondendo-nos por trás de várias camadas de angústia, sofrimento, anseios, esperança, e são bem poucos os que podem olhar você diretamente no rosto e sorrir. E é muito importante sorrir, ser feliz, porque sem uma canção no coração a vida se torna insípida. Pode-se ir de um templo a outro, trocar de marido ou de esposa, ou encontrar um novo professor ou guru, mas se não houver alegria interna a vida terá pouco significado. E descobrir a satisfação interna não é fácil, porque a maioria de nós está apenas superficialmente descontente.

Sabem o que significa estar descontente? É muito difícil compreender esse sentimento porque a maioria de nós canaliza esse sentimento em uma certa direção, ocultando-o. A única preocupação que temos é nos estabelecermos em um posição segura, com interesses e prestígio bem-estabelecidos, para não sermos perturbados. Acontece nos lares e também nas escolas. Os professores não querem ser perturbados e por isso seguem a velha rotina. Porque, no momento que alguém se sentir realmente descontente e começar a inquirir, questionar, haverá distúrbios. E somente por intermédio do verdadeiro descontentamento é que surge a iniciativa.

Sabem o que é iniciativa? Vocês tem iniciativa quando iniciam ou começam algo sem serem acionados. Não é preciso algo muito grande ou extraordinário — isso pode surgir mais tarde; mas existe a centelha da iniciativa quando você planta uma árvore sem ser solicitado, quando é espontaneamente gentil, quando sorri para um homem que está carregando algo pesado, quando tira uma pedra do caminho ou afaga um animal na rua. Esse é um pequeno início de uma tremenda iniciativa que vocês devem ter se desejam conhecer esta cosia maravilhosa chamada criatividade. Ela possuí suas raízes na iniciativa, que acontece somente quando existe um profundo descontentamento.

Não tenham receio do descontentamento, podem nutri-lo até que a centelha se torne uma chaga e vocês permaneçam descontentes com tudo — os empregos, as famílias, a busca tradicional por dinheiro, posição, poder —, para que realmente comecem a pensar, descobrir. E quando estiverem mais velhos descobrirão que manter o espírito de descontentamento é muito difícil. Terão filhos para cuidar e deverão considerar as exigências em seus empregos, a opinião dos vizinhos, da sociedade fechando-se sobre vocês, e logo começarão a perder a chama do descontentamento. Quando se sentem descontentes, vocês ligam o rádio, vão a um guru, fazem rituais, vão ao clube, bebem, saem em busca de mulheres — qualquer coisa para encobrir a chama. Mas, observem, sem a chama do descontentamento, nunca terão iniciativa, que é o início da criatividade. Para descobrir o que é verdadeiro vocês precisam se revoltar contra a ordem estabelecida, e quanto mais dinheiro seus pais tiverem e mais seguros os professores estiverem em seus empregos, menos eles desejarão se revoltar.

A criatividade não é apenas uma questão de pintar quadros ou escrever poemas — o que também é bom, mas de pouca valia. O importante é estar totalmente descontente, pois esse é o início da iniciativa, que se torna criatividade quando amadurece. E esse é o único caminho para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus, porque o estado criativo é Deus.

Por isso é preciso haver o total descontentamento — mas com alegria. Compreenderam? É preciso estar totalmente descontente, mas não para resmungar, e sim agir com alegria, leveza, com amor. A maioria das pessoas que está descontente é terrivelmente aborrecida; estão sempre se queixando que algo não está certo, ou desejando estar numa posição melhor, ou buscando circunstâncias diferentes, porque seu descontentamento é bem superficial. E aqueles que não estão descontentes já estão mortos.

Se puderem se rebelar ainda jovens, e enquanto amadurecerem mantiverem o descontentamento vivo com a energia da satisfação e do grande afeto, então a chama terá um significado extraordinário, porque ela construirá, criará, montará coisas novas. Para isso é preciso receber a educação correta, que não é do tipo que apenas os prepara para conseguir um emprego, ou subir a ladeira do sucesso, mas a que os ajuda a pensar e ceder espaço — não o de um quarto maior, ou um telhado mais elevado, mas para a mente crescer e não ficar limitada por qualquer crença ou medo.

(...) O que acontece quando não fazemos esforço para fugir? Vivemos com essa solidão, esse vazio, e, ao aceitarmos isso, vemos surgir um estado criativo, que não tem nava a ver com luta, com esforço. Existe esforço apenas quando tentamos evitar a solidão interior, mas quando a examinamos, quando aceitamos o que é, sem tentar evitá-lo, alcançamos um estado de ser em que toda a luta cessou. Esse estado de ser é criatividade, e não resulta de esforço.

Quando compreendemos o que é, ou seja, o vazio, a insuficiência interior, e vivemos com essa insuficiência e a compreendemos completamente, encontramos a realidade criativa — a inteligência criativa —, que, por si só, traz felicidade.

Assim, a ação, como a conhecemos na verdade é reação, uma transformação incessante, e isso é negação do que é. Mas quando há uma conscientização do vazio, sem condenação ou justificativa, com a compreensão do que é, então, sim, a ação é criatividade. Você compreenderá isso se estiver cônscio de si mesmo, quando em ação. Observe-se quando estiver agindo, veja a si mesmo não apenas externamente, mas  procure perceber também o movimento de seus pensamentos e sentimentos. Quando perceber esse movimento, verá que o processo do pensamento, que também é de sentimento e ação, baseia-se em uma ideia de transformação. Essa ideia surge apenas quando há um senso de insegurança, e esse senso vem quando se está cônscio do vazio interior. Se você estiver cônscio desse processo de pensamento e sentimento, verá que há uma batalha em constante andamento, um esforço para mudar, para altera o que é. Esse é o esforço de transformação, e transformação é evitar diretamente o que é. Por meio do autoconhecimento, da constante conscientização de si mesmo, você descobrirá que a luta pela transformação leva à dor, ao sofrimento e à ignorância. Só quando estiver cônscio de sua insuficiência interior e viver com ela, sem fugir, aceitando-a integralmente, é que você descobrirá uma maravilhosa tranquilidade, uma tranquilidade que não é fabricada, não construída, mas que vem com a compreensão do que é. E é só nesse estado de tranquilidade que pode haver existência criativa. 

Krishnamurti    

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A tríplice-benção: tédio, insatisfação e inconformismo

Nossa experiência tem demonstrado ser bastante natural que, nos primeiros contatos com a proposta de pensadores compulsivos, proposta esta alicerçada na experiência de seus membros quanto a observação e absorção do conteúdo dos textos de Jiddu Krishnamurti, uma enorme confusão se apresente quase que de imediato, parecendo ao mesmo tempo ser algo totalmente ilógico, mas que também traz em si, um toque de real teor provocante.

É natural ao recém chegado, não perceber mais do que palavras e frases sem nexo, por mais clara e simples que seja a forma como são expressas por nossos membros. Isso é muito natural, uma vez que, este tipo de palavras e frases, como por exemplo — "observador e coisa observada" — não são frases que fazem parte do script cotidiano, portanto, estando totalmente fora do arquivo de memórias, fora do fundo psicológico daquele que as ouve pela primeira vez.

Não raro, desse material, muitos nem sequer chegam a ler uma página inteira; passam seus olhos, de forma um tanto superficial, tendo diante deles as pesadas e preconceituosas lentes de suas crenças e convicções, muitas vezes rejeitando-as de imediato. Isso é muito natural pois, o próprio pensamento condicionado, se vê ali ameaçado e, mais do que depressa, trata de lançar rótulos, achismos que possam instalar a identificação com os mesmos, tendo como único objetivo, dispersar o estado de mente aberta, através do qual, uma mínima fresta de luz possa atravessar as grossas, estagnantes e torturantes camadas de seus silenciosos condicionamentos.

De fato, por maior que seja a resistência dos primeiros contatos, algo ali permanece; nunca mais somos os mesmos.

Como nos dizeres do finado educador, Huberto Rohden, isso assim ocorre, porque as partes não podem ser entendidas senão à luz do Todo — mas esse Todo ainda é invisível aos iniciantes; falta-lhes a visão panorâmica (holística), dentro do qual as partes e parcelas integrantes têm algum sentido e razão de ser, mas fora do qual tudo é obscuro, confuso e desconexo. É inevitável que isso assim aconteça em maior ou menor escala. Essa inicial falta de compreensão, não prova absolutamente que as pessoas não possuam capacidade necessária para fazer frente à esse novo paradigma; isso prova somente o quanto que a consciência que somos, encontra-se totalmente envolta por uma enorme rede de condicionamentos, formada pela excessiva exposição à uma cultura cuja boa parte de seus códigos morais, se apresentam como mecanismos separatistas, fragmentários, incentivando a formação de uma rede de imagens, signos, conceitos, crenças, dogmas e símbolos que de modo algum são capazes de propiciar o alcance daquilo que por séculos tentam simbolizar. Nossa experiência demonstra que, aqui, se faz necessária uma boa dose de paciência e persistência — talvez num grau nunca antes praticadas — um esforço para superar a barreira inicial criada pela mente condicionada, profundamente preguiçosa, avessa a qualquer inspiração que possa abalar sua estagnante zona de conforto. Uma vez superada essa dificuldade inicial, instala-se, a "consciência do observador", o qual nos brinda com uma nova visão aos antigos olhos que pensavam ver. Nossa experiência tem demonstrado que, quanto maior a intensidade do colapso psíquico sofrido, quanto maior a intensidade dos sentimentos de tédio, insatisfação e inconformismo diante dos padrões tidos como "normal", maior a intensidade da "Sede de Plenitude", da fome pela vivência daquilo que os grandes homens e mulheres que "deram certo", em seus legados, tentaram simbolizar como sendo um possível caminho para a prontificação de um estado de ser capaz de propiciar o terreno fértil para a potencialização de uma experiência que não pode ser traduzida pela limitação das palavras mas, que uma vez manifesta, faculta ao homem aquilo que estes antigos mestres chamaram de a verdadeira liberdade do espírito humano.

"... voltam atrás, com saudades das suas ideologias tradicionais, dos seus queridos ídolos de sempre, dos quais não podem ou não querem se divorciar, porque sentiriam esse divórcio como uma dolorosa dilaceração interior, como uma profunda hemorragia moral. Para muitos deles só lhes podemos repetir as palavras do grande filósofo e curador, Jesus: "Quem lança mão ao arado e olha para trás, não é idôneo para o Reino de Deus, que é o Reino da "Verdade que Liberta".

Uma vez atravessada a fronteira inicial, no estágio seguinte, dá-se início a um silencioso e quase que despercebido processo de descondicionamento das células cerebrais, com seus desgastados e desfuncionais arquivos repletos de ídolos, dogmas, cultos, fetiches tradicionais, tidos e havidos por intocáveis e até mesmo, sagrados. Em alguns casos, alguns principiantes se mostraram repentinamente aterrorizados diante do início da profunda mutação consciencial, que apesar de dolorosa e não nos causar dano, faz com que desistam de prosseguir nessa jornada iniciática, optando assim por recaírem para as antigas e estagnantes zonas de conforto, influenciados pela carga de suas memórias eufóricas ritualísticas. 

Ainda nas palavras de Huberto Rohden, "Convém que esses principiantes temerosos saibam que a verdadeira espiritualidade não destrói nenhum valor real da vida humana; pelo contrário, clarifica e consolida valores reais, embora deva eliminar muitos valores fictícios tidos por verdadeiros. É necessário que se realize essa impiedosa demolição ideológica, para que um edifício mais sólido e belo possa surgir, aos poucos em meio das ruínas. Não esqueça ele que não se demole por demolir, mas sim para construir. A demolição não é um fim, mas sim um meio para uma espécie de revolução. Toda evolução é precedida por uma espécie de revolução. Se nunca ninguém dissesse algo novo, nenhum progresso seria possível, e a humanidade marcaria passo, eternamente, no mesmo plano horizontal."

É possível que a busca afaste um principiante do seu Deus — mas não de Deus; esse seu Deus não passa, talvez, de um pseudo-Deus, que tem de ser destronado para que o Deus verdadeiro, o Deus da "Verdade que Liberta", possa tomar-lhe o lugar. O fim de toda verdadeira busca é construir a felicidade do homem sobre uma base inabalável, sobre a rocha da Verdade absoluta e incondicional que liberta o homem de todo processo divisor, o qual impede o manifestar e um estado de unidade interna capaz de propiciar um verdadeiro estado de bem estar comum e de paz de mente e coração. Para muitos, a verdadeira busca equivale a uma grande "catarse" — uma purgação, uma purificação, uma limpeza de conceitos, crenças e códigos morais, um efeito salutar provocado pela conscientização de uma lembrança, até então reprimida que provoca o alívio), lentamente realizada; para outros, é como uma dolorosa intervenção cirúrgica nos tecidos íntimos da alma. A verdade é implacável, não negociável, não democrática, porém, amiga como o bisturi; por vezes, faz sangrar o coração, mas, depois, de removidos os elementos mórbidos do erro e da ilusão, entra o corajoso principiante sofredor numa rigorosa convalescença e começa a sentir as belezas e suavidades da verdadeira vida, muito mais intensa e conscientemente do que nunca antes. É que em última análise, só a experiência direta da verdade é que nos pode libertar e nos tornar solidamente felizes. Pensam muitos que a verdade seja rígida, áspera e amarga; dizem que o homem necessita de certa dose de ilusões para suavizar e embelezar a sua vida, que seria, aliás, insuportável. Engano fatal! A mais grave das verdade é infinitamente mais bela e consoladora do que a mais meiga das mentiras e ilusões tradicionais. A verdade é o único fator capaz de tornar o homem profundamente tranquilo, calmo e feliz. Quem vive de ilusões, embora se sinta feliz, está sempre às vésperas de novas infelicidades, porque faz depender sua "chamada felicidade" de algo que não depende dele — e isto é o inverso de toda autêntica espiritualidade. Vale pois, a pena passarmos por um período de confusão e um período de demolição, afim de reconstruirmos nossa vida, livre da confusão e dos perigos de novas demolições.

Texto inspirado na obra:
O Pensamento Filosófico da Antiguidade - Huberto Rohden - Ed. Martin Claret

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Vocês estão cientes de que sua vida está desordenada?

Vocês estão cientes da rotina diária, a monotonia, o fastio de ir para o escritório? Estão cônscios das desavenças, das brutalidades, dos aborrecimentos e da violência, de tudo que é o resultado de uma cultura que é desordem total, que é sua vida? Vocês não conseguem escolher e retirar dessa desordem o que pensam ser ordem. Estão cientes de que sua vida está desordenada, e se vocês não tiverem o interesse, a paixão, a intensidade, a chama para encontrar a ordem, então, escolherão e retirarão o que acham que é ordem para fora dessa desordem. Podem observar a si mesmos com grande honestidade, sem nenhum senso de hipocrisia ou subterfúgio, sabem por si próprios que sua vida é desordenada, e podem colocar tudo de lado para encontrar o que é a ordem. Sabem, colocar de lado a desordem não é assim tão difícil; nós a dramatizamos, sobrestimamos. Porém, quando veem algo muito perigoso, um precipício, um animal selvagem, ou um homem com uma arma, vocês o evitam instantaneamente, não é? Não há nenhum questionamento, nenhuma hesitação, há ação imediata. Da mesma forma, quando você vê o perigo da desordem, há ação instantânea que é a negação total da inteira cultura que gerou a desordem, que é você próprio.

Krishnamurti. The Awakening of Intelligence, pp 313-314

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O descontentamento é o portal do despertamento do Real

As crianças, em geral, são curiosas, querem saber; nós, porém, lhes embotamos o espírito de investigação com nossas asserções pontificais, nossa impaciência superior, e o modo indiferente por que nos livrarmos de sua curiosidade. Não encorajamos as indagações das crianças porque temos certa apreensão relativamente ao que elas possam perguntar; não lhes favorecemos o descontentamento, porque nós mesmos já desistimos de objetar.

A maioria dos pais e mestres teme o descontentamento, porque traz perturbações a todas as formas de segurança; por isso induzem os jovens a sufocá-lo, com empregos seguros, heranças, casamento, e a consolação de dogmas religiosos. Os mais velhos, que infelizmente conhecem muito bem todos os métodos de embotar a mente e o coração, procuram tornar a criança tão embotada quanto eles próprios, inculcando-lhe o respeito às autoridades, às tradições e às crenças que eles próprios aceitaram.

Só estimulando a criança a duvidar do livro, não importa qual seja, a examinar a validade dos vigentes valores sociais, tradições, formas de governo, crenças religiosas, etc., podem, o educador e os pais, ter esperança de despertar e manter vivo, nela, o senso crítico e o discernimento penetrante.

Os jovens verdadeiramente despertos mostram-se cheios de esperança e de descontentamento; assim devem ser, porque do contrário já estão velhos e mortos. E os velhos são os descontentes de outrora que lograram sufocar essa chama e encontrar, de várias maneiras, a segurança e o conforto. Anseiam pela permanência de si próprios e de suas famílias, desejam ardentemente a certeza, nas ideias, nas relações, nas posses; e, no instante em que sentem descontentamento, absorvem-se nas responsabilidades, nas ocupações ou no que quer que seja, para fugir ao incômodo sentimento de insatisfação.

A juventude é a época própria para o descontentamento, não só com nós mesmos mas também com as coisas que nos cercam. Deveríamos aprender a pensar com clareza e sem preconceitos, para não sermos interiormente dependentes e tímidos. A independência não foi feita para aquela seção colorida do mapa a que chamamos nossa pátria, mas para nós mesmos como indivíduos; e embora exteriormente dependamos uns dos outros; essa dependência mútua não se torna nem cruel nem opressiva, se interiormente estamos livres da ânsia de poder, posição, e autoridade.

Devemos compreender o descontentamento, temido pela maioria dentre nós. O descontentamento pode gerar uma confusão aparente; mas, se conduzir, como necessariamente deve conduzir, ao autoconhecimento e à negação do eu, há de criar uma nova ordem social e uma paz duradoura. Com a negação do “eu” vem um jubilo imenso.

O descontentamento é o caminho que leva à liberdade; mas, para podermos investigar seus preceitos, não podemos manifestar efusões emocionais, dessas que muitas vezes se traduzem em comícios políticos, proclamações de “slogans”, busca de “guru” ou instrutor espiritual, e extravagâncias religiosas de toda ordem. Tais efusões embotam a mente e o coração, tornando-os incapazes de discernimento e, por conseguinte facilmente moldáveis pelas circunstâncias e pelo temor. É o desejo ardente de investigar, e não a fácil imitação da turba que trará uma nova compreensão das coisas da vida.

Os jovens deixam-se muito facilmente persuadir, pelo sacerdote, pelo político, pelo rico ou pelo pobre, a pensar de determinada maneira; mas a educação correta deve ajudá-los a estar vigilantes contra essas influências para que não se ponham a repetir “slogans” como papagaios, ou venham cair em armadilhas habilmente dissimuladas da avidez, deles próprios ou de outrem. Não devem permitir que a autoridade lhe fofoque a mente e o coração. Seguir outra pessoa, por maior que seja, aderir a uma ideologia agradável não produzirá jamais um mundo pacífico.  

Quando deixamos a escola ou o colégio, muitos de nós abandonamos os livros, parecendo pensar que nada mais têm para aprender; outros sentem-se estimulados a ir mais longe e continuam a ler e a absorver o que os outros disseram, tornando-se devotos do saber. Enquanto houver devoção ao saber ou à técnica, como meio de sucesso ou de domínio, haverá competição impiedosa, antagonismo e a crescente luta pelo pão.

Enquanto o sucesso for o nosso alvo, não nos livraremos do temor, porque o desejo de sucesso gera inevitavelmente o medo de insucesso. Eis porque não se deve ensinar aos jovens idolatrar o sucesso. A maioria das pessoas procura o sucesso sob uma ou outra forma, seja no campo de tênis, seja no mundo comercial, seja na política. Todos queremos estar por cima e este desejo cria constante conflito dentro de nós mesmos e com o nosso próximo; leva à competição, à inveja, à animosidade e, por último, à guerra.

Como a velha geração, procuram também os jovens o sucesso e a segurança; embora no começo descontentes, não tardam a tornar-se pessoas respeitáveis, que não ousam dizer não à sociedade. As muralhas de seus próprios desejos começa a fechar-se em torno deles, e eles entram em forma e tomam nas mãos as rédeas da autoridade. Seu descontentamento, que é a própria chama da investigação, da busca, da compreensão, vai-se amortecendo, até extinguir-se de todo, e seu lugar é ocupado pelo desejo de um emprego melhor, um casamento rico, uma carreira triunfal — tudo isso expressões da ânsia de maior segurança.

Não há diferença essencial entre os velhos e os moços, porque tanto uns como outros são escravos dos seus próprios desejos e prazeres. A madureza nada tem que ver com a idade; ela vem com a compreensão. O ardente espírito de investigação é talvez mais fácil para os jovens, porque os mais velhos já foram muito fustigados pela vida, os conflitos os cansaram, e a morte, sob diferentes formas, os espreita. Isso não significa que eles sejam incapazes de resoluta investigação, apenas, é mais difícil para eles.

Muitos adultos são imaturos e um pouco infantis; esta é uma das causas que contribuem para a confusão e a miséria reinantes no mundo. São os mais velhos os responsáveis pela atual crise econômica e moral; e, uma das nossas deploráveis fraquezas é desejar que alguém atue por nós e modifique o curso de nossas vidas. Esperamos que outros se revoltem e reconstruam, enquanto permanecemos inativos, até que estejamos certos dos resultados.

É atrás da segurança e do sucesso que andamos, quase todos nós; a mente que busca segurança, que aspira ao sucesso, não é inteligente e, por conseguinte, é incapaz da ação integrada. Só pode haver ação integrada se estamos bem cônscios de nosso próprio condicionamento, de nossos preconceitos raciais, nacionais, políticos e religiosos; isto é, se percebemos que as atividades do “eu” são sempre separativas.

(...) Educar uma criança é ajudá-la a compreender a liberdade e a integração. Para se ter liberdade é preciso ordem, a qual só a virtude pode dar; e a integração só é possível quando há grande simplicidade. Das nossas inumeráveis complexidades devemos amadurecer para a simplicidade — tornar-nos simples, em nossa vida interior e em nossa necessidades exteriores.

A educação atual está toda interessada na eficiência exterior, desprezando inteiramente ou pervertendo, com deliberação, a natureza intrínseca do homem; só cuida de desenvolver uma parte dele, deixando que o resto se arraste como possa. Nossa confusão, antagonismo e temor, interiores, acabam sempre por subverter a estrutura exterior da sociedade, por melhor que ela tenha sido concebida e por mais habilmente que se tenha edificado. Quando não há educação correta, destruímo-nos uns aos outros, e é-nos negada a segurança física. Educar o estudante corretamente é ajudá-lo a compreender a compreender o processo total de si mesmo; porque só quando há integração da mente e do coração, na ação diária, é que pode haver inteligência e transformação interior.

Ao mesmo tempo que ministra conhecimentos e preparo técnico, a educação deve, sobretudo, estimular uma visão integrada da vida; deve ajudar o estudante a reconhecer e quebrar, em si próprio, todas as distinções e preconceitos, e demovê-lo da ávida busca de poder e prestígio. Deve incentivar a correta auto-observação e o experimentar da vida como um todo, quer dizer, não atribuir significação à parte, ao “eu” e ao “meu”, mas, sim, ajudar a mente a transcender a si própria, para descobrir o real... Quando há autoconhecimento, extingue-se a capacidade de criar ilusões e só então é possível manifestar-se a realidade ou Deus.

Krishnamurti — A educação e o significado da vida

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Diálogo sobre tédio e o estado de Presença

Deca: Oi!

Out: Oi!

Deca: Tudo bem?

Out: Tirando o vazio com sua manifestação de ansiedade, tudo bem.

Deca: Idem... Tédio, total falta de sentido.

Out: Percebo que a mente, diante do vazio, diante do tédio, diante da rotina, diante da falta de sentido, sugere situações externas — "aparentemente novas" —, como se na obtenção, na materialização dessa sugestões, passaríamos a ver, a vivenciar algo com real sentido.

Deca: Sim!

Out: São sugestões de distrações criadas pela mente para fazer frente ao estado que se apresenta, uma forma de fuga do que é. Há o observador observando, sentido tudo isso e percebendo sua limitação para transcender isso que se apresenta; a mente sugere que, talvez, através de algo tido por "superior", por algo de conteúdo "espiritual", alguma prática como a leitura de algo de mais conteúdo, possa ser eliminado esse estado que o observador observa e sente. De fato, como já faz parte da experiência do observador, tal leitura, tal escuta, distrai momentaneamente do barulho da mente, mas, passada sua ação, lá está novamente o barulho da mente, com o observador a observá-lo, vendo-se limitado, impotente diante da descoberta de um estado de ser onde tédio e falta de sentido não sejam uma realidade perpetuante. Como o observador não se depara com algo prazeroso, que o faça "sentir" algo diferente da realidade desconexa que em si observa, a mente sugere por atividades externas que, segundo sua projeção, poderiam proporcionar ao observador, alguma fonte de prazer, mesmo que momentâneo. Com essas projeções, surgem também a ansiedade por conseguir tornar realidade a manifestação dessas projeções mentais, que sempre ocorrem na ponte do tempo psicológico, passado/futuro.

Deca: sim.

Out: No entanto, a consciência acusa ao observador a falência de se identificar com tais projeções, com tais idéias, as quais apontam para a busca do limitado prazer momentâneo; então, o observador se vê novamente diante do vazio.

Deca: Sim.

Out: E, assim, a mente reinicia seu ciclo com novas projeções...

Deca: Intermináveis projeções.

Out: ...Observador observando o vazio; mente sugerindo atividades que silenciem o vazio; consciência acusando a total falência da identificação com tais sugestões... Esse ciclo parece não ter fim... Diante disso, ocorre uma consciência ao observador, de sua total impotência no que diz respeito a descoberta de um modo de romper com esse ciclo vicioso.

Deca: Sim.

Out: E, mediante esse estado de consciência, novamente, diante do observador, o estado de vazio... Ficar com o vazio, além de ser profundamente doloroso, é apontado pela mente como sendo uma "perda de tempo" e, imediatamente, a mente vem com uma nova sugestão que possa dar fim ao sentimento doloroso de vazio... Mesmo que essa sugestão seja para a leitura de algo de “conteúdo superior”, digamos assim.

Deca: Sim.

Out: A mente sugere que, talvez, no livro tal, no áudio tal, no site tal, na fala de tal guru, o observador consiga encontrar a "resposta final" para seu constante estado de tédio, insatisfação, vazio e falta de sentido existencial. Se o observador se identifica com tal sugestão, ocorrem das duas uma: ou ele se depara com algo que amplia ainda mais a consciência de sua impotência para transcender a sua própria limitação, limitação essa que o mantem enclausurado nesse círculo vicioso, ou, ao se deparar com o conteúdo buscado, sente-se totalmente frustrado diante de tal conteúdo. Então, novamente no vazio, o observador se vê observando o vazio, os barulhos da mente, os barulhos do "silêncio externo", como o som da energia perpassando os aparelhos elétricos do recinto em que se encontra. Imediatamente, a mente, apoiando-se nas antigas falas de terceiros — falas estas armazenadas na memória —, insiste para que o observador "faça algo", para que se entregue a alguma atividade qualquer, a fim de, pelo menos, manter sua mente ocupada, distraída de si mesma. No entanto, para o observador, nenhuma dessas sugestões se mostram com sentido. Assim, o observador se vê novamente diante do vazio...

Deca: Sim.

Out: A mente insiste na sugestão de que, através de algum tipo de busca externa, tais sentimentos dolorosos podem ser momentaneamente eliminados. Mas, pela observação, pela escuta atenta, há também a consciência da total falência dessas sugestões. A mente sugere que o estado de bem-estar poderá ser encontrado em qualquer outro ponto que não seja o ponto onde, no agora, se encontra o observador.

Deca: Sim.

Out: Esse parece ser o seu constante jogo, no qual mantém o observador num estado de busca que, em última análise, faz parte de sua inconsciência, parte de sua ignorância, ignorância essa pela qual se mantém nesse ciclo vicioso.

Out: Diante disso, o que lhe vêm à mente? O que poderia acabar de vez com esse estado dual, observador e coisa observada?

Deca: Sim.

Out: Fiz-lhe uma pergunta.

Deca: Ah! Pensei que fosse do texto. O que sei não adianta, porque é do pensamento.

Out: Então, também ocorre em seu Ser, a percepção da necessidade de uma assim chamada "ocorrência" que não esteja nos limites do pensamento, nos limites do conhecido?

Deca: Claro! Algo que transcenda tudo isso que "eu sei" e que não é meu.

Out: Isso nos coloca novamente diante do vazio; nos lança novamente no terreno do primeiro passo, o passo da total impotência.

Deca: Exatamente!

Out: Então, talvez seja isso o que os Sábios de todos os tempos — os assim chamados "homens iluminados" — quiseram se referir de que "o primeiro passo é também o último passo".

Deca: É, quando estamos impotentes ficamos entregues, a mercê; talvez essa é a entrega dos anônimos.

Out: Entregar-se ao vazio?

Deca: Ou seja lá qual for o seu nome… Sabendo que através do pensamento, nada podemos fazer; somente algo superior mesmo a tudo isso.

Out: Não estaríamos assim, caindo no terreno da crença, da esperança? E essa crença e esperança, não podem ser mais uma das sugestões da mente para fugir da compreensão desse vazio? 

Deca: Não! Essa entrega é também não esperar por nada; é ficar no aberto…

Out: Ficar aberto ao que é sem aceitação dos conteúdos sugeridos pela mente...

Deca: Sim!

Out: Isso nos leva a sentir algo na dimensão do coração... a quentura.

Deca: Exato!

Out: Isso é o que sinto agora!… O vazio, os sons do silêncio ambiente, e a constatação de uma Presença na dimensão do coração. Não se trata de forma alguma de uma espécie de "escapismo místico.

Deca: Sim! É o que é! Nesse momento, sinto que todos somos um.

Out: Essa meditação parece fazer surgir uma “quentura” na região coronária, onde, através dela, um estado de bem-estar reconciliador, se apresenta.

Deca: O Ser é um só, habitando em todos, e nós somos esse ser… Dá pra sentir a conexão… E olha só o nome: natura UNA… CARACAS! Meu peito está pegando fogo.

Out: A entidade observadora, de fato, encontra-se condicionada aos pronomes possessivos... "meu peito"... Ocorre-me a pergunta: por que não nos mantemos nesse "estado abrasador" reconciliador? A resposta que vem: porque ainda somos facilmente "hipnotizados" pelas sugestões da mente. Ocorre-me que a manutenção desse estado de "estar consciente" da consciência que somos e  não mais se manter identificado como sendo esse estado tido por muitos como natural — de ser a mente, o corpo, as emoções e os sentimentos —, é algo parecido com o movimento de aprender a andar... Inicialmente é algo vascilante, temos que nos apoiar em algo para fazer frente ao medo e as dificuldades; facilmente caímos e com a queda, o choro. Depois que se aprende a andar, não há nenhuma presença de esforço para andar e não há mais como se esquecer, ou ter que pensar em “como” se faz andar… Parece que agora você se encontra muito ocupada. Nos falamos mais tarde. Um beijo em seu coração! Vou compartilhar esta conversa! Até mais tarde!

Deca: Não estou não!

Out: Ok! Quer continuar?

Deca: Sim!

Out: Enquanto você se mantinha em silêncio, dê uma olhada no que li...

“…Pergunta: Pode-se ter uma experiência temporária do Eu Real, a realidade subjacente, mas então ela desaparece. Você pode dar alguma orientação em como permanecer estável naquele estado?

Annamalai Swami: Uma lampião que está aceso pode apagar se o vento estiver forte. Se você quiser vê-lo novamente, você tem que reacendê-lo. Mas o Ser não é assim. Ele não é uma chama que pode ser apagada pela passagem dos ventos dos pensamentos e desejos. Ele é sempre luminoso, sempre brilhante, está sempre lá. Se você não está consciente dele, isso significa que você colocou uma cortina ou um véu na frente dele que bloqueia sua visão. O Ser não oculta a si mesmo atrás de uma cortina. É você que coloca a cortina lá ao acreditar em ideias que não são verdadeiras. Se a cortina se abre e então se fecha novamente, isso que dizer que você ainda está acreditando em ideias erradas. Se você erradicou-as completamente, elas não reaparecerão. Enquanto essas ideias estiverem cobrindo o Eu Real, você ainda precisa fazer constante sadhana.

Então, voltando à sua questão, o Eu Real não precisa estabilizar-se. Ele é pleno e completo em si mesmo. É a mente que pode ser estabilizada ou desestabilizada, não o Ser… Quando você medita ou faz sadhana, você está fluindo de volta para a fonte de onde você veio. Depois de ter alcançado essa fonte, você descobre que tudo o que existe – mundo, Guru, mente – é um. Diferenças e distinções não surgem lá.”

Deca: Sim! Aquilo que a gente vem falando, precisa tirar todo esse entulho para, quem sabe, o SER,  se manifeste.

Out: a prática da atenção plena ao que é!

Deca: Observação plena!… Um momento, por favor!…

Out: Ok! Enquanto isso, deixe terminar de postar o que li:

“…Não dualidade é jnana; dualidade é samsara. Se você puder abandonar a dualidade, só Brahman permanece, e você percebe que você mesmo é esse Brahman, mas para fazer essa descoberta a meditação contínua é necessária. Não reserve períodos de tempo para isso. Não considere isto como alguma coisa que você faz quando está sentado com os olhos fechados. Essa meditação tem que ser contínua. Pratique-a enquanto estiver comendo, caminhando, e mesmo conversando. Ela tem que acontecer o tempo todo.”

Deca: Atenção plena!… É meditação, é observação!

Out: Mas percebo que nos distraímos muito facilmente pelas sugestões de prazer ou pelas atividades do cotidiano.

Deca: Com certeza!

Out: Parece que só quando nos vemos imersos na dor é que nos tornamos mais propensos a dedicar atenção a esse movimento da meditação. Tipo aquela frase de Paulo de Tarso... “Quando estou fraco, estou forte; quando estou forte, estou fraco.”

Deca: É por aí!

Out: Quando o eu está fraco, a Consciência do que é, é mais forte; quando o eu está forte, a Consciência se perde na esfera dos desejos… Na esfera da masturbação mental.

Deca: Mas você acha que a Consciência se perde?

Out: Sempre a limitação das palavras… Não é que a Consciência se perca; apenas fica “velada” pela ação da identificação com as imposições do eu, do ego. Quando não há o espaço gerado pela observação, ocorre aquilo que tenho chamado de “estado de torpor hipnótico” que leva à atitudes inconscientes e inconsequentes. Durante todo o processo, a Consciência está ali, sinalizando, mas, a força do ego parece sobrepujá-la; não conseguimos deter a identificação... Sei que você sabe bem o que é isso.

Deca: e quando ele está forte é o grande perigo; e como! Mesmo que seja por pouquíssimo tempo, mas ainda há a identificação.

Out: É como naquele outro dizer de Paulo de Tarso… “Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço... Agora, porém, não sou mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim... Com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está... Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho então esta lei em mim, que, mesmo querendo eu fazer o bem, o mal está comigo... Tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimeno... Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?

Deca: Sim!

Out: Miserável homem que sou!... Está aí a identificação com o corpo, com a mente, as emoções, os desejos, os pensamentos... O pecado seria a identificação plena com as sugestões da mente.

Deca: Sim!

Out: O contato consciente com  Deus, proposto pelos grupos anônimos, seria aqui, a ação, pela meditação, da retomada da Consciência que somos.

Deca: A morte física acho que é uma das maiores distrações do pensamento.

Out: Você quer dizer "o medo da morte física?"

Deca: Sim!

Out: Sim! “Uma das”… Bem, preciso sair para comer algo! Nos falamos mais tarde! beijos!

Deca: Não sei se vou ter carona; te ligo a hora que chegar no Metro Conceição.
Beijão!

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Sobre o tédio e o interesse

            PERGUNTA: Não tenho interesse por coisa alguma, mas a maioria das pessoas está sempre ocupada em numerosos interesses. Não preciso trabalhar, portanto não trabalho. Devo emprender algum trabalho útil?

            KRISHNAMURTI: Tornar-vos um obreiro social, ou um obreiro político, ou um obreiro religioso — não é isso? Como não tendes mais o que fazer, vos tomais reformador! Se nada tendes que fazer, se estais enfadado, por que não ficais enfadado? Por que não ficar assim? Se sentis tristeza, ficai triste. Não procureis uma saída, porque o fato de estardes enfadado tem imensa significação, se fordes capaz de o compreender, de viver com ele. Se dizeis: “Sinto tédio, e, por isso, farei qualquer outra coisa”, estais apenas procurando fugir ao tédio e, como a maioria de nossas atividades são fugas, causais muito mais malefício, socialmente e a todos os outros respeitos. É muito maior o malefício, quando fugis ao fato, do que quando permaneceis com ele. A dificuldade consiste em como permanecer com o fato, sem fugir dele. Visto que a maioria de nossas atividades constituem um processo de fuga, é dificílimo desistirmos de fugir e encararmos o fato. Por conseguinte, folgo muito em saber que vos sentis verdadeiramente enfadado, e digo-vos: “Alto! Fiquemos aqui; vamos ver o que é isto. Por que fazer alguma coisa?”
            Se estais enfadado, por que estais enfadado? Que coisa é essa que se chama tédio? Por que não tendes interesse por coisa alguma? Há de haver razões e causas que vos embotaram: sofrimentos, fugas, crenças, atividades incessantes vos embotaram a mente e tornaram inflexível o vosso coração. Se pudésseis descobrir por que tendes tédio, por que não sentis interesse por coisa alguma, então, por certo, resolveríeis o problema, não é verdade? O interesse despertado, passaria a funcionar. Se não vos interessa saber a razão por que estais enfadado, não podeis forçar-vos a sentir interesse por uma atividade, só para fazer alguma coisa, como um esquilo que dá voltas na gaiola. Sei que é esta a espécie de atividade a que se entrega a maioria de nós. Mas podemos descobrir, interiormente, psicologicamente a razão por que nos achamos neste estado extremo de tédio; pode-se ver por que a maioria de nós se acha neste estado: estamos esgotados, emocional e mentalmente; temos tentado tantas coisas, tantas sensações, tantos divertimentos, tantas experiências, que nos tornamos embotados, cansados. Aderimos a um grupo, fazemos tudo o que se nos prescreve, e depois o deixamos; passamos a outra coisa, para experimentar. Se não obtemos resultados com um psicólogo, procuramos outra pessoa ou um sacerdote e, se de novo somos mal sucedidos, passamos a outro instrutor, e assim por diante; estamos sempre em movimento. Esse processo de constante tensão e relaxamento é exaustivo, não achais? Como todas as sensações, não tarda a embotar a mente.
            Temos feito isso, passado de sensação para sensação, de excitação para excitação, até chegarmos a um ponto em que nos vemos verdadeiramente exaustos. Agora, percebendo isso, não empreendais mais nada; descansai! Ficai quieto! Deixai a mente ganhar forças por si mesma; não a forceis. Assim como o solo se renova durante o inverno, assim também, quando deixamos a mente em repouso, ela se renova. É muito difícil, porém, deixar a mente em repouso, dar-lhe folga, depois de tudo isso, porque a mente quer estar sempre fazendo alguma coisa. Quando atingís o ponto em que realmente vos permitís ser exatamente como sois — enfadado, feio, repelente, ou o que for — então há possibilidade de fazer alguma coisa com relação ao fato.
            Que acontece quando aceitais uma coisa, quando aceitais aquilo que sois realmente? Quando admítis que sois o que sois, que é do problema? Só há problema quando não aceitamos uma coisa tal como é e desejamos transformá-la — o que não significa que eu esteja advogando a resignação, a conformidade. Ao contrário, se aceitamos o que somos, vemos então que a coisa que nos fazia medo, a coisa a que chamávamos tédio, a coisa a que chamávamos desespero, a coisa a que chamávamos medo, passou por completa transformação, Há uma transformação completa da coisa que temíamos.
            Eis por que é importante, como disse, que compreendamos o processo, as maneiras do nosso pensar. O autoconhecimento não pode ser aprendido de outra pessoa, aprendido de um livro, de um credo, de uma psicologia, ou de um psicanalista. Ele tem de ser achado por vós mesmos, porque ele é vossa vida. Não ampliando e aprofundando esse conhecimento do ‘eu”, podeis fazer o que quiserdes, alterar quaisquer circunstâncias ou influências exteriores ou interiores haverá sempre o campo de cultura do desespero, da dor e do sofrimento. Para transcender as atividades egocêntricas da mente, deveis compreendê-las. E compreendê-las, é estar cônscio da ação nas relações, nas relações com coisas, com pessoas e com idéias. Nessas relações, que são o espelho, começamos a ver-nos a nós mesmos, sem nenhuma justificação ou censura e desse conhecimento mais amplo e mais profundo das tendências da nossa mente, podemos avançar mais além, sendo então possível estar a mente quieta, receber o real.

Krishnamurti – A Primeira e Última Liberdade

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill