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domingo, 18 de janeiro de 2015

A mente adquirida é um poço sem fundo de por quês

Esse é todo o esforço da ciência: destruir o mistério da vida. E a maneira é encontrar respostas para todos os porquês. E a ciência acredita, naturalmente com arrogância e ignorância, que um dia ela será capaz de responder a todos os porquês. Isso não é possível. Mesmo se nós respondermos a todos os porquês, o último dos porquês permanecerá: por que a vida existe, afinal? Qual o significado da existência? Qual é o propósito de tudo isso? Essa pergunta é a última e ela não pode ser respondida.

Se alguém lhe der uma resposta, ela simplesmente irá criar um novo questionamento. E respostas já têm sido dadas... Algumas pessoas acreditam que Deus criou o mundo porque queria ajudar a humanidade. Agora, que tipo de resposta é essa? Ele criou a humanidade para ajudar a humanidade. Qual era a necessidade de criar? Alguns outros dizem que Deus criou o mundo porque ele estava se sentindo muito solitário. Se Deus estava se sentindo mal muito só, então não existe qualquer possibilidade de alguém se tornar um Buda.

E se Deus de repente começou a se sentir solitário, então o que ele estava fazendo antes de criar o mundo? Por toda a eternidade ele tem estado só... então de repente , num dia, numa manhã, ele ficou enlouquecido, ou o que? De repente ele começou a se sentir solitário depois do almoço. E qual era a necessidade de criar todo o mundo? Apenas uma mulher já teria sido o suficiente!

E agora, como ele está se sentindo hoje? Muito cheio de gente? Gente em demasia pelas ruas? Deve estar planejando destruir o mundo em breve. Sobre que tipo de Deus você está falando? O seu Deus é uma pessoa que pode se sentir solitário?

Todas essas são respostas tolas para perguntas tolas.

Então existem pessoas que dirão: isso é um jogo de Deus, a sua brincadeira. Ele não poderia ter ficado sentado em silêncio? Que espécie de jogo é esse? Adolf Hitler e Mussolini e Joseph Stalin e Mao-Tse-Tung, Gengis Khan, Tamurlaine, Nadir Shah... Brincadeira de Deus? Seis milhões de judeus assassinados por Adolf Hitler, e Deus está brincando com um jogo? Por que ele não vai jogar golfe? ou xadrês? Por que torturar pessoas?

Tanta miséria no mundo e esses tolos seguem dizendo que isso é brincadeira de Deus? Crianças que nascem paralíticas, cegas, surdas, mudas... Brincadeira de Deus? Que espécie de Deus é esse? Ou ele não é Deus, ou pelo menos ele não é divino. Ele deve ser muito mau.

Essas perguntas não ajudam. Elas criam mais perguntas.

Osho 

sábado, 17 de janeiro de 2015

Muitos buscam por consolo e não pela verdade

(...) Quando se sentem incompletos, sentem-se vazios, e desse sentimento de vazio surge o sofrimento; devido a essa incompletude vocês criam padrões, ideias, para sustentá-los no vosso vazio, e estabelecem esses padrões e ideais como sendo a vossa autoridade externa. Qual é a causa interior da autoridade externa que criam para si mesmos? Primeiro, sentem-se incompletos e sofrem por causa dessa incompletude. Enquanto não compreenderem a causa da autoridade, não passarão de uma máquina imitativa, e onde existe imitação não pode existir a preciosa realização da vida. Para compreender a causa da autoridade deverão acompanhar o processo mental e emocional que a cria. Em primeiro lugar sentem-se vazios e para se livrarem desse sentimento fazem um esforço; ao fazer esse esforço estão somente a criar opostos; criam uma dualidade que apenas aumenta a incompletude e o vazio. Vocês são responsáveis por autoridades externas tais como religião, política, moralidade, por autoridades tais como padrões económicos e sociais. Devido ao vosso vazio, à vossa incompletude, criaram estes padrões externos dos quais tentam agora libertar-se. Evolucionando, desenvolvendo, crescendo longe deles, querem criar uma lei interna para vocês próprios. À medida que vão compreendendo os padrões externos, querem libertar-se deles e desenvolver o vosso próprio padrão interno. Este padrão interno, a que vocês chamam de “realidade espiritual”, vocês identificam-no como uma lei cósmica, o que significa que não criaram senão outra divisão, outra dualidade.

Portanto, primeiro criam uma lei externa, e depois procuram libertar-se dela desenvolvendo uma lei interna que identificam com o universo, com o todo. É isso o que está a acontecer. Continuam conscientes do vosso egotismo que agora identificam como uma grande ilusão, chamando-lhe cósmica. Portanto, quando dizem, “Eu obedeço à minha lei interna”, não estão senão a utilizar uma expressão para encobrir o vosso desejo de se libertarem. Para mim, o homem que esteja ligado seja a uma lei externa seja a uma interna está enclausurado numa prisão; está dominado por uma ilusão. Por isso, um homem assim não pode compreender a ação espontânea, natural e saudável.

Ora bem, porque é que criam leis internas para vocês próprios? Não será porque a luta da vida diária é tão grande, tão inarmônica, que querem libertar-se dela e a criação de uma lei interna torna-se o vosso conforto? E tornam-se escravos dessa autoridade interna, desse padrão interno, porque rejeitaram somente a imagem exterior, e criaram no seu lugar uma imagem interior à qual se escravizaram.

Por este método não alcançarão o verdadeiro discernimento, e o discernimento é completamente diferente de escolha. A escolha tem que existir onde houver dualidade. Quando a mente está incompleta e está consciente dessa incompletude, tenta libertar-se dessa incompletude e em consequência cria o oposto a essa incompletude. Esse oposto pode ser um padrão tanto externo como interno, e uma vez estabelecido esse padrão, julga cada ação, cada experiência por esse padrão, e vive assim num estado contínuo de escolha. A escolha nasce somente da resistência. Se não houver discernimento, não há esforço.

Portanto para mim toda esta ideia de fazer um esforço em direção à verdade, em direção à realidade, esta ideia de efetuar um esforço continuado, é absolutamente falsa. Enquanto estiverem incompletos experimentarão sofrimento, e por isso estarão comprometidos com a escolha, o esforço, a luta incessante por aquilo a que chamam de “conhecimento espiritual”. Por isso eu digo que quando a mente fica aprisionada na autoridade não pode ter compreensão verdadeira, pensamento verdadeiro. E uma vez que as mentes da maioria das pessoas estão aprisionadas na autoridade – que não é mais que uma evasão à compreensão, ao discernimento – não poderão experimentar completamente a experiência da vida. Por esse motivo vivem uma vida dupla, uma vida de fingimento, de hipocrisia, uma vida na qual não existe nenhum momento de plenitude.

Krishnamurti em, A Arte de Escutar
Alpino, Itália - 1ª palestra 1 de julho, 1933

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Efeitos de um novo paradigma

Existe algo além da medida das palavras e do pensamento?

O homem procura algo para além do transitório. provavelmente desde tempos imemoriais, tem perguntado a si próprio se há alguma coisa que seja sagrada, alguma coisa que não pertença a este mundo, que não seja arquitetada pelo pensamento, pelo intelecto. Tem sempre querido saber se haverá uma realidade, um estado intemporal não inventado, não projetado pelo pensamento, um estado da mente em que o tempo realmente não existe; se haverá algo "divino", "sagrado", "santo" — se podemos usar essas palavras — que não seja perecível. 

As religiões organizadas parecem ter dado a resposta. Dizem que existe uma Realidade, que há um Deus, que há algo que a mente não é capaz de medir. Começam então a organizar o que consideram ser o real, e o homem é desviado para o caminho errado. Talvez vocês se lembrem da história acerca do Diabo, que andava a passear com um amigo. Viram um homem à sua frente inclinar-se e apanhar alguma coisa do chão. Quando a apanhou e a olhou, tinha no rosto uma grande alegria. O amigo do Diabo perguntou a este o que é que o homem apanhara e o Diabo respondeu: "Foi a verdade." O amigo disse: "Isto é muito mau para você, não é?" E o Diabo respondeu: "De modo nenhum, vou ajudá-lo a organizá-la..."

O culto de uma imagem, criada pelas mãos ou pela mente, e os dogmas e rituais da religião organizada, com o eu sentido de beleza, são considerados muito veneráveis e sagrados. Assim o homem, na sua busca daquilo que está além de toda a medida, para além de todo o tempo, é iludido, logrado e aprisionado, porque está sempre na esperança de encontrar algo que não seja inteiramente deste mundo. Afinal, que é que as sociedades tradicionais, burocráticas, capitalistas ou comunistas, têm realmente para oferecer? Muito pouco além de alimentação, habitação e vestuário. Talvez se possam ter mais oportunidades para trabalhar ou se possa ganhar mais dinheiro, mas no aspecto mais profundo, quando se observa, essas sociedades têm muito pouco para dar; e a mente, se é de fato inteligente e acordada, recusa isto. Fisiologicamente, alimentação, habitação e vestuário são necessários, absolutamente essenciais. Mas quando isso se torna o mais importante, a vida perde então o seu maravilhoso sentido. 

Assim, valeria a pena, esta tarde, gastarmos algum tempo a descobrir por nós mesmos se há realmente algo sagrado, algo não construído pelo pensamento, pelas circunstâncias, que não seja resultado da propaganda.

Valeria a pena, se possível, aprofundar esta questão, porque, a não ser que se encontre algo que esteja para além da medida das palavras, do pensamento, de qualquer experiência, a vida de todos os dias torna-se extremamente superficial. Talvez seja por isso — mas também pode ser que não — que a geração presente recusa esta sociedade e procura algo para além da luta, da fealdade e da desumanidade quotidianas. 

Podemos então penetrar no problema: "Que é uma mente religiosa? Qual é o estado da mente capaz de ver o que é a verdade?"(...)

Krishnamurti em, O mundo somos nós

A inteligência que está livre de qualquer sistema

O Sr. Warrington, o Presidente Interino da Sociedade Teosófica, amavelmente me convidou a vir a Adyar e dar algumas palestras aqui. Estou muito satisfeito de ter aceito o seu convite e aprecio a sua amizade, que espero continuará, muito embora possamos divergir completamente nas nossas ideias e opiniões.

Espero que todos ouçam as minhas palestras sem preconceito, e não pensem que estou a tentar atacar a vossa sociedade. Quero fazer outra coisa muito diferente. Quero estimular o desejo da verdadeira busca, e isto, penso eu, é tudo o que um professor pode fazer. É tudo o que quero fazer. Se eu puder despertar esse desejo em vocês, terei cumprido a minha tarefa, porque desse desejo chega a inteligência, aquela inteligência que está livre de qualquer sistema e de qualquer crença organizada. Esta inteligência está para além de qualquer pensamento de compromisso e falso ajustamento. Portanto durante estas palestras, aqueles de entre vocês que pertençam às várias sociedades ou grupos, por favor tenham em mente que estou muito grato à Sociedade Teosófica e ao seu Presidente Interino por me terem pedido para vir aqui falar, e que não estou a atacar a Sociedade Teosófica. Não estou interessado em atacar. Mas afirmo que embora as organizações para o bem-estar social do homem sejam necessárias, as sociedades baseadas em esperanças e crenças religiosas são perniciosas. Portanto, ainda que possa parecer que falo de modo áspero, por favor lembrem-se que não estou a atacar qualquer sociedade em particular, mas que estou contra todas estas falsas organizações que, embora professem ajudar o homem, são na realidade um grande obstáculo e são um meio de exploração constante.

Quando a mente está cheia de crenças, ideias, e conclusões definitivas a que chama conhecimento e que se torna sagrado, então o movimento infinito do pensamento cessa. É o que está a acontecer à maioria das mentes. Aquilo a que chamamos conhecimento é apenas acumulação; impede o livre movimento do pensamento, no entanto mantemo-nos fiéis a ele e adoramos esse pretenso conhecimento. Assim a mente fica enredada, emaranhada nele. É somente quando a mente é libertada de toda esta acumulação, das crenças, dos ideais, dos princípios, das memórias, que existe o pensamento criativo. Não podem pôr de parte cegamente a acumulação; só podem ficar livres dela quando a compreenderem. Então há pensamento criativo; então há movimento eterno. A mente já não está separada da ação.

Ora as crenças, os ideais, as virtudes, e as ideias santificadas que perseguem, e às quais chamam conhecimento, impedem o pensamento criativo e põem assim termo ao amadurecimento do pensamento. Porque pensamento não significa o seguimento de um canal específico de ideias, hábitos e tradições estabelecidos. O pensamento é crítico; é uma coisa à parte do conhecimento herdado ou adquirido. Quando apenas aceitam ideias, tradições, não estão a pensar, e há uma lenta estagnação. Vocês dizem-me, “Temos crenças, temos tradições, temos princípios; não estarão corretos? Devemos livrar-nos deles?” Não vou dizer que devem livrar-se deles ou que não devem. De fato, é precisamente a vossa prontidão em aceitar a ideia de que devem ou não livrar-se destas crenças e tradições que os impede de pensar; estão já num estado de aceitação, e por conseguinte não têm a capacidade de ser críticos.

Estou a falar com indivíduos, não com organizações ou grupos de indivíduos. Falo-lhes como indivíduos, não para um grupo de pessoas possuindo certas crenças. Se a minha palestra tiver algum valor para vocês, tentem pensar por si mesmos, não com a consciência de grupo. Não pensem com os princípios com os quais já se comprometeram, porque eles são apenas formas subtis de conforto. Dizem, “Pertenço a uma certa sociedade, a um certo grupo. Fiz certas promessas a esse grupo e aceitei dele certos benefícios. Como posso pensar separadamente destas condições e promessas? Que devo fazer?” Eu digo, não pensem em termos de compromissos, porque eles impedem-nos de pensar criativamente. Onde existe a mera aceitação não pode haver pensamento criativo, livre e fluente que por si só é inteligência suprema, que por si só é felicidade. O pretenso conhecimento que adoramos, que nos empenhamos em obter lendo livros, impede o pensamento criativo.

Mas porque eu digo que tal conhecimento e que tal leitura impedem o pensamento criativo, não se voltem imediatamente para o oposto. Não digam: “Não devemos ler de todo?” Estou a falar destas coisas porque lhes quero mostrar o seu significado inerente; não os quero impelir para o oposto.

Agora, se a vossa atitude for uma de aceitação, vivem com medo da crítica, e quando surge a dúvida, como tem que surgir, vocês cuidadosa e diligentemente destroem-na. Contudo é somente através da dúvida, através da crítica, que se podem realizar; e o objetivo da vida é realizar, não acumular, não alcançar, como presentemente explicarei. A vida é um processo de busca, não de buscar um fim específico, mas de libertar a energia criativa, a inteligência criativa do homem; é um processo de movimento eterno, livre de crenças, de conjuntos de ideias, de dogmas, ou do pretenso conhecimento.
Portanto quando falo de crítica, por favor não sejam partidários. Eu não pertenço às vossas sociedades; não detenho as vossas opiniões e ideais. Estamos aqui para examinar, não para tomar partido. Por isso por favor acompanhem o que vou dizer com espírito aberto, e tomem partido – se tiverem que tomar partido – após estas palestras estarem concluídas. Porque tomam partido? Pertencer a um grupo específico transmite-lhes uma ideia de conforto, de segurança. Pensam que porque detêm certas ideias ou princípios, desse modo amadurecerão. Mas no presente, tentem não tomar partido. Tentem não ser influenciados pelo grupo específico a que agora pertencem, e não tentem também tomar o meu partido. Tudo o que têm a fazer durante estas palestras é examinar, ser críticos, duvidar, descobrir, procurar, aprofundar os problemas á vossa frente.

Vocês estão habituados à oposição, não à crítica. (Quando digo “vocês”, por favor não pensem que estou a falar com uma atitude de superioridade.) Dizia que não estão habituados à crítica, e através desta falta de crítica esperam desenvolver-se espiritualmente. Pensam que através desta destruição da dúvida, livrando-se da dúvida, avançarão, porque ela foi colocada perante vocês como um das qualidades necessárias para o progresso espiritual; e são desse modo explorados. Mas na vossa cuidadosa destruição da dúvida, no fato de terem posto de parte a crítica, apenas desenvolveram oposição. Vocês dizem, “As escrituras são a minha autoridade para isto”, ou “Os professores disseram isso”, ou “Eu li isto.” Por outras palavras, mantêm-se fiéis a certas crenças, a certos dogmas, a certos princípios com os quais se opõem a qualquer situação nova e contraditória, e imaginam que estão a pensar, que são críticos, criativos. A vossa posição é como a de um partido político que age apenas em oposição. Se forem verdadeiramente críticos, criativos, jamais simplesmente se oporão; estarão então preocupados com realidades. Mas se a vossa atitude for apenas uma de oposição, então a vossa mente não se encontrará com a minha; então não compreenderão o que estou a tentar transmitir.

Portanto quando a mente está habituada à oposição, quando foi cuidadosamente treinada, através da suposta educação, através da tradição e da crença, através de sistemas religiosos e filosóficos, para adquirir esta atitude de oposição, ela naturalmente não tem a capacidade de criticar e de duvidar verdadeiramente. Mas se me quiserem compreender, esta é a primeira coisa que devem ter. Por favor não fechem as vossas mentes àquilo que estou a dizer. A crítica verdadeira é o desejo de descobrir. A faculdade de criticar só existe quando querem descobrir o valor inerente de uma coisa. Mas vocês não estão habituados a isso. As vossas mentes são inteligentemente treinadas para atribuir valores, mas por esse processo nunca compreenderão o significado inerente de uma coisa, de uma experiência, ou de uma ideia.

Para mim, portanto, a verdadeira crítica consiste em tentar descobrir o valor intrínseco da coisa em si, e não em atribuir uma qualidade a essa coisa. Vocês atribuem uma qualidade a um meio, a uma experiência, somente quando querem obter algo deles, quando querem ganhar ou ter poder ou felicidade. Ora isto destrói a verdadeira crítica. O vosso desejo é pervertido através da atribuição de valores, e por conseguinte não podem ver claramente. Em vez de tentar ver a flor na sua beleza original e completa, vocês olham para ela através de vidros coloridos, e por isso nunca a podem ver como ela é.

Se querem viver, desfrutar, apreciar a imensidade da vida, se realmente a querem compreender, não apenas repetir, como um papagaio, o que lhes foi ensinado, o que lhes foi repetido inúmeras vezes, então a vossa primeira tarefa é retirar as perversões que os enredam. E garanto-lhes que esta é uma das tarefas mais difíceis, porque estas perversões fazem parte da vossa formação, fazem parte da vossa educação em crianças, e é muito difícil desligarem-se delas.

A atitude crítica requer ausência da ideia de oposição. Por exemplo, vocês dizem-me, “Nós acreditamos em Mestres; você não. O que tem a dizer a isto?” Ora essa não é uma atitude crítica; é, mas por favor não pensam que estou a falar rudemente, uma atitude infantil. Estamos a discutir se certas ideias são em si fundamentalmente verdadeiras, não se ganharam algo com essas ideias; porque o que ganharam podem ser apenas perversões, preconceitos.

O meu objetivo durante esta série de palestras é despertar a vossa própria capacidade crítica, para que os professores se tornem desnecessários para vocês, para que não sintam a necessidade de conferências, de sermões, para que compreendam por vocês próprios o que é verdade e vivam completamente. O mundo será um lugar mais feliz quando não houver mais professores, quando um homem já não sentir que tem que pregar ao seu próximo. Mas esse estado só pode acontecer quando vocês, como indivíduos, estiverem realmente despertos, quando duvidarem enormemente, quando tiverem verdadeiramente começado a questionar no meio do sofrimento. Então deixam de sofrer. Sufocaram as vossas mentes com explicações, com conhecimento; endureceram os vossos corações. Não estão interessados no sentimento, mas sim nas crenças, nas ideias, na santidade do pretenso conhecimento, e por isso estão famintos; já não são seres humanos, mas meras máquinas.

Vejo que abanam as cabeças. Se não concordam comigo, façam-me perguntas amanhã. Escrevam as vossas perguntas e entreguem-mas, e eu responderei. Mas esta manhã vou falar, e espero que acompanhem o que tenho para dizer.

Não há lugar de descanso na vida. O pensamento não pode ter lugar de descanso. Mas vocês estão à procura desse tal lugar de descanso. Nas vossas várias crenças, religiões, procuraram esse lugar de descanso, e nesta procura deixaram de ser críticos, de fluir com a vida, de desfrutar, de viver amplamente.

Conforme disse, a verdadeira procura – que é diferente da procura de um objetivo, ou da procura de ajuda, ou da persecução de ganho – a verdadeira procura resulta na compreensão do valor intrínseco da experiência. A verdadeira procura é um rio que se move veloz, e neste movimento há compreensão, um eterno devir. Mas a procura de orientação resulta apenas num alívio temporário, que significa a multiplicação de problemas e um aumento das suas soluções. Ora o que é que procuram? Qual destas é que querem? Querem procurar, descobrir, ou querem encontrar ajuda, orientação? A maioria de vocês quer ajuda, alívio temporário do sofrimento; querem curar os sintomas mais do que encontrar a causa do sofrimento. “Estou a sofrer”, dizem vocês, “dê-me um método que me liberte do sofrimento.” Ou dizem, “O mundo está numa situação caótica. Deem-nos um sistema que resolva os seus problemas, que produza ordem.”

Assim, a maior parte de vocês procuram alívio temporário, refúgio temporário, e contudo chamam a isso a procura da verdade. Quando falam de serviço, de compreensão, de sabedoria, estão a pensar apenas em termos de conforto. Enquanto apenas quiserem aliviar o conflito, a luta, o desentendimento, o caos, o sofrimento, são como um médico que lida apenas com os sintomas da doença. Enquanto estiverem apenas interessados em encontrar conforto, não estão realmente à procura.

Agora vamos ser bastante francos. Podem ir longe se forem realmente francos. Vamos admitir que tudo o que estão a procurar é segurança, alívio; estão a procurar segurança da mudança constante, alívio da dor. Porque são insuficientes dizem, “Por favor dê-me suficiência.” Portanto aquilo a que chamam procura da verdade é realmente uma tentativa para encontrar alívio da dor, o que nada tem a ver com a realidade. Em coisas que tais somos como crianças. Em tempo de perigo corremos para a nossa mãe, sendo essa mãe a crença, o guru, a religião, a tradição, o hábito. Aqui nos refugiamos, e por isso as nossas vidas são vidas de imitação constante, sempre sem um momento de valiosa compreensão.

Depois podem concordar com as minhas palavras, dizendo, “Tem toda a razão; não procuramos a verdade, mas alívio, e esse alívio é satisfatório de momento.” Se estão satisfeitos com isto, nada mais há a dizer. Se tiverem essa atitude, o melhor é não dizer mais nada. Mas, graças a Deus! Nem todos os seres humanos têm essa atitude. Nem todos alcançaram o estado de estar satisfeitos com as suas próprias pequenas experiências a que chamam conhecimento, e que é estagnação.

Ora quando dizem, “Estou à procura”, dão a entender que estão à procura do desconhecido. Desejam o desconhecido, e esse é o objeto da vossa busca. Porque o conhecido é para vocês aterrador, insatisfatório, inútil, carregado de dor, querem descobrir o desconhecido, e por isso inquirem, “O que é a verdade? O que é Deus?”. Daqui surge a pergunta, “Quem me ajuda a alcançar a verdade?” Precisamente nessa tentativa de encontrar a verdade ou Deus criam gurus, professores, que se tornam os vossos exploradores.

Por favor não se ofendam com as minhas palavras, não fiquem com ideias preconcebidas contra o que estou a dizer, e não pensem que faço isto por não ter nada melhor para fazer. Estou apenas a mostrar-lhes a causa de serem explorados, que é a vossa procura de uma meta, de um fim; e quando compreenderem a falsidade da causa, essa compreensão libertá-los-á. Não lhes estou a pedir que sigam os meus ensinamentos, porque se desejarem compreender a verdade devem permanecer completamente sozinhos.

Qual é uma das coisas mais importantes em que estão interessados na vossa procura do desconhecido? “Diga-me o que está no outro lado”, dizem vocês, “diga-me o que acontece a uma pessoa depois da morte.” À resposta a tais perguntas vocês chamam conhecimento. Portanto quando se interrogam sobre o desconhecido, encontram uma pessoa que lhes oferece uma explicação satisfatória sobre isso, e refugiam-se nessa pessoa ou na ideia que ela lhes dá. Por esse motivo essa pessoa ou essa ideia tornam-se o vosso explorador, e vocês próprios são responsáveis por essa exploração, não o homem ou a ideia que os explora. De tal interrogação sobre o desconhecido nasce a ideia de um guru que os conduzirá à verdade. De tal interrogação chega a confusão sobre o que é a verdade, porque, na vossa procura do desconhecido, cada professor, cada guia, oferece-lhes uma explicação sobre o que é a verdade, e essa explicação naturalmente depende dos seus próprios preconceitos e ideias; mas através desse ensinamento vocês esperam aprender o que é a verdade. A vossa procura do desconhecido é apenas uma fuga. Quando conhecerem a causa real, quando compreenderem o conhecido, não se interrogarão sobre o desconhecido.

A procura da verdade e a diversidade de ideias sobre a verdade não produzirá compreensão. Vocês dizem para si próprios, “Vou ouvir este professor, depois ouvirei outra pessoa, depois outra; e aprenderei de cada um os vários aspectos da verdade.” Mas por este processo nunca compreenderão. Tudo o que fazem é fugir; tentam encontrar aquilo que lhes dê maior satisfação, e àquele que lhes der mais aprecia-lo-ão como o vosso guru, como o vosso ideal, como a vossa meta. Portanto a vossa procura da verdade terminou.

Agora não pensem que o fato de eu lhes mostrar a futilidade desta procura é apenas engenho da minha parte: estou a explicar-lhes a razão da exploração que está a ocorrer em todo o mundo em nome da religião, em nome do governo, em nome da verdade.

O desconhecido não lhes diz respeito. Tenham cuidado com o homem que lhes descreve o desconhecido, a verdade, ou Deus. Tal descrição do desconhecido oferece-lhes um meio de fuga – e além disso, a verdade desafia qualquer descrição. Nessa fuga não há compreensão, não há realização. Na fuga só existe rotina e decadência. A verdade não pode ser explicada nem descrita. Ela é. Afirmo que existe uma beleza que não pode ser posta em palavras; se o fosse, seria destruída; então já não seria a verdade. Mas vocês não podem conhecer esta beleza, esta verdade, perguntando sobre ela; só a podem conhecer quando tiverem compreendido o conhecido, quando tiverem alcançado o significado total disso que está perante vocês.

Portanto estão constantemente a procurar fugas, e dignificam estas tentativas de fuga com variados nomes espirituais, com palavras altamente e imponentemente sonantes; estas fugas satisfazem-nos temporariamente, isto é, até que a próxima tempestade de sofrimento chegue e arrase o vosso refúgio.
Vamos por agora pôr de lado este desconhecido, e preocupar-nos com o conhecido. Ponham de lado, por agora, as vossas crenças, a vossa escravidão das tradições, a vossa dependência no vosso Bhagavad Gita, nas vossas escrituras, nos vossos Mestres. Não estou a atacar as vossas crenças favoritas, as vossas sociedades favoritas; estou a dizer-lhes que se quiserem compreender a verdade do que digo, têm que tentar escutar sem ideias preconcebidas.

Através dos nossos variados sistemas de educação – que podem ser a formação universitária, ou o seguimento de um guru, ou a dependência no passado na forma de tradição e de hábito, que cria a incompletude do presente – através destes sistemas de educação temos sido encorajados a obter, a adorar o sucesso. Todo o nosso sistema de pensamento, bem como toda a nossa estrutura social, está baseada na ideia de obtenção. Olhamos para o passado porque não podemos compreender o presente. Para compreender o presente, que é experiência, a mente tem que estar aliviada das tradições e dos hábitos passados. Enquanto o peso do passado nos dominar, não podemos compreender, não podemos colher integralmente o perfume de uma experiência. Portanto tem que haver incompletude enquanto houver a procura de obtenção. Que todo o nosso sistema de pensamento está baseado na obtenção não é uma mera suposição hipotética da minha parte; é um facto. E a ideia central da nossa estrutura social é também uma de obtenção, de consecução, de sucesso.

Mas porque eu disse que a vossa procura desta ideia de obtenção não resultará no viver completo, não pensem por isso em termos de oposto. Não digam, “Não devemos procurar? Não devemos obter? Não devemos ter sucesso?” Isto demonstra pensamento limitado. O que quero que façam é questionar a ideia de obtenção. Conforme disse, toda a estrutura social, econômica, e pseudo espiritual do nosso mundo está baseada nesta ideia central de lucro: lucro da experiência, lucro da vida, lucro dos professores. E desta ideia de lucro gradualmente cultivam em si próprios a ideia de medo, porque na vossa procura de lucro estão sempre com medo da perda. Portanto, tendo este medo da perda, este medo de perder uma oportunidade, criam o explorador, seja ele o homem que os guia moralmente, espiritualmente, ou uma ideia à qual se apegam. Têm medo e querem coragem; por isso a coragem se torna no vosso explorador. Uma ideia torna-se o vosso explorador.

A vossa tentativa de consecução, de lucro, é apenas uma fuga, uma fuga da insegurança. Quando falam de ganho estão a pensar em segurança; e após estabelecerem a ideia de segurança, querem encontrar um método de obter e manter essa segurança. Não é assim? Se tiverem em consideração a vossa vida, se a examinarem criticamente, descobrirão que ela se baseia no medo. Estão sempre a cuidar de ganhar; e depois de procurarem e encontrarem as vossas seguranças, após constituí-las como os vossos ideais, voltam-se para alguém que lhes oferece um método, um plano, para alcançar e proteger os vossos ideais. Por isso dizem, “Para alcançar essa segurança, tenho que me comportar de uma certa maneira; tenho de procurar a virtude, tenho que servir e obedecer, tenho que seguir gurus, professores e sistemas; tenho que estudar e praticar para obter o que quero.” Por outras palavras, uma vez que o vosso desejo é segurança, encontram exploradores que os ajudarão a obter o que querem. Portanto vocês, como indivíduos, constituem religiões para servir de seguranças, para servir de padrões para a conduta convencional; devido ao medo da perda, o medo de perder algo que querem, aceitam guias ou ideias como os que as religiões oferecem.

Ora tendo constituído os vossos ideais religiosos, que são na verdade as vossas seguranças, têm que ter modos de conduta, práticas, cerimoniais e crenças específicas, para alcançar esses ideais. Ao tentar levá-los a cabo, aí surge a divisão no pensamento religioso, resultando em cisões, seitas, credos. Vocês têm as vossas crenças, e outros têm as deles; vocês mantêm-se fiéis à vossa forma específica de religião e outros à deles; vocês são Cristãos, outros são Muçulmanos, e outros ainda Hindus. Têm estas dissenções e distinções religiosas, mas contudo falam de amor fraternal, tolerância e unidade – não que tenha que haver uniformidade de pensamento e ideias. A tolerância de que falam é apenas uma invenção engenhosa da mente; esta tolerância apenas indica o desejo de se apegarem às vossas próprias idiossincrasias, às vossas próprias ideias limitadas e preconceitos, e de permitirem que os outros procurem as deles. Nesta tolerância não há diversidade inteligente, mas somente uma espécie de indiferença superior. Existe absoluta falsidade nesta tolerância. Dizem, “Vocês continuem no vosso caminho, e eu continuarei no meu; mas sejamos tolerantes, fraternais.” Quando houver verdadeira fraternidade, amizade, quando houver amor no vosso coração, então não falarão de tolerância. Somente quando se sentem superiores na vossa certeza, na vossa posição, no vosso conhecimento, somente então falam de tolerância. São tolerantes somente quando há distinção. Com o cessar da distinção, não se falará de tolerância. Nessa altura não falarão de fraternidade, porque então nos vossos corações serão irmãos.

Portanto vocês, como indivíduos, constituem várias religiões que atuam como a vossa segurança. Nenhum professor constituiu estas religiões organizadas, exploradoras. Vocês próprios, a partir da vossa insegurança, a partir da vossa confusão, a partir da vossa falta de compreensão, criaram as religiões como vossos guias. Depois, após terem constituído religiões, procuram gurus, professores; procuram Mestres que os ajudem.

Não pensem que estou a tentar atacar a vossa crença favorita; estou simplesmente a constatar factos, não para que os aceitem, mas para que os examinem, os critiquem e os verifiquem.

Vocês têm o vosso Mestre, e outros têm o seu guia particular; vocês têm o vosso salvador o outros têm o deles. De tal divisão de pensamento e crença cresce a contradição e o conflito dos méritos dos vários sistemas. Estas disputas colocam o homem contra o homem; mas uma vez que intelectualizamos a vida, já não lutamos abertamente: tentamos ser tolerantes. Por favor pensem no que estou a dizer. Não aceitem ou rejeitem as minhas palavras simplesmente. Para examinar imparcialmente, criticamente, têm que pôr de lado os vossos preconceitos e idiossincrasias, e abordar a questão abertamente.

Em todo o mundo, as religiões mantiveram os homens separados. Individualmente cada um procura a sua própria pequena segurança e está interessado no seu próprio progresso; individualmente cada um deseja crescer, expandir-se, ser bem sucedido, alcançar, e portanto aceita qualquer professor que se ofereça para o ajudar na direção do seu avanço e crescimento. Como resultado desta atitude de aceitação, a crítica e o verdadeiro questionamento cessaram. Implantou-se a estagnação. Se bem que se movam ao longo de um estreito sulco de pensamento e de vida, já não há pensamento verdadeiro, já não há o viver completo, mas somente uma reação defensiva. Enquanto a religião mantiver os homens separados não pode haver fraternidade, assim como não pode haver fraternidade enquanto houver nacionalidade, que sempre terá que causar conflito entre os homens.

A religião com as suas crenças, as suas disciplinas, os seus engôdos, as suas esperanças, os seus castigos, força-os em direção ao comportamento correto, à fraternidade, ao amor. E uma vez que são forçados, ou obedecem à autoridade externa que ela estabelece, ou – que é a mesma coisa – começam a desenvolver a vossa própria autoridade interna como uma reação contra a externa, e seguem-na. Onde existe crença, onde existe a persecução de um ideal, não pode existir um viver completo. A crença indica a incapacidade de compreender o presente.

Agora não se voltem para o oposto e não digam, “Não devemos ter crenças? Não devemos ter quaisquer ideais?” Estou simplesmente a mostrar-lhes a causa e a natureza da crença. Porque não podem compreender o movimento imediato da vida, porque não podem colher o significado da sua veloz fluidez, pensam que a crença é necessária. Na vossa dependência na tradição, nos ideais, nas crenças ou nos Mestres, não estão a viver no presente, que é eterno.

Muitos de vocês podem pensar que o que estou a dizer é muito negativo. Não o é, porque quando realmente virem o falso, então compreendem o verdadeiro. Tudo o que estou a tentar fazer é mostrar-lhes o falso, para que possam encontrar o verdadeiro. Isto não é uma negação. Pelo contrário, este despertar da inteligência criativa é a única ajuda positiva que lhes posso dar. Mas podem pensar que isto não é positivo; provavelmente só me chamariam positivo se lhes desse uma disciplina, um curso de ação, um novo sistema de pensamento. Mas não podemos avançar mais nisto hoje. Se colocarem questões sobre isto amanhã ou nos próximos dias, tentarei respondê-las. Os indivíduos criaram a sociedade agrupando-se com objetivos de obtenção, mas isto não ocasiona a verdadeira unidade. Esta sociedade torna-se a sua prisão, o seu molde, e contudo cada indivíduo que ser livre para crescer, para ser bem sucedido. Assim cada um torna-se um explorador da sociedade e é, por sua vez, explorado pela sociedade. A sociedade torna-se o cume dos seus desejos, e o governo o instrumento para levar a cabo esse desejo conferindo honras aos que têm o maior poder de possuir, de ganhar. A mesma atitude estúpida existe na religião: a autoridade religiosa considera o homem que se conformou inteiramente aos seus dogmas e crenças uma pessoa verdadeiramente espiritual. Confere honra ao homem que possui a virtude. Assim, no nosso desejo de possuir – e novamente não estou a falar em termos de opostos, mas antes, a examinar precisamente a coisa que causa o desejo de posse – na nossa procura de posse, criamos uma sociedade da qual inconscientemente nos tornamos escravos. Tornamo-nos peças de engrenagem nessa máquina social, aceitando todos os seus valores, as suas tradições, as suas esperanças e anseios, e as suas ideias estabelecidas, porque nós criamos a sociedade, e ela ajuda-nos a obter o que queremos. Assim a ordem estabelecida seja do governo ou da religião põe fim ao questionamento, à procura, à dúvida. Por isso, quanto mais nos unirmos nas nossas várias posses, mais tendência temos para nos tornarmos nacionalistas.

Afinal, o que é uma nação? É um grupo de indivíduos que vivem em conjunto com o objectivo da conveniência econômica e auto-proteção, e explorando unidades similares. Não sou economista, mas este é um facto óbvio. Deste espírito de aquisitividade surge a ideia de “a minha família”, “a minha casa”, “o meu país”. Enquanto existir esta possessividade não pode existir verdadeira fraternidade ou verdadeiro internacionalismo. As vossas fronteiras, as vossas alfândegas, as vossas barreiras alfandegárias, as vossas tradições, as vossas crenças, as vossas religiões estão a separar o homem do homem. O que se criou com esta mentalidade de lucro, de separatividade, proteção, segurança? Nacionalidades; e onde existe nacionalismo tem que haver guerra. É a função das nações prepararem-se para as guerras, caso contrário não podem ser verdadeiras nações.

É isso o que está a acontecer em todo o mundo, e encontramo-nos à beira de outra guerra. Cada jornal encoraja o nacionalismo e o espírito de separatividade. O que tem sido dito em quase todos os países, na América, na Inglaterra, na Alemanha, na Itália? “Primeiro nós e a nossa segurança individual, e depois consideraremos o mundo.” Parecemos não compreender que estamos todos no mesmo barco. As pessoas já não podem ser separadas como o eram há alguns séculos atrás. Não devíamos pensar em termos de separação, mas insistimos em pensar nacionalisticamente ou com consciência de classe porque continuamos ligados às nossas posses, às nossas crenças. O nacionalismo é uma doença; não pode ocasionar a unidade do mundo ou a unidade humana. Não podemos alcançar a saúde através da doença; temos que nos libertar primeiramente da doença. A educação, a sociedade, a religião, ajudam a manter as nações separadas, porque cada uma individualmente procura crescer, lucrar, explorar.

Ora deste desejo de crescer, lucrar, explorar, criamos inumeráveis crenças – crenças relativas à vida após a morte, à reencarnação, à imortalidade – e encontramos pessoas que nos exploram através das nossas crenças. Por favor compreendam que ao dizer isto não me refiro a qualquer líder ou professor em particular; não estou a atacar nenhum dos vossos líderes. Atacar alguém é uma pura perda de tempo. Não estou interessado em atacar nenhum líder específico, tenho algo mais importante a fazer na vida. Quero agir como um espelho, explicar-lhes as perversões e desilusões que existem na sociedade, na religião.

Toda a nossa estrutura social e intelectual está baseada na ideia de lucro, de consecução; e quando a mente e o coração estão dominados pela ideia de ganho, não pode existir o verdadeiro viver, não pode existir o fluxo livre da vida. Não é assim? Se estão constantemente a contar com o futuro, com uma consecução, com uma obtenção, com uma esperança, como podem viver completamente no presente? Como podem agir inteligentemente como um ser humano? Como podem pensar ou sentir na plenitude do presente quando estão sempre a vigiar cuidadosamente o futuro distante? Através da nossa religião, através da nossa educação, somos convertidos em nada, e tendo consciência desse nada, queremos ganhar, ser bem sucedidos. Assim procuramos constantemente professores, gurus, sistemas.

Se realmente compreendem isto, agirão; não o discutirão apenas intelectualmente.

Ao procurarem o ganho perdem de vista o presente. Na vossa procura de lucro, na vossa confiança no passado, não compreendem totalmente a experiência imediata. Essa experiência deixa uma cicatriz, uma memória que é a incompletude dessa experiência, e dessa incompletude crescente desenvolve-se a consciência do “eu”, o ego. As vossas divisões do ego são apenas o refinamento superficial do egoísmo na sua procura de ganho. Intrinsecamente, nessa incompletude da experiência, nessa memória, tem o ego as suas raízes. Por muito que possa crescer, expandir-se, sempre preservará o centro do egoísmo. Assim, quando procuram lucro, sucesso, cada experiência aumenta a auto-consciência. Mas discutiremos isto noutra altura. Nesta palestra quero apresentar o máximo que possa do meu pensamento, para que durante as próximas palestras eu tenha tempo para responder às questões que possam colocar.

Quando a mente é apanhada no passado ou no futuro, não pode compreender o significado da experiência presente. Isto é óbvio. Quando estão a prestar atenção ao ganho, não podem compreender o presente. E uma vez que não compreendem o presente, que é experiência, ela deixa a sua cicatriz, a sua incompletude na mente. Não estão libertos dessa experiência. Esta falta de liberdade, de plenitude, cria memória, e o aumento dessa memória não é senão auto-consciência, o ego. Assim quando dizem, “Deixa-me contar com a experiência para me dar liberdade”, o que realmente estão a fazer é a aumentar, a intensificar, a expandir essa auto-consciência, esse ego; porque estão a contar com o ganho, a acumulação, como o meio para obter felicidade, como o meio de compreender a verdade.

Depois de terem estabelecido na vossa mente a consciência do “eu”, a vossa mente alimenta essa consciência, e daí surge a questão sobre se viverão ou não após a morte, se poderão ter esperança na reencarnação. Querem saber categoricamente se a reencarnação é um facto. Por outras palavras, utilizam a ideia da reencarnação como um meio de protelação, retirando daí conforto. Dizem, “Através do progresso obterei compreensão; o que não compreendi hoje compreenderei amanhã. Por isso deixa-me ter a garantia de que a reencarnação é verdade.”

Assim agarram-se a esta ideia de progresso, esta ideia de obter cada vez mais até que cheguem à perfeição. É a isso que chamam progresso, adquirir cada vez mais, acumular cada vez mais. Mas para mim, perfeição é realização, não esta acumulação progressiva. Usam a palavra progresso para significar acumulação, obtenção, consecução; é essa a vossa ideia fundamental de progresso. Mas a perfeição não reside no progresso; ela é realização. A perfeição não é compreendida através da multiplicação de experiências, mas é plenitude na experiência, plenitude na própria acção. O progresso separado da plenitude, conduz à total superficialidade.

Um sistema de fuga assim é dominante no mundo de hoje. A vossa teoria da reencarnação torna o homem cada vez mais superficial, em que ele diz, “Como não me posso realizar hoje, fá-lo-ei no futuro.” Se não se podem realizar nesta vida, retiram conforto da ideia de que há sempre uma próxima vida. Daqui surge o questionamento sobre a vida após a morte, e a ideia de que o homem que adquiriu mais conhecimento, que não é sabedoria, alcançará a perfeição. Mas a sabedoria não é o resultado da acumulação; a sabedoria não é posse; a sabedoria é espontânea, imediata.

Enquanto a mente foge do vazio através da obtenção, esse vazio aumenta, e não têm um dia, um momento, em que possam dizer, “Eu vivi.” As vossas ações são sempre incompletas, não realizadas, e por esse motivo a vossa procura de continuação. Com este desejo, o que aconteceu? Vocês tornaram-se cada vez mais vazios, cada vez mais superficiais, irrefletidos, sem sentido crítico. Aceitam o homem que lhes oferece conforto, certeza, e vocês, como indivíduos, criaram-no como vosso explorador. Tornam-se seus escravos, escravos do seu sistema, dos seus ideais. Desta atitude de aceitação não há realização, mas protelação. Por isso a necessidade da ideia da vossa continuidade, a crença na reencarnação, e daí surge a ideia de progresso, acumulação. Em seja o que for que fizerem, não há harmonia, não há significado, porque estão constantemente a pensar em termos de obtenção. Pensam na perfeição como uma finalidade, não como realização.

Ora, conforme disse, a perfeição reside na compreensão, em compreender completamente o significado de uma experiência; e essa compreensão é realização, a qual é imortalidade. Portanto têm que se tornar plenamente conscientes da vossa ação no presente. O aumento da auto-consciência chega através da superficialidade da ação e através da exploração incessante, começando com as famílias, maridos, esposas, crianças, e alargando-se à sociedade, ideais, religião; porque todos eles estão baseados nesta ideia de obtenção. O que realmente estão a procurar é aquisitividade, ainda que possam estar inconscientes dela, e da vossa exploração. Quero esclarecer que as vossas religiões, as vossas crenças, as vossas tradições, a vossa auto-disciplina estão baseadas na ideia de ganho. São apenas engôdos para o comportamento correto, e delas surge o explorador e o explorado. Se estão à procura de aquisitividade, procurem-na conscientemente – não hipocritamente. Não digam que estão à procura da verdade, porque não se chega à verdade desta maneira.

Ora esta ideia de crescer cada vez mais é para mim falsa, porque aquilo que cresce não é eterno. Foi já alguma vez demonstrado que quanto mais tiverem, mais compreendem? Em teoria poderá ser assim, mas na realidade não é assim. Um homem aumenta a sua propriedade e cerca-a; um outro aumenta o seu conhecimento e é limitado por ele. Qual é a diferença? Este processo de crescimento acumulativo é néscio, falso desde o princípio, porque aquilo que é susceptível de crescimento não é eterno. É uma ilusão, uma falsidade que nada tem em si de realidade. Mas se andarem atrás desta ideia de crescimento acumulativo, andem atrás dela com toda a vossa mente e com todo o vosso coração. Então descobrirão como é superficial, como é inútil, como é artificial. E quando perceberem que é falsa, então saberão a verdade. Nada precisa de a substituir. Então já não procurarão a verdade para substituir pelo falso; porque na vossa percepção direta já não existe o falso. E nessa compreensão há o eterno. Então há felicidade, inteligência criativa. Então viverão naturalmente, completamente, como a flor, e nisso há imortalidade.

Krishnamurti em, A Arte de Escutar
Adyar - 1ª palestra 29 de dezembro, 1933.

Quando uma pessoa ama, deve haver liberdade

A necessidade de segurança nas relações gera inevitavelmente o sofrimento e o medo. Essa busca de segurança, atrai a insegurança. Já encontrastes alguma vez segurança em alguma de vossas relações? Já? A maioria de nós quer a segurança de amar e ser amado, mas existirá amor quando cada um está a buscar a própria segurança, seu caminho próprio? Nós não somos amados porque não sabemos amar.
Que é o amor? Esta palavra está tão carregada e corrompida, que quase não tenho vontade de empregá-la. Todo o mundo fala de amor — toda a revista e jornal e todo missionário discorre interminavelmente sobre o amor. Amo a minha pátria, amo o prazer, amo a minha esposa, amo a Deus. O amor é uma ideia? Se é, pode então ser cultivado, nutrido, conservado com carinho, moldado, torcido de todas as maneiras possíveis. Quando dizeis que amais a Deus, que significa isso? Significa que amais uma projeção de vossa própria imaginação, uma projeção de vós mesmo, revestida de certas formas de respeitabilidade, conforme o que pensais ser nobre e sagrado; o dizer "Amo a Deus" é puro contra-senso. Quando adorais a Deus, estais adorando a vós mesmos; e isso não é amor.

Incapazes que somos de compreender essa coisa humana chamada amor, fugimos para as abstrações. O amor pode ser a solução final de todas as dificuldades, problemas e aflições humanas. Assim, como iremos descobrir o que é o amor? Pela simples definição? A igreja o tem definido de uma maneira, a sociedade de outra, e há também desvios e perversões de toda a espécie. A adoração de uma certa pessoa, o amor carnal, a troca de emoções, o companheirismo — será isso o que se entende por amor? Essa foi sempre a norma, o padrão, que se tornou tão pessoal, sensual, limitado, que as religiões declararam que o amor é muito mais do que isso. Naquilo que denominam "amor humano", vêem elas que existe prazer, competição, ciúme, desejo de possuir, de conservar, de controlar, de influir no pensar de outrem e, sabendo da complexidade dessas coisas, dizem as religiões que deve haver outra espécie de amor — divino, belo, imaculado, incorruptível.

Em todo o mundo, certos homens chamados "santos" sempre sustentaram que olhar para uma mulher é pecaminoso; dizem que não podemos nos aproximar-nos de Deus se nos entregamos ao sexo e, por conseguinte, o negam, embora eles próprios se vejam devorados por ele. Mas, negando o sexo, esses homens arrancam os próprios olhos, decepam a própria língua, uma vez que estão negando toda a beleza da Terra. Deixaram famintos os seus corações e a sua mente; são entes humanos "desidratados"; baniram a beleza, porque a beleza está ligada à mulher.

Pode o amor ser dividido em sagrado e profano, humano e divino, ou só há amor? O amor é para um só e não para muitos? Se digo "Amo-te", isso exclui o amor do outro? O amor é pessoal ou impessoal? Moral ou imoral? Familial ou não familial? Se amais a humanidade, podeis amar o indivíduo? O amor é sentimento? Emoção ? O Amor é prazer e desejo ? Todas essas perguntas indicam - não é verdade? - que temos idéias a respeito do amor, idéias sobre o que ele deve ou não deve ser, um padrão, um código criado pela cultura em que vivemos.

Assim, para examinarmos a questão do amor — o que é o amor — devemos primeiramente libertar-nos das incrustações dos séculos, lançar fora todos os ideais e ideologias sobre o que ele deve ou não deve ser. Dividir qualquer coisa em o que deveria ser e o que é, é a maneira mais ilusória de enfrentar a vida.

Ora, como iremos saber o que é essa chama que denominamos amor — não a maneira de expressá-lo a outrem, porém o que ele próprio significa? Em primeiro lugar rejeitarei tudo o que a igreja, a sociedade, meus pais e amigos, todas as pessoas e todos os livros disseram a seu respeito, porque desejo descobrir por mim mesmo o que ele é. Eis um problema imenso, que interessa a toda humanidade; há milhares de maneiras de defini-lo e eu próprio me vejo todo enredado neste ou naquele padrão, conforme a coisa que, no momento, me dá gosto ou prazer. Por conseguinte, para compreender o amor, não devo em primeiro lugar libertar-me de minhas inclinações e preconceitos? Vejo-me confuso, dilacerado pelos meus próprios desejos e, assim, digo entre mim: "Primeiro, dissipa a tua confusão. Talvez tenhas possibilidade de descobrir o que é amor através do que ele não é".

O governo ordena: "Vai e mata, por amor à pátria!" Isso é amor? A religião preceitua: "Abandona o sexo, pelo amor de Deus". Isso é amor? O amor é desejo? Não digas que não. Para a maioria de nós, é; desejo acompanhado de prazer, prazer derivado dos sentidos, pelo apego e o preenchimento sexual. Não sou contrário ao sexo, mas vede o que ele implica. O que o sexo vos dá momentaneamente é o total abandono de vós mesmos, mas, depois, voltais à vossa agitação; por conseguinte, desejais a constante repetição desse estado livre de preocupação, de problema, do "eu". Dizeis que amais vossa esposa. Nesse amor está implicado o prazer sexual, o prazer de terdes uma pessoa em casa para cuidar dos filhos e cozinhar. Dependeis dela; ela vos deu o seu corpo, suas emoções, seus incentivos, um certo sentimento de segurança e bem-estar. Um dia, ela vos abandona; aborrece-se ou foge com outro homem, e eis destruído todo o vosso equilíbrio emocional; essa perturbação, de que não gostais, chama-se ciúme. Nele existe sofrimento, ansiedade, ódio e violência. Por conseguinte, o que realmente estais dizendo é: "Enquanto me pertences, eu te amo; mas, tão logo deixes de pertencer-me, começo a odiar-te. Enquanto posso contar contigo para a satisfação de minhas necessidades sociais e outras, amo-te, mas, tão logo deixes de atender a minhas necessidades, não gosto mais de ti". Há, pois, antagonismo entre ambos, há separação, e quando vos sentis separados um do outro, não há amor. Mas, se puderdes viver com vossa esposa sem que o pensamento crie todos esses estados contraditórios, essas intermináveis contendas dentro de vós mesmo, talvez então - talvez - sabereis o que é o amor. Sereis então completamente livre, e ela também; ao passo que, se dela dependeis para os vossos prazeres, sois seu escravo. Portanto, quando uma pessoa ama, deve haver liberdade - a pessoa deve estar livre, não só da outra, mas também de si própria.

No estado de pertencer a outro, de ser psicologicamente nutrido por outro, de outro depender - em tudo isso existe sempre, necessariamente, a ansiedade, o medo, o ciúme, a culpa, e enquanto existe medo, não existe amor. A mente que se acha nas garras do sofrimento jamais conhecerá o amor; o sentimentalismo e a emotividade nada, absolutamente nada, têm que ver com o amor. Por conseguinte, o amor nada tem em comum com o prazer e o desejo.

O amor não é produto de pensamento, que é o passado. O pensamento não pode de modo nenhum cultivar o amor. O amor não se deixa cercar e enredar pelo ciúme; porque o ciúme vem do passado. O amor é sempre o presente ativo. Não é "amarei" ou "amei". Se conheceis o amor, não seguireis ninguém. O amor não obedece. Quando se ama, não há respeito nem desrespeito.

Não sabeis o que significa amar realmente alguém - amar sem ódio, sem ciúme, sem raiva, sem procurar interferir no que o outro faz ou pensa, sem condenar, sem comparar - não sabeis o que isto significa? Quando há amor, há comparação? Quando amais alguém de todo o coração, com toda a vossa mente, todo o vosso corpo, todo o vosso ser, existe comparação? Quando vos abandonais completamente a esse amor, não existe "o outro".

O amor tem responsabilidades e deveres, e emprega tais palavras? Quando fazeis alguma coisa por dever, há nisso amor? No dever não há amor. A estrutura do dever, na qual o ente humano se vê aprisionado, o está destruindo. Enquanto sois obrigado a fazer uma coisa, porque é vosso dever fazê-la, não amais a coisa que estais fazendo. Quando há amor, não há dever nem responsabilidade.

A maioria dos pais, infelizmente, pensa que são responsáveis por seus filhos, e seu senso de responsabilidade toma a forma de preceituar-lhes o que devem fazer e o que não devem fazer, o que devem ser e o que não devem ser. Querem que os filhos conquistem uma posição segura na sociedade. Aquilo a que chamam de responsabilidade faz parte daquela respeitabilidade que eles cultivam; e a mim me parece que, onde há respeitabilidade, não existe ordem; só lhes interessa o tornar-se um perfeito burguês. Preparando os filhos para se adaptarem à sociedade, estão perpetuando a guerra, o conflito e a brutalidade. Pode-se chamar a isso zelo e amor?

Zelar, com efeito, é cuidar como se cuida de uma árvore ou de uma planta, regando-a, estudando as suas necessidades, escolhendo o solo mais adequado, tratá-la com carinho e ternura; mas, quando preparais os vossos filhos para se adaptarem à sociedade, os estais preparando para serem mortos. Se amásseis vossos filhos, não haveria guerras.

Quando perdeis alguém que amais, verteis lágrimas; essas lágrimas são por vós mesmo ou pelo morto? Estais pranteando a vós mesmo ou ao outro? Já chorastes por outrem? Já chorastes o vosso filho, morto no campo de batalha? Chorastes, decerto, mas essas lágrimas foram produto de autocompaixão ou chorastes porque um ente humano foi morto? Se chorais por autocompaixão, vossas lágrimas nada significam, porque estais interessado em vós mesmo. Se chorais porque vos foi arrebatada uma pessoa em quem "depositastes" muita afeição, não se trata de afeição real. Se chorais a morte de vosso irmão, chorai por ele! É muito fácil chorardes por vós mesmo porque ele partiu. Aparentemente, chorais porque vosso coração foi atingido, mas não foi atingido por causa dele; foi atingido pela autocompaixão, e a autocompaixão vos endurece, vos fecha, vos torna embotado e estúpido.

Quando chorais por vós mesmo, será isso amor? - chorar porque ficaste sozinho, porque perdestes o vosso poder; queixar-vos de vossa triste sina, de vosso ambiente - sempre vós a verter lágrimas. Se compreenderdes esse fato, e isso significa pôr-vos em contato com ele tão diretamente como quando tocais uma árvore ou uma coluna ou uma mão, vereis então que o sofrimento é produto do "eu", o sofrimento é criado pelo pensamento, o sofrimento é produto do tempo. Há três anos eu tinha meu irmão; hoje ele esta morto e estou sozinho, desolado, não tenho mais a quem recorrer para ter conforto ou companhia, e isso me traz lágrimas aos olhos.

Podeis ver tudo isso acontecer dentro de vós mesmo, se o observardes. Podeis vê-lo de maneira plena, completa, num relance, sem precisardes do tempo analítico. Podeis ver num momento toda a estrutura e natureza dessa coisa desvaliosa e insignificante, chamada "eu" - minhas lágrimas, minha família, minha nação, minha crença, minha religião - toda essa fealdade está em vós. Quando a virdes com vosso coração, e não com vossa mente, quando a virdes do fundo de vosso coração, tereis então a chave que acabará com o sofrimento.

O sofrimento e o amor não podem coexistir, mas no mundo cristão idealizaram o sofrimento, crucificaram-no para o adorar, dando a entender que ninguém pode escapar ao sofrimento a não ser por aquela única porta; tal é a estrutura de uma sociedade religiosa, exploradora.

Assim, ao perguntardes o que é o amor, podeis ter muito medo de ver a resposta. Ela pode significar uma completa reviravolta; poderá dissolver a família; podeis descobrir que não amais vossa esposa ou marido ou filhos (vós os amais?); podeis ter de demolir a casa que construístes; podeis nunca mais voltar ao templo.

Mas, se desejais continuar a descobrir, vereis que o medo não é amor, a dependência não é amor, o ciúme não é amor, a posse e o domínio não são amor, responsabilidade e dever não são amor, autocompaixão não é amor, a agonia de não ser amado não é amor, que o amor não é o oposto do ódio, como a humildade não é o oposto da vaidade. Dessarte, se fordes capaz de eliminar tudo isso, não à força, porém lavando-o assim como a chuva fina lava a poeira de muitos dias depositada numa folha, então, talvez, encontrareis aquela flor peregrina que o homem sempre buscou sequiosamente.

Se não tendes amor - não em pequenas gotas, mas em abundância; se não estais transbordando de amor, o mundo irá ao desastre. Intelectualmente, sabeis que a unidade humana é a coisa essencial e que o amor constitui o único caminho para ela, mas quem pode ensinar-vos a amar? Poderá uma autoridade, um método, um sistema ensinar-vos a amar? Se alguém vo-lo ensina, isso não é amor. Podeis dizer: "Eu me exercitarei para o amor. Sentar-me-ei todos os dias para refletir sobre ele. Exercitar-me-ei para ser bondoso, delicado e me forçarei a ser atencioso com os outros"? - Achais que podeis disciplinar-vos para amar, que podeis exercer a vontade para amar? Quando exerceis a vontade e a disciplina para amar, o amor vos foge pela janela. Pela prática de um certo método ou sistema de amar, podeis tornar-vos muito hábil, ou mais bondoso, ou entrar num estado de não-violência, mas nada disso tem algo em comum com o amor.

Neste mundo tão dividido e árido não há amor, porque o prazer e o desejo têm a máxima importância, e, todavia, sem amor, vossa vida diária é sem significação. Também, não podeis ter o amor se não tendes a beleza. A beleza não é uma certa coisa que vedes - não é uma bela árvore, um belo quadro, um belo edifício ou uma bela mulher; só há beleza quando o vosso coração e a vossa mente sabem o que é o amor. Sem o amor e aquele percebimento da beleza, não há virtude, e sabeis muito bem que tudo o que fizerdes - melhorar a sociedade, alimentar os pobres - só criará mais malefício, porque quando não há amor, só há fealdade e pobreza em vosso coração e vossa mente. Mas, quando há amor e beleza, sabeis amar, podeis fazer o que desejardes, porque o amor resolverá todos os outros problemas.

Alcançamos, assim, este ponto: Poderá a mente encontrar o amor sem precisar de disciplina, de pensamento, de coerção, de nenhum livro, instrutor ou guia - encontrá-lo assim como se encontra um belo pôr-de-sol?

Uma coisa me parece absolutamente necessária; a paixão sem motivo, a paixão não resultante de compromisso ou ajustamento, a paixão que não é lascívia. O homem que não sabe o que é paixão, jamais conhecerá o amor, porque o amor só pode existir quando a pessoa se desprende totalmente de si própria.

A mente que busca não é uma mente apaixonada, e não buscar o amor é a única maneira de encontrá-lo; encontrá-lo inesperadamente e não como resultado de qualquer esforço ou experiência. Esse amor, como vereis, não é do tempo; ele é tanto pessoal, como impessoal, tanto um só como multidão. Como uma flor perfumosa, podeis aspirar-lhe o perfume, ou passar por ele sem o notardes. Aquela flor é para todos e para aquele que se curva para aspirá-la profundamente e olhá-la com deleite. Quer estejamos muito perto, no jardim, quer muito longe, isso é indiferente à flor, porque ela está cheia de seu perfume e pronta para reparti-lo com todos.

O amor é uma coisa nova, fresca, viva. Não tem ontem nem amanhã. Está além da confusão do pensamento. Só a mente inocente sabe o que é o amor, e a mente inocente pode viver no mundo não inocente. Só é possível encontrá-la, essa coisa maravilhosa que o homem sempre buscou sequiosamente por meio de sacrifícios, de adoração, das relações, do sexo, de toda espécie de prazer e de dor, só é possível encontrá-la quando o pensamento, alcançando a compreensão de si próprio, termina naturalmente. O amor não conhece o oposto, não conhece conflito.

Podeis perguntar: "Se encontro esse amor, que será de minha mulher, de minha família? Eles precisam de segurança". Fazendo essa pergunta, mostrais que nunca estivestes fora do campo do pensamento, fora do campo da consciência. Quando tiverdes alguma vez estado fora desse campo, nunca fareis uma tal pergunta, porque sabereis o que é o amor em que não há pensamento e, por conseguinte, não há tempo. Podeis ler tudo isto hipnotizado e encantado, mas ultrapassar realmente o pensamento e o tempo - o que significa transcender o sofrimento - é estar cônscio de uma dimensão diferente, chamada "amor".

Mas, não sabeis como chegar-vos a essa fonte maravilhosa - e, assim, que fazeis? Quando não sabeis o que fazer, nada fazeis, não é verdade? Nada, absolutamente. Então, interiormente, estais completamente em silêncio. Compreendeis o que isso significa? Significa que não estais buscando, nem desejando, nem perseguindo; não existe nenhum centro. Há, então, o amor.

Jiddu Krishnamurti

Bravo mundo novo


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Sobre o adulterado amor de mãe

No tão celebrado amor de mãe está escondida a raiz de tanto sofrimento no mundo. A falta de amor, ou seja a sua falsificação, o seu interesse são a origem do atual rompimento do homem consigo mesmo; a sua incapacidade de se expor aos sentimentos verdadeiros, o desamparo e a provável dependência das circunstâncias, porque a conduta da mãe decide quase exclusivamente sobre a saúde mental e capacidade de amar da criança. Se uma criança recebe amor de mãe verdadeiro, que esteja livre de condições, isto é aquele que não é utilizado para conduzir a criança a uma determinada direção para que aprenda a obedecer, aprenda a adaptar-se, ou é condicionado muito cedo para mais tarde procurar o poder e a influência – esta criança cresce em uma situação totalmente saudável. Estes casos hoje ocorrem geralmente em povos nativos que ainda estão ligados à sua origem. Em nossa civilização ficou quase impossível dar ao jovem que se desenvolve este calor de ninho, sem nenhuma intenção. Já os pais estão muito ligado às obrigações da luta existencial, à luta pelo sucesso na sociedade, para que possam sentir e saber o que realmente é bom para o seu filho. E assim provavelmente foi destino para todos nós, que nossos pais, bem-intencionados, mas mesmo assim errados, nos educaram em uma linha que nos afastou de sentimentos autênticos, do amor desinteressado, e por isso a maioria de nós carrega danos emocionais (mesmo que o indivíduo isolado não aceite isto).

No lugar do amor desinteressado de mãe entrou um padrão de pensamento sobre amor de mãe, que pelo visto quer o melhor para o filho. No decorrer da educação na infância é feito um terrorismo com a criança, por meio da dedicação. Se ela se comporta conforme a imaginação dos pais ela recebe amor, enquanto que é ameaçada de perder o amor se se comportar conforme os seus próprios estímulos interiores. Assim o jovem já é condicionado desde cedo. Ele aprende que recebe amor quando se adapta, quando é submisso. Assim a criança já se separa muito cedo dos próprios esforços e sentimentos.

Inconscientemente cresce uma raiva de si mesma pela submissão às condições da mãe, que só dá amor quando o filho desiste das idéias próprias e se comporta conforme o desejo da mãe. A relação infantil com o próprio “eu” nunca pode ser realizada. E como adulto esta pessoa só poderá passar para o outro sexo aquilo que se formou dentro dele. E isto não é capacidade de amor verdadeiro, é muito mais um padrão de pensamento sobre o amor, e este está tão bem, que a sua dedicação depende novamente da correspondência adequada do parceiro.

Como os pais não sabem o que o homem realmente é, e para que ele vive, passam para os filhos a sua própria opinião sobre a vida, que por sua vez é o resultado da própria educação que receberam dos pais, combinada com a experiência de vida e com a soma de influências externas, sejam do tipo religioso, político, ou social. E assim crescemos, separados de nosso próprio “eu”, separados da própria pessoa, dirigidos pelo “eu”, esta formação sintética da imaginação que formamos sobre nós. Nossa verdadeira origem se esconde de nós. Vemos o sentido da vida na constante busca de reconhecimento, sucesso e poder. Poder nem que seja pequeno, mesmo tratando apenas da influência nos próprios filhos ou no parceiro. Idéias espirituais podem ou não ser importantes para nós. Mas mesmo quando temos uma religião, esta continua sendo uma formação de pensamentos e não tem maior efeito, do que uma pendência do tipo complementar. Com o tempo não conseguimos mais sentir a realidade. Nosso pensamento filtra todos os conhecimentos que soam diferente daquilo que aprendemos. Por este motivo não podemos fazer experiências que nos levem ao caminho da verdade. O sentido de nossa existência fica no escuro, só nos resta a ideia do vale das lágrimas e a raiva reprimida e inconsciente da nossa fraqueza e dependência. Ao invés de nos declararmos partidários desta fraqueza, e aceitá-la em toda a sua extensão e realidade, estamos sempre fugindo deste reconhecimento que seria um confissão da nossa fraqueza e incapacidade. Exatamente este estado de aceitação da fraqueza é o estado em que pessoas em crise de vida, desesperadas pararam de lutar conscientes de sua impotência, onde de repente a mudança ocorre violentamente. Aqui você pode reconhecer a força do poder do Tao, isto é, quando a pessoa está disposta a aceitar a sua impotência em vez de relutar.

Theo Fischer

Nossa sociedade, o outsider e o “eu” renegado

Você imaginava que os primeiros hippies da costa californiana no Pacífico eram taoístas? Estas pessoas levavam a sério a rejeição do condicionamento por parte da sociedade – mas quando a contra-cultura se espalhou, a idéia do wu wei se diluiu. Isto degenerou e passou a significar “não fazer nada”. Desta forma cada vez mais vadios uniram-se ao círculo dos hippies, dos preguiçosos e das pessoas que se desligavam da sociedade por causa dos próprios delitos. Este tipo de pessoas reduziam a sabedoria do Tao a um álibi para uma vida boêmia. Certamente surge a pergunta sobre nossa posição nos mecanismos da sociedade, na vida profissional, quando interiormente nos libertamos da autoridade estranha e enxergamos livremente e sem distorções a verdadeira realidade de nossa vida. Por isto quero ocupar-me neste capítulo com outsiders, com a ideia de uma vida alternativa. Vamos averiguar se “alternativa” não é apenas um outro nome, um sinônimo para um método mais secundário de estar comprometido. Toda ideia, nobre e liberal pôr mais que pareça, requer uma classificação em suas regras ou não-regras. Não-regras significa seguir a renegação, ou seja, a exigência de não fazer isto ou aquilo (por exemplo, de fazer a barba ou vestir-se bem). Quem reconhecer como foi posto sob tutela por todos os lados, como a sua existência é condicionada, como se tornou corrupto – pois aceitou por interesse coisas que repugna – este certamente tem o desejo de dar as costas a esta limitação e regulamentações. Esta pessoa se rebela e procura caminhos para sair deste estado. Naturalmente aqui a situação política mundial é atrapalhada, a separação das pessoas por raças e nações, o ódio, a falta de paz, as ideologias sem sentido, o fanatismo, e o horror global têm um papel muito importante. E ainda mais o contraste com toda esta miséria: o bem-estar dos países economicamente ricos que se intrometem nos acontecimentos mundiais com frases vazias sem realmente contribuir para a melhora. Diante de todas estas carências algumas pessoas procuram um buraco para poder se esconder até que toda esta confusão feia, que se chama vida, tenha passado.

Pessoas isoladas, ou grupos inteiros, procuraram e acharam tais “buracos”. Eles se isolaram externamente da sociedade, mudaram para o campo, e desenvolveram lá o que imaginavam para uma vida cotidiana. Nestes grupos, podemos constatar os mais diversos motivos básicos filosóficos e religiosos. A devastação do meio ambiente foi um motivo forte também, e o fato de quase não serem mais produzidos alimentos industriais que não sejam mais ou menos envenenados. Este movimento para fora da sociedade deve ser considerado absolutamente honesto, e esta saída é autêntica – pelas suas conseqüências exteriores. Libertar-se de normas, seguramente facilita a vida. Basta pensar na roupa e na vida profissional. Não dá para imaginar um caixa de banco usando uma roupagem árabe em um dia de verão muito quente, se bem que isto é o mais razoável, como os habitantes de regiões muito quentes já reconheceram. O pobre homem que fizesse isto teria de contar com as conseqüências, das quais uma dispensa ou férias obrigatórias seria a mais suave. Pode-se indagar: quem tem a coragem de andar descalço pela cidade?! As pessoas modernas perderam todos os modelos de conduta natural, e mesmo quando vão procurar a natureza em seus passeios já perderam a relação com ela. Neste ponto a vida alternativa no campo oferece estímulos e oferece um retorno a costumes de vida de velhos tempos.

Porém a saída da sociedade, a volta à vida mais simples continuam sendo obras mal-acabadas enquanto forem apenas um processo exterior de desligamento do modo de vida atual. Todos que saem levam toda a sua bagagem interior. Seja lá para onde for, levarão junto as cargas e traumas empurrados para o inconsciente, o amor não correspondido de sua infância, e a raiva desapercebida por si mesma por causa da submissão que praticaram na época para não perder o amor dos pais. E assim chegamos ao cerne do problema. Posso encontrar inúmeros caminhos de fuga dos compromissos com as convenções sociais, mas enquanto eu não me libertar, ao mesmo tempo, do próprio compromisso da minha monstruosa adaptação à autoridade exterior (e interiores aprendidas neste meio tempo), e não compreender a sua origem, nenhum lugar no mundo me servirá como espaço livre para a fuga do meu próprio eu. Sair da sociedade e viver uma vida alternativa só tem sentido se eu procurar a liberdade de dentro para fora, em vez de um ato externo de mudança. Se eu alcançar a liberdade interior, o nível exterior tem uma importância bem menor para o meu bem-estar, enquanto que este nível é muito importante para uma saída apenas exterior.

Existem poucas pessoas em nossa sociedade, nestes tempos, que podem dizer que a sua infância se passou sem conflitos emocionais e que tiveram uma mesma educação psiquicamente saudável. A maioria pode afirmá-lo pois não conhecem nada melhor e se convencem disto, mas a realidade é diferente. Praticamente a Humanidade toda desde a infância se separa do seu próprio “eu”. Aquilo que vive aqui, age e pensa, é uma formação artificial criada em um longo processo de adaptação às regras do jogo – o ego ou o eu. O “eu” existe apenas em nível de pensamento. As pessoas estão totalmente separadas de seus sentimentos. O que elas consideram hoje sentimentos, são os pensamentos sobre sentimentos, não são mais os próprios sentimentos. Não estamos mais em condições de reconhecer a relatividade de nossos pensamentos e sentimentos, eis que não possuímos mais parâmetros de comparação para o autêntico. Nem nossos pais e nem nós tivemos sentimentos autênticos. Isto soa muito duro, mas infelizmente é a realidade. Quero citar-lhes um único exemplo: se você escuta no noticiário do rádio ou da televisão que na Etiópia imperam novamente a fome e a miséria e que inúmeras pessoas estão condenadas à morte, a miséria teria de acabar. O que você sente? Logo após a notícia você sente um choque e um certo espanto que, ao mesmo tempo, está emparelhado com um sentimento de gratidão por você não estar passando por isto. Mais tarde, ao assistir o filme da noite, você já esqueceu aqueles esqueletos famintos que um dia foram crianças. Isto é possível, pois você desenvolve a compaixão apenas no pensamento: a verdadeira compaixão é estranha para você por causa dos mais diferentes motivos (que realmente não são culpa sua). Assim ocorre não apenas com a compaixão, mas com o amor, com a dedicação, com a benevolência, com a amizade, que você só conhece em forma de pensamento. Os sentimentos contrários, como ciúmes, ódio, inveja, raiva, surgem por causa da falta de verdadeiras virtudes como acima as enumerei. Ódio e violência, infelizmente são sentimentos autênticos em nós, eles existem nas pessoas por causa de um processo que retorna à infância e são um sintoma de raiva por si mesmo. Mas quero falar aqui sobre o Tao e não entrar na psicologia profunda, uma vez que existem caminhos para sair deste dilema sem ser o divã do psicanalista. O caminho do Tao é também um caminho da cura psíquica, é o caminho de volta para o “eu” isolado.

Esse “eu” é a verdadeira pessoa autêntica dentro de nós, e que renegamos, pois não o conhecemos e nem conseguimos perceber a sua existência. Por causa desta renegação que praticamos com nossa maneira de pensar e de viver estamos totalmente separados de nossos sentimentos autênticos, já que estes existem apenas dentro deste eu. Um passo ousado para a saída deste esquema é a separação rigorosa e total de nossos pseudo-sentimentos do tipo intelectual – e assim são quase todos, e doravante confiamos neles. Neste contexto só nos resta a alternativa de colocar-nos à disposição dos sentimentos autênticos ao invés de reprimi-los. Assim que pararmos de pensar sobre nossos sentimentos, e tentarmos senti-los, observá-los e dar-lhes atenção, sentiremos a sua existência. Pois eles existem, mas não nos alcançam nestas condições. É muito doloroso usarmos sentimentos autênticos, pois não conhecemos esta confrontação e sempre fugimos dela. A maioria das pessoas têm medo de seus sentimentos. Elas preferem esconder-se atrás de seus pensamentos, constroem uma parede protetora contra a aparente ameaça emocional. Mas para tornar-se livre nenhum caminho passa por nossos sentimentos, por mais doloroso e insuportável que seja no início. Assim que você decidir deixar vir à tona todos os sentimentos existentes em você, contemplá-los intensivamente, vivê-los, crescerá uma força colossal de cuja existência você não tinha noção. E nesta mudança de sentimentos vividos e aceitos, e força crescente, você consegue resgatar uma relação com o seu “eu”, achar o caminho de volta para o seu ser original, do qual você se distanciou tanto. A pessoa tornou-se estranha para si mesma. Características de caráter do seu próprio eu esta pessoa considera fraqueza, e as rejeita pois não conhece a sua força. Você não deve concluir por estas afirmações que os sentimentos têm conteúdos apenas negativos: estou falando na mesma proporção de compaixão, amor, alegria, etc. Mesmo soando como um paradoxo, as pessoas dos nossos tempos se fecham também para sentimentos tão positivos como amor e compaixão. Elas têm medo de todo tipo de sentimento, tanto faz qual é o seu conteúdo, sendo que estas pessoas não conhecem esta dimensão, pois elas são características de caráter de seu eu ocultadas desde a sua infância. O ego, o eu, nunca é capaz de sentimentos autênticos, ele interpreta apenas as reações intelectuais sobre acontecimentos de uma maneira determinada e aprendida.

A receita da arte do Tao é a seguinte: deixe espaço para todos os seus sentimentos, permita-lhes desenvolver-se totalmente dentro de você. No futuro não fuja de nenhuma emoção que venha de dentro de você. Este é um passo muito duro, pois no início estará ligado com medo. É o medo da realidade, do “eu”, da identificação que o seu ego tem de enfrentar como seu adversário, seu maior inimigo. Mas esse medo deve diminuir logo, dar espaço para aquela força da qual falei. Esta energia liberada vai aumentando na medida em que você se abrir para os seus sentimentos e permitir que este medo inicial aumente em si. Se você agir assim seguramente este medo desaparecerá, não apenas naquele instante, mas diminuirá cada vez mais e em pouco tempo não terá mais espaço em sua vida.

Sair da sociedade significa, na sua verdadeira função, em primeiro lugar o rompimento consciente de sua ligação a falsos sentimentos, ao vazio e à falta de conteúdo de processos intelectuais emocionalmente decisivos, e a dedicação a sentimentos verdadeiros que surgem em você. Assim você entra em contato consigo mesmo e a partir daí resulta uma enorme energia. Se além disso você tem condições de rever seus compromissos, a maneira como está preso à sua condição de vida, observar e sentir tudo isto, conseguirá bastante liberdade e autonomia. Mas aqui não carece nenhuma rebelião que se expresse em traje diferente ou fantasia estranha. Você então é bem diferente dos seus semelhantes, mas este ser diferente vem do seu interior, é autêntico, e não é imposto como uma filosofia de vida puramente voltada para o exterior. Aí então você pode mudar para o campo, plantar a sua própria verdura, tornar-se vegetariano e filiar-se ao movimento da paz – ou também não. Onde você está, e o que você faz não é mais importante. Assim que começar a sentir, a partir do seu “eu”, viver a cada dia no presente, você estará no caminho da auto-realização: o próprio caminho e o seu cotidiano são esta realização.

Theo Fischer

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Liberte-se de seus compromissos

Há milênios a estrutura da sociedade é sempre dirigida por um pequeno grupo de poderosos, independente do tipo de governo que tal sociedade aceitou. E este grupo governante dita ao povo o que é bom para ele, ou seja, o povo deve aceitar o que beneficia os poderosos. Em nossa época podemos considerar a globalização financeira como o poder. Este grupo rege o quadro que marca a nossa sociedade. Atualmente podemos votar para escolher nosso governo, mas a rigor a escolha não é muito grande, pois temos apenas a escolha entre muito poucas ideologias que, em princípio, são muito semelhantes e que, juntas, no fundo, de alguma maneira estão no fluxo do grupo governante. Além disso, por fim, quem governa é um partido que é bem visto no máximo pela metade dos eleitores. Isto significa que pelo menos a outra metade dos cidadãos de uma democracia ficou para trás apesar da liberdade dominante na formação de seu governo. E lá onde realmente se estabelece o poder duradouro, nas grandes indústrias, nos bancos e seguradoras com suas multiparticipações, que impõem todo o sistema financeiro apesar de todas as leis anticartéis – estes não são eleitos por ninguém. Eles simplesmente existem, eles decidem, independente da legislatura, do destino e da prosperidade da nação. Partindo de lá é formada a opinião pública; devemos procurar lá a origem e o motivo da natureza do quadro da sociedade. Cada indivíduo, você ou eu mesmo, orienta-se nesta ordem desde a infância. Nós estamos de tal forma presos a decisões, ordens e leis que não temos mais consciência de como nos conduzem por toda parte. Nunca vivemos uma vida sem regras. No início os pais cuidavam para que o filho se tornasse um membro adaptado à sociedade sob o ponto de vista deles, depois vinha a escola, a formação profissional ou o estudo na faculdade. Aqui o jovem também foi forçado a uma formação voltada à adaptação ao atual princípio dominante. Após iniciar-se na vida profissional, seja autônoma ou empregatícia, o então adulto constatava com toda clareza como a sua prosperidade dependia da hierarquia da sociedade. Ao invés de evadir-se desesperadamente desta limitação e da constante pressão, a humanidade encontrou um outro caminho de fuga: reprimir os conteúdos e as experiências conscientemente insuportáveis para o inconsciente. Eu não estou exagerando quando afirmo – e sei que a maioria dos sociólogos e psicólogos são da mesma opinião – que a nossa consciência acessível à nossa lembrança é filtrada de tal forma de maneira que nela não fique registrada nenhuma experiência que não esteja em conformidade com as regras de jogo válidas da sociedade. Tão amplamente age o mecanismo de repressão, o órgão de controle de nosso mecanismo de autoconservação! Por isto hoje, nas condições de nosso espírito, somos incapazes de perceber a verdade como ela realmente é. O que consideramos a verdade são apenas frações da realidade. Imagens do nosso pensamento, ainda por cima distorcidos pela ótica do nosso preconceito. Todos os nossos sentidos são controlados dia a dia; suas percepções são filtradas e peneiradas, nada de novo, desconhecido, pode chegar à consciência. Este mecanismo cuida muito bem para que nenhum novo conhecimento, por meio de alguma observação, penetre em nós. Tudo é cuidadosamente desviado para o inconsciente onde a sua existência inconveniente fica juntamente com outras experiências traumáticas da época da pré-infância. Nunca somos capazes de ver mais e além daquilo que aprendemos. Só isto podemos aceitar em nossa parcialidade, e é assim que nos orientamos e organizamos com base nisso, a nossa vida. Assim nosso espírito e as nossas lembranças estão em boas condições. E a isto o nosso pensamento se remete constantemente. Desta maneira absorvemos uma imagem muito censurada da realidade.

Um outro caminho de fuga da realidade é a afiliação a organizações e a comunidades religiosas incluindo os diversos grupos com filosofia de vida própria (e dos empresários espertos que vivem na onda da Nova Era). Já a consciência de estar integrado na sociedade e de possuir um Id na mesma, nos proporciona uma sensação de segurança. As verdades impopulares estão todas bem guardadas no inconsciente. Para isto a afiliação a uma comunidade, seja ela ativa ou passiva, oferece uma boa garantia complementar para manter-se a posição alcançada. Fecha-se os olhos para o horror ao nosso redor, para o quadro mundial escasso, para a loucura que acontece no próprio país, a Alemanha (no qual, por exemplo, não se proíbem alimentos contaminados, porém de tempo em tempo se aumenta o limite máximo de aplicação de produtos tóxicos!). A proteção, aparente, que estas organizações e instituições oferecem, é paga por nós através do reconhecimento de sua autoridade e possivelmente por organizarmos nossas vidas aparentes conforme suas normas, e interiormente por suas teses. Da falta de liberdade elementar que cada pessoa vive, em conseqüência à sua adaptação à sociedade, nasce uma outra, pois nós, seres humanos, simplesmente não conseguimos entender que existem coisas que não têm preço. Já que nos deixamos condicionar acreditamos ter adquirido mais segurança na sociedade. Nós fazemos aquilo e acreditamos naquilo que os outros também acreditam e fazem, e achamos isto correto. E se um dia o destino atuar e entrarmos em verdadeiros apuros vamos constatar que em lugar nenhum existe a verdadeira segurança, mesmo estando desesperadamente em busca dela. Para tornar-se livre, para uma vida no momento presente, é necessário romper com todos os compromissos deste tipo. Não podemos aceitar nenhuma autoridade, ninguém que nos diga como devemos ser ou nos tornar. Para conseguirmos nos libertar de autoridades externas, é necessário nossa disposição. Apenas esta. Não é necessário uma briga intelectual com uma ideia nova, com a decisão de livrar-se, à força, de coisas que nos prendem atualmente. Para muitas coisas, nem é necessário um passo espetacular para um rompimento externo – isto, geralmente, não é necessário. Importante é a nossa posição interior em relação à autoridade. Temos de entender que a vida pode ser diferente daquilo que pensávamos até agora. O passo para a liberdade interior, inicia-se com o reconhecimento de nossos compromissos, e é necessário observá-los até poder identificar seus perigos. Este processo já é suficiente. Com a nossa atenção, que não deve ser perturbada por pensamentos, estes compromissos perdem a sua influência sobre nós. Nós nos tornamos livres e desprendidos. Em hipótese nenhuma você deve analisar seus compromissos baseado nas suas análises intelectuais. Se fizer isto, não faz mal, mas também não terá vantagens. O que pode acontecer é você confundir esta análise com a observação e se admirar porque estes compromissos que desfizemos tão conscienciosamente ainda existem e limitam. Aliás, eu quero dizer que você alcançará mais facilmente a nova maneira de viver, de realmente estar presente aqui e agora, se esquecer qualquer tipo de conhecimento. Tudo aquilo que você aprendeu até o momento atual não serve para a prática de vida do Tao. O conhecimento pode ajudá-lo na profissão ou quando você quer pregar um prego na parede. Mas para o seu desenvolvimento espiritual ele só estará atrapalhando. Você deve realmente olhar para a sua vida com olhos inocentes, com os olhos ingênuos de uma criança. Então perceberá que as coisas mudam, que os seus dias transcorrerão de maneira diferente. Você estará incorporado a um processo que por si fará com grande inteligência aquilo que é o correto para você. Você de maneira alguma perde a sua própria vontade, mas a sua ação será mais sábia pois você tomará as decisões corretas diante dos desafios do cotidiano e em situações excepcionais.

Então fique sabendo: é necessário descobrir todas as sombras de seus compromissos, observá-las, dar atenção a elas, até que você tenha compreendido profundamente a extensão de seu aprisionamento. Só prestar atenção, já traz mudanças. Como em todo processo, é condição que você faça as suas observações exclusivamente no presente. Não é importante como você era ontem ou quais compromissos o incomodavam antes, o importante e essencial é o seu estado atual. Este estado você deve percebê-lo. E esta percepção no presente já é o passo para a mudança, para a qual, você não precisa mais se esforçar. Sua verdadeira vontade, sua disposição, seu desejo veemente de se tornar livre já são suficientes.

Theo Fisher

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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill