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sexta-feira, 6 de abril de 2018

Na atenção completa conhece-se o amor


Na atenção completa conhece-se o amor

INTERPELANTE: Em geral, achamo-nos tão estreitamente identificados com o nosso condicionamento, que não temos consciência dele.

INTERPELANTE: Existe um movimento incessante, com o qual nos achamos totalmente identificados e do qual estamos constantemente tentando fugir, e o esgotamento nervoso resultante desse conflito, produz o embotamento do corpo e do espírito. Seria correto dizer que um certo alertamento, tanto do corpo como da mente, é absolutamente necessário, para que possamos levar a efeito a investigação que nos propusestes.

KRISHNAMURTI: Isto é óbvio, senhor. Se desejo tomar parte numa corrida, tenho de submeter-me ao regime alimentar necessário; se desejo executar qualquer coisa com toda a eficiência, tenho de tomar alimentação conveniente, não devo sobrecarregar o estômago, tenho de exercitar-me adequadamente, etc. Minha mente e meu corpo têm de estar alertados no mais alto grau possível.

INTERPELANTE: Esse alertamento não nos vem, a menos que tenhamos vivido refletidamente o dia anterior. No momento em que nos sentamos para meditar seriamente, temos de assumir a postura adequada, porque, do contrário, a mente se tornará errática e não nos será possível pensar intensamente. Quando dizeis que o percebimento direto não pode vir por nenhuma espécie de disciplina, porém unicamente quando há liberdade completa, nossa mente tende logo a resvalar para uma dada forma de indolência. Vejo que isso se dá comigo. Conquanto seja óbvio que tais coisas — a disciplina, a postura correta, a respiração regulada — não podem dar-nos nenhuma experiência direta, entretanto elas produzem um certo alertamento do corpo, com o que a mente nem se torna indolente, nem se põe a buscar sem saber o que está buscando. A menos que possamos viver nesse estado de alertamento, que é uma condição normal da mente, o que quer que digais é "grego".

KRISHNAMURTI: Compreendo, senhor, mas acho que o problema é um pouco diferente. Uma pessoa pode assumir a postura correta do corpo, respirar corretamente, e tudo o mais, mas isso tem relativamente pouca significação em relação àquilo de que estamos falando.

Deixai-me expressá-lo de outra maneira. Se percebo que odeio, é-me possível amar imediatamente, ou o ódio tem de ser removido a pouco e pouco, a fim de que, eventualmente, eu seja capaz de amar? Este é o problema. Estais entendendo? É possível a mente transformar-se imediatamente e ficar num "estado de amor"?

INTERPELANTE: Se me é permitido referir-me às vossas palestras anteriores, a respeito da memória, admite-se que uma boa parte de nossas funções mentais é uma reação puramente mecânica da memória; e, pela identificação, quase todos nos deixamos constantemente absorver pelas nossas afeições e rancores, sem nos darmos conta disso. Mesmo quando estamos conscientes de tal coisa, não e essa certeza também mecânica como resultado do esforço? Isso tem alguma relação com o que estais dizendo, ou não?

KRISHNAMURTI: Não estou nada certo disso. O problema é este: percebo que sou ambicioso e, se estou suficientemente alertado, se sou inteligente e me conservo vigilante, percebo também quanto é absurdo e destrutivo esse estado. A ambição, inclusive a ambição espiritual, implica um estado em que não existe amor. O desejo de ser alguém, espiritualmente, o desejo de ser não-violento, é sempre ambição. Percebendo-se bem isso, é possível apagar instantaneamente a ambição, abandonando essa luta perene, de inquirição, análise, disciplina, "idealização", e tudo o mais? Pode a mente apagar de pronto a ambição e ver-se no "outro estado"? É possível isso? Não concordeis, senhores, pois isso não é questão de concordar ou discordar. Já pensastes nisso?

INTERPELANTE: Nossa mente está sempre tentando modificar o nosso condicionamento.

KRISHNAMURTI: Atende-vos ao ponto de que estamos tratando, se ele representa um problema para vós. Ou sou eu que estou fazendo dele um problema e portanto não se trata de problema vosso? Qual é a vossa reação?

INTERPELANTE: Gostaríamos de saber como se pode fazer isso.

KRISHNAMURTI: Este cavalheiro pergunta como se pode fazer isso; é justamente nisso que consiste a questão. Considerai primeiramente a própria questão: o como. Sou ambicioso e desejo ver-me num estado de amor; cumpre-me, por conseguinte, afastar a ambição, e como fazer isso? Acompanhai o que estou dizendo. A questão, em si mesma, envolve tempo, não? No momento em que perguntais "como?", está criado o problema do tempo — tempo para lançar uma ponte sobre o intervalo, tempo para atingir o estado chamado "amor"; por essa razão, nunca podeis atingi-lo. Compreendeis, senhores?

INTERPELANTE: Falastes sobre o estado de percebimento direto. Não é licito investigar esse estado? O percebimento implica três fatores: o sujeito que vê, o ato de ver, e o objeto que se vê. É assim que entendemos o percebimento. Quereis referir-vos a uma faculdade independente?

KRISHNAMURTI: Eu também entendo bem desta matéria! Que é o sujeito que percebe, e o sujeito que percebe está separado do objeto da percepção? O pensador está separado do pensamento? É isto que estais dizendo, não é verdade? Mas não é este, por ora, o nosso problema. Não me interpreteis erroneamente, não estou tentando...

INTERPELANTE: Empregastes as palavras "percebimento direto".

 KRISHNAMURTI: Podemos modificaras palavras — elas não têm importância. Expressemo-nos diferentemente.

Estou apercebido de ser ambicioso, cruel, estúpido, ou o que seja, e em geral se admite, com apoio nos livros sagrados, nos rituais, na crença nos Mestres, na evolução e outras coisas que tais, que mediante um lento e gradual processo de esforço, poderei transcender o que sou e alcançar algo transcendental. Percebo o que isso implica: o sujeito que faz esforço, o esforço, e o objeto para o qual está fazendo esforço — sendo tudo isso um processo mental. Percebendo-o, digo de mim para mim: "É-me possível abandonar completamente a ambição e achar-me naquele estado que se pode chamar "amor"? Não vou descrever o que é aquele estado. O problema é que sou violento; e, tenho alguma possibilidade de abandonar completamente, imediatamente, a violência?

INTERPELANTE: A possibilidade é unia questão de acaso ou de esforço?

KRISHNAMURTI: Considerai bem isso, senhor. Se há esforço, estais de novo no velho terreno da "gradualidade". Se se trata de mero acaso, questão de "boa sorte" — isso não tem sentido algum. Se me permitis dizê-lo, não estais realmente fazendo esta pergunta a vós mesmo.

Eu sou agressivo, ambicioso, e vejo que toda a sociedade corrupta que me circunda é também ambiciosa e agressiva em diferentes graus. Tudo nela é aparatoso, estúpido, vão e, no entanto, me vejo preso nas suas malhas; é-me possível largar completamente a ambição, abandoná-la e nunca mais ter contacto com ela? Compreendeis minha pergunta, senhor? Mas não se trata de uma pergunta minha, e sim de uma pergunta que vos deveis fazer, se tendes vontade de resolver este problema. Ou preferis dizer: "Sou ambicioso e me libertarei da ambição aos poucos, amanhã ou na próxima vida, à força de disciplina, pela prática do mantra adequado, da adequada vigilância — enfim, toda a lista de absurdos? Este problema vos toca, senhor? Se não, nenhuma intenção tenho de vo-lo inculcar. Mas se é um problema vosso, que ides fazer?

Vede, senhor, os mais de nós não temos amor, o que quer que seja essa qualidade. Podemos ter um temporário sentimento que chamamos "amor", o qual, entretanto, é muito aparentado com o ódio, e não pode ser aquela coisa extraordinária. É possível que uns poucos possuam essa florescência, essa coisa alentadora, criadora, mas em geral nos achamos num estado de confusão e aflição. Ora, pode uma pessoa abandonar, simplesmente, tudo isso e tornar-se "a outra coisa", sem passar pelas tremendas complicações inerentes ao "tentar vir a ser alguma coisa", sem discussões sobre se o sujeito que percebe está separado do objeto percebido, etc.?

INTERPELANTE: Mas isso também exigirá tempo.

 KRISHNAMURTI: Que fareis, senhor?

INTERPELANTE: Nada.

KRISHNAMURTI: Senhor, que se está passando realmente convosco, neste momento? Ou ficamos falando de maneira teórica, abstrata, para passarmos a tarde num interessante debate; ou, pelo contrário, estamos realmente desejosos de investigar, experimentar e não nos interessa manter-nos numa interminável "verbalização". Qual é a reação de cada um de nós, em face desse problema? Se pudermos discutir, "verbalizar" o que realmente está ocorrendo em nós, em reação ao problema, isso terá significação; mas, se ficamos meramente a produzir palavras e teorias, isso nenhum valor tem.

INTERPELANTE: Toda esta discussão é puramente verbal.

KRISHNAMURTI: Mas que significação tem para vós? Deixai de parte os outros. Vede, senhor, eu não vos estou atacando, não tenciono embaraçar-vos. Mas quando se vos apresenta este problema, qual é vossa reação?

INTERPELANTE: Ser é ser. Não pode ser descrito por palavras.

KRISHNAMURTI: Compreendo, senhor. Mas estamos em presença de um problema muito grave e que envolve uma completa revolução no pensar; dele decorre que temos de livrar-nos de todos os guias, todos os gurus, todos os métodos, não é verdade? E que acontece, quando se nos propõe um problema desta natureza?

Isto é, quando estamos apercebidos de que odiamos, e desejamos ficar livres do ódio, que fazemos, em geral? Procuramos um método de nos livrarmos dele, e esperamos achar esse método num livro, num guru, etc. Ora, percebemos que a prática de qualquer método é uma ilusão ou dizemos que o método é necessário? Esta é a primeira questão, evidentemente. Que sentis vós, senhor? Não desejo forçar-vos a dizer que não há necessidade de método; isso seria uma nova ilusão, mera repetição de palavras, uma atitude artificial, inteiramente destituída de significação. Mas se percebeis realmente que a prática de qualquer método para nos libertarmos do ódio é uma ilusão e portanto sem validade alguma, neste caso vossa maneira de considerar o ódio terá sofrido uma transformação total, não?

Presentemente, ao considerarmos o ódio, dizemos: "Como livrar-me dele?" Mas, se sabemos considerar o ódio sem o "como", teremos então uma reação completamente diferente, diante daquilo que percebemos. E, assim sendo, precisamos saber qual é a nossa reação, em face desta questão. Compreendeis, senhor?

Por favor, tende primeiramente a bondade de escutar, a fim de descobrirdes, e não pergunteis como ficareis livres do ódio. Não me interessa saber como ficar livre dele. Esta é uma questão muito trivial. O problema é este: estando apercebidos de que odiamos, dizemos, agora: "Como livrar-me do ódio? Que devo fazer para me livrar deste veneno?" — No momento em que nos surge esta reação — como ficar livre? — pusemos em ação vários fatores sem validade alguma. Um desses fatores é o processo de gradual desbastamento do ódio, através de um certo período de tempo; outro é o fazer esforço para conseguir um resultado; e outro, ainda, é o dependermos de alguém, para nos ensinar como proceder. Tudo isso são atividades egocêntricas, e também uma forma de ódio. Não sei se estais percebendo bem.

Ora, estamos ainda pensando em como nos livrarmos do ódio? Esta é a questão, e não "como ficarmos livres", ou o que acontece quando estamos livres, mas, sim: estamos ainda pensando em termos de "como"?

INTERPELANTE: O "como" não é então muito importante.

KRISHNAMURTI: Que se está passando convosco, realmente, senhor? Que se passa realmente, quando vos vedes em presença desta questão? Se sois verdadeiramente franco para com vós mesmo, vereis que estais ainda pensando em termos de "como", e isto revela que a mente deseja ainda alcançar um certo estado, não é verdade? E a realização de algo significa processo de tempo. Um cientista, por exemplo, que faz experimentos para descobrir uma coisa, necessita evidentemente de tempo; mas o ódio pode ser dissolvido por meio do tempo? Os iogues, os swamis, o Gita, os Mahatmas — todos dizem que o ódio tem de ser dissolvido com o tempo; mas talvez eles não tenham razão, e provavelmente não a têm. E porque haviam de tê-la? Mas eu desejo averiguar se há uma maneira diferente de considerar este problema, em vez de aceitar a maneira tradicional, a qual vejo que invariavelmente degenera em mediocridade. A simples aceitação da tradição é uma coisa estúpida. Ainda que dez mil pessoas afirmem que uma coisa é verdadeira, isso não significa que elas têm razão. Meu problema, pois, é este: é possível ficarmos livres do ódio agora, e não no futuro?

INTERPELANTE: Se permitas fazer uma pergunta direta: Que finalidade têm vossas palestras?

KRISHNAMURTI: Qual a finalidade do falar? Comunicar alguma coisa, não é verdade? Se assim não fosse, não precisaríamos falar. Pois bem. Que é que estou tentando comunicar-vos? Estou procurando comunicar-vos o fato de que uma certa maneira de pensar geralmente aceita é ilusória e inteiramente destituída de base. Mas, para comunicarmos uma coisa, precisamos de um ouvinte, uma pessoa que diga: "estou realmente a escutar-vos". Vós, senhor, estais-me escutando? E que entendeis por "escutar"? Não é minha intenção embaraçar-vos. Escutais de fato qualquer coisa, ou apenas escutais parcialmente? Se à vossa mente ainda interessa o "como", não estais escutando. Só se pode escutar, quando se dá atenção completa, e não estais dando atenção completa quando pensais que deve haver um método, porque vossa mente não está então livre para considerar o que se está dizendo. Só há atenção completa quando dizemos: "Ele pode não ter razão, pode estar dizendo tolices, mas, pelo menos, quero descobrir o que é que ele está tentando transmitir-me". Estais fazendo isso? Isso, em si, é muito difícil, não achais? Porque dar atenção completa significa conhecer o amor, é sentir totalmente a disposição de descobrir o que outro está dizendo, sem aceitação ou rejeição — o que não significa que me vou tornar uma autoridade para vós. Prestais atenção dessa maneira?

INTERPELANTE: É possível isso, senhor?

KRISHNAMURTI: Se não é possível, não pode haver comunicação. A dificuldade é esta: Vede, senhor, se me estais dizendo uma coisa e eu desejo descobrir o que estais procurando comunicar, tenho de dar-vos atenção, não é verdade? Não posso estar pensando, comigo mesmo, que estais falando sobre "as mesmas velharias", que sois isso ou aquilo, ou que são horas de ir para casa. Tenho de dar atenção completa ao que estais dizendo, sem opor nenhuma barreira, mental ou de outra espécie. Escutamos dessa maneira?

INTERPELANTE: A atenção completa é um estado mental diferente do estado comum de atenção?

KRISHNAMURTI: Senhor, não estais dando nenhuma atenção ao que estou dizendo. Desejais saber o que é "atenção completa". Eu posso descrevê-lo, mas que importância tem isso? O que é de primacial importância é isto: estais escutando? Sabeis como é difícil, para a maioria de nós, o investigar, o descobrir, o escutar. Não estou dizendo que devais escutar a mim, em especial, por que a mim próprio não importa se escutais ou não; mas, visto que vos destes ao trabalho de vir aqui, peço-vos, pelo amor de Deus, que escuteis, não apenas a mim mesmo, mas ao funcionar do maquinismo de vossa própria mente, posta agora em presença de um problema. Este problema é: o ódio pode ser dissolvido imediatamente? O descobrirmos de que modo reagimos em face desta questão tem validade. Se dizeis: "Sim, estou escutando", mas vossa intenção é de descobrir um método de vos livrardes do ódio, não estais então olhando o problema, porque só vos interessa o "como". Mas, em questões psicológicas, pode existir "como"? Entendeis, senhores? Este é um problema muito complexo; portanto, não digais, simplesmente, "sim" ou "não". Nas atividades técnicas, no construir, no cozinhar, no montar um avião a jato, no lavar pratos eficientemente, etc., há um "como"; e quanto mais alertados estamos, mais eficiente se torna o "como"; mas, existe algum "como", em questões psicológicas? Existe algum processo gradual de evolução, transformação, ou só há a transformação imediata?

INTERPELANTE: Que cumpre então fazer em relação ao problema psicológico?

KRISHNAMURTI: Senhor, considerai o problema. Tenho de parar aqui. Não podeis absorver por mais de uma hora este gênero de palestra.

Temos o problema do morrer. Todos estamos a morrer; e pode a mente achar-se num estado em que não haja morte? Este é essencialmente o mesmo problema, e só estou empregando uma série diferente de palavras. A mente está cônscia de que vai morrer, de modo que apela para várias doutrinas, o saber, o experimentar, crê na reencarnação, lê o Upanishads etc., e tudo isso se baseia no desejo de continuidade. Mas posso descobrir diretamente, por mim mesmo, se existe um estado em que não há morte, em vez de ficar na dependência de um certo senhor barbudo, para me informar sobre o que existe após a morte? Este problema é o mesmo que ser ambicioso, violento, ávido, invejoso, e procurar saber se é possível abandonar tudo isso completamente — o que realmente significa que precisamos verificar se estamos em busca de algum método. Estais em busca de um método para ajudar-vos a dissolver o ódio? Os mais de vós aceitastes como um fato a necessidade de método, e como estou agora pondo em dúvida a natureza "factual" disso que tendes aceito, estais resistindo ao que estou dizendo. Mas, se pelo indagar, pelo considerar o problema, vós mesmo estais apercebido de que a prática de um método é uma total ilusão, então, nesse caso, vossa maneira de considerar o ódio terá sofrido uma tremenda modificação; e esse percebimento da ilusão não resulta de esforço algum.

Senhores, ainda vamos reunir-nos não sei quantas vezes e, em lugar de ser eu só a falar, não podemos, para variar, entrar nesta questão como dois entes humanos, como amigos que estão realmente a escutar o problema e procurando descobrir o que é verdadeiro? Não nos estamos opondo um ao outro, nem vós estais aceitando o que digo, porque nesta nossa busca não há autoridade alguma, não há mestre nem sishya, não há guru, nenhuma dessas futilidades. Aqui todos somos iguais, porque no tentar descobrir o que é verdadeiro existe a verdadeira igualdade. Por favor, senhores, escutai o que vos estou dizendo. É só quando não estais em busca da realidade, que há essa falsa separação do mestre e do discípulo. Certo, onde existe o amor, não existe desigualdade. Tem de haver amor, quando buscamos; e não estamos buscando quando consideramos um outro como discípulo ou como guru. Para a investigação da verdade, é necessária a cessação de todo o conhecimento. Onde há amor, há igualdade; não existe o homem que está no alto e o homem que está em baixo.

Krishnamurti, Primeira Conferência em Benares, 11 de dezembro de 1955
Da Solidão à Plenitude Humana



quinta-feira, 5 de abril de 2018

Atenção completa é a bem-aventurança completa­

Atenção completa é a bem-aventurança completa­

Nossa busca, principalmente em matéria religiosa, afigura-se-me sobremodo superficial. Não parecemos capazes de ir além dos níveis superficiais. A maioria de nós passa os dias buscando certa Realidade que o nosso pensar condicionado "projetou" ou só é capaz de compreender superficialmente. Não é um problema que interessa à maioria de nós o de investigarmos muito profundamente, ultrapassarmos os níveis superficiais, livres de todos os psicólogos, todos os profetas, instrutores, Salvadores, Mestres, e disciplinas, de modo que, como indivíduos, possamos realmente descobrir o que é verdadeiro? Parecemos incapazes disso, pois estamos sempre buscando apoio, confirmação, naqueles que supomos terem já achado a Verdade, ou nos propagandistas das diferentes religiões. Nenhuma confiança temos na nossa própria capacidade de descobrir. Se adquirirmos confiança na nossa capacidade, então possivelmente estaremos livres para descobrir o que é verdadeiro, aquilo que transcende os limites da mente. Mas como adquirir essa capacidade? Porque, se a tivermos, estaremos então livres, libertados de toda obediência, toda autoridade, toda tendência à imitação, ao conformismo com o padrão estabelecido por determinada religião ou filosofia. Se tivermos a capacidade de investigar verdadeiramente, profundamente, de penetrar até as raízes do nosso ser, sem desfigurarmos o que vemos, sem termos medo de não descobrir, não achar um resultado, teremos então a possibilidade de libertar-nos de toda influência cultural, seja do Oriente, seja do Ocidente. Porque nenhuma cultura, assim me parece, pode ajudar-nos a achar a realidade, o imensurável, o atemporal. A influência ocidental ou oriental nos tem condicionado de tal maneira, a tal ponto moldado a nossa mente, que apenas somos rapazes de pensar dentro do padrão de nossa cultura. Não creio que a cultura possa ajudar-nos, em qualquer circunstância que seja. Pelo contrário, acho que devemos estar livres dela, totalmente livres, o que significa que devemos estar livres do desejo de reconhecimento pela sociedade. O homem capaz de descer até às raízes das coisas, só esse é um verdadeiro indivíduo. Presentemente, somos "a massa", o corpo coletivo, resultado da cultura, da tradição, de crenças várias e experiências condicionadas. Por certo, só quando estamos livres de tudo isso podemos ser verdadeiramente individuais; e é só então que a realidade pode despontar. Mas como adquirir essa capacidade que nos libertará de toda autoridade, em matéria espiritual, de modo que sejamos verdadeiros indivíduos, capazes de descobrir por nós mesmos, sem precisarmos do estímulo, da confirmação, do apoio de ninguém? Considero esta uma pergunta fundamental. Raramente fazemos perguntas fundamentais; e, se as fazemos, deixamo-nos satisfazer facilmente pelas respostas superficiais, pelas palavras de outro.

Assim, pode-se adquirir aquela capacidade? Não no curso do tempo, o que, além do mais, é evasão; mas podemos tê-la imediatamente, vós e eu? Pode-se ultrapassar o nível superficial? Que é que me impede de ter a clareza necessária para compreender o todo, a totalidade do meu ser? No próprio "processo" da compreensão de que o meu ser é resultado da tradição, do tempo, da cultura, do medo, da experiência, não poderei lançar à margem tudo isso, para que a mente esteja fresca, lúcida, e apta a descobrir, a perceber diretamente? Estou certo de que a maioria de nós já fez tal pergunta. Pode a mente ser livre, independente de qualquer outro, seja quem for esse outro, independente de qualquer sistema ou roteiro? Se sigo um sistema, um roteiro, terei naturalmente os resultados a que o sistema ou o roteiro conduz, mas já não serei um indivíduo, um verdadeiro descobridor. O verdadeiro descobridor tem de ser um indivíduo livre. Assim, pois, que nos está impedindo de ter essa extraordinária capacidade de investigar profundamente, sem nos satisfazermos com explicações superficiais e crenças? Uma das razões é que agimos, pensamos, de acumulação em acumulação, não é verdade? Onde há acumulação tem de haver imitação. Toda experiência deixa um resíduo, uma lembrança, e em virtude dessa lembrança agimos, acumulamos, e tornamos mais forte o "eu". Não há um só momento em que nosso espírito esteja verdadeiramente livre, sem os resíduos das experiências de ontem. Essa memória, resultado de anos de acumulação, essa memória é que nos priva da capacidade de percebimento claro, direto. Como vemos, a nossa mente nunca é livre.

Não sei se já notastes como toda experiência deixa um resíduo, um resultado, ao redor do qual as experiências ulteriores vão sendo traduzidas, colhidas, acumuladas e conservadas. A memória, pois, como experiência, como tradição, como saber, constitui uma carga que nos impede a capacidade de ser livres, completamente individuais, e capazes de descobrir as coisas por nós mesmos. Se um homem nasceu hinduísta ou cristão, o seu espírito naturalmente foi condicionado segundo uma determinada simbologia, segundo várias ideias relativas à realidade, à meditação; e através desse condicionamento a mente experimenta, e fortalece, assim, cada vez mais tal condicionamento. O cristão, em matéria espiritual, estará sempre apegado à imagem do Cristo ou da Virgem Maria, e o hinduísta faz a mesma coisa, à sua maneira. Quando se é livre, totalmente, e não apenas à superfície — o que significa: quando não há imitação em circunstância alguma, quando não há tendência para o conformismo, psicologicamente, interiormente —, só então, por certo, tem o indivíduo a capacidade de investigar, de descobrir.

Se prestastes atenção até aqui, ocorrer-vos-á naturalmente esta pergunta: "Como posso libertar-me de toda acumulação do passado, de todo o meu condicionamento?" Não há "como"; só há o descobrimento da Verdade, sem se perguntar "como ser livre?" Porque se toda nossa atenção está aplicada ao descobrimento do que é verdadeiro, então este próprio percebimento, este próprio escutar do que é verdadeiro, liberta. Enquanto estamos pensando em termos de crença, ilusão, coisas que desejamos ser, somos incapazes de escutar, de dar toda a nossa atenção. Nossas crenças, nossas tradições, nossos símbolos, nos impedem o efetivo escutar de qualquer verdade. A mim me parece que a única coisa importante é a atenção; a atenção completa é o bem completo. A atenção que tem em mira um objetivo já não é atenção, é exclusão.

Por conseguinte, se formos capazes de escutar, não com o fim de ganharmos alguma coisa — porque tal atenção se torna exclusivista, estreita, limitada — e, sim, com a totalidade de nosso ser, escutar totalmente, sem objetivo algum, ver-se-á que nunca mais pediremos o "como", o método, o sistema, a filosofia, a disciplina. Nesse estado de atenção completa não há contradição dentro de nós mesmos, não há batalha entre o consciente e o inconsciente — é a atenção total. Por conseguinte, não há necessidade de se percorrer todo o "processo" psicanalítico, exumando, uma por uma, as lembranças, para nos tornarmos livres delas.

Podemos, então, vós e eu, que estamos escutando, experimentar de fato, sem que cada experiência deixe resíduo algum? Compreendeis o problema. Se experimento algo, essa experiência deixa uma lembrança, esta lembrança condicionará as experiências futuras; e, nessas condições, não será possível experimentar aquilo que é imensurável. O que é está fora do tempo; e a memória é do tempo. Quer se trate da lembrança superficial de um dado incidente, quer da lembrança de uma experiência que tivemos em raras ocasiões, em que sentimos, em que conhecemos talvez algo que excede todas as medidas da mente, algo eterno, como quer que seja, estamos perenemente apegados a tal experiência, com o que a mente fica impedida de experimentar mais além, mais profundamente. Enquanto a experiência deixar vestígio de memória, que é tempo, nunca será possível experimentar o que é eterno. A mente, portanto, deve deixar-se morrer, momento por momento, para cada experiência. Efetivamente, só nesse estado ela é criadora. E pode-se adquirir a capacidade de profunda penetração? Acho que sim, mas isso só é possível quando não nos satisfazemos com explicações, quando não nos deixamos nutrir com palavras; quando já não dependemos da experiência de outros; quando não recorremos a ninguém e empreendemos a viagem completamente sós, depois de nos desvencilharmos de todas as tradições, toda a cultura, toda crença, e, sobretudo, todo o saber. Porque, se a mente está abarrotada de muitos conhecimentos, só poderá experimentar aquilo que sabe.

Assim sendo, é possível pormos de parte, vós e eu — não teoricamente, não apenas por agora, porque estamos escutando uma palestra, mas realmente, diretamente —, é possível pormos de parte toda a acumulação racial, hereditária, deixarmos de ser ingleses, ou hindus, deixarmos de ter religião, no sentido de ortodoxia, dogmas, símbolos? Se ficamos apegados a todas estas coisas já não somos verdadeiros descobridores.

Estamos, então, meramente em busca de uma satisfação, do prazer de uma experiência exigida pelo nosso condicionamento. E eu penso que aquela capacidade não é coisa do tempo. Se levamos em conta o tempo, cairemos de novo na sujeição ao método. Mas se vemos, se sentimos a importância de perceber claramente a necessidade de completa liberdade interior, se vemos a verdade a esse respeito, então esse próprio percebimento, esse próprio escutar com plena atenção, traz a capacidade.

Krishnamurti, Terceira Conferência em Londres, 19 de junho de 1955 

quarta-feira, 4 de abril de 2018

É possível viver sem qualquer condenação?


É possível viver sem qualquer condenação?

PERGUNTA: Afirmam alguns filósofos que a vida tem finalidade e significação; outros, porém, sustentam que a vida é puramente acidental e absurda. Que dizeis vós? Negais o valor dos alvos, dos ideais e intenções; mas, sem isso, tem a vida alguma significação?

KRISHNAMURTI: Devemos atribuir tanta importância ao que dizem os filósofos? Certos intelectuais dizem que a vida tem finalidade, significação, enquanto outros dizem que ela é acidental e absurda. Ora, cada um a seu modo, negativa ou positivamente, tanto uns como outros estão conferindo significação à vida, não achais? Um afirma, outro nega, mas essencialmente os dois são iguais. Isso é perfeitamente claro.

Pois bem. Quando perseguis um ideal, um objetivo, ou indagais qual é a finalidade da vida, tal indagação ou busca está baseada no desejo de dar significação à vida, não está? Não sei se estais seguindo isto.

Minha vida é insignificante — suponhamos — e trato pois de dar-lhe significação. Pergunto: “Qual é a finalidade da vida?” — porque, se a vida tem alguma finalidade, poderei então viver em harmonia com essa finalidade. E, assim, invento ou imagino uma finalidade, ou, pela leitura, pela investigação, pela busca, encontro uma finalidade; estou, por conseguinte, dando significação à vida. Como o intelectual, à sua maneira, dá significação à vida, negando ou afirmando que ela tem finalidade e um significado, nós também atribuímos significação à vida por meio de nossos ideais, da busca de um alvo, de Deus, de Amor, da Verdade. E isso, com efeito, significa que, se não damos significação à vida, nossa existência não terá para nós importância alguma. O viver não nos parece tão bom como desejaríamos que fosse, e por isso desejamos dar significação à vida. Não sei se estais percebendo isto.

Qual é a significação de nossa vida, da vossa e da minha, independentemente dos filósofos? Ela tem alguma significação, ou lhe estamos dando significação pela crença, tal como faz o intelectual que se torna católico, isto ou aquilo, encontrando assim um abrigo? Como seu intelecto reduziu tudo a cacos, ele se vê agora sozinho, desamparado, etc., e não podendo suportar tal estado, necessita de uma crença, no catolicismo, no comunismo, em qualquer coisa que lhe dê alento e dê significação à sua vida.

Agora, pergunto a mim, mesmo: Por que razão queremos uma finalidade? E que significa viver sem finalidade alguma? Compreendeis? Sendo a nossa vida vazia, atribulada, triste, precisamos dar-lhe uma significação. E há possibilidade de ficarmos apercebidos de nosso vazio, nossa solidão, nossos sofrimentos, todas as tribulações e conflito de nossa existência, sem darmos, artificialmente, um significado à vida? Podemos estar apercebidos dessa coisa extraordinária que chamamos a vida — que significa ganhar o próprio sustento, que significa inveja, ambições e desenganos — estar apercebidos, simplesmente, de tudo isso, sem condenação ou justificação, e passar além? A mim me parece que, enquanto estivermos procurando ou dando uma significação à vida, estaremos perdendo algo de extraordinariamente vital. O mesmo acontece com o homem que quer achar a significação da morte e está constantemente empenhado em racionalizá-la, explicá-la, e impedido, assim, de “experimentar” o que é a morte. Apreciaremos este ponto noutra palestra.

Não nos estamos esforçando, todos nós, para acharmos uma razão para nossa existência? Quando amamos, temos uma razão para isso? Ou é o amor o único estado em que “não há razão de espécie alguma, nem explicação, nem esforço, nem luta para ser alguma coisa?” Talvez desconheçamos esse estado. E, desconhecendo-o, tentamos imaginá-lo, dar uma significação à vida; mas, como nossa mente está condicionada, e portanto é limitada, superficial, a significação que damos à vida, os nossos deuses, os nossos ritos, os nossos esforços, tudo é também medíocre.

Não importa, pois, descubramos por nós mesmos qual a significação que damos à vida, se o fazemos? Não há dúvida de que os intentos, os alvos, os Mestres, os deuses, as crenças, os fins em que buscamos posso preenchimento, são todos inventados pela mente, todos produtos de nosso próprio condicionamento; e, compreendendo-se isto, não é importante “descondicionar” a mente? Quando a mente não está mais condicionada e, por conseguinte, não está dando significação à vida, a vida se torna então uma coisa extraordinária, uma coisa totalmente diferente da estrutura construída pela mente. Mas, primeiro que tudo, precisamos conhecer o nosso condicionamento, não é verdade? E podemos conhecer nosso condicionamento, nossas limitações, nosso fundo, sem procurar forçá-lo ou analisá-lo, sublimá-lo ou reprimi-lo? Pois tal mecanismo implica a entidade que observa e se separa da coisa observada, não é exato? Enquanto houver observador e coisa observada, o condicionamento tem que continuar. Por mais que o observador, o pensador, o censor lute para livrar-se de seu condicionamento, continuará preso nesse condicionamento, uma vez que a divisão entre “pensador” e “pensamento”, “experimentador” e “experiência”, é o próprio fator que perpetua o condicionamento; e é extremamente difícil fazer desaparecer tal divisão, uma vez que aí está presente todo o problema da vontade.

Nossa civilização se baseia na vontade, a vontade de ser, de “vir a ser”, alcançar, realizar; por esta razão, está sempre presente em nós a entidade que quer modificar, controlar, alterar aquilo que observa. Mas há diferença entre aquilo que essa entidade observa, e ela própria, ou ambos são uma só entidade? Aqui está uma coisa que não é para se aceitar irrefletidamente. Ela tem de ser pensada, examinada com muita paciência, delicadeza, cautela, de maneira que a mente não fique mais separada da coisa em que pensa, e o observador e a coisa observada sejam psicologicamente uma só entidade. Enquanto eu continuar psicologicamente separado daquilo que em mim percebo como “inveja”, lutarei para dominar essa inveja; mas esse “eu”, essa entidade que faz esforço para dominar a inveja, é diferente da inveja? Ou são ambos a mesma coisa, e o “eu” só se separou da inveja para dominá-la, porque a inveja é um sentimento doloroso, e por várias outras razões? Mas, justamente esta separação é a causa da inveja.

Talvez não estejais habituados a esse modo de pensar, e o acheis um pouco abstrato. Mas a mente invejosa nunca pode estar tranquila, porque está sempre comparando, sempre procurando “vir a ser” algo que ela não é; e se nos decidimos a penetrar esse problema da inveja, radicalmente, profundamente, toparemos inevitavelmente com este problema, ou seja se a entidade que deseja libertar-se da inveja não é a própria inveja. Ao perceber-se que é a própria inveja que deseja libertar-se da inveja fica então a mente cônscia desse sentimento chamado inveja, sem nenhuma ideia de condená-lo ou libertar-se dele. E, daí, surge outro problema: Há sentimento, se não há verbalização? Pois a própria palavra “inveja” é condenatória, não é verdade? Estou dizendo algo demasiado muito súbito?

Existe sentimento de inveja, se não dou nome a tal sentimento? Pelo próprio fato de lhe dar nome, não estou nutrindo o sentimento? O sentimento e o dar-lhe nome são quase simultâneos, não é verdade? E é possível separá-los de tal maneira, que só se tenha uma sensação de reação, sem nome algum? Se investigardes isso, realmente, vereis que, quando não se dá nome ao sentimento, a inveja se acaba — não simplesmente a inveja que uma pessoa sente porque outra pessoa é mais bela ou tem um carro melhor, ou por outra estupidez qualquer, mas a essência profunda da inveja, a raiz da inveja. Todos somos invejosos, de diferentes maneiras, não há um só que não seja invejoso. Mas a inveja não é apenas a manifestação superficial; ela é aquele senso de comparação que penetra tão fundo e ocupa uma tão grande porção da mente. E para ficarmos radicalmente livres da inveja tem de deixar de existir o “observador” da inveja, que quer libertar-se da inveja. Apreciaremos isso noutra ocasião.

PERGUNTA: Não ter senso de condenação, justificação ou comparação, significa achar-se num estado de consciência superior. Eu não me acho nesse estado e, assim, como poderei alcançá-lo?

KRISHNAMURTI: Vede, senhores, a própria pergunta “como poderei alcançá-lo?” é de natureza invejosa. (Risos) Não riais, senhores, prestai atenção, por favor. Vós desejais ganhar alguma coisa, e por isso tendes métodos, disciplinas, religiões, igrejas, toda esta superestrutura edificada sobre a inveja, a comparação, a justificação, a condenação. Nossa civilização está baseada nesta divisão hierárquica entre os que têm mais e os que têm menos, os que sabem e os que não sabem, os que são ignorantes e os que estão cheios de sapiência, e, por isso, a maneira de encararmos o problema está completamente errada. O interrogante diz: “Não ter senso de condenação, justificação ou comparação, é achar-se num estado superior de consciência”. É exato? Ou acontece simplesmente que não estamos apercebidos de estar condenando, comparando? Porque afirmamos logo que aquele estado é um estado superior de consciência e, em seguida, em consequência dessa afirmativa, criamos o problema de “como” alcançar tal estado e saber “quem” nos ajudará a alcançá-lo? A coisa não é muito mais simples?

Isto é, não estamos apercebidos de nós mesmos, em absoluto, não percebemos que estamos condenando, comparando. Se pudermos observar-nos todos os dias, sem condenarmos nem justificarmos coisa alguma, se pudermos estar simplesmente apercebidos de que nunca pensamos sem julgar, comparar, avaliar, então, esse próprio percebimento será suficiente. Estamos sempre a dizer: “Este livro não é tão bom como o outro”, ou “Este homem é melhor do que aquele”, etc.; está sempre em vigor este constante mecanismo de comparação, e pensamos que pela comparação compreendemos alguma coisa. Mas, compreendemos? Ou só vem a compreensão quando não estamos comparando, mas prestando atenção? Há comparação ao observardes uma coisa com toda a atenção? Quando estais totalmente atento, não tendes tempo para comparar, tendes? No momento em que comparais, vossa atenção fugiu para outra coisa. Quando dizeis “O pôr do sol, hoje, não está tão bonito como esteve ontem” — não estais realmente olhando o pôr do sol, pois a vossa mente fugiu para a lembrança de ontem. Mas, se puderdes observar o pôr do sol de maneira completa, total, com toda a vossa atenção, então, decerto não existirá mais comparação.

O problema, pois, não é de como alcançar alguma coisa, mas sim: Porque não somos atentos? Não somos atentos porque, evidentemente, não temos interesse. Não digais “Mas como posso ter interesse?”. Esta pergunta não cabe aqui, pois não estamos tratando disso agora. Porque deveis ter interesse? Se não tendes interesse em escutar o que se está dizendo, porque vos incomodardes? Mas vós estais incomodado, porque vossa vida é cheia de inveja, de sofrimentos e por isso desejais uma resposta, um significado. Se desejais um significado, então prestai toda a atenção. A dificuldade está em que não temos interesse sério em coisa alguma — “sério”, no correto sentido da palavra. Quando dais atenção completa a uma coisa, não estais procurando obter nada dessa coisa, estais? Nesse momento de atenção total, não existe inveja, não existe nenhuma entidade que esteja procurando mudar, modificar-se, tornar-se algo, não existe “eu”. No momento da atenção, o “eu” está ausente, e é este momento de atenção que é bom, que é amor.

Krishnamurti, 13 de agosto de 1955, 
Realização sem Esforço
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Só há bondade quando há atenção completa


Só há bondade quando há atenção completa

Uma das coisas mais difíceis parece-me ser a comunicação. Venho dizer-vos certas coisas e desejo, naturalmente, que as compreendais. Mas cada um interpreta as palavras que ouve conforme seu próprio cabedal de conhecimentos, experiência, etc., e, assim sendo, diante de um auditório tão grande como este, é dificílimo transmitir exatamente aquilo que desejamos comunicar.

Nesta tarde, desejo discorrer sobre uma coisa que considero deveras importante: o problema referente ao cultivo da virtude. Decerto, sem virtude, a mente é caótica, contraditória; e se não temos a mente tranquila, em boa ordem e livre de conflitos, é óbvio que não podemos ir muito longe. Mas a virtude não é um fim em si. O cultivo da virtude leva-nos numa direção, e o ser virtuoso, noutra direção. Em geral temos muito interesse no cultivo da virtude, porque, ainda que superficialmente, apenas, a virtude confere à mente certo equilíbrio, certa tranquilidade, livre do incessante conflito dos desejos contraditórios. Mas, afigura-se-me bastante evidente que o mero cultivo da virtude não pode, em tempo algum, trazer a liberdade, e, sim, só levar-nos a uma tranquilidade respeitável — o espírito de ordem, de controle, que resulta quando moldamos a mente para acomodá-la a determinado padrão social, denominado “virtude”.

Nosso problema, pois, é o de nos tornarmos bons, sem fazermos esforço para ser bons. Vejo uma vasta diferença entre estas duas coisas. O "ser bom” é um estado em que não existe esforço algum; mas nós não nos achamos em tal estado. Somos invejosos, ambiciosos, maledicentes, cruéis, limitados, vulgares, prisioneiros de rotinas estúpidas, e nada disso é bom; e, se somos assim, como poderemos alcançar um estado mental “bom”, sem fazermos nenhum esforço para sermos bons? Ora, por certo, o homem que se esforça para ser virtuoso, não é virtuoso, é? Quem se esforça para ser humilde não tem, evidente - mente, a mínima compreensão do que é a humildade. E, se não somos humildes, há possibilidade de termos o senso da humildade, sem o cultivo da humildade?

Não sei se já pensastes neste problema. É bem evidente a necessidade de virtude. Ela é como conservar a sala bem arrumada; mas, ter a sala bem arrumada não é, em si, da máxima importância. O fazer da virtude um fim em si traz ao indivíduo certos benefícios sociais, fá-lo ser considerado — aqui, na Índia, ou na Rússia — um “cidadão decente”, porque vive de acordo com um certo padrão. Mas, não é muito importante reconhecermos que a mente deve estar em boa ordem, sem se exercer compulsão ou disciplina — e em seguida nos esquecermos disso, para que a mente não esteja a todas as horas a dominar-se e disciplinar-se, cultivando o conformismo?

Afinal, que é que estamos buscando? Que é que busca, cada um de nós, não teoricamente, abstratamente, mas na realidade? E há alguma diferença entre a busca do homem que aspira à satisfação por meio do saber, de Deus, e a daquele que deseja ser rico, realizar suas ambições, ou daquele que vai buscar satisfação na bebida? Socialmente, há diferença. O homem que vai buscar satisfação na bebida é, sem dúvida, um ser anti-social, ao passo que o que busca a satisfação ingressando numa ordem religiosa, tornando-se eremita, etc., é socialmente útil; mas a diferença é só esta.

Mas, a coisa que buscamos — por mais interessada que seja a nossa busca, traz-nos a tranquilidade? E nós, de fato, estamos muito interessados, pois não? O eremita, o monge, o homem que busca o prazer, de diferentes maneiras, cada um deles está muito interessado. Mas esse interesse é realmente sério? Existe sério interesse, quando empreendemos uma busca com o fim de adquirir alguma coisa? Entendeis minha pergunta? Ou só pode haver um interesse sério quando não se está visando a um fim?

Afinal, vós, aqui presentes, deveis sentir um certo interesse, pois do contrário não vos teríeis dado ao trabalho de vir. Ora, eu pergunto a mim mesmo e espero estejais também perguntando a vós mesmos, o que significa “interesse sério”; porque eu acho que daí depende o que vou explicar mais adiante. Se aqui estais a buscar a satisfação ou um meio de compreender uma certa experiência passada, ou de cultivar um certo estado mental que pensais vos dará tranquilidade, paz, ou de experimentar algo que chamais “Realidade”, “Deus”, podeis estar com muito interesse; mas, não devemos duvidar desse interesse? É sério o nosso interesse ao buscarmos uma coisa porque achamos que ela nos dará prazer ou tranquilidade?

Se pudermos compreender o mecanismo da busca, compreender porque buscamos e o que buscamos — e essa compreensão só é possível pelo autoconhecimento, pela percepção do movimento do nosso próprio pensar, nossas reações e nossos diferentes impulsos — talvez possamos, então, descobrir o que é “ser virtuoso” sem nos disciplinarmos para sermos virtuosos. Pois bem, tenho a impressão que, ainda que consigamos reprimir o conflito existente em nós, ainda que procuremos fugir dele, disciplinar e controlar a mente, moldá-la de acordo com diferentes padrões, o conflito permanecerá latente, e nossa mente nunca estará verdadeiramente tranquila. E ter uma mente tranquila, acho eu, é coisa essencial, porque nossa mente é o único instrumento de compreensão, de percepção, de comunicação, e enquanto não tivermos esse instrumento perfeitamente claro e capaz de percepção, capaz de se aplicar à busca sem ter um fim em vista, não poderá haver liberdade, tranquilidade, nem, por conseguinte, o descobrimento de coisas novas.

Assim, há possibilidade de vivermos neste mundo, — tão cheio de agitações, de ansiedades, de insegurança — sem esforço? Esse é um dos nossos problemas, não achais? Para mim, esta é uma questão muito importante, porque só é possível a ação criadora, quando a mente se acha num estado em que não existe esforço algum. Não estou empregando a palavra “criadora” no sentido acadêmico de aprender “literatura criadora”, “atividade criadora”, “pensamento criador”, etc.; estou-a empregando num sentido muito diferente. Quando a mente se acha num estado em que o passado, com seu cultivo da virtude através de disciplina, desapareceu completamente, só então pode existir uma ação criadora atemporal, que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes. Como pode, pois, a mente chegar a esse estado de constante ação criadora?

Que acontece quando tendes um problema? Pensais nele, de princípio a fim, ficais engolfado nele, vos tornais nervoso e agitado por causa dele; e quanto mais o analisais, aprofundais, desbastais, quanto mais preocupado ficais a seu respeito, tanto menos o compreendeis. Mas, no momento em que deixais de dar-lhe atenção, nesse momento o compreendeis, tudo se torna, de súbito, perfeitamente claro. Tal experiência já deve ter ocorrido à maioria de vós. A mente já não se acha num estado de confusão, conflito, estando, por conseguinte, capacitada para receber ou perceber uma coisa totalmente nova. E é possível a mente permanecer nesse estado, de modo que não fique mais repetindo as mesmas coisas e se torne capaz de experimentar “o novo”, momento por momento? Depende isso, a meu ver, de compreendermos o problema do cultivo da virtude.

Cultivamos a virtude, disciplinamo-nos, com o fim de ajustar-nos a determinado padrão de moralidade. Por quê? Não só porque desejamos tornar-nos socialmente respeitáveis, mas também porque percebemos a necessidade de pôr em ordem, controlar a nossa mente, o nosso falar, o nosso pensar. Reconhecemos quanto isso é importante, mas, no mecanismo de cultivar a virtude, estamos construindo a estrutura da memória, essa memória, que é o “eu”, o “ego”. Tal é a base da nossa ação, principalmente dos que pensam ser religiosos, porque praticam constantemente uma certa disciplina, pertencem a certas seitas, certos grupos, chamados coletividades religiosas. Sua recompensa poderá estar noutra parte, “no outro mundo”, mas é sempre recompensa o que querem; no cultivo da virtude, que significa polir, disciplinar, controlar a mente, estão eles desenvolvendo e mantendo uma memória do “eu” e, por conseguinte, nunca há um momento em que estão livres do passado.

Se realmente já disciplinastes a vós mesmos, exercitando-vos para não serdes invejosos, irritadiços, etc., não sei se tendes notado como esse próprio exercitar, esse próprio disciplinar da mente cria uma série de lembranças, que são conhecimentos. É assaz difícil este problema, e espero me esteja fazendo claro. Esse mecanismo que consiste em dizermos: “Não devo fazer isto” — cria ou constrói o tempo; e a mente que está aprisionada no tempo não pode, é claro, nunca, experimentar algo fora do tempo, “o desconhecido”. Entretanto, devemos ter nossa mente “bem arrumada”, livre de desejos contraditórios — e isso não significa ajustamento, aceitação, obediência.

Nessas condições, se sentis um interesse muito sério, no sentido em, que estou empregando a palavra, este problema tem de surgir, inevitavelmente. Vossa mente é resultado do “conhecido”. Vossa mente é o conhecido, sendo moldada pelas memórias, pelas reações, pelas impressões do “conhecido”; e a mente mantida no terreno do conhecido jamais compreenderá ou experimentará o desconhecido, aquilo que não se acha na esfera do tempo. A mente só é criadora quando está livre do conhecido; e, então, ela pode servir-se do conhecido, isto é, da técnica. Estou-me fazendo claro?

Como sabeis, nosso tédio é tão grande, que estamos constantemente a ler, a adquirir, a aprender, a frequentar igrejas e executar rituais, sem nunca conhecermos um momento inédito, original, não corrompido, completamente livre de todas as impressões; e esse momento é que é criador, atemporal, eterno, ou qualquer outra palavra que preferirdes. Sem essa ação criadora, a nossa vida se torna insípida e estúpida, e todas as nossas virtudes, nosso saber, nossas ocupações, nossos entretenimentos, nossas várias crenças e tradições, tudo muito pouco significa. Como disse há dias, a sociedade apenas cultiva “o conhecido”, e nós somos o resultado dessa sociedade. Para encontrarmos o desconhecido, é essencial nos libertarmos da sociedade — o que não significa retirar-nos para um mosteiro e ficarmos rezando da manhã à noite, disciplinando-nos incansavelmente, ajustando-nos a certo dogma ou crença. Isto, por certo, não pode emancipar a mente do conhecido.

A mente é resultado do conhecido, resultado do passado, que é acumulação no tempo; e tem essa mente alguma possibilidade de ficar livre do conhecido, sem fazer esforço algum, para que possa descobrir algo original? Qualquer esforço que ela faça, para libertar-se, qualquer busca que empreenda, estará sempre na esfera do conhecido. Ora, por certo, Deus ou a Verdade deve ser algo que nunca foi pensado, algo inteiramente novo, nunca formulado, descoberto ou experimentado antes. E como pode a mente resultante do conhecido, experimentar, em algum tempo, essa coisa? Percebeis o problema? Se o problema está claro, achareis então a maneira correta de o atenderdes, a qual não é um método.

Aí está a razão por que importa descobrir se uma pessoa pode ser boa, no sentido completo desta palavra, sem se esforçar para ser boa, sem lutar para libertar-se da inveja, da ambição, da crueldade, sem se disciplinar para deixar de ser maledicente, enfim, abstendo-se de todos os rigores a que nos submetemos quando desejamos ser bons. Pode haver bondade, sem se fazer esforço para “ser bom”? Acho que só haverá, se cada um de nós souber escutar, estar atento. Só há bondade quando há atenção completa. Percebei esta verdade de que não pode haver bondade mediante luta, esforço. Percebei simplesmente esta verdade — mas só podereis percebê-la se estais dando atenção completa ao que se está dizendo. Esquecei todos os livros que lestes, tudo o que vos têm ensinado, e prestai toda a atenção à asserção de que não pode haver virtude, enquanto há esforço para se ser virtuoso. Enquanto luto para não ser violento, tem de haver violência; enquanto luto para não ser invejoso, tem, de haver inveja; enquanto luto para ser humilde, tem de haver orgulho. Se percebo esta verdade, não intelectualmente, ou verbalmente, — o que significa apenas ouvir as palavras e concordar com elas, — se a percebo com toda a simplicidade, diretamente, então, daí virá a bondade. Mas a dificuldade é que a mente diz: “Como conservar esse estado? Posso ser bom, enquanto aqui estou, ouvindo algo que sinto ser verdadeiro, mas, depois de sair daqui, ver-me-ei de novo colhido pela corrente da inveja”. Acho que isso não tem importância; vós o descobrireis.

Nossa cultura, nossa sociedade está baseada na inveja, na vontade de adquirir conhecimentos, experiência, bens materiais, etc. E para nos libertarmos disso não se requer nenhuma luta ou esforço, mas só que vejamos o que significa o esforço. O homem que está adquirindo conhecimentos, não está em paz, pois está empenhado num esforço. Só quando completamente livre de esforço, pode a mente achar-se em paz, que é, na verdade, um estado extraordinário, mas que pode ser alcançado por qualquer um que a isso se aplique de coração e com toda a atenção. A mente que não está lutando, tentando “vir a ser” alguma coisa, social ou espiritualmente, a mente que está reduzida a “nada” — só ela pode receber “o novo”.

Krishnamurti, 23 de agosto de 1955, Realização sem Esforço
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terça-feira, 3 de abril de 2018

A transformação requer paciente atenção


A transformação requer paciente atenção

Poderíamos considerar hoje a significação da autoridade, na vida, e a relação existente entre a autoridade e o temor. Durante as duas reuniões anteriores, estivemos examinando a questão da liberdade individual e considerando se é possível ser-se individual, no sentido de ser livre de temor, e aventei que só pode haver individualidade quando não há temor. É uma das coisas mais difíceis o ser livre de temor, pois o temor assume formas múltiplas. Quando a mente está de todo absorta numa determinada ideia, essa absorção pode representar uma fuga; e o homem que disciplina a mente em conformidade com um padrão de pensamento pode, contudo, achar-se sob o jugo do temor. Quando nos ajustamos a determinado padrão de moralidade — e isso implica autoridade, compulsão —- estamos livres de temor? O seguir a autoridade, sob qualquer forma, sem plena compreensão do significado da autoridade, é estar sob a opressão do temor. Examinemos, pois, esta questão da autoridade; mas, antes de o fazermos, desejo sugerir-vos ouçais de maneira adequada. Escutar adequadamente não significa tirar conclusões. Quando saltais a uma conclusão, já não estais abertos para averiguar, descobrir. Não podeis ser guiados para descobrir: o descobrimento tem de ser espontâneo. Se me estais escutando com o desejo de ser guiados, nunca fareis descobrimentos, isto é bastante claro, não achais? Se ficais esperando que vos mostrem o caminho, jamais descobrireis coisa alguma por vós mesmos; só descobrireis o que o guia quiser que descubrais. Por conseguinte, deveis estar atentos, não apenas ao que estou dizendo, à descrição que faço, mas, principalmente, ao que se passa em vossa mente, o que significa estar vigilante. Embora me utilize de certas palavras e frases como meios de comunicação, o que realmente descrevo é o que cada um de nós está pensando, consciente ou inconscientemente. Se vos limitais a ouvir o que digo, não estais dando atenção a vós mesmos; estais apenas acompanhando uma descrição. Se, porém, através dessa descrição, começardes a estar apercebidos das atividades da mente, com todas as suas tendências e idiossincrasias, haverá então uma possibilidade de descobrimento, a possibilidade de vos tornardes inteiramente percebidos do que vos está sucedendo realmente dentro do ser; e isso, assim me parece, é importantíssimo.

Não estou dizendo uma coisa difícil de compreender; mas, se vos limitardes a ouvir-me as palavras, perdereis a parte mais essencial deste nosso exame. Estou descrevendo o que de fato se está passando, consciente ou inconscientemente, dentro de nós mesmos; e o que se está passando é uma coisa muito complexa, que requer grande soma de paciente atenção, um perceber sem julgamento, um a observação sem escolha. Se formos capazes de ouvir com essa atitude mental, acredito, começaremos então a compreender todo o significado da autoridade. Positivamente, enquanto a mente está sujeita à autoridade, ela não é, em absoluto, individual; e, para descobrir-se o que é real, o que é Deus, o que é a Verdade, para se descobrir o inefável, não se requer sejamos completamente individuais? Ser individual significa estar em completa liberdade de todo temor, de toda compulsão, e do desejo de encontrar uma forma correta de viver. É isto o que todos desejamos, é este o reclamo dos nossos corações: encontrar uma correta maneira de ação, de conduta, um método correto para se viver feliz, em paz. E esse mesmo reclamo não cria autoridade, a autoridade de um livro, de uma pessoa, de uma ideia? Desejamos nos ensinem o que devemos fazer, como devemos viver, de que maneira devemos dominar os nossos inúmeros problemas; e, com esse desejo na mente e no coração, seguimos aqueles que se propõem a dar-nos o que buscamos, aqueles que pensamos haverão de conduzir-nos à realidade, à felicidade, a Deus. Elegemos, assim, uma entidade, um instrutor que é produto de nossa própria “projeção”, e lhe vestimos a fantasia do nosso desejo. O impulso a confiarmos as nossas vidas à guia de instrutores, de livros, representa essencialmente o nosso desejo de estar em segurança, não é verdade? É isto o que desejamos: estar em segurança neste mundo e também no outro.

Ora bem, o desejo de segurança põe em funcionamento o mecanismo da compulsão, da subordinação a um padrão, a uma ideia ou a uma pessoa que representa a ideia; e assim passamos a vida, não é verdade ? Não devemos, portanto, ficar completamente livres desse desejo de segurança, que cria a autoridade? A autoridade é um problema sobremodo complexo. Existe autoridade em diferentes níveis: a autoridade do governo, a autoridade social, religiosa, e a autoridade da nossa própria experiência. Desde a infância somos forçados à submissão. Nossa educação, nosso preparo social e religioso, todo o nosso ambiente estimula-nos a subordinar-nos, ou a resistir, ou a seguir, — sendo esse o mecanismo ordinário do nosso pensamento; e enquanto vós e eu nos acharmos em tal estado, podemos ser indivíduos livres? Se não o somos, é claro, nunca chegaremos a descobrir o que é real; e o “ser livre” exige muita compreensão deste problema da autoridade. Não podeis simplesmente rejeitar toda autoridade externa e seguir o que desejardes seguir, pois o próprio ato de seguirdes o que desejais cria outra autoridade. Podeis rejeitar a autoridade externa, mas resta a autoridade interior da experiência, e essa experiência está baseada no vosso condicionamento. É muito fácil rejeitar a autoridade externa; continuamos, porém, a ser ainda o resultado dessa autoridade, da tradição, da sociedade, da cultura, da civilização em que vivemos. Rejeitar o “exterior” e seguir o “interior” não significa estar livre da autoridade. Esta, por certo, é um processo unitário. Não há linha divisória entre autoridade exterior e autoridade interior: há só autoridade. E pode a mente que está seguindo uma autoridade, sob qualquer forma, descobrir o que é verdadeiro?

Ouvi com atenção o que digo, sem saltar a conclusões. A compulsão, a resistência, a disciplina, o seguir a autoridade, resultam do temor; e pode um espírito, embargado pelo temor, ser livre? Só quando o espírito é livre, pode haver individualidade; mas o produzir essa liberdade espiritual é sobremodo difícil; “difícil”, no sentido de que o simples desejo, o mero esforço, não a produzirá. O desejo e o esforço são reações ao nosso condicionamento; e reação não é liberdade. Pode, então, a mente libertar-se de toda resistência, de todo desejo de encontrar uma solução para os nossos problemas?

Não sei se me estou fazendo claro. Este é, com efeito, um assunto muito difícil de tratar, porquanto, quando começamos a apreciá-lo, vem-nos imediatamente esta reflexão: “Se não tenho uma autoridade, um modo de conduta, como poderei guiar-me amanhã? Se não posso servir-me do meu conhecimento do passado para descobrir o que é verdadeiro, que devo fazer”?

Ora, não é possível vivermos de momento a momento, compreendendo cada incidente, cada experiência, cada relação, no instante em que surge? Não pode a verdade das coisas ser percebida momento por momento? Preciso de uma carga de conhecimentos, preciso da autoridade da experiência, para descobrir o que é verdadeiro? Para compreender, não deve a mente estar de todo livre do passado? Não deve desistir de traduzir a experiência imediata de acordo com seu conhecimento anterior, erigido em autoridade? Mas é isso o que estamos fazendo, não é? Quando temos um problema, de que maneira o atendemos? Traduzimos o problema de acordo com o nosso fundo de condicionamento, com a nossa experiência anterior; avaliamo-lo de acordo com os padrões que estabelecemos, ou que a sociedade estabeleceu; e, ao traduzirmos um problema, não estamos livres para compreender a verdade nele contida. Pode a verdade relativa a qualquer problema humano ser compreendida através da autoridade da experiência ou do saber? Inteligência não é liberdade de compreensão, momento por momento?

A vida é muito complexa, e a mente mais complexa ainda e dotada de extraordinárias capacidades; e para compreender qualquer problema humano, não deve a mente considerá-lo de maneira nova, como coisa nova, e não partindo de um centro que armazenou, que acumulou? Isso é que é compreensão criadora, não achais? O centro que acumula é o “eu”, o “ego”, e, portanto, toda ação procedente desse centro poderá, apenas, aumentar o problema. A Realidade, Deus, ou como quiserdes chamá-lo, deve ser algo totalmente novo, nunca dantes experimentado, completamente original; e pode uma mente que é resíduo do tempo, do passado, da autoridade, da compulsão, da resistência — pode uma mente em tais condições compreender, perceber a significação do que é verdadeiro? Entretanto, toda igreja, toda organização religiosa, toda seita está sempre a falar de Deus; e os que creem em Deus têm visões que fortalecem a sua crença. Ora, o que podemos reconhecer é sempre coisa já conhecida e, portanto, não pode ser o verdadeiro. O que é verdadeiro nunca foi anteriormente conhecido e, por conseguinte, a mente deve compreendê-lo de maneira nova, como coisa nova; e uma das nossas principais dificuldades está em como despojar a mente de todas as compulsões, todos os temores, todas as resistências, todas as autoridades, a fim de que seja livre para observar, para “escutar” e compreender. O amanhã jamais é o mesmo dia; a próxima reação nunca é coisa que existiu antes; e é por traduzirmos cada reação, cada manhã, cada momento subsequente de acordo com o “velho”, que estão sempre surgindo mais e mais complicações em nossa existência. Não há nunca um momento em que contemplamos a vida, as árvores, os pássaros, cada incidente, de maneira original, livre e plenamente.

Não há dúvida, pois, de que a questão não é de como libertar-nos de problemas, ou de como encontrarmos soluções para eles, ou de como sermos livres da autoridade; não se trata, antes, de podermos olhar todos os problemas extraordinariamente complexos e sutis, da vida, com uma mente pura, original, não corrompida? Isso só se pode fazer quando estamos livres do temor, porquanto o temor gera a autoridade: a autoridade de uma pessoa, a autoridade de uma igreja, de uma crença, de um dogma; e, ainda que estejamos livres de dogmas e crenças, se somos escravos da opinião dos nossos semelhantes, ainda estamos, evidentemente, agrilhoados pelo temor.

É, pois, o temor que gera a autoridade; e pode a mente ser livre de temor, do temor da insegurança em todas as nossas relações, o medo de não saber, o medo de não ser? Em nosso desejo de segurança, em nosso temor ao desconhecido, criamos céu e inferno, criamos deuses e visões; é de nossa mente que nascem todas essas coisas. Porque, intrinsecamente, profundamente, existe em nós o medo de estarmos completamente sós, a nossa mente astuciosa começa a acumular propriedades, conhecimentos, experiências; e, uma vez que estamos na sujeição desse “processo", “projetamos” aquilo que deve ser a Realidade ou Deus; e isso é mera especulação; portanto, sem nenhum significado. Criamos inumeráveis formas de crença, atrás das quais a mente se abriga.

Pois bem. Pode a mente ser livre de todo esse “processo” e viver simplesmente, dia por dia, compreendendo a vida tal como se apresenta momento por momento? Afinal, o atemporal, a eternidade inefável é isto: quando a própria mente é o desconhecido. Por ora, a mente é o conhecido, resultado do tempo, de ontem, do saber, de experiências e crenças acumuladas, e, nesse estado, a mente jamais chegará a conhecer o desconhecido. Isto não é uma forma vaga de misticismo. Por certo, se desejo conhecer uma coisa nunca dantes experimentada, que não faz parte do tempo, que não pode ajustar-se ao molde da autoridade, é necessário minha mente esteja de todo livre do passado, o que significa que deve estar liberta de temor. Ante isso, nossa reação imediata é a seguinte: “Como posso ficar livre do temor? Sei que tenho medo, mas como ficar livre dele?” Não é esta a nossa reação instintiva? Ouvi com atenção a pergunta, e encontrareis a resposta. Pode a mente, que criou o temor, libertar-se dele? No seu desejo de segurança, a mente se abriga na crença, engendrando assim o temor e tornando-se, ela própria, incapaz de fazer frente ao desconhecido; e pode a entidade que dá nascimento ao temor ser livre de temor? Sem dúvida, o seu próprio desejo de ser livre de temor é resultado do temor; por conseguinte, todo o esforço da mente para livrar-se do temor faz parte, ainda, do temor. A mente pode apenas estar apercebida do temor e manter-se completamente passiva em presença dele. Nesse percebimento passivo não há escolha, não há esforço para dormir e, quando a mente se acha nesse estado, não há temor algum. A mente, porém, nunca se achará nesse estado de percebimento, enquanto houver esforço para dominar.

Tende a bondade de escutar com toda a atenção, e percebereis a verdade disso. A mente, que é pensamento, gera temor, não é exato? Nós, em geral, vemo-nos sós e não sabemos o que significa essa solidão; nunca a examinamos, jamais a compreendemos, porque estamos sempre a fugir dela por meio de alguma distração. Só compreenderemos a solidão quando a enfrentarmos, e só a enfrentaremos quando não a temermos. Quando fugimos da solidão, damos entrada ao temor; nossa fuga é temor. Nessas condições, a mente está criando temor continuamente — temor do que irá acontecer amanhã, do que acontecerá quando morrermos. O pensamento, resultado do passado, está sempre a projetar-se no futuro e gerando temor.

A mente em tempo algum se libertará do temor enquanto estiver fazendo esforço para dele fugir. Pode, apenas, estar percebida do seu medo e manter-se completamente passiva, sem nenhuma escolha. Vê-la-eis tornar-se extraordinariamente tranquila, e como nessa tranquilidade pode resolver-se o problema do temor. Nessa tranquilidade mental, a autoridade se desvaneceu de todo. Que necessidade tendes de autoridade, quando estais vendo, momento por momento, o que é verdadeiro? A verdade não depende de avaliação ou julgamento e, quando percebe isso de maneira completa, a mente é então, ao mesmo tempo, experimentador e coisa experimentada; e, em consequência, está apta a transcender a si mesma.

Tudo isso exige muita paciência e atenção, um percebimento isento do desejo de vir a ser, de evitar ou obter. É por estarmos eternamente desejando realizar algum fim, ser bem-sucedidos, ou evitar algo, que criamos o temor. O temor multiplica problemas, o temor embarga a mente, prendendo-a ao passado, e por isso a mente é, ela própria, o centro do temor. Somente ao compreender o pleno significado do não desejar ser algo, de ser, não como uma folha em branco, mas completamente vazia, de todo silenciosa — só então lhe é possível, à mente, resolver cada problema no momento em que surge.

Krishnamurti em, Percepção Criadora, 
28 de junho de 1953

quarta-feira, 28 de março de 2018

A observação holística da vida


A observação holística da vida

O que é a percepção, o que é o ver? Como vocês veem essa árvore? Olhem-na por um momento. Com que visão a veem? É somente uma observação ótica, um mero olhar a árvore com a reação dos olhos, observando a forma, o contorno, a luz sobre a folhagem? Ou quando observam uma árvore, a nomeiam dizendo: “Isso é um carvalho”, e passam longe? Ao nomeá-lo, já não estão vendo a árvore — a palavra nega a coisa. Podem olhá-lo
Sem a palavra?

Percebem, então, o modo em que abordam a árvore, o modo em que a olham? A observam parcialmente, com um só sentido, o sentido ótico? A veem, a escutam, a cheira, a sentem, captam o desenho, abarca, a totalidade da árvore? Ou a olham como se fossem diferentes dela? Certamente, quando olham a árvore, vocês não são a árvore. Mas, podem olhá-la sem uma só palavra, com todos os sentidos respondendo à totalidade da sua beleza?

Assim, a percepção significa não apenas observar com todos os sentidos, mas também ver, percebendo se há uma divisão entre si e aquilo que se observa. Vocês provavelmente nunca pensaram em tudo isso. É importante compreendê-lo, porque logo vamos discutir como abordar o medo e perceber tudo o que o medo contém. É importante percebermos como nos aproximamos desse fardo que o homem vem arrastando há milênios. É mais fácil perceber algo fora de nós, como uma árvore, o rio ou o céu azul, sem nomeá-lo — apenas observando-o. Mas, vocês podem observar a si mesmos, olhar para todo o conteúdo da sua própria consciência, o conteúdo total da mente, olhar para o seu próprio ser, o modo como vocês andam, seus pensamentos, seus sentimentos, suas depressões, olhar de tal forma que não haja divisão alguma entre tudo isso e a si mesmo?

Se não há divisão, não há conflito. Onde quer que haja divisão, deve haver conflito; isso é uma lei. Há, então, uma divisão em nós, como a que existe entre o observador e o observado? Se o observador se aproxima do medo, da ganância ou da dor, como se o que tem que resolver, suprimir, compreender ou transcender, fosse algo diferente de si mesmo, então interferem nisso a divisão e todo o esforço e luta consequentes.

[..] Nossas vidas são fragmentadas, divididas, jamais são algo total; nunca temos uma observação holística. Sempre observamos de um ponto de vista particular. Estamos tão divididos internamente, que nossas vidas são em si mesmas contraditórias e, portanto, há um conflito constante. Nunca olhamos para a vida como uma totalidade completa e indivisível. A palavra "todo" (whole) significa ser saudável, são; também significa sagrado (holy). Essa palavra possui um grande significado. Não se trata dos múltiplos fragmentos se integrarem em nossa consciência humana (estamos sempre tentando integrar as várias contradições). Mas é possível olhar para a vida como uma totalidade? Olhar para o sofrimento, o prazer, a dor, a tremenda ansiedade, a solidão, ir ao escritório, ter uma casa, o sexo, o ter filhos — olhar para tudo, não como se fossem atividades separadas, mas como um movimento holístico, como uma ação unitária? Isso é possível de algum modo? Ou somos obrigados a viver eternamente em fragmentação e, portanto, em conflito? É possível observar fragmentação e a identificação com esses fragmentos? Observar, não corrigir, não transcender, não escapar ou reprimir, mas só observar. Não é um problema do que fazer com isso; porque se vocês tentam fazer algo a respeito, então vocês agem a partir de um fragmento e, portanto, estão cultivando mais fragmentos e divisões. Enquanto se vocês podem observar holisticamente, observar todo o movimento da vida como um único movimento, então não só o conflito com sua energia destrutiva chega ao seu fim, mas a partir dessa observação surge uma maneira totalmente nova de abordar a vida. E se se percebe, então se pergunta como há de reunir tudo isso para fazer uma totalidade? E quem é a entidade, o “eu” que precisa reunir todas essas diversas partes e integrá-las? Não é por acaso essa entidade também um fragmento? O pensamento é, em si mesmo, fragmentário, porque o conhecimento nunca é completo em relação a nada. O conhecimento é memória acumulada, e pensamento é a resposta dessa memória e, consequentemente, é limitado. O pensamento nunca poderá produzir uma observação holística da vida.

Podemos, então, observar os múltiplos fragmentos que constituem nossa existência diária e olhar para eles como uma totalidade? Se é um professor, um mestre, ou meramente uma dona de casa, ou um sannyasi que renunciou ao mundo; essas são formas fragmentadas de viver nossa vida diária. Pode-se observar todo o movimento de sua vida fragmentada com seus motivos separados e separativos? Pode-se observar tudo isso sem o observador? O observador é o passado, o acúmulo das lembranças; esse é o passado, e o passado é tempo. O passado olha para essa fragmentação; e o passado como memória é também intrinsecamente o produto de fragmentações anteriores. Pode-se, então, observar sem tempo, sem pensamento, sem as lembranças do passado e sem a palavra? Porque a palavra é o passado, a palavra não é a coisa. Estamos sempre olhando através das palavras, as explicações, que por sua vez são um movimento de palavras.

Jamais temos uma percepção direta. A percepção direta é o discernimento que transforma as próprias células cerebrais. Nosso cérebro foi condicionado através do tempo e trabalha no pensamento. Ele está preso nesse circuito. Quando há observação pura de qualquer problema, há uma transformação, uma mutação na própria estrutura das células.

[...] A observação holística é uma percepção sã, sensata, racional, lógica e total - total (whole) implica sagrado (holy). É possível para um ser humano como qualquer um de nós, que é um leigo, que não é um especialista, é possível para ele olhar para a consciência contraditória e confusa, olhá-la como uma totalidade? Ou deve olhar cada parte separadamente? Quer-se compreender a si mesmo, compreender a própria consciência. Sabe desde o próprio começo que é muito contraditória - quer uma coisa e não quer a outra; diz uma coisa e faz outra. E sabe-se que as crenças separam o homem. Um acredita em Jesus, em Krishna ou algo assim, ou acredita em sua própria experiência à qual se apega, incluindo o conhecimento acumulado durante os quarenta ou sessenta anos de sua vida, o qual se tornou extraordinariamente importante. Um se apega a isso. Reconhece que a crença destrói e divide as pessoas e, no entanto, não pode desistir dela porque a crença tem uma estranha vitalidade. Isso nos dá uma certa sensação de segurança. Alguém acredita em Deus e nisso existe uma força extraordinária. Mas Deus é uma invenção do homem; é a projeção de nosso próprio pensamento, o oposto de nossas próprias exigências internas, de nosso próprio desespero.

[...] Inteligência é a percepção do verdadeiro; essa percepção descarta o falso; vê a verdade no falso e compreende que nenhuma das atividades do pensamento é inteligência. Vê que o pensamento em si mesmo é o produto do conhecimento, o qual é o resultado da experiência como memória, e vê que a resposta da memória é o pensamento. O conhecimento é sempre limitado — isso é óbvio — o conhecimento perfeito não existe. Portanto, o pensamento, com todas as suas atividades e todo o seu conhecimento, não é inteligência. Então, pergunta-se: Que lugar o pensamento tem na vida, considerando que toda a nossa atividade é baseada no pensamento? Tudo o que fazemos tem sua base no pensamento. Todos os relacionamentos são baseados no pensamento. Todas as invenções, realizações tecnológicas, o comércio, as artes, tudo responde à atividade do pensamento. Que lugar, então, o conhecimento e o pensamento ocupam em relação à deterioração do ser humano?

[...] É possível dar uma atenção tão tremenda que nos permita viver uma vida sem registros psicológicos? O registro ocorre somente quando há desatenção. Você está acostumado com seu irmão, seu filho ou sua esposa; sabe o que vão dizer — eles disseram a mesma coisa com tanta frequência! Você os conhece. Quando você diz: "Eu os conheço", é que está desatento. Quando dizemos: "Eu conheço minha esposa", é óbvio que não a conhecemos realmente, porque não é possível conhecer uma coisa viva. É apenas uma coisa morta, a memória, o que conhecemos.

Quando percebemos isso com muita atenção, a dor tem um significado completamente diferente. Não há nada para aprender com a dor. Então há apenas o término da dor. E quando a dor acaba, há amor. Como podemos amar o outro — amar, ter a qualidade desse amor — quando toda a nossa vida é baseada em lembranças, nessa imagem que alguém pendurou na lareira ou colocou no piano? Como podemos amar quando estamos presos em uma vasta estrutura de memórias? A cessação da dor é o começo do amor. 

A Chama da Atenção
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"Quando você compreende, quando chega a saber,
então traz toda a beleza do passado de volta
e dá a esse passado o renascimento, renova-o,
de forma que todos os que o conheceram
possam estar de novo sobre a terra
e viajar por aqui, e ajudar as pessoas." (Tilopa)



"Nos momentos tranqüilos da meditação, a vontade de DEUS pode tornar-se evidente para nós. Acalmar a mente, através da meditação, traz uma paz interior que nos põe em contato com DEUS dentro de nós. Uma premissa básica da meditação, é que é difícil, senão impossível, alcançar um contato consciente, à não ser que a mente esteja sossegada. Para que haja um progresso, a comum sucessão ininterrupta de pensamentos tem de parar. Por isso, a nossa prática preliminar será sossegar a mente e deixar os pensamentos que brotam morrerem de morte natural. Deixamos nossos pensamentos para trás, à medida que a meditação do Décimo Primeiro Passo se torna uma realidade para nós. O equilíbrio emocional é um dos primeiros resultados da meditação, e a nossa experiência confirma isso." (11º Passo de NA)


"O Eu Superior pode usar algum evento, alguma pessoa ou algum livro como seu mensageiro. Pode fazer qualquer circunstância nova agir da mesma forma, mas o indivíduo deve ter a capacidade de reconhecer o que está acontecendo e ter a disposição para receber a mensagem". (Paul Brunton)



Observe Krishnamurti, em conversa com David Bohn, apontando para um "processo", um "caminho de transformação", descrevendo suas etapas até o estado de prontificação e a necessária base emocional para a manifestação da Visão Intuitiva, ou como dizemos no paradigma, a Retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa...


Krishnamurti: Estávamos discutindo o que significa para o cérebro não ter movimento. Quando um ser humano ESTEVE SEGUINDO O CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO, e PASSOU por TUDO isso, e esse SENTIDO DE VAZIO, SILÊNCIO E ENERGIA, ele ABANDONOU QUASE TUDO e CHEGOU AO PONTO, à BASE. Como, então, essa VISÃO INTUITIVA afeta a sua vida diária? Qual é o seu relacionamento com a sociedade? Como ele age em relação à guerra, e ao mundo todo — um mundo em que está realmente vivendo e lutando na escuridão? Qual a sua ação? Eu diria, como concordamos no outro dia, que ele é o não-movimento.

David Bohn: Sim, dissemos que a base era movimento SEM DIVISÃO.

K: Sem divisão. Sim, correto. (Capítulo 8 do livro, A ELIMINAÇÃO DO TEMPO PSICOLÓGICO)


A IMPORTÂNCIA DA RENDIÇÃO DIANTE DA MENTE ADQUIRIDA
Até praticar a rendição, a dimensão espiritual de você é algo sobre o que você lê, de que fala, com que fica entusiasmado, tema para escrita de livros, motivo de pensamento, algo em que acredita... ou não, seja qual for o caso. Não faz diferença. Só quando você se render é que a dimensão espiritual se tornará uma realidade viva na sua vida. Quando o fizer, a energia que você emana e que então governa a sua vida é de uma frequência vibratória muito superior à da energia mental que ainda comanda o nosso mundo. Através da rendição, a energia espiritual entra neste mundo. Não gera sofrimento para você, para os outros seres humanos, nem para qualquer forma de vida no planeta. (Eckhart Tolle em , A Prática do Poder do Agora, pág. 118)


O IMPOPULAR DRAMA OUTSIDER — O encontro direto com a Verdade absoluta parece, então, impossível para uma consciência humana comum, não mística. Não podemos conhecer a realidade ou mesmo provar a existência do mais simples objeto, embora isto seja uma limitação que poucas pessoas compreendem realmente e que muitas até negariam. Mas há entre os seres humanos um tipo de personalidade que, esta sim, compreende essa limitação e que não consegue se contentar com as falsas realidades que nutrem o universo das pessoas comuns. Parece que essas pessoas sentem a necessidade de forjar por si mesmas uma imagem de "alguma coisa" ou do "nada" que se encontra no outro lado de suas linhas telegráficas: uma certa "concepção do ser" e uma certa teoria do "conhecimento". Elas são ATORMENTADAS pelo Incognoscível, queimam de desejo de conhecer o princípio primeiro, almejam agarrar aquilo que se esconde atrás do sombrio espetáculo das coisas. Quando alguém possui esse temperamento, é ávido de conhecer a realidade e deve satisfazer essa fome da melhor forma possível, enganando-a, sem contudo jamais poder saciá-la. — Evelyn Underhill